RESUMO: O presente trabalho discute a natureza da informação genética bem como os danos decorrentes de seu emprego indevido. Suscitam-se algumas das mais tormentosas questões provenientes do avanço biotecnológico como as consequências da utilização indevida da informação genética, a privacidade de tais informações e seus limites ético-jurídicos, a autonomia pessoal do paciente e seu consentimento livre e informado, além da responsabilidade civil, penal e administrativa consoante Código de Ética Médica. O trabalho é desenvolvido sob o prisma doutrinário cujo enfoque são os direitos da personalidade. Para tal, adotou-se o método de estudo bibliográfico envolto no campo bioético, jurídico e comparado.
Palavras-chave: Informação Genética. Privacidade. Consentimento. Dano Indenizável. Autonomia.
Sumário: Introdução; Informação Genética e Terceiros Interessados; Autonomia Pessoal e Privacidade; Dano Indenizável; Conclusões; Referências.
1 - Introdução
O presente trabalho discute a natureza da informação genética bem como os danos decorrentes do uso indevido desta. Destaque-se a dificuldade de enquadramento jurídico, tendo em vista que o progresso genômico é ainda embrionário de forma que não há norma específica que o regulamente. Contudo, o tema deve ser discutido tanto em âmbito acadêmico quanto sob o prisma jurídico. Portanto, este trabalho tem por escopo suscitar discussões em torno de um tema que a cada dia se faz mais cotidiano. Para tal, adotou-se o método de estudo bibliográfico envolto no campo bioético, jurídico e comparado.
Um dos maiores problemas enfrentados pela humanidade no século XXI é justamente o de manter suas informações a salvo de terceiros. São dilemas decorrentes do progresso tecnológico de forma avassaladora. As violações vão desde imagens registradas por celulares, câmeras até a alta espionagem por Estados capazes de minar a privacidade de um país inteiro como a atualmente discutida. Ironicamente, sempre se afirmou que as novas tecnologias trariam mais liberdade, interação e contato com culturas diferentes sem sair de casa. Tal afirmação é verdade, mas não quer dizer que haja mais liberdade mediante isso. “Pode-se dizer então que as teorias de justiça antigas partem da virtude enquanto as modernas começam com a liberdade” (SANDEL, 2011, p.18). Nunca como atualmente se necessitou tanto de um consultor de privacidade.
O fato é que a informação adquiriu um status tal que não pode mais ser discutida apenas sob o prisma jurídico, devem se somar a isso as dimensões moral, ética, política, econômica e social.
Outra dimensão onde a informação é extremamente interessante a terceiros é a de natureza genética. É exatamente isso que este artigo discute. Ou seja, as implicações decorrentes da utilização indevida da informação genética sem o consentimento livre e informado concedido pelo paciente, tanto para procedência de tratamento quanto para participação em pesquisa médica. Obviamente, se há consentimento, mas seus limites não são atendidos, poderá haver configuração de danos passíveis de indenização. Não há dúvidas de que um complexo debate envolvendo “política de cuidados de saúde, consentimento, pesquisa médica, (...) privacidade e autonomia em genética” (PERRY, 2012, nossa tradução) deve ser levado a sério, especialmente, em âmbito acadêmico. Seja como for, “todo sonho tem o seu preço, e o PGH já começou a cobrar do ser humano novas posições éticas” (BARCHIFONTAINE, 2004, p.159).
Um grande dilema reside no terreno da conciliação entre “privacidade, autonomia, informação genética pessoal na Era Digital” (PERRY, 2012, nossa tradução), a exemplo dos biobancos de informação genética. O problema é que para a maioria absoluta desses dilemas não há norma específica regulamentando seus trilhos e estabelecendo responsabilidades nas dimensões jurídicas e administrativas de forma cristalina. Portanto o Código Civil de 2002, artigo 154 do Diploma Penal, Código de Ética Médica e o Texto Supremo de 1988 são os guardiões a serem invocados neste trabalho, embora haja imensas limitações diante das possibilidades inesgotáveis de prospecção no campo gênico.
É possível conciliar pesquisa em Genética e privacidade dos dados genéticos? É possível manter as informações genéticas a salvo dos terceiros interessados como empregadores, planos de saúde, seguradoras e o próprio Estado? Quais os limites do consentimento livre e informado? É possível quantificar os danos provenientes da violação do citado consentimento bem como da privacidade dos dados genéticos? Questionamentos dessa ordem são desafiadores e não há uma assertiva singular com certeza plena. Seja como for, a questão deve ser discutida sob pena de não haver uma justa ponderação de valores tanto em elaboração de normas na respectiva seara quanto ao se decidir juridicamente casos concretos.
