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Possibilidade de extensão dos efeitos da decisão concessiva de habeas corpus, de ofício, ao corréu

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Agenda 24/05/2014 às 14:15

4 APLICAÇÃO DO EFEITO EXTENSIVO, DE OFÍCIO, AO HABEAS CORPUS

O efeito extensivo, conforme anteriormente visto, consubstancia-se na ampliação do julgamento para beneficiar o coacusado não recorrente. No caso de recursos, é unânime o entendimento no sentido da aplicabilidade desse efeito ao corréu não impugnante, mesmo de ofício, desde que presente a identidade das circunstâncias de caráter objetivo, que deu fundamento à decisão cuja eficácia se deseja estender.

Todavia, quanto às ações autônomas de impugnação, não há previsão legal específica para sua extensão, seja a requerimento do interessado ou de ofício pelo juiz ou pelo tribunal. Tampouco, há no meio doutrinário ou acadêmico trabalhos destinados a discutir essa omissão legislativa. Entretanto, muitos doutrinadores, dentre eles, Bonfim273, Manzano274, Constantino275, Demercian e Maluly276, Capez277, limitam-se a admitir, com base no artigo 580 do Código de Processo Penal, a possibilidade de aplicação do efeito extensivo às ações autônomas de impugnação, sem, contudo, mencionarem a forma pela qual esta extensão pode ocorrer.

Assim, para que se possa concluir pela admissibilidade dessa extensão às ações autônomas de impugnação ao corréu, de ofício, sobretudo ao habeas corpus, abordar-se-ão, na primeira parte deste capítulo, alguns princípios e elementos interpretativos e, na segunda parte, far-se-á a uma breve pesquisa sobre a posição adotada acerca da matéria no Supremo Tribunal Federal, no Superior Tribunal de Justiça e no Tribunal de Justiça de Santa Catarina, os quais fundamentarão a conclusão a que se pretende chegar.

4.1 PRINCÍPIOS E MÉTODOS INTERPRETATIVOS APLICÁVEIS

Desde a constitucionalização do direito ocorrida a partir da segunda metade do Século XX, com ênfase no respeito intransigente aos direitos fundamentais, sob pena de inconstitucionalidade, o juiz deve obrigatoriamente tratar o direito material individual acima de possíveis burocracias processuais (princípio da instrumentalidade do processo), de modo que todo abuso ou ilegalidade reconhecido a um corréu, em um caso concreto, deve ser automaticamente aplicado ao outro indivíduo afetado, independentemente de qualquer provocação, desde que lhe sejam comuns as circunstâncias de caráter objetivo.

4.1.1 Dignidade da pessoa humana

A dignidade da pessoa humana “é o valor e o princípio subjacente ao grande mandamento, de origem religiosa, do respeito ao próximo, pelo qual se infere que “todas as pessoas são iguais e têm direito a tratamento igualmente digno”; e de origem filosófica, pela qual “cada indivíduo deve ser tratado como um fim em si mesmo.” A partir dessas noções, este princípio foi transportado para o Direito e, logo após a Segunda Guerra Mundial, passou ele a figurar em documentos internacionais278, dentre os quais destaca-se a Declaração dos Direitos Humanos (1948), da qual se extrai, no artigo 1º, que “todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade.”279

Na Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, o princípio da dignidade da pessoa humana aparece como um dos fun­damentos republicanos, no artigo 1º, inciso III.280 Ele se encontra “na origem dos direitos materialmente fundamentais e representa o núcleo essencial de cada um deles”, tanto os individuais quanto os políticos e os sociais. Esse fundamento constitucional “tem sido objeto, no Brasil e no mundo, de intensa elaboração doutrinária e de busca de maior densidade jurídica”, com o intuito de se “estabelecer os contornos de uma objetividade possível, apta a prover racionalidade e controlabilidade à sua uti­lização nas decisões judiciais”, de forma a torná-lo efetivo.281

Ainda, por este princípio, todo ordenamento jurídico deve assegurar às pessoas um mínimo inatacável, de modo que somente excepcionalmente pode haver limitações ao exercício de direitos fundamentais, mas sem menosprezar a necessária consideração da qual todos seres humanos são dignos.282 Assim,

[...] temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que asseguram a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.283

Na verdade, esse princípio consubstancia-se tanto em um dever de abstenção, quanto em um dever de condutas positivas destinadas a efetivar e proteger a pessoa humana, motivo pelo qual é imposição que recai sobre o Estado-juiz: respeitar, proteger e promover as condições que viabilizem a vida com dignidade.284

No plano jurídico, Sarlet sustenta que a dignidade da pessoa humana, na condição de valor e de princípio normativo fundamental, “exige e pressupõe a proteção de direitos fundamentais de todas as dimensões.” Para ele, a noção de dignidade da pessoa humana repousa em diversos princípios, dentre os quais, interessam a esta pesquisa a liberdade e a igualdade.285

Inerente à natureza humana, a liberdade ao homem foi concebida desde a sua formação, ela é anterior à Sociedade, ao Direito e ao próprio Estado, o qual a reconhece, regula-a e restringe seu uso pelo homem por meio das leis.286 Indiscutivelmente, a liberdade física do indivíduo irradia do direito natural que a acolheu e somente pode ser respeitada quando há no sistema jurídico norma que a possa assegurar, isso porque as regras de conduta são necessárias à harmonia da sociedade.

