Resumo:Abordar-se-á um histórico a respeita da castração ao longo dos tempos seguido pelo história mundial e a inserção no panorama brasileiro. Depois será falado sobre os conceitos da castração química e alguns tipos que hoje são utilizados em alguns países; uma breve abordagem acerca da teoria da pena para falar também da possibilidade da castração como pena e finalizando com a exposição da possível inconstitucionalidade desta ação.
Palavras-chaves: Castração química; Pena; Inconstitucionalidade.
1 INTRODUÇÃO
No presente paper será abordado um histórico a respeito da castração, como era utilizado, sobre contra quais crimes eram usados, como molestadores de crianças e mulheres por exemplo.
No Brasil, perceberemos que a castração química, para criminosos sexuais, é posto em questão, pois uma grande parte da população se mostra a favor de tal medida. Porém, o que se estranha é o fato de saber que os que se levantam a favor não imaginam o que seja, realmente, a castração química
Analisaremos a função da pena para tentar aceitar ou não a castração química como aceitável em nosso ordenamento jurídico juntamente com a análise da inconstitucionalidade da mesma, destacando o cumprimento ou não dos princípios da proporcionalidade e da dignidade da pessoa humana.
2 HISTÓRICO
Ao longo dos tempos, sempre houve discussões ao respeito da aplicação de penas peculiares àqueles que cometessem crimes contra a liberdade sexual, principalmente quando se for contra crianças.
Mesmo assim, quando nos encontramos em alguma dessas situações, não é nenhum absurdo em se afirmar que por mais que tenhamos consciência sobre o quão bárbaro é a aplicação de castigos dolorosos e a tortura no corpo do ser humano que o autor mereça as mais fortes torturas. Isto significa que tais práticas, que vem da antiga inquisição, historicamente falando, ainda estão impressas em nossa cultura e no nosso inconsciente coletivo[3], tendo ainda sua aplicação nos dias de hoje.
No Brasil, quando o assunto, castração química para criminosos sexuais e molestadores de criança, é posto em questão, uma grande parte da população se mostra a favor de tal medida. Porém, o que se estranha é o fato de saber que os que se levantam a favor não imaginam o que seja, realmente, a castração química.
Há os que imaginam tratar-se de castigo terrível e doloroso, e por isso afirmam que deve ser aplicado, ou seja, assumem, imaginando sê-lo doloroso, que o castigo deve ser aplicado com o caráter vingativo da pena, a exemplo do que já tivemos em nosso ordenamento, a capação por esmagamento[4].
Em comunidades mais carentes em outros povos, onde o Estado não exerce bem a sua função, os crimes sexuais cometidos contra mulheres e crianças sofrem enorme repugnância chegando a ponto do estuprador acabar sendo linchado e morto[5], podendo assim ser explicada a percepção de que ser castrado está dentro do que entende por ser uma “vingança adequada”.
Trazendo este problema para a realidade brasileira, com diversos casos de pedofilia ao redor do país e como casos recentes na Itália, envolvendo membros da Igreja, aqueles que supostamente deveriam educar religiosamente as crianças as estavam molestando.
Contando ainda com o fato de que a Internet mostra-se como meio para a difusão de filmes e fotos contendo material que registra condutas que são tidas como atentatórias às crianças. Além da tentativa de evitar a tal perda do controle sobre a marginalidade, vê-se que está se materializando a idéia daqueles que defendem a repressão de determinados crimes de forma considerada brutal na esperança de que algo seja feito com a desculpa de que os fins justificam os meios.
2.1 NO MUNDO
A primeira proposta da castração química foi apresentada nos EUA e iria ser realizada com a injeção de uma substância que destruiria as válvulas que controlam a entrada e saída do sangue nos corpos cavernosos do pênis, impedindo, assim, sua ereção[6].
O que se mostra uma alternativa drástica já que caso essas válvulas sejam destruídas, não chance de reparo tornando o procedimento irreversível.
Este método de castração é irreversível, mas o ofensor continuaria a ter os mesmo impulsos anormais de forma compulsiva, e, como foi argumentado por alguns, mesmo que eles percam a capacidade de ter uma ereção, continuam tendo dedos, língua, boca – mostrando que não é só com o emprego do pênis que se pode molestar alguém[7].
Como se continua notando a idéia de tortura sempre presente, pois se o intuito final seria evitar a moléstia de toda forma, não se pode querer apenas impossibilitar a ereção, já que existem outras formas de moléstia.
Depois de inúmeras discussões e pesquisas em busca de uma a solução para a acabar os impulsos sexuais compulsivos dos molestadores, entendeu-se que a remoção cirúrgica dos testículos, que são os responsáveis pela produção de 95% da testosterona, seria uma solução bastante viável, mais ainda assim seria irreversível e acarretaria os mais variáveis efeitos colaterais[8].
