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Distinção entre os adicionais trabalhistas e a conversão fictícia de tempo de serviço especial em comum

Agenda 30/09/2014 às 11:30

Estuda-se a diferença entre os adicionais trabalhistas de periculosidade, penosidade e insalubridade e a conversão fictícia de tempo de serviço previdenciária de especial em comum.

Há dentro do direito previdenciário a chamada conversão de tempo trabalhado em atividade especial em comum. Nestes casos, em decorrência de lei, há o cômputo de tempo de trabalho fictício, por se considerar que a atividade efetivamente desempenhada pelo trabalhador prejudicava de algum modo sua expectativa de vida.  Ao longo dos anos a sua regulamentação foi se alterando, sendo incluídas e excluídas as atividades tidas como nocivas.

Inicialmente, antes de 04/09/1960 nenhuma atividade era considerada como especial, simplesmente por ausência de previsão legal. A primeira legislação que introduziu tal conceito foi a Lei 3.807/60. Esta trazia a ideia de atividades especial assim classificadas por categoria profissional. Deste modo, se o grupo profissional do segurado estivesse previsto nos anexos dos Decretos 53.831/64 e 83.080/79, seu tempo de trabalho era contado a maior. Em oposição, obviamente, não pertencente o segurado ao grupo profissional enquadrado na legislação então em vigor, não havia que se falar em caracterização de atividade especial. Bastava, portanto, que o segurado comprovasse a atividade que desempenhava para ser enquadrado.

Haveria a alternativa, ainda, de se comprovar que a atividade desenvolvida seria especial em virtude da habitual e permanente exposição do seu executor a agentes agressivos físicos, químicos ou biológicos. Tal comprovação, por evidente, haveria de se dar através de laudo técnico contemporâneo.

Após, entrou em vigor a Lei 9.032/95, que rompeu com a então tradição legislativa referente à caracterização das atividades consideradas especiais por categoria profissional. Ela estabeleceu pela primeira vez que o tempo de serviço para ser considerado especial deveria ter por base não um rol de atividades profissionais, mas, sim, a efetiva comprovação de que a atividade desenvolvida pelo segurado submetia seu executor, de modo habitual e permanente, às condições potencialmente prejudiciais à saúde ou à integridade física.

Portanto, a contar de 29/04/1995, data de início de vigência da Lei 9.032, não mais vale a caracterização de tempo de serviço especial meramente pela atividade profissional desempenhada. Deve o segurado comprovar, por meio de laudo técnicos e formulários previdenciários, a efetiva exposição a agentes agressivos, nos níveis estabelecidos na legislação previdenciária. Também os agentes que poderiam ser expostos estavam descritos de forma exaustiva na lei.

Deste modo, desde 1995, deve ser apresentado para a comprovação da atividade especial um formulário DSS-8030 (ou ainda o SB-40), fornecido pelo INSS e preenchido pelo empregador, onde se demonstre, com clareza, que o trabalho fora realizado, de modo permanente, não ocasional nem intermitente, com a efetiva exposição aos agentes físicos, químicos, biológicos, ou associação de agentes, prejudiciais à saúde ou à integridade física.

Ademais, a contar da regulamentação da Lei 9.032/95, tornou-se imprescindível, além do citado formulário, a apresentação também de Laudo Técnico de Condições Ambientais do Trabalho – LTCAT, expedido por médico do trabalho ou engenheiro especializado em segurança do trabalho, sempre contemporâneo ao período que se pretende comprovar. Esta é, inclusive, a posição sedimentada na jurisprudência dos tribunais superiores, especialmente do Colendo Superior Tribunal de Justiça, a quem, no atual panorama constitucional, cabe dar a palavra final quanto à aplicação das leis federais.

Por fim, a contar da entrada em vigor da Medida Provisória 1.663/14 (28/05/1998), sucessivamente reeditada e convertida na Lei 9.711, de 28 de novembro de 1998, restou legalmente vedada a conversão de tempo de serviço especial, prestado após essa data, em tempo de serviço comum. Isto porque, objetivando desautorizar a contagem de tempo de serviço fictícia comentada, procedeu o legislador (inclusive chancelando o que já se havia feito através de Medida Provisória) à exclusão do permissivo legal da conversão de tempo de serviço. A propósito, convém transcrever aqui o art. 57, da lei 8.213/91, com a redação posterior à Lei 9.711/98 (e partir da MP 1.663). Senão vejamos:

Art. 57. A aposentadoria especial será devida, uma vez cumprida a carência exigida nesta Lei, ao segurado que tiver trabalhado sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme dispuser a lei. (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 28.04.94)

...