Como visto nos capítulos anteriores, o instituto habeas corpus é definido como um remédio constitucional que visa à garantia do direito à liberdade contra qualquer privação ilegal. Consubstanciada em um direito fundamental, a liberdade “[...] equacionada em quase toda sua inteireza ao direito de ir, de vir e de ficar, advém com maior acentuação da igualdade de todos perante a lei, princípio universal, que torna todo homem sujeito da tutela estatal.”287

O próprio artigo 5º, caput, da Constituição da República Federativa do Brasil assegura que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade [...]”, prevê no inciso LXV, que “a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária.” Não obstante, o Código de Processo Penal, a partir das alterações trazidas pela Lei nº 12.403, de 2011, obriga o juiz, ao receber o auto de prisão em flagrante a, fundamentadamente relaxá-la, quando ilegal, ou “conceder liberdade provisória, com ou sem fiança (artigo 310, incisos I e II).”

Dessa forma, cabe ao juiz, ao verificar a restrição ou ameaça à liberdade do indivíduo, por ilegalidade ou abuso de poder, fazê-la cessar, sobretudo, quando se está diante de situação jurídica idêntica, na qual um réu é beneficiado, tendo em vista ser o direito à igualdade assegurado constitucionalmente.

Este direito significa dar a todas as pessoas o mesmo valor intrínseco e, portanto, igual respeito e consideração, independentemente de qualquer condição, seja raça, cor, sexo, religião, origem nacional ou social. Entretanto, para que seja alcançado o objetivo trazido pela Constituição da República Federativa do Brasil, em seu artigo 3º288, é necessário que o juiz resgate a definição de igualdade material ou substancial. A primeira pode ser definida como o direito de não ser discriminado arbitrariamente na lei e perante a lei289, ou seja, ela é a consideração de que a lei abstrata e geral não pode discriminar, na verdade, trata-se de uma regra de proibição; de outro norte, a segunda “sugere o reconhecimento das diferenças”290, motivo pelo qual, “a lei não pode ser fonte de privilégios ou perseguições, mas instrumento regulador da vida social, que necessita tratar equitativamente todos os cidadãos.”291

A finalidade desse princípio, portanto, é garantir a identidade de situação jurídica para o indivíduo. Não se refere, conforme se depreende do Texto Constitucional, a um aspecto ou a uma forma de organização social, porquanto existe como um postulado de caráter geral, com a missão de ser aplicado em todas as relações que envolverem o homem, haja vista ser um direito fundamental, que exige um comportamento voltado para que a lei seja aplicada de forma equânime para todos os indivíduos que se encontrem na mesma situação jurídica.292

Pensa-se, por exemplo, que justiça é igualdade – e de fato é, embora não o seja para todos, mas somente para aqueles que são iguais entre si; também se pensa que a desigualdade pode ser justa, e de fato pode, embora não para todos, mas somente para aqueles que são desiguais entre si [...]. Para pessoas iguais o honroso e justo consiste em ter a parte que lhes cabe, pois nisto consistem a igualdade e a identificação entre pessoas; dar, porém, o desigual a iguais, e o que não é idêntico a pessoas identificadas entre si, é contra a natureza, e nada contrário à natureza é bom.293

Com efeito, o que se admite “discriminar é a diferença que as coisas possuam entre si e a correlação entre o tratamento desequiparador e os dados diferenciais, radicados nas coisas.” Assim, “se são iguais, não há como diferenciá-los sem desatender à cláusula da isonomia”, razão pela qual “o magistrado, nesse passo, não pode ficar inerte, isto é, figurar no processo como um mero espectador. Deve ser um efetivo agente construtor de uma nova ordem jurídica, mais justa e equânime.”294

Nessa senda, verifica-se que se não houver respeito pela vida, pela liberdade e pela integridade física e moral do indivíduo, se as condições mínimas para uma existência digna não forem asseguradas e se não houver limitação do poder, enfim, se a liberdade, a autonomia e a igualdade, tanto em direitos quanto em dignidade, e “os direitos fundamentais não forem reconhecidos e assegurados, não haverá espaço para a dignidade da pessoa humana e o cidadão, por sua vez, poderá não passar de mero objeto de arbítrio e injustiças.”295

4.1.2 Celeridade e efetividade dos provimentos jurisdicionais

Os direitos fundamentais, os quais são frutos de longas lutas históricas, cuja observância é a garantia precípua da dignidade humana, são frequentemente desconsiderados, sobretudo no que diz respeito à efetividade dos provimentos jurisdicionais, que “corresponde à ideia instrumentalista de que o processo deve ser apto a produzir o melhor resultado possível, seja para a plena atuação do direito material, seja para a satisfação integral das pretensões justas do jurisdicionado, seja para a integral pacificação social.”296

