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A dissolução do casamento e a guarda compartilhada dos filhos

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Agenda 28/05/2014 às 07:47

3. A Guarda Unilateral e a Guarda Compartilhada

Com a dissolução da sociedade conjugal, cabe aos pais disciplinar acerca da guarda, o direito de visitas e a pensão alimentícia dos filhos menores e incapazes. A lei atribui o mesmo tratamento dos filhos menores aos filhos maiores incapazes. Segundo QUEIROGA (2011), a palavra guarda é empregada em sentido genérico, para exprimir proteção, observação, vigilância ou administração, e no Direito de Família, refere-se ao direito e dever que compete aos pais de ter em sua companhia seus filhos ou de protegê-los nas diversas circunstâncias indicadas na lei.

Não havendo consenso quanto à guarda, o juiz deverá procurar a melhor solução, devendo se pautar no princípio do superior interesse da criança em sua decisão. Para DINIZ (2011), o princípio do superior interesse da criança é a diretriz solucionadora de questões conflitivas advindas da separação judicial ou divórcio dos genitores, relativas à guarda, ao direito de visitas, etc.

Em 2002, o novo Código Civil, dando maior ênfase a questão, trouxe um capítulo específico para tratar da proteção da pessoa dos filhos. Os arts. 1.583. até 1.590, alterados recentemente pela Lei 11.698/2008, disciplinam a matéria. Atualmente, a guarda não é tratada como um prêmio ao cônjuge inocente da separação, como em outros tempos como já abordamos. Segundo GONÇALVES (2011, p. 291), "não mais subsiste, portanto, a regra do art. 10. da Lei do Divórcio de que os filhos menores ficarão com o cônjuge que a ela não houver dado causa". Portanto, o que deve prevalecer é aquilo que for melhor para os filhos.

Temos duas formas de guarda previstas no Código Civil. A guarda unilateral e a guarda compartilhada. Entre elas existem gradações de uma modalidade e outra para melhor aplicação ao caso concreto:

“Art. 1.583. A guarda será unilateral ou compartilhada.

§1º Compreende-se por guarda unilateral a atribuída a um só dos genitores ou a alguém que o substitua (art. 1.584, § 5º) e, por guarda compartilhada a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns.”

A guarda unilateral é a modalidade clássica e ainda mais comum. De acordo com o IBGE (2012), em 2011 87,6% dos divórcios concedidos no Brasil tiveram a responsabilidade pelos filhos delegada às mulheres, e 5,3% aos homens. Nesta modalidade, um dos cônjuges ou outro substituto fica responsável pelo exercício da guarda, enquanto o outro fica com o dever de fiscalização, e o direito as visitas (arts. 1583, §3º, e 1.589, do Código Civil). Se necessário será estabelecido valor a ser pago pelo ex-cônjuge que não detêm a guarda a título de pensão alimentícia. O direito de visita é irrenunciável, tendo em vista a primazia do maior interesse do menor em poder conviver com ambos os genitores. É direito líquido e certo, portanto passível de impetração de mandado de segurança. Nem mesmo o inadimplemento dos valores determinados a título de pensão alimentícia, é motivo para o guardião impedir o direito de visita, tendo em vista que existem outros meios para garantir o cumprimento desta obrigação.

O art. 1583, §2º, do Código Civil, apresenta os critérios para a definição daquele que ficará responsável pela guarda unilateral. Será atribuída ao genitor ou substituto que revele melhores condições para exercê-la e, objetivamente, mais aptidão para propiciar aos filhos os seguintes fatores: afeto nas relações com o genitor e com o grupo familiar, saúde e segurança, e educação. Segundo GONÇALVES (2011, p 294), "fica afastada assim, qualquer interpretação no sentido de que teria melhor condição o genitor com mais recursos financeiros".

A crítica à essa modalidade, se funda no sentido de que é prejudicial à prole, a privação do convívio diário e continuo com um dos genitores. Restringe-se bastante a forma de exercício do poder familiar pelo cônjuge não detentor da guarda, gerando muitas vezes insatisfação, deste que se torna um mero espectador do desenvolvimento de seus filhos. Em contra partida, ao cônjuge guardião, o exercício do poder familiar, permanece praticamente intacto. Essa situação gera conflitos que acabam por prejudicar o desenvolvimento da criança.

“Interessante observar que a disputa entre os progenitores para manter a prole consigo pode desencadear um processo psicológico denominado alienação parental, no qual uma criança é programada para odiar um de seus pais, sem justificativa, isto é, o genitor, via de regra, que não detém a guarda, é rejeitado pelos próprios filhos, em razão das influências transmitidas pelo guardião”. (AKEL, 2009, p. 58).

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A prática de Alienação Parental foi tipificada por meio da Lei 12.318/2010. De acordo com art. 2º da referida lei, alienação parental é caracterizada pela interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este.