§ 5º (Revogado pela Medida Provisória nº 1.663-10, de 28.5.98).

Era exatamente este § 5º, do art. 57, da Lei 8.213/91, que a autorizava a supracitada conversão do tempo de serviço especial para comum, tendo sido textualmente excluído pela preclara redação da Medida Provisória 1.663, de 28/05/98, convertida na Lei 9.711, de 28/11/98, conforme falado acima. Tanto que no âmbito dos Juizados Especiais foi editada a Súmula 16 da Turma de Uniformização Nacional:

Súmula n°. 16 - A conversão em tempo de serviço comum, do período trabalhado em condições especiais, somente é possível relativamente à atividade exercida até 28 de maio de 1998 (art. 28 da Lei nº. 9.711/98).

Não cabe sequer discussão, portanto, após 28/05/1998, se a atividade desenvolvida pelo segurado poderia se enquadrar ou não como atividade especial, face a inexistência de dispositivo legal autorizador da supracitada conversão em comum de tempo de serviço laborado em atividade especial.

No que se refere ao agente nocivo eletricidade, seu reconhecimento é inteiramente inadmissível até o advento da Lei 7.369/85, uma vez que a mesma se limitou a tratar do adicional de periculosidade para os eletricitários (vigorava a regra de enquadramento por categoria profissional). Não há confundir, porém, a avaliação da periculosidade para fins de enquadramento de adicional como parcela remuneratória com o privilégio da aposentação com menor tempo de serviço.

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Analisando o histórico da legislação concernente à contagem privilegiada do tempo de serviço, percebe-se que há muito se tenta estabelecer tal correlação a partir de norma estrita, nunca se obtendo sucesso exatamente por se tratarem de sistemáticas inteiramente diversas.

Tal confusão só se aclara ao percebermos que, ao contrário do que normalmente se diz, a inclusão, a manutenção e a exclusão das atividades insalubres, penosas e perigosas das regras de enquadramento previdenciárias e trabalhistas, seguem técnicas de natureza eminentemente diversa. Para compreendê-lo, necessário traçar a retrospectiva histórica.

O surgimento da aposentadoria especial se deve a uma busca do legislador por parâmetros seguros de identificação de atividades cujas peculiaridades tornam injusta a cobrança do tempo de serviço segundo a regra geral, aplicável a quaisquer ocupações. Isso porque a Constituição de 1946, à semelhança das anteriores, havia estabelecido a possibilidade de idades reduzidas para fins de aposentadorias no setor público, e, seguindo essa lógica, foram criados inúmeros privilégios quanto à idade mínima para diversas categorias, dada a relativa autonomia regulamentar dos Institutos e Caixas de Aposentadorias e Pensões.

Nesse sentido, vale notar que a própria criação do benefício de aposentadoria especial pela Lei 3.807/60 (art. 31) se deveu à proposta feita no Anteprojeto apresentado pela Sub-Comissão de Seguro Social, a qual prescreveu não só a universalização do critério de maior desgaste, e consequente redução da vida laborativa útil em razão da exposição a atividades penosas e insalubres, mas da correção do discrímem genérico estabelecido nas leis que regulamentavam os Institutos de Aposentadorias e Pensões no tocante à contagem privilegiada do tempo de serviço, atrelando-se o critério previdenciário ao trabalhista .

Contudo, tais critérios trabalhistas (insalubridade, periculosidade e penosidade) de modo algum apresentavam ou apresentam uniformidade conceitual. Por um lado, ambos surgiram de uma diferenciação histórica das espécies de riscos laborais, se fundando em concepções subjetivas que levaram a inúmeras técnicas de proteção do trabalho. Por outro, seu desenvolvimento conceitual, com maior precisão, só se deu a partir da regulamentação dos respectivos adicionais. A técnica de enquadramento para fins previdenciários, por sua vez, por possuir escopo específico, não se encontra necessariamente atrelada a qualquer desses dois paradigmas.

Pelo contrário, há que se perceber que, a despeito da origem comum das técnicas de enquadramento para fins de adicionais de insalubridade, periculosidade e penosidade e para fins de contagem privilegiada do tempo de serviço, há diferenças profundas entre as mesmas, em vista de sua função precípua e dos respectivos procedimentos institucionais.