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Pois a efetividade do processo, entendida como se propõe, significa que sua almejada aptidão para eliminar insatisfações, com justiça e fazendo cumprir o direito, além de valer como meio de educação geral para o exercício e respeito aos direitos e canal de participação dos indivíduos nos destinos da sociedade e assegurar-lhes a liberdade. Sempre, como se vê, a visão dos objetivos que vem iluminar os conceitos a oferecer condições para o aperfeiçoamento do sistema. Ora, é preciso adequar o processo ao cumprimento de toda essa complexa missão, para que ele não seja fonte perene de decepção (‘toda decepção é muito triste’), nem permite que isso se desgaste a legitimidade do sistema. Desse lavor, hão de participar o processualista e o juiz e de ambos se espera, para que possa chegar ao bom termo, uma racional mas decidida mudança de mentalidade.297

Desse modo, além de reconhecidos, os direitos devem ser efetivos, ou seja, o juiz tem o poder-dever de proporcionar integral satisfação a qualquer direito merecedor da tutela jurisdicional, bem como de adotar os meios necessários à prestação integral dessa tutela, para tanto, deve fazer a interpretação da norma de modo a extrair dela a maior efetividade possível, e deve deixar de aplicar qualquer norma que de algum modo restrinja direito fundamental do indivíduo.298

O princípio da efetividade dos provimentos jurisdicionais está intimamente ligado ao da celeridade, conquanto não sejam sinônimos, mormente, após a inserção, por força da Emenda Constitucional de n. 45/2004, do inciso LXXVIII, ao artigo 5º da Constituição da República Federativa do Brasil299, o qual garante que “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.

Desde então, esse princípio deixa apenas de ser um procedimento garantidor e passa a ser um direito preponderantemente fundamental para buscar um alcance prático, cujo objetivo é à celeridade na materialização dos direitos buscados pelo cidadão. Assim:

A celeridade é apenas um aspecto da efetividade. Com maior rigor técnico e à luz da emenda n. 45, aos jurisdicionados se deve garantir a razoável duração do processo que, entre outros critérios, terá de levar em consideração a complexidade da causa. Por exemplo, se o desate da lide exigir prova pericial e o juiz a dispensar, em nome da celeridade processual, a efetividade do processo estará irremediavelmente comprometida: o julgamento não será antecipado, mas precipitado [...], pois, que a celeridade processual não pode vulnerar as garantias constitucionais entre as quais se colocam a ampla defesa e a produção de prova.300

Vale dizer que o serviço judiciário é defeituoso quando não fornece ao seu jurisdicionado, um resultado que razoavelmente dele se espera, expectativa que inclui, como não poderia deixar de ser, a celeridade. Em não havendo uma resposta em prazo razoável, o serviço passa a ser defeituoso301, pois a longa duração do processo causa desigualdade e injustiça social, na medida em que o desprovido de boa assistência aguarda incólume a lentidão do Poder Judiciário, fato que, não raras vezes, causa graves prejuízos. Assim, a morosidade do processo pode transformar-se em perigosa arma que aprisiona indevidamente os direitos das pessoas menos favorecidas.302 Para Rocha,

a Justiça tardia exclui o juiz eficiente sem sua função. Justiça descumprida exclui o Direito da vida do e no Estado. Quando a Justiça tarda, falha. Quanto a Justiça é afrontada no não cumprimento, torna-se vã. Quando a Justiça exclui, desiguala, desconstitucionaliza os direitos fundamentais, destrói o sistema jurídico garantidor da dignidade da pessoa.303

Por esse motivo, a fim de que sejam minimizados muitos prejuízos oriundos, inclusive de omissões do legislador, faz-se necessária a aplicação das normas utilizando-se de interpretações que tragam ao caso concreto mais efetividade304 e eficácia.305

4.1.3 Interpretação efetiva das normas

A fim de tornar a norma efetiva, o operador do direito deve se utilizar do denominado princípio da interpretação efetiva das normas, em especial, daquelas que consagram direitos e garantias fundamentais, de acordo com o qual, a melhor interpretação dos preceitos legais é aquela apta a dar-lhes maior efetividade.306 Nesse sentir, deve o juízo optar, dentre as interpretações possíveis, por aquela que permita maior aplicação da vontade constitucional, a fim de se evitar, tanto quanto possível, soluções que se refugiem no argumento da não aplicabilidade da norma ou da ocorrência de omissão legiferente.307

Este método denota a preocupação que deve ter o magistrado com a questão de como interpretar racionalmente a norma, de modo a torná-la um preceito de significado inequívoco. O desafio por descobrir o melhor método não pode paralisar a aplicabilidade da norma, mas, sim, deve conferir novos padrões de exigência, proporcionais à importância a que se reconhece ao Texto da Constituição da República Federativa do Brasil como instrumento primeiro da regulação dos aspectos básicos da convivência social e política e da garantia da dignidade da pessoa no espaço público.308

4.1.4 Força normativa da Constituição

Também denominado princípio da máxima efetividade, o princípio da força normativa da Constituição propõe a prevalência de pontos de vista que tornem a norma constitucional mais afeita aos condicionamentos históricos do momento, com o fito de se garantir o interesse atual e, por consequência, alcançar máxima eficácia, sob as circunstâncias de cada caso.309