Ante ao fato de inexistência de restrição legal a sua aplicação, mesmo antes de 2008, já havia discussões doutrinárias e uso pela jurisprudência da guarda compartilhada entre ambos os genitores. Apesar de ainda não ser a modalidade mais comum de guarda, de acordo com pesquisa realizada pelo IBGE (2012), seu uso dobrou no período entre 2001 e 2011 no Brasil, saindo de 2,7% para 5,4%.

"O melhor interesse dos menores leva os tribunais a propor e atribuir a guarda compartilhada ou conjunta. O Instituto da guarda ainda não atingiu sua plena evolução. Há os que defendem ser plenamente possível essa divisão de atribuição ao pai e à mãe concomitantemente.” (VENOSA, 2011, p.185)

Com o advento da nova lei, não mais se justifica a resistência de alguns juízes mais tradicionais em aplicar o instituto da guarda compartilhada, sob justificativa de ausência de previsão legal. Essa modalidade, assegura a ambos os genitores a responsabilidade conjunta no exercício de direitos e deveres. Podemos dizer que o poder familiar existente durante o casamento, é mantido de forma bastante semelhante. Para VENOSA (2011, p. 185), "a ideia é fazer com que pais separados compartilhem da educação, convivência e evolução dos filhos em conjunto". Não há que se falar em horários pré-estabelecidos para visitas. Não há restrições, mas sim liberalidades.

No que se refere à prestação de alimentos na guarda compartilhada, verifica-se divergências doutrinárias. Existem aqueles que entendem ser perfeitamente possível e compatível com a modalidade a prestação de alimentos. Nesse sentido:

“A guarda compartilhada não impede a fixação de alimentos, até porque nem sempre os genitores gozam das mesmas condições econômicas. Muitas vezes não há alternância da guarda física do filho e a não cooperação do outro pode onerar sobremaneira o genitor guardião. Como as despesas do filho devem ser divididas entre ambos os pais, a obrigação pode ser exigida de um deles pela via judicial. Não há peculiaridades técnico-jurídicas dignas de maior exame em matéria alimentar na guarda compartilhada, aplicando-se os mesmos princípios e regras”. (DIAS, 2006, p. 363)

Outros defendem que nessa modalidade não existe o pagamento de pensão alimentícia, já que a situação do país em relação os filhos não se altera, ambos detém a guarda, e de forma bem próxima a situação do casamento devem contribuir na manutenção dos filhos na proporção de seus recursos:

“Observa-se que, na prática, não existe pensão na guarda compartilhada, visto que os pais irão dividir as despesas, nos termos entre eles acordados. É uma situação semelhante à prevista no art. 1703. do Código Civil, que obriga os pais separados judicialmente ou divorciados a contribuírem para a manutenção dos filhos, na proporção de seus recursos, situação que pode também resultar de acordo ou de determinação judicial.” (QUEIROGA, 2011, p. 221).

O art. 1º do Estatuto da Criança e do Adolescente dispõe sobre a proteção integral à criança. O art. 4º do referido diploma legal, prevê que é dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à convivência familiar. Pretendeu o legislador valorizar o convívio dos filhos com seus pais em prol de seu pleno desenvolvimento.

O art. 5º, I, da Constituição Federal, estabelece que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações. Nos termos do art. 226, § 5º da Carta Magna, os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher. O art. 1.511. do Código Civil, prevê que o casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges. Portanto, não há mais que se falar em preferência na obtenção do guarda por um ou outro genitor.

"Na guarda compartilhada, a criança tem o referencial de uma casa principal, na qual vive com um dos genitores, ficando a critério dos pais planejar a convivência em suas rotinas quotidianas, e obviamente facultando-se as visitas a qualquer tempo. Defere-se o dever de guarda de fato a ambos os genitores, importando numa relação ativa e permanente entre eles e seus filhos." (GONÇALVES, 2011, p. 295)

Não se confunde a guarda compartilhada com a chamada guarda alternada. Na alternada, os filhos passam períodos alternados (semanas, meses, semestres, etc.) com cada um dos genitores. Podemos considerar a guarda alternada, uma sub-modalidade, que está entre a guarda unilateral e a guarda compartilhada, visto que não está expressamente prevista no texto legal. É bastante criticada pela doutrina, vez que ofende ao princípio da continuidade do lar.

“Observa-se que diferentemente do que ocorre na guarda conjunta, na forma, alternada, a criança não possui residência fixa (habitual), ora permanecendo com a mãe, ora com o pai, situação que propicia inevitável instabilidade emocional ao menor. A alternância entre as residências paterna e materna pode ser uma condição desestabilizadora para a prole, podendo levar à perda da habitualidade, continuidade e rotina de seus vínculos e afazeres cotidianos.” (AKEL, 2009, p. 112).