Em princípio, as regras de higiene do trabalho se situavam em uma apreciação grosseira dos efeitos da exposição dos trabalhadores a agentes nocivos, a partir do senso comum. Assim ocorreu com o Mines Act, de 1842, que proibiu crianças menores de dez anos de idade e mulheres de trabalharem no subterrâneo das minas.

Posteriormente, a regulamentação das atividades profissionais passou a se valer de índices específicos de acidentes e doenças profissionais em determinados setores, algo que foi permitido pela instituição da inspeção do trabalho. Na Inglaterra, por exemplo, esta foi criada com o Factory Act, de 1833, tendo fornecido inúmeras informações sobre acidentes, os quais serviram de embasamento, por exemplo, para a aprovação das diversas medidas de segurança do Coal Mines Act, de 1911.

É óbvio, porém, que mecanismos de prevenção eram necessários, pois não faria sentido esperar que os acidentes acontecessem para que só depois se buscassem as soluções para o problema.

Um esforço nesse sentido foi uma análise do risco específico de cada atividade, o qual levou os técnicos de Segurança e Saúde no Trabalho se fixarem no estudo aprofundado do impacto in loco dos agentes nocivos pela enumeração de profissões, tendo tal prática se universalizado a partir da Convenção 155/OIT, a qual estabeleceu a necessidade de uma apuração conjunta dos agentes sobre os trabalhadores na integralidade da planta industrial (art. 11, “b”). Dessa forma, partia-se para uma abordagem que permitisse uma verificação clara do ambiente de trabalho como um todo, facilitando a realização de mapas de riscos e permitindo uma melhor administração dos mesmos diante da realidade da integração dos processos produtivos em uma mesma empresa.

A técnica do enquadramento por função, para fins de concessão de adicional de insalubridade, nada mais é do que uma combinação dessas duas técnicas, na medida em que tem por propósito facilitar a identificação das atividades de risco a partir de uma monitoração dos acidentes em cada área específica, sancionando o empregador, naqueles casos, a pagar a mais até que elimine ou neutralize os respectivos riscos.

Diversamente, no caso da Previdência Social, a redução do tempo de serviço necessário à aposentação tem fundamento na efetiva apreciação estatística não no número e nas características das ocorrências médicas, mas da redução da vida útil do trabalhador que se encontra ocupado com determinada atividade. Isso faz com que determinadas hipóteses de enquadramento funcional, tidas como casos de insalubridade máxima, sequer constem do rol de enquadramento previdenciário, ao passo que há casos de insalubridades mínimas que já constaram.

Dada essa diferenciação, percebe-se facilmente que o espectro da regra de enquadramento para fins de contagem privilegiada do tempo de serviço não se confunde com aquela relativa aos adicionais, bastando verificar o desenvolvimento destes segundo uma trajetória bastante peculiar.

Primeiramente se tratou da insalubridade a partir do Decreto-Lei 399/38 (art. 4º) e, posteriormente, pelo Decreto-Lei 2.162/40 (art. 6º) e, finalmente, pela Lei 6.514/77, que reformou diversos artigos da CLT, todos eles disciplinados em diversas portarias. No caso da periculosidade, o adicional acabou se limitando às atividades relativas à combustíveis e substâncias inflamáveis e explosivas, só mais recentemente vindo a abranger substâncias radioativas. O conceito de atividades penosas, bem como a previsão do respectivo adicional, só veio a ser expressamente previsto na CF/88 (art. 7º, XXIII), sendo que, a despeito de inúmeros projetos de lei a respeito, o mesmo nunca foi regulamentado.

Em outras palavras, apenas a insalubridade foi tratada de forma ampla pela lei trabalhista, encontrando estreita interface com a lei previdenciária, limitando-se a periculosidade a atividades relacionadas a pouquíssimas atividades, e sequer se tratando das atividades supostamente penosas.

No tocante à seara previdenciária, já no Quadro II do Decreto 48.959-A/60, que regulamentou a LOPS, pode-se observar as diferenças. Quanto à insalubridade, reportou-se apenas aos casos de insalubridade de grau máximo, para fins de adicional, previstos na Portaria SCM-51/39. Quanto à periculosidade, fixou o enquadramento apenas para os trabalhos com taxa de risco superior a 12%, previstos na Tarifa Oficial de Seguros de Acidente do Trabalho, inicialmente lançada pelo Decreto 86/35 e alterada periodicamente. Quanto aos trabalhos penosos, na falta de um estudo mais preciso no âmbito trabalhista, foram fixadas regras bastante amplas e imprecisas.