Segundo esse princípio, na interpretação das normas constitucionais, deve o operador do direito atribuir às normas o sentido que as empreste maior eficácia, ou seja, conforme Mártires, “o cânone hermenêutico-constitucional da máxima efetividade orienta os aplicadores das Leis para que as interpretem em ordem que as otimizem a eficácia sem alteração de seu conteúdo.”310 Para Carrazza,

acutilar um princípio constitucional é como destruir os mourões de uma ponte, fato que, por certo, provocará seu desabamento. Já, lanhar uma regra corresponde a comprometer uma grade desta mesma ponte, que, apesar de danificada, continuará de pé [...] portanto, tudo se congrega a indicar que as leis e demais atos normativos de igual ou inferior hierarquia, além de deverem obedecer às regras constitucionais, precisam ser interpretados e aplicados de forma o mais congruente possível com os princípios encartados no Código Supremo.311

Por conseguinte, deve o operador do direito dar à norma a interpretação que confira a ela maior efetividade possível, especialmente, àquelas que tratem da liberdade de locomoção, que é direito fundamental do indivíduo.

4.1.5 Analogia e equidade

Em razão de força impositiva dos direitos fundamentais, em especial, a liberdade, que obriga o juiz, sob pena de agir de forma inconstitucional, não só a defesa desses direitos, mas também a não permissão de afronta a eles, cumpre ao magistrado cuidar de preencher as lacunas, eventualmente deixadas no ordenamento jurídico, com o objetivo de integração das normas. A esse suprimento dá-se o nome de analogia, a qual consiste em “um princípio jurídico segundo o qual a lei estabelecida para determinado fato a outro se aplica, embora por ela não regulado, dada a semelhança em relação ao primeiro.”312 A analogia encontra respaldo no artigo 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei nº 4.657/42), o qual dispõe que, quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito313, bem como no artigo 3º do Código de Processo Penal, o qual prevê que a lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios gerais do direito.314

A equidade, tão importante, pode e deve ser utilizada como princípio integrador do direito, isso porque, embora o referido artigo 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro não preveja a possibilidade do seu uso em casos de lacuna da lei, ao restringir o suprimento das omissões legislativas, como visto ao uso da analogia, dos costumes e dos princípios gerais de direito, o artigo 5º do mesmo dispositivo legal dispõe que, "na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum." Dessa forma, o legislador tacitamente tornou viável ao magistrado a busca de decisões equitativas com o intuito de se atingir o bem comum e os fins sociais pretendidos pela ordem jurídica.315

Logo, tanto o juiz quanto o tribunal podem e devem decidir, utilizando-se da analogia e da equidade, pois isso não significa decidir contra a lei, mas acrescentar à decisão um cunho social, conforme as circunstâncias do caso concreto, haja vista ser a decisão judicial fundada na equidade, uma decisão despida das limitações impostas pela precisa regulamentação legal, nos casos em que o legislador deixa aos órgãos judiciários uma margem para a individualização da norma ao caso concreto, ao não traçar de imediato a exata disciplina em determinados institutos legais.316

4.1.6 Interpretação sistemática

A ordem jurídica é um sistema que deve ser dotado de unidade e harmonia. A unidade do sistema é de responsabilidade da Constituição da República Federativa do Brasil, enquanto a harmonia é propiciada tanto pela prevenção quanto pela resolução de conflitos normativos.317 Dessa maneira, pela interpretação sistemática, nenhum preceito jurídico pode ser interpretado isoladamente, isso porque somente a partir da utilização dessa técnica interpretativa podem os órgãos judiciais ampliar o alcance das normas para torná-las mais efetivas no caso concreto, bem como devem escolher o significado da norma que se apresente mais coerente com o conjunto, a fim de que este complexo normativo possa atender aos valores fins aos quais se destinam.318

4.1.7 Interpretação teleológica

Pela interpretação teleológica todas as formas de interpretação devem ser instrumentos para realização de certos fins sociais, dentre eles, aqueles ligados à justiça, à dignidade da pessoa humana. Dessa forma, não pode este método servir para chancelar afronta a direitos fundamentais, protegidos constitucionalmente, como o direito à liberdade. Para Gadamer:

Através da interpretação o texto tem que vir à fala. Todavia, nenhum texto, como também nenhum livro fala, se não falar a linguagem que alcance o outro. Assim, a interpretação tem que encontrar a linguagem correta, se é que quer fazer com que o texto realmente fale. Por isso, não pode haver uma interpretação correta ‘em si’, porque em cada caso se trata do próprio texto [...]. Compreender um texto significa sempre aplicá-lo a nós próprios, e saber que, embora se tenha de compreendê-lo em cada caso de uma maneira diferente, continua sendo o mesmo texto que, a cada vez, se nos apresenta de modo diferente.319

Nesse contexto, cabe ao magistrado, em cada caso, buscar os princípios constitucionais e aplicar as suas prescrições, porquanto a generalidade, a abstração e a “capacidade de expansão dos princípios permite ao operador do direito, muitas vezes, superar o legalismo estrito e buscar no próprio sistema a solução mais justa” e adequada à resolução da situação concreta.320

4.2 FUNDAMENTO DOUTRINÁRIO

Conquanto não haja qualquer trabalho doutrinário destinado a discutir a aplicação do efeito extensivo às ações de habeas corpus, encontram-se em algumas obras de processo penal a menção acerca do entendimento favorável à concessão da benesse ao corréu.