2 - Informação Genética e Terceiros Interessados
Inicialmente, necessário se faz definir a natureza da informação genética, ou seja, saber se sua natureza é diferenciada e, consequentemente, reclamaria tutela específica ou se está no mesmo patamar das demais informações. Em outros termos, indaga-se se tal informação possui um potencial mais cristalino para identificar o indivíduo. Hammerschmidt (2008, p.87) leciona que
a informação genética pode apresentar dois níveis distintos: primeiro, pode ser uma informação genética primária, relativa à espécie humana, e como tal, pertence ao domínio público e não permite uma identificação do indivíduo; em segundo lugar, pode ser uma informação genética secundária, que identifica plenamente a pessoa e as patologias que afetam ou que podem afetá-la. Afirma-se sem dúvida que é esse segundo nível de informação o que requer maior proteção jurídica (...).
Seja como for, “a informação genética é poderosa, pessoal e privada. O desenvolvimento de políticas adequadas e robustas para proteção contra o mau uso deve ser contínuo e exigirá o esforço de colaboração dos pacientes, pesquisadores, indústria privada, [laboratórios] e do governo” (COLLINS, 2014, nossa tradução).
Por razões óbvias, este trabalho se concentra no segundo nível de informação, aquele com imenso potencial para não apenas identificar o indivíduo como também capaz de trazer a lume imenso poder discriminatório. Todavia, cabe a menção de que há parte da doutrina médica e jurídica que vem entendendo que há casos permissíveis de discriminação genética. Estes seriam de natureza positiva, isto é, casos onde tal discriminação seria benéfica ao indivíduo. Ilustrativamente, considere-se o caso de atividade laborativa onde se manipula determinada substância que leve a doenças de ordem gênica, a genotipagem do trabalhador poderia beneficiá-lo, já que isso revelaria se seus genes são mais sensíveis a tal substância. Portanto, tal empregado laboraria em outra atividade onde seus genes não seriam sensíveis ao meio. Interessante e coerente. Contudo, retornamos aos terceiros interessados na informação gênica e a toda sua gama de dilemas ético-jurídicos.
Entendemos que a informação genética é diferenciada e reclama tutela específica diversa das demais informações até agora conhecidas, deste mesmo entendimento partilham Dias (2008), Surbone (2004), Echterhoff (2010), Casabona (1999), Hammerschmidt (2008). Porém, há quem acresça se tratar apenas de resultados potenciais e não condição já manifestada e, por isso, não reclamaria nenhuma tutela diferenciada, nesse sentido parecem estar Fukuyama (2003), Atlan, Botbol-Baum (2009), Rothstein (2009). É preciso salientar que não há consenso pleno no tocante à natureza da informação genética, se para alguns tal informação é suficientemente poderosa para tutela diferenciada, outros entendem opostamente. Não acatamos este último entendimento por motivos óbvios, embora se trate “apenas” de resultados potenciais, probabilidades de que haja o desenvolvimento de uma desordem genética, esse potencial é suficiente para desaguar na temida discriminação genética negativa, isto é, aquela capaz de estigmatizar não apenas o indivíduo genotipado, mas também seus ascendentes e descendentes. Mas o que vem a ser discriminação genética?
Discriminação genética pode ser definida como sendo o tratamento desigual concedido a alguém em face de predisposição ou da manifestação de determinada doença de origem genética ou hereditária que pode decorrer diretamente da informação genética desse indivíduo ou indiretamente em face de parentes deste (SILVA, CHACON, 2014).
Consoante já salientado, os terceiros interessados são o Estado, empregadores, seguradoras e planos de saúde. O que acontecerá se
(...) fornecedores e seguradoras tiverem acesso à informação genética que pode predizer doenças ou condições onerosas futuras? Se as pessoas tiverem essa informação reveladora sobre seu próprio futuro, eles estarão mais propensos a comprar o seguro e distorcer o sistema por meio de seleção adversa? Estas são questões importantes que precisam de diálogo público e consideração (COLLINS, 2014, nossa tradução).