Depois de desistirem da destruição das válvulas de sangue, decidiram “cortar o mal pela raiz”, mas ainda assim notaram que haveria muitos efeitos colaterais justamente devido à brusca parada de produção de testosterona que é um dos principais hormônios masculinos além de varias outras complicações.
Então, considerou-se que a castração química melhor aceita é a realizada com a utilização do medicamento Depo-Provera, que tem por finalidade inibir a produção de testosterona. Neste caso, há redução da reincidência de 75% para 2% dentre aqueles que foram submetidos ao tratamento[9].
De outro modo, os pesquisadores argumentam que os molestadores de crianças passam o tempo na prisão preparando fantasias sexuais sórdidas que envolvem as crianças. Explicam que essas fantasias se mostram verídicas quando o criminoso volta a ter contato com crianças que segue à inevitável liberação dele da prisão. Afirmam ainda que a prisão, simplesmente, produz os criminosos mais furtivos[10].
Pedófilos não querem ser encarcerados novamente; assim, eles pensam em modos novos para estuprar crianças evitando serem descobertos e presos novamente. A prisão aumenta tendências agressivas em pedófilos masculinos, enquanto a castração química se dirige para a raiz da causa do desvio sexual compulsivo[11].
2.2 NO BRASIL
Diante de um aparente estado de emergência, pela sensação que algo precisa ser feito, que o legislador busca fazer algo, muito embora seja nítido o total desconhecimento sobre o que seja a castração química.
Logo, em 2002, o Deputado Wigberto Tartuce apresentou o Projeto de Lei nº 7.021 de 2002 que propunha a modificação dos arts. 213 e 214 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal Brasileiro, fixando como pena a castração com recursos químicos para os crimes de estupro e atentado violento ao pudor, in verbis:
Art. 213. Constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça:
Pena – castração, através da utilização de recursos químicos."
Art. 214 – Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a praticar ou permitir que com ele se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal.
Pena – castração, através da utilização de recursos químicos."
O legislador, incorporando os apelos midiáticos que ecoam na imprensa mundial, busca justificar a abolição das penas restritivas de liberdade em substituição pela "castração, através de utilização de recursos químicos", nos seguintes termos, in verbis:
JUSTIFICAÇÃO
O abuso sexual, principalmente contra crianças e adolescentes, tem atingido proporções alarmantes, preocupando autoridades no mundo inteiro. Existem grupos criminosos atuando na exploração sexual a nível internacional.
Recentemente, no Estado da Califórnia (Costa Oeste dos Estado Unidos), a pena de castração química foi aventada como punição para os crimes sexuais.
É preciso que se tomem medidas drásticas e urgentes também no Brasil, pois a sociedade não pode mais ficar exposta a essas atrocidades, assistindo à violência sexual cometida contra mulheres, crianças e adolescentes de forma impune.
Neste sentido, a exemplo da solução apontada no Estado da Califórnia, conclamo meus ilustres Pares à aprovação desta proposição como contribuição desta Casa Legislativa no combate a esses crimes contra a liberdade sexual, considerados hediondos.
Sala das Sessões, em de de 2002.
Deputado Wigberto Tartuce
De início, veja-se que o Projeto de Lei não prevê, exatamente, qual a modalidade de castração química seria utilizada.
Em segundo, ao que parece, o legislador desconhece o fato que o estupro só pode ser cometido por homem, mas admite a mulher como co-autora. Então, a mulher também estaria sujeita à mesma pena? Em qual parte do corpo recairia a reprimenda no caso da co-autora, a mulher, uma vez que ela não tem pênis?
Como veremos à frente, o Projeto apresenta inúmeras imperfeições e parte de uma premissa errônea quando cita a Lei da Califórnia, pois naquele caso, a castração química é uma opção do apenado e não algo que lhe é imposto.
Uma outra premissa falsa esposada pelo legislador é tocante ao fato da impunidade dos crimes sexuais contra crianças e adolescentes. Ao que parece, o legislador acredita que substituir a pena de reclusão, de seis a dez anos, para a qual ainda surgirá a agravante quando o crime for praticado contra criança (menor de 12 anos completos, segundo o art. 2º, caput, do ECA, L. nº 8.069/90), por medida que não importe o encarceramento do agente, tal qual ocorre com sua proposta onde será substituída pela "castração, através de utilização de recursos químicos" é, no mínimo, curiosa!