Demercian e Maluly asseveram que as circunstâncias de caráter objetivo, como a atipicidade ou inexistência do fato se comunicam, razão pela qual a regra disposta no artigo 580 do Código de Processo Penal, que prevê, em caso de concurso de agentes, a possibilidade de se aproveitar a corréu não recorrente a decisão favorável a outro coacusado impugnante, é aplicável igualmente às ações impugnativas, porquanto, na verdade, essa comunicabilidade é consequência do efeito devolutivo, uma vez que se devolve ao tribunal a matéria comum a ambos os réus.321

Para Mirabete, a extensão da medida pode ser concedida a corréu que se encontre em idêntica situação jurídica à do paciente beneficiado, por analogia à regra disposta no mesmo artigo supramencionado. Para o doutrinador, se o juiz ou tribunal podem conceder a ordem de ofício, nada pode obstar a extensão quando flagrante o constrangimento ilegal.322

Em sua obra, Constantino assegura que muito embora o efeito extensivo seja aplicável aos recursos, em nome do instituto da proteção dos inocentes, garantido pelo processo penal, existem situações em que o reflexo do efeito extensivo é observado nas ações de impugnação como o habeas corpus.323

Sobre o assunto, Busana defende que o artigo 580 do Código de Processo Penal, informado pela teoria monística de participação e pelo princípio da isonomia, determina que “a decisão do recurso por um dos réus, se fundada em motivos que não sejam de caráter exclusivamente pessoal, aproveitará aos outros não impugnantes.” Para o doutrinador, essa norma, dirigida inicialmente aos efeitos recursos, ao transcendê-los, consagra princípio superior de justiça e de equidade.324

Por sua vez, outros doutrinadores como Tavora325 e Capez326, meramente admitem a aplicabilidade do efeito extensivo, previsto no artigo 580 do Código de Processo Penal, às ações autônomas de impugnação.

Pelo exposto, o que se verifica é que a doutrina, mesmo sob fundamentos distintos, entende aplicável ao habeas corpus a regra extensiva destinada aos recursos.

4.3 FUNDAMENTO JURISPRUDENCIAL

Como visto no capítulo anterior, no tópico referente aos efeitos recursais, a eficácia extensiva das decisões benéficas tem base normativa no artigo 580 do Código de Processo Penal, o qual admite a extensão de decisões, quando proferidas em sede recursal, se fundadas “em motivos que não sejam de caráter exclusivamente pessoal. Dessa forma, conquanto não haja expressa previsão legal para a aplicação do efeito extensivo ao habeas corpus, já que o referido artigo faz menção apenas aos recursos, por construção jurisprudencial, vem sendo admitida a concessão da benesse, quando o réu não impugnante se encontrar objetivamente em igual situação jurídica à do réu recorrente.

Não obstante, o Supremo Tribunal Federal firmou entendimento no sentido de serem bastante estritas as hipóteses em que é cabível a extensão dos efeitos da decisão concessiva de habeas corpus ao corréu não recorrente, a saber: ausência de materialidade; atipicidade da conduta; descaracterização da natureza infracional e causa extintiva da punibilidade.327 No mesmo sentido, são os seguintes habeas corpus: HC 69.570, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 27/10/06328 e HC 68.570, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 21/8/92.329

Apesar desse inicial entendimento firmado pela Suprema Corte, é possível verificar em habeas corpus, a extensão, consubstanciada no artigo 580 do Código de Processo Penal, fora das hipóteses anteriormente assinaladas, como, por exemplo, para reduzir a pena aplicada, para fixar regime prisional menos gravoso330, para afastar concurso de crimes.331

Destarte, é importante frisar o caráter de ordem pública do instituto da extensão, “expresso na congruência e equanimidade da solução do processo quanto a corréus em idêntica situação jurídica.” Isso significa dizer que a extensão de efeitos deve operar, de pronto, ope legis (por força da lei.), independentemente de qualquer provação de eventual favorecido. Dessa forma, o ulterior reconhecimento da benesse pelo Estado-juiz, tanto de ofício, quanto por provocação do interessado, tem eficácia ex tunc (desde o julgado estendido) e natureza puramente declaratória.332

Conforme Leone, Manzani e Manueli, essa afirmação deriva de ensinamento incontroverso da doutrina, referendado pela jurisprudência, segundo o qual deve o juiz estender, de ofício, ao corréu a decisão favorável ao recorrente, se lhes são comuns os fundamentos acolhidos.333 Assim, “as normas relativas ao efeito extensivo devem entender-se também ao juiz, que, ainda na falta de iniciativa do interessado, deve de ofício proceder à extensão [...].”334 Nesse sentido, é o entendimento da Suprema Corte:

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. [...]. CORRÉUS EM SITUAÇÃO FÁTICO-PROCESSUAL IDÊNTICA. EXTENSÃO DOS EFEITOS. VIABILIDADE (ART. 580 DO CPP). LIMINAR RATIFICADA. [...]. Ordem de habeas corpus concedida de ofício, nos termos do dispositivo, com extensão aos corréus.335 (grifo nosso).