Não são poucos os casos de discriminação genética apenas com fulcro na predisposição e não na desordem em si. Diversos países já vêm desenvolvendo normas para coibir tais práticas, sendo que a norma mais avançada, de caráter federal, é a Lei do Ato de não Discriminação da Informação Genética (GINA) aprovada em 2008, nos Estados Unidos, após treze anos de embate no Congresso Norte Americano. Apesar de inúmeras limitações é a mais avançada no cenário mundial.
Echterhoff (apud CASABONA, 1999, p.55) acresce que
essas informações podem revelar dados biológicos sobre a saúde presente e futura do indivíduo, não somente identificando eventuais doenças genéticas, mas também possibilitar informações sobre a própria capacidade reprodutiva e a saúde futura dos filhos. Adverte, também, que tais informações podem revelar paternidade e participação em delito [relembre o recém-criado banco de perfil genético para fins criminais em solo pátrio]. E, ainda pior, podem pressupor certos aspectos relacionados à personalidade, comportamento, Inteligência, entre outros.
O fato é que a informação genética detém algumas características, além das já elencadas, que a diferenciam de quaisquer outras, a saber:
(...) características genéticas singulares, (...) acompanha o indivíduo desde o nascimento até a morte, (...) é involuntária, indestrutível, permanente e singular, (...) é preditiva, (...) deriva de um conhecimento de probabilidade e aproximativo: a predição do futuro do indivíduo não é inteiramente certa, porém aproximada e limitada (ECHTERHOFF, 2010, passim).
Seja como for, “o homem tornou-se, definitivamente, senhor e possuidor da natureza, inclusive da sua própria, ao adquirir o poder de manipular o patrimônio genético” (COMPARATO, 2010, p. 562). Em outros termos, já se parte do pressuposto de que “conceitos justos, uma grande experiência e, sobretudo, muita boa vontade” (BOBBIO, 1992, p. 232), neste Século XXI, serão fundamentais não apenas para regulamentação adequada do conhecimento provido pela informação genética, mas especialmente para que germine a clareza de que nem tudo que se pode fazer deve ser feito e nem tudo que se deve fazer se pode fazer. Assim, passa-se a discorrer sobre a autonomia e o direito à privacidade dos danos genéticos.
3 - Autonomia Pessoal e Privacidade
Neste momento é preciso recapitular o tema, isto é a informação genética e seus impactos. A medicina do século XXI será dominada pela genética e são justamente as implicações médicas que fazem avançar o projeto genoma. Que novos poderes terá então a medicina? A capacidade de prever, de acordo com um grau de probabilidade e fiabilidade muito viável, um grande número de determinações genéticas e predisposições próprias de uma pessoa, no que respeita nomeadamente: a) à sua saúde atual e futura; b) às suas características físicas; c) às suas características comportamentais e psicológicas; d) às suas filiações étnicas e genealógicas. (...) é bom não esquecê-lo, é característico do perfil genético de uma pessoa conter indicações, mais ou menos fiáveis, quanto aos seus familiares: isto é, quanto à sua família presente, passada e futura. (...) o domínio médico e social das possibilidades e predição do destino biológico dos indivíduos, atualmente em desenvolvimento, constitui um dos maiores problemas éticos do mundo contemporâneo (SILVA, 2002, p. 19).
Isso é uma prova de que tais informações são de imenso impacto não apenas para o paciente, mas para todos os frutos da árvore genealógica como ascendentes e descendentes. Somem-se a isso as imensas implicações de ordem econômica, social, filosófica, cultural, política, bélica etc.
Será que podemos ser considerados doentes, quando somos portadores de uma anomalia genética que não se exprimiu ainda e que talvez nunca exprima? Estará alguém totalmente isento de genes mutantes predisposto à doença? Poderá alguém dizer que é absolutamente são, normal e imune ao sofrimento? Que modelo de homem persegue afinal a nova utopia do séc. XXI, a da saúde perfeita? (SILVA, 2002, p. 23).
Ora, se há imenso interesse em tais informações acrescido de seus impactos cuja maioria ainda habita o desconhecido, é evidente que o indivíduo submetido a tratamento, diagnóstico genético, empregos, planos de saúde, seguros etc., deve ter seus direitos à informação genética tutelados. Evidentemente, tais informações integram a intimidade, um direito personalíssimo. Por seu turno, Yussef Said Cahali (2011, p. 522-523) afirma que
o direito à intimidade é a faculdade reconhecida às pessoas de opor-se a interferências capazes de causar esse mal-estar. É ele que vai permitir ao homem moderno desenvolver plenamente a personalidade com o mínimo de ingerências em sua vida privada; trata-se, portanto, de um direito essencial à própria dignidade humana, reconhecida a sua importância, no campo do direito privado, não somente do ponto de vista individual, mas, também social e político.