Na audiência de conciliação, o juiz informará ao pai e à mãe o significado da guarda compartilhada, a sua importância, a similitude de deveres e direitos atribuídos aos genitores e as sanções pelo descumprimento de suas cláusulas (art. 1584, §1º do Código Civil). Conforme estabelecido no art. 1584, §4º, do referido diploma legal, a alteração não autorizada ou o descumprimento imotivado de cláusula de guarda, unilateral ou compartilhada, poderá implicar a redução de prerrogativas atribuídas ao seu detentor, inclusive quanto ao número de horas de convivência com o filho.

Em regra, ficará a cargo dos pais definirem a modalidade de guarda, mas o juiz poderá decidir de forma diversa ao acordado, ou em caso de dissenso entre os pais, buscando o melhor interesse do menor. A redação atual do art. 1584, §2º, do Código Civil, estabelece que não havendo consenso entre os genitores quanto à guarda, será aplicada sempre que possível, a guarda compartilhada. Para VENOSA (2011, p.185), “essa modalidade de guarda dita compartilhada não se torna possível quando os pais se apresentam em estado de beligerância". No entanto, a questão é controversa no meio doutrinário e jurisprudencial. A 3ª Turma do STJ, recentemente decidiu de forma diversa:

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. GUARDA COMPARTILHADA. CONSENSO. NECESSIDADE. ALTERNÂNCIA DE RESIDÊNCIA DO MENOR. POSSIBILIDADE.

(...)

4. Apesar de a separação ou do divórcio usualmente coincidirem com o ápice do distanciamento do antigo casal e com a maior evidenciação das diferenças existentes, o melhor interesse do menor, ainda assim, dita a aplicação da guarda compartilhada como regra, mesmo na hipótese de ausência de consenso.

5. A inviabilidade da guarda compartilhada, por ausência de consenso, faria prevalecer o exercício de uma potestade inexistente por um dos pais. E diz-se inexistente, porque contrária ao escopo do Poder Familiar que existe para a proteção da prole.

6. A imposição judicial das atribuições de cada um dos pais, e o período de convivência da criança sob guarda compartilhada, quando não houver consenso, é medida extrema, porém necessária à implementação dessa nova visão, para que não se faça do texto legal, letra morta.

(...)

(REsp 1251000/MG, Rel. MIN. NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 23/08/2011, DJe 31/08/2011)

Uma das principais vantagens da guarda compartilhada consiste em manter a relação dos pais com os filhos de forma bem aproximada à aquela existente durante o casamento, já que não limita nenhum dos genitores ao convívio apenas durante às visitas pré-estabelecidas como na outra modalidade. Segundo AKEL (2009, p. 108), “a guarda compartilhada modifica a posição do genitor frente à prole, pois o mero visitante volta a ser efetivamente um dos pais, situação de grande relevância para o desenvolvimento dos vínculos afetivos na relação paterno-filial.” As críticas a essa modalidade, se fundam no fato de que os pais terão que dialogar, e continuar a conviver e tomar decisões conjuntas quanto aos filhos, e isso em um ambiente de constante conflito, mágoa e rancor que são comuns aos términos de relacionamento seriam desastrosos, e contaminariam o desenvolvimento da prole.

Em audiência pública promovida pela Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa, vários especialistas defenderam a guarda compartilhada conforme notícia divulgada pela Agência Senado em 10 de Junho de 2013. Na audiência a psicóloga Andreia Calçada, defendeu que a guarda compartilhada é uma forma de impedir que se desenvolva a sensação de posse sobre o filho ou a filha, que pode ocorrer quando a guarda é unilateral. Elizio Luiz Perez, Juiz de Direito, por sua vez expôs que na maioria dos casos em que é concedida a guarda unilateral a guarda fica com a mãe. Para ele, isso revela o conservadorismo da sociedade brasileira, em especial do Judiciário do país. Acredita que a guarda compartilhada pode funcionar como um "antídoto" contra a alienação parental.

Por derradeiro, reforçamos que a modalidade de guarda pode ser revista a qualquer tempo pelas vias judiciais, já a decisão que homologa o acordo ou determina uma ou outra opção não faz coisa julgada. Portanto inicialmente pode ser estabelecida uma modalidade e depois alterar-se para outra, sempre se pautando pelo maior interesse dos filhos menores e incapazes.

Sobre o autor
Leandro Marinho Ferreira

Advogado. Bacharel em Direito pela Universidade Salgado de Oliveira - UNIVERSO (2011). Especialista em Direito Civil pela Faculdade Unida de Campinas - FAC UNICAMPS (2013). Especialista em Direito Civil e Processual Civil pelo Centro Universitário de Goiás - Uni-ANHANGUERA (2014). Tem experiência nas áreas de Direito, com ênfase em Direito Civil e Direito do Trabalho, e Administração de Empresas, com vasta experiência em cargos de liderança.

Informações sobre o texto

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