HABEAS CORPUS. DIREITO PENAL. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. PRESENÇA. ORDEM CONCEDIDA. EXTENSÃO DOS EFEITOS AO CORRÉU. [...]. Encontrando-se o outro condenado em situação idêntica ao do ora paciente, impõe-se a aplicação do art. 580 do Código de Processo Penal, de modo a se estender a ele os efeitos do presente habeas corpus. Writ concedido. Efeitos estendidos, de ofício, ao coacusado.336 (grifo nosso).

É, também, possível a utilização da analogia, entre a função do writ e de um recurso comum, a coacusado condenado na mesma decisão, como fundamento para se estender a regra disposta no artigo 580 do Código de Processo Penal, inicialmente aplicável aos recursos, às ações autônomas de impugnação. Corrobora essa assertiva o julgado do Supremo Tribunal Federal:

PEDIDO DE EXTENSÃO EM HABEAS CORPUS. CO-RÉUS. IGUALDADE DE CONDIÇÕES. ACÓRDÃO ASSENTADO NA INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL COMUM. USO DE DOCUMENTO FALSO. [...]. PROIBIÇÃO DE REFORMATIO IN PEJUS INDIRETA. PRECEDENTES. DECLARAÇÃO DE EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. [...]. A orientação jurisprudencial desta nossa Casa de Justiça é firme em conferir interpretação extensiva e aplicação analógica à norma contida no art. 580 do CPP.337 (grifo nosso).

Por oportuno, é importante frisar que o Pretório Constitucional editou, em 29 de maio de 2009, a Emenda Regimental nº 30, a qual, expressamente, atribuiu competência ao Relator da causa para, em sede de julgamento monocrático, denegar ou conceder a ordem de habeas corpus, ainda que de ofício, desde que a matéria objeto do writ esteja consolidada na jurisprudência do tribunal. Assim, mostra-se viável regimentalmente o imediato julgamento do habeas corpus tanto pelo colegiado quanto pelo relator, independentemente de parecer do Ministério Público, desde que atendidos os requisitos estabelecidos no artigo 192338 do Regimento Interno do Supremo Tribunal. Esse foi o entendimento adotado pelo Ministro Celso de Mello, relator do habeas corpus nº 115.586:

Preliminarmente, que esta ação de ‘habeas corpus’ é por mim submetida, diretamente, ao exame desta colenda Turma, sem prévia manifestação da douta Procuradoria-Geral da República, por efeito de expressa autorização constante da Emenda Regimental nº 30/2009 (RISTF, art. 192, ‘caput’), que permite o julgamento liminar do ‘writ’ constitucional nos casos que versem matéria objeto de jurisprudência prevalecente no âmbito desta Suprema Corte.339

Essa providência coaduna-se com os princípios da celeridade e da efetividade dos provimentos jurisdicionais, elencados no início deste capítulo, bem como proporciona maior racionalização do processo decisório.340

Como visto nas passagens anteriores, a extensão dos efeitos de decisão proferida, de ofício, em habeas corpus aos demais coautores, significa que a medida jurisdicional anteriormente concedida em face da provocação de apenas um ou de parte dos envolvidos, pode alcançar os demais corréus, por analogia ao disposto no artigo 580 do Código de Processo Penal, dada a identidade de situações, o que se diferencia da concessão de habeas corpus de ofício, a qual representa exceção à vedação do exercício da atividade jurisdicional de ofício (ne procedat judex ex offício), prevista no artigo e 654, §2º do Código de Processo Penal, cujo conteúdo assegura que “os juízes e os tribunais têm competência para expedir de ofício ordem de habeas corpus, quando no curso de processo verificarem que alguém sofre ou está na iminência de sofrer coação ilegal.”

Nesse sentido, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça não destoa do entendimento do Supremo Tribunal Federal, porquanto frequentemente tem conjugado estes dispositivos com o intuito de estender a ordem ao corréu, dada a necessidade de tornar a norma efetiva e dar tratamento igualitário às partes, quando se encontram em idêntica situação jurídica. Validam o exposto os seguintes julgados:

HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. ARTS. 288, 312 E 313 DO CP. PRISÃO PREVENTIVA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. SUFICIÊNCIA DA IMPOSIÇÃO DE MEDIDAS CAUTELARES. CORRÉUS EM IDÊNTICA SITUAÇÃO. EXTENSÃO, DE OFÍCIO (ART. 580 C/C O ART. 654, § 2º, DO CPP).341 (grifo nosso).

HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. roubo E EXTORSÃO. CONTINUIDADE DELITIVA. [...]. EXTENSÃO DOS EFEITOS DO JULGADO. POSSIBILIDADE. ART. 580 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. TENTATIVA DE HOMICÍDIO QUALIFICADO. [...]. 1. A Corte Estadual não poderia deixar de estender ao Paciente os efeitos da revisão criminal que reconheceu a continuidade delitiva entre os crimes de roubo e extorsão para o corréu, sem apontar qualquer circunstância de caráter exclusivamente pessoal que justifique a diferenciação, sob pena de ofensa ao Princípio da Isonomia e ao art. 580 do Código de Processo Penal. No caso, estão preenchidos os requisitos para a extensão dos efeitos do julgado, uma vez que são idênticas as situações objetivas que envolvem os acusados.342 (grifo nosso).