3 DEFINIÇÕES
De início, definir-se-á o que é a castração. Castrar “é o ato de cortar ou inutilizar os órgãos reprodutores. O homem perde a função de seus testículos, e a mulher, de seus ovários. Além da óbvia conseqüência de inviabilizar a reprodução desses indivíduos, a castração masculina tem sérias conseqüências sobre o corpo como um todo: depressão, queda de cabelo e perda de massa muscular são apenas algumas delas”[12].
O que se mostra é que o fato da esterilisação humana traz conseqüências para ambos os indivíduos e no homem há perdas tanto físicas quanto uma mudança psicológica drástica.
A castração pode ser usada por várias razões sejam elas terapeuticamente, ou seja, para a cura do câncer testicular ou de próstata ou mesmo para a mudança de sexo. Tem sido usada como forma de punição desde a Antiguidade para impor humilhações a prisioneiros de guerra e, na primeira metade do século XX, foi utilizada com o objetivo de purificar a raça, tornando vários tipos de criminosos estéreis. A castração pode ser, inclusive, decorrente de transtornos psiquiátricos. A história também registra a castração por motivos religiosos, como no caso dos castrati, destinados a ter voz aguda para cantarem em igrejas[13].
Mesmo com as mais variadas formas de castração ela ainda se mostra uma forma medieval se se resolver os problemas da sociedade, em que devemos nos pautar? Na vingança ou levar em conta os diretos a dignidade da pessoa humana?
A castração poder ser física ou química. A primeira consiste na simples retirada dos órgãos reprodutores. Tem a característica marcante de ser irreversível, ou seja, o castrado fica permanentemente incapacitado. Já a castração química consiste na aplicação de hormônios femininos, onde o mais usado é o acetato de medroxiprogesterona, que diminui drasticamente o nível de testosterona. Mas neste caso, os efeitos só se mantêm enquanto durar o tratamento[14].
Quando se fala em remoção dos órgãos reprodutores, vê-se logo que esta modalidade não pode ser prevista no Brasil, visto que não é aceito penas físicas como forma de correção do apenado. Mas como o uso do medroxiprogesterona é uma idéia a se levar em conta, mas como fariam o controle visto que o efeito passaria em algum tempo?
Estudos com o Depo-Provera, que é a versão sintética da progesterona, o hormônio feminino pró-gestação, demonstram que há uma redução do apetite sexual compulsivo dos sex ofenders e que seus efeitos colaterais compensam-se pelos benefícios[15].
Dentre os efeitos colaterais da aplicação do Depo-Provera está a ocorrência eventual de depressão, desenvolvimento de diabetes, fadiga crônica, alterações na coagulação sanguínea, dentre outros[16].
Mais uma vez a demonstração dos efeitos terríveis do uso de tal medicamento além de perda de cabelo e depressão notou-se também desenvolvimento de diabetes, fadiga crônica, alterações na coagulação sanguínea, dentre outros.
4 DIREITO COMPARADO
Pela lei californiana, aquele que for condenado por ter o molestado uma vítima maior de 13 anos, em liberdade condicional, poderá submeter-se ao tratamento de castração. No caso de reincidência, será submetido. No caso do ofensor, voluntariamente, sujeitar-se à cirurgia de permanente remoção dos testículos, não necessitará submeter-se ao tratamento[17].
Nota-se que o estado estadunidense da Califórnia em caso de moléstia o criminoso pode ser submetido a tal tratamento, mas caso ele reincida no crime, ele era forçado a passar pela cirurgia de remoção dos testículos.
O tratamento poderá ser feito com o molestador em liberdade condicional, sendo necessário iniciá-lo uma semana antes de ganhar a liberdade, pois o medicamento faz efeitos rapidamente[18].
De acordo com a Lei Californiana, na primeira violação, permite-se a opção pelo tratamento, impondo-o quando da segunda violação, excetuando-se o caso da vítima ser menor de 13 anos, quando, a exemplo da Lei Brasileira, a violência é presumida e o agente fica submetido à reclusão[19].
A Lei Californiana repercutiu em outros estados, a exemplo do Texas e atualmente está em discussão na Flórida. Leis com dispositivos semelhantes já estão em vigor na Suécia, Itália e Alemanha[20].
Depois que os Estados Unidos abrangeram sua concepção de pena neste caso, outros países também começaram a repensar tal opção como válida, e hoje vários outros países adotam a castração química como pena.
As autoridades da província de Mendoza, no oeste da Argentina, anunciaram que adotarão a castração química para prisioneiros condenados por estupro.O governo da província tomou a decisão depois de constatar que 70% dos condenados por ataques sexuais são reincidentes[21].
Na Argentina, ainda neste ano será implantado a castração química para os prisioneiro em caso de estupro.