Portanto, “temos o desenvolvimento das possibilidades do ser humano, do poder de criar e destruir que, superando tudo o que até hoje era habitual, levanta a questão do controle jurídico e moral do poder” (HABERMAS, RATZINGER, 2007, p.61-62). O controle de tal poder passa necessariamente pelo respaldo ao direito à intimidade das informações genéticas. É exatamente neste contexto que há ingresso da dignidade da pessoa humana, isto é “aquela intangibilidade que só pode ter um significado nas relações interpessoais de reconhecimento recíproco e no relacionamento igualitário entre as pessoas” (HABERMAS, 2010, p.47). Em outros termos, entendemos que a dignidade humana tem seu brilho lapidado quando há interação entre os indivíduos no seio social. Mas não é apena isso, há que resultar no reconhecimento e respeito pelo próximo de que cada indivíduo possui direitos que não podem ser sobrepujados, sob pena de resultar em mero instrumento e não um fim em si mesmo. Ou seja
a humanidade ela mesma é uma dignidade, pois um ser humano não pode ser usado meramente como um meio por qualquer ser humano (quer por outros, quer, inclusive, por si mesmo), mas deve ser sempre usado ao mesmo tempo como um fim. É precisamente nisso que sua dignidade (personalidade) consiste, (...) ele se encontra na obrigação de reconhecer, de um modo prático, a dignidade da humanidade em todo outro ser humano (KANT, 2010, p.206-207).
Consoante já salientado, o uso indevido das informações provenientes das grafias gênicas arvora flagrantemente sobre os direitos da personalidade, especialmente a privacidade. Aliás, tal conceito se desencadeou de um artigo publicado em 1890 por “Samuel D. Warrem e Louis D. Brandeis (...) sobre o direito à privacidade na lei comum” (ROTHSTEIN, 2009, p.543, nossa tradução). “O direito à privacidade, disseram eles, é o direito de ser deixado em paz” (ALPERT, 2000, p.5, nossa tradução). Entender seu fundamento filosófico é crucial ao desfecho do presente tema.
Anita Allen assevera que essa privacidade pessoal é uma condição de inacessibilidade da pessoa (...) ou obter informações sobre a pessoa para os sentidos e dispositivos dos outros. Ruth Gavison (...) fala de privacidade em termos de nossa acessibilidade limitada para os outros (...) na medida em que somos conhecidos de outros [segredo], na medida em que os outros têm acesso físico a nós [solidão] e extensão à qual somos o assunto da atenção dos outros [anonimato]. Jeffrey Reiman descreve a privacidade como a condição mediante a qual outras pessoas estão privadas de ter acesso a quaisquer ou algumas informações sobre você (..). James Rachels vê a privacidade como sendo baseada na ideia de que existe uma estreita ligação entre a nossa capacidade de controlar quem tem acesso a nós e às informações sobre nós e nossa capacidade de criamos e mantermos diferentes tipos de relações sociais com pessoas diferentes. Charles Fried define privacidade como sendo o controle sobre si mesmo (ALPERT, 2000, passim, nossa tradução).
Nesse contexto é que há ingresso dos princípios da autonomia, confidencialidade e do consentimento livre e informado. Mas o que significa cada um dos princípios enumerados anteriormente? Autonomia é a prevalência da “vontade do indivíduo, (...) respeito pelos outros e pelas suas escolhas e respeito a integridade pessoal e auto-determinação de cada um” (TELES, 2000, p.71).
A autonomia de decisões na saúde faz parte dos nossos direitos individuais e está intrinsecamente associada ao respeito pela dignidade dos seres humanos. O seu cumprimento exige um consentimento que deve basear-se numa informação adequada a cada situação e que permita uma decisão e é habitualmente transmitida pelo médico prescritor da medida. É evidente que o seu não cumprimento de forma correta diminui a beneficência e pode aumentar a maleficência do ato médico (SANTOS, 2012, p.269).
Por seu turno, o principio da confidencialidade explana que
toda informação concedida pelo paciente ao médico deve ser resguardada de terceiros. Isso significa que a confiança cingida na relação médico – paciente é imperativo essencial ao bom exercício da medicina em todas as suas áreas. Portanto, uma vez rompido esse elo o paciente estará no direito de exigir reparação por danos não apenas morais, mas também materiais se houverem (SILVA, 2013, p. 55).