Do mesmo modo, no que diz respeito ao habeas corpus substitutivo de recurso, Superior Tribunal de Justiça tem apreciado os que ali já tramitavam antes da mudança de entendimento, e concedido de ofício a ordem, quando evidente a ilegalidade ou erro técnico grosseiro, passível de ser constatado de plano, bem como estendido aos corréus quando presente a similitude da situação. Observa-se:

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. WRIT SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. NÃO CABIMENTO. [...]. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. CORRÉUS EM SITUAÇÃO FÁTICO-PROCESSUAL IDÊNTICA. EXTENSÃO DOS EFEITOS. VIABILIDADE (ART.580 DO CPP). LIMINAR RATIFICADA. Writ não conhecido. Ordem de habeas corpus concedida de ofício, nos termos do dispositivo, com extensão aos corréus.343 (grifo nosso).

Nessa Corte, portanto, consolidado está o entendimento quanto à interpretação extensiva ao habeas corpus em aplicação analógica da norma prescrita no artigo 580 do Código de Processo Penal, que, conforme visto, trata do concurso de pessoas, desde que a decisão não tenha por fundamento motivos de caráter eminentemente pessoais. Logo, esta Casa de Justiça entende que somente a falta de identidade objetiva e subjetiva, entre as situações jurídico-factuais do paciente e do coacusado, impossibilita a concessão do efeito extensivo, tanto de ofício quanto por provocação da parte.

Por fim, o entendimento do Tribunal de Justiça de Santa Catarina encontra-se afinado com os entendimentos do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, tendo em vista também reconhecer a possibilidade de extensão quando idênticas as situações dos acusados, conforme dispõe o artigo 580 do Código de Processo Penal. Para tanto, algumas vezes se vê nos acórdãos do referido tribunal, os ensinamento de Jesus, para o qual a decisão somente pode se estender a corréu inerte em estritos casos: a) inexistência material do fato; b) atipicidade do fato ou este não constituir crime; c) extinção da punibilidade.344 Outras vezes, limita-se estender, de ofício, com base no já mencionado artigo 580 do Código de Processo Penal, como se passa a demonstrar:

Habeas Corpus. [...] TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL QUE SE IMPÕE. EXTENSÃO DOS EFEITOS DA DECISÃO AOS DEMAIS ACUSADOS. EXEGESE DO ART. 580 DO CPP. ORDEM CONCEDIDA. (TJSC, Habeas Corpus n. 2013.033801-9, de Joinville, rel. Des. Torres Marques, j. 02-07-2013). Terceira câmara.345 (grifo nosso).

HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. [...]. EXTENSÃO DOS EFEITOS DA DECISÃO AO CORRÉU (ART. 580 DO CPP). ORDEM CONCEDIDA EM PARTE. (TJSC, Habeas Corpus n. 2013.033946-8, de Indaial, rel. Des. Torres Marques, j. 18-06-2013). Terceira câmara.346 (grifo nosso).

Por conseguinte, resta reconhecida pela jurisprudência desses tribunais a possibilidade de extensão concessão de ofício, quando constatada a identidade da situação entre os coacusados, com base nos princípios elencados, na analogia, na equidade, e especialmente na interpretação da norma com o objeto de conferir o maior alcance possível. Contudo, nem sempre a similitude da situação é analisada sem a provocação do eventual beneficiado pelo Estado-Juiz, o que acaba por ferir, como visto no início deste capítulo, o princípio da dignidade da pessoa humana, no qual se inclui a liberdade e a igualdade de tratamento, bem como a efetividade dos provimentos jurisdicionais.

4.2.1 Cabimento da extensão ao corréu de ofício

Com o intuito de fazer chegar o direito ao mundo dos fatos, a jurisprudência majoritária dos tribunais reconhece a possibilidade de extensão da decisão concessiva de habeas corpus de ofício ao coacusado e, frequentemente, a estende. Para tanto, fundamenta-se nos princípios apresentados no início desde capítulo e faz uma interpretação teleológica e sistemática do artigo 580, o qual dispõe que “no caso de concurso de agentes (Código Penal, art. 25 [leia-se art. 29]), a decisão do recurso interposto por um dos réus, se fundado em motivos que não sejam de caráter exclusivamente pessoal, aproveitará aos outros”347, e 654, §2º, cujo conteúdo assegura que “os juízes e os tribunais têm competência para expedir de ofício ordem de habeas corpus, quando no curso de processo verificarem que alguém sofre ou está na iminência de sofrer coação ilegal”, ambos do Código de Processo Penal, o que, fatalmente, conduz à conclusão pela admissibilidade da extensão dos efeitos da decisão concessiva de habeas corpus, de ofício, ao corréu.348

Contudo, na prática, ainda existem muitos casos em que essa extensão depende provocação da parte interessada, seja por meio da impetração de outro habeas corpus, que é a forma comumente observada, seja por meio de embargos de declaração, ou mesmo por simples petição nos autos.

HABEAS CORPUS. PEDIDO DE EXTENSÃO DA ORDEM CONCENDIDA A CORRÉU. ART. 580 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. PRISÃO EM FLAGRANTE POR TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. INDEFERIMENTO DE LIBERDADE PROVISÓRIA. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. PEDIDO DE EXTENSÃO DEFERIDO.349 (grifo nosso).

CRIMINAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO DE DROGAS. [...]. ORDEM CONCEDIDA. PEDIDO DE EXTENSÃO DEDUZIDO POR CORRÉU. IDENTIDADE DE SITUAÇÃO PROCESSUAL CONFIGURADA. APLICAÇÃO DO ART. 580 DO CPP. PEDIDO DE EXTENSÃO DEFERIDO.350 (grifo nosso).

EXTENSÃO EM ‘HABEAS CORPUS’ - APLICABILIDADE DO ART. 580 DO CPP - RAZÃO DE SER DESSA NORMA LEGAL: NECESSIDADE DE TORNAR EFETIVA A GARANTIA DE EQÜIDADE - DOUTRINA - PRECEDENTES - AUSÊNCIA, NO CASO, DE CIRCUNSTÂNCIAS DE ORDEM PESSOAL SUBJACENTES À CONCESSÃO DO WRIT CONSTITUCIONAL EM FAVOR DO PACIENTE - PLENA IDENTIDADE DE SITUAÇÃO ENTRE O PACIENTE E AQUELE EM CUJO FAVOR É REQUERIDA A EXTENSÃO DA ORDEM CONCESSIVA DE ‘HABEAS CORPUS’ - PRISÃO CAUTELAR DECRETADA COM APOIO NA GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA, [...] INJUSTO CONSTRANGIMENTO CONFIGURADO - PEDIDO DE EXTENSÃO DEFERIDO.351 (grifo nosso).

HABEAS CORPUS. ART. 580 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. PEDIDO DE EXTENSÃO. QUESTÃO NÃO APRECIADA PELA CORTE DE ORIGEM. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. ORDEM DE HABEAS CORPUS CONCEDIDA. 1. Não tendo o Tribunal a quo avaliado o pedido de extensão da ordem concedida a corréu, conforme a regra do art. 580 do Código de Processo Penal, embora tenha sido instado a se manifestar, resta configurado o constrangimento ilegal. 2. A extensão dos efeitos da decisão favorável ao réu aproveita ao corréu, mesmo que este não seja impetrante do writ, desde que fundado em motivos que não sejam de caráter exclusivamente pessoal. [...].352 (grifo nosso).

Tal exigência, além de ferir diversos princípios constitucionais, contribui para que haja uma sobrecarga a mais de processos e pedidos que poderiam ser evitados se o juiz, ao verificar que os réus se encontram em idêntica situação jurídica, concedesse a ordem de ofício.

Isso porque não há óbice a essa atuação pelo magistrado, o qual tem o poder-dever de interpretar as regras legais a fim de adequá-la às situações fáticas com o intuito de assegurar aos indivíduos o efetivo amparo dos direitos fundamentais, bem como de garantir à sociedade um processo célere e eficaz, sem formalidades desnecessárias. Em verdade, esse é o papel do juiz sob a perspectiva da Constituição da República Federativa do Brasil e dos princípios fundamentais, como a dignidade da pessoa humana, a liberdade, a igualdade, tratados no início deste capítulo.353

Com efeito, essa atuação coaduna-se às exigências do Conselho Nacional de Justiça, que é instituição pública que visa a aperfeiçoar o trabalho do judiciário. Para esse órgão, o judiciário ideal é aquele que, na busca de Justiça, atenda a cinco requisitos básicos, são eles: efetiva, que componha os conflitos sociais; célere, que seja rápida, pois justiça tardia é injustiça; segura, que seja sem oscilações na jurisprudência; barata, que não pese muito no bolso dos cidadãos; e acessível, que chegue para todos.354

Em síntese, portanto, há que se desatacar que, conquanto inexista expressa previsão legal para extensão dos efeitos da decisão concessiva de habeas corpus, de ofício, ao corréu porquanto a norma prevista no artigo 580 do Código, que determina que a decisão do recurso interposto por um dos réus, se fundado em motivos que não sejam de caráter exclusivamente pessoal, aproveitará aos outros não impugnantes, nada impede que seja aplicada às ações autônomas de impugnação, visto que a norma dirigida aos efeitos recursais transcende-os e consagra o princípio superior de justiça, de igualdade, o que levou tanto a doutrina quanto a jurisprudência a entenderem aplicável o efeito extensivo também às ações autônomas de impugnação, como o habeas corpus.

Logo, estender a ordem de ofício ao corréu que se encontra judicialmente na mesma situação do beneficiado é um poder-dever do Estado-Juiz, primeiramente, sob pena de ferir princípios consagrados constitucionalmente, como o da dignidade da pessoa humana, do qual emanam a igualdade e a liberdade e, secundariamente, contribuir com a morosidade da justiça, o que torna o judiciário inefetivo.

Sobre a autora
Marcia de Medeiros Goulart

Bacharel em Direito pela Universidade do Sul de Santa Catarina

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOULART, Marcia Medeiros. Possibilidade de extensão dos efeitos da decisão concessiva de habeas corpus, de ofício, ao corréu. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3979, 24 mai. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/28786. Acesso em: 23 dez. 2024.

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