Organizações de defesa das vítimas de estupro afirmam que o número é maior e chega a 90% dos estupradores. A decisão do governador do Estado, Celso Jacque, causou grande comoção no país e alinhou a Argentina a países como a França, Suíça e Espanha, onde também se permite a castração química[22].
O método consiste em administrar medicamentos para diminuir o desejo sexual dos criminosos e seria aplicado de forma voluntária. Segundo o jornal El Clarín[23], os condenados que se submeterem ao tratamento receberão acompanhamento quando saírem da cadeia.
No caso da Argentina, vê-se que há realmente uma substituição da pena pela castração, tanto que os que passarem pelo tratamento, poderão sair da cadeia, claro que mediante avaliação. Mas até que ponto essa avaliação será válida?
A Argentina não é o primeiro país a adotar a castração química como alternativa em crimes sexuais. Vários outros países se posicionaram a respeito deste tratamento[24]:
Alemanha
> A lei que abordava a castração química foi cassada pela Corte Constitucional, que considerou o método inconstitucional.
Estados Unidos
> O tratamento é adotado nos estados da Califórnia, Geórgia, Flórida, Lousiana, Montana e Texas, como pena para criminosos sexuais.
França
> A castração química foi defendida pelo presidente Nicolas Sarkozy depois que um pedófilo voltou a cometer crime sexual após 18 anos de condenação. Lá, o tratamento é voluntário.
Itália
> O detento que aceitar o tratamento ganha o benefício de cumprir a pena em prisão domiciliar. Contudo, se a medicação for interrompida, o condenado volta à prisão.
A delegada do Núcleo de Proteção à Criança e ao Adolescente Vítimas de Crimes (Nucria), Eunice Vieira Bonome, vê com receio o assunto. “Não se resolve uma violência com outra”, opina. Ela argumenta que o tratamento pode não ser eficaz no combate à reincidência, já que a simples falta de ereção não evitaria que o pedófilo cometesse outros atos libidinosos.
O presidente da Associação Paranaense dos Advogados Criminalistas, Heitor Fabreti Amante, considera a “castração química” inconstitucional. “Para alguns, a castração é pior que a pena de morte. É um castigo físico. Teria de mudar a Constituição”, afirma.
Já o procurador Alexandre Magno Aguiar, professor de Direito Penal e Processual Penal na Universidade Paulista (Unip) e autor do artigo “O ‘direito’ do condenado à castração química”, defende o tratamento como uma alternativa voluntária para o condenado. “Isso (castração química) tem sido considerado pelos constitucionalistas como uma dor física e psicológica. A Constituição proíbe penas cruéis”, afirma. “Defendo colocar (a castração química) não como pena, mas como uma opção para o condenado”, complementa.
Para Aguiar, esta opção deveria ser disponibilizada para todos os criminosos sexuais e não apenas para pedófilos. “É um método muito melhor que a prisão. Em outros países, a taxa de reincidência de crimes sexuais caiu de 75% para 2%. Temos de considerar o benefício do tratamento com a diminuição do número de vítimas”, afirma.
Fora as questões legais, o próprio termo “castração” é objeto de discussão. “Na falta de melhor nome, utiliza-se a castração química como uma analogia, um efeito de linguagem. Não é uma castração, tem o efeito de castração”, justifica Aguiar. O tratamento a que se refere o termo, na verdade, é a soma de um acompanhamento psiquiátrico com sessões de terapia e aplicação de medicamentos e hormônios que reduzem a ação da testosterona, controlam o impulso sexual e melhoram o controle comportamental. “Não tem nada a ver com a castração química”, afirmou o professor de psiquiatria da Faculdade de Medicina do ABC, Danilo Baltieri, em entrevista à Gazeta do Povo, em março do ano passado.
Com experiência, Baltieri defende o tratamento como última opção para casos que não tiveram melhora com outros remédios e terapias. “Quando bem administrado, não provoca impotência ou lesão corporal, nem deixa o sujeito sem apetite sexual. Usa-se o hormônio por um período pequeno, entre três e seis meses”, explica.
De acordo com o presidente da Sociedade Paranaense de Psiquiatria, Marco Antônio Bessa[25], ainda há divergência dentro da ala médica em relação ao assunto. “Não existe uma posição muito clara (na medicina). Particularmente, não sou favorável. É uma questão polêmica que precisa ser mais discutida na sociedade. Precisamos de mais pesquisas e mais avaliações”, afirma. Bessa questiona se o tratamento com hormônios também inibiria outros impulsos violentos que o paciente possa ter. “É uma medida bastante duvidosa. Os problemas de violência são muito mais sérios que isso”, opina.