Em outros termos,
a garantia da confiança entre médico e paciente é um pressuposto tão central para o exercício da medicina que esse é um tema regulamentado por inúmeros códigos legais e éticos nacionais e internacionais. As legislações oscilam entre a total obrigatoriedade do segredo, na linha argumentativa de Kottow que sustenta ser a confidencialidade um princípio “tudo ou nada”, até previsões específicas de quebra do segredo, em casos de risco de vida ou de imposições legais (DINIZ, GUEDES, 2005, p.750).
Em tempo, o Código de Ética Médica, em seu artigo 73
delineia as linhas mestras do sigilo médico proibindo o profissional de revelar fato de que tenha conhecimento em virtude do exercício da Medicina. Tal qual faz dentre os Princípios Fundamentais, excepciona os casos em que haja motivo justo para a revelação do segredo, os quais seriam: a) cumprimento de dever legal (ordem judicial ou imposição legal); b) consentimento por escrito do paciente; c) para defesa própria (CABETTE, 2011, p.121).
Finalmente, resta entender o princípio do consentimento livre e informado: o presente cânone esculpe “(...) uma autorização autônoma dada por indivíduos para uma intervenção médica ou um envolvimento numa pesquisa” (BEAUCHAMP, CHILDRESS, 2002, p.163). Isso quer dizer que se trata de um principio que se materializa em um instrumento de autorização concedido pelo indivíduo ao profissional de saúde de forma expressa ou oral para determinado procedimento. Obviamente, não pode haver coação e dúvida, devendo ser voluntário. Tal instrumento é a mola mestra que vai esculpir os trilhos a serem seguidos pelo profissional de saúde e laboratórios, caso estes não atendam aos seus ditames tal consentimento será violado e, consequentemente, o profissional e o respectivo laboratório poderão responder na esfera judicial, quanto ao profissional ainda é cumulável a responsabilidade administrativa, consoante explanado abaixo.
É preciso tecer algumas considerações sobre o cânone em análise, primeiramente é salutar afirmar que se trata de um instrumento de proteção do próprio profissional de saúde, pois atendendo seus contornos, não responderá por qualquer infração. Além disso, há situações que põem à prova o conhecimento médico onde há um dever legal de quebra de confidencialidade, isso se procede nas situações expressamente previstas em lei, a saber: aquelas previstas na “Lei nº 6259/75 com atualização regular pelo Ministério da Saúde Secretarias da Saúde dos estados” (CABETTE, 2011, p.122). Quais? São as exceções, isto é “os casos em que haja motivo justo para a revelação do segredo, os quais seriam: a) cumprimento de dever legal (ordem judicial ou imposição legal); b) consentimento por escrito do paciente; c) para defesa própria” (op. cit., p.121, grifamos).
Mesmo nesses casos de imperativo legal, há controvérsias quanto à quebra do sigilo e do princípio da confidencialidade, pois “para determinar quando e sob que circunstâncias a confidencialidade pode ser rompida, é preciso estabelecer uma matriz de avaliação de riscos, em que a magnitude do dano e a sua probabilidade de concretização são algumas das variáveis a serem avaliadas” (DINIZ, GUEDES, 2005, p.752). O problema é que se sustentar exclusivamente na lei pode tornar a relação médico – paciente injusta, pois o rompimento do sigilo pode provocar danos maiores que o silêncio, isso poderia sobrepujar não apenas princípios da Bioética bem como a própria dignidade humana, corolário maior da Carta Magna, além de ocasionar um completo esvaziamento moral e ético. É exatamente aí que o termo de consentimento, expresso preferencialmente, se torna o guardião do profissional de saúde, pois o médico poderá, em equipe, averiguar se os danos provenientes da revelação são maiores que manter em segredo. Entendemos que se os danos provenientes da quebra da confidencialidade forem mais graves que o sigilo, o profissional de saúde não deverá quebrar tal sigilo. São situações onde o profissional de saúde poderá ser responsabilizado se quebrar a confidencialidade por determinação legal, caso o consentimento estabeleça em contrário, e se não quebrar poderá responder por omissão. É neste momento que se evidencia que a literalidade da norma ipsis litteris pode ser desproporcional, necessário assim proceder a um justo juízo de valores no caso concreto.