Percebe-se desse Quadro, primeiro normativo a tratar da contagem privilegiada, que o mesmo se limitou a lançar as fórmulas iniciais a serem posteriormente utilizadas para fins de enquadramento, mas é certo que não se valeu de estudos estatísticos para a sua composição. Isso se evidencia, para além das lacunas na regra de enquadramento – ora muito frouxa, ora muito estrita – , pelo fato de o mesmo, em si, já prever a formação de uma comissão para fins de estudos médicos e atuariais, a qual foi responsável pela edição da Portaria Ministerial n.º 211-A/62. Neste ato normativo, porém, optou-se por não estabelecer desde logo um rol de atividades segundo a classificação do trabalho como insalubre, perigoso e penoso, e de sua respectiva intensidade, tal como determinado pelo Quadro II, mas apenas se disciplinou que os casos que não estivessem previstos neste seriam objeto de inspeção extraordinária, que poderia ser requerida pelos Institutos de Aposentadorias e Pensões – que só foram extintos posteriormente – ou entidades sindicais , sendo que o aprofundamento das atividades de fiscalização posteriormente levaram ao Anexo do Decreto 53.831/64.

Nesse sentido, o Decreto 53.831/64, de posse de relatórios estatísticos, enquadrou uma ampla variedade de atividades que estavam previstas na Portaria Ministerial n.º 262/62 – que regulava o adicional de insalubridade à época – como de insalubridade mínima, tais como trabalhadores de depilação e empalhamento à base de arsênico (item 1.2.1, III), ou operadores de esteiras e teleféricos quanto à poeira de talco mineral, cimento e carvão mineral (item 1.2.10, III), a despeito de serem realizadas a céu aberto, e atividades que não eram objeto de enquadramento para fins de adicional de insalubridade, como no caso dos bombeiros de socorro a incêndios (item 2.5.7). No caso dos serviços penosos, estabeleceu-se como penosas profissões ligadas ao magistério e o transporte coletivo.

O principal motivo de tais diferenças está em que as perspectivas quanto ao enquadramento trabalhista e previdenciário são eminentemente diversas, pois embora partam ambas dos dados obtidos com a inspeção do trabalho, a utilização dos mesmos varia segundo o escopo específico de cada instituto jurídico, que no caso da contagem privilegiada se volta à apreciação estatística da vida laborativa útil, ao passo que no âmbito dos adicionais, está na concentração de ocorrências de acidentes. Se assim não fosse, jamais poderiam constar atividades perigosas como vigias e trabalhadores em construções de edifícios e pontes (item 2.3.3), menos ainda ocupações tidas por penosas, como a dos motoristas de ônibus de linha (item 2.4.4).

Além disso, como foi dito, reputam-se os adicionais técnica de proteção subsidiária às demais que se agrupam em torno das normas de higiene laboral. Há inúmeras atividades perigosas que não se ligam ao trabalho com explosivos, combustíveis inflamáveis e substâncias radioativas, muitas das quais, inclusive, revelam haver uma concentração relevante de ocorrências de acidentes do trabalho. Contudo, para além da concentração de ocorrências, a função do adicional de periculosidade, como técnica de prevenção específica, tem por escopo prevenir riscos ambientais imanentes a ocupações que, por se ligarem a empresas cujo processo produtivo implica em contato constante com determinados agentes agressivos, são resistentes às regulamentações das profissões, das indústrias e dos riscos em geral.

Nesse sentido, percebe-se que, por vezes, a autoridade administrativa do trabalho entende ser suficiente regulamentar minuciosamente determinadas atividades ou ocupações, ou ainda estabelecer regras gerais de higiene laboral, como forma de prevenir riscos, não se afigurando indispensável a imposição de um adicional específico.

Por certo a Lei 7.369/85 criou uma hipótese sui generis de adicional, porquanto, na sistemática tradicional, as Normas Regulamentadoras estabelecem os critérios que, em princípio, deveriam ser objeto de atenção por parte dos serviços médicos do trabalho no âmbito das empresas, e submetidas à inspeção do trabalho, ao passo que, naquele Diploma, impôs-se a concessão do adicional de forma estrita, muito embora as atividades tidas por perigosas tenham sido estabelecidas no âmbito do Decreto 92.212/85 . Isso, porém, em nada altera o fato de que a sistemática de reconhecimento, a qual, como visto acima, é inteiramente diversa em ambos os casos.

Vale notar, aliás, que a justificativa dada ao PL 2002/76, proposto pelo Deputado José Carlos Teixeira, a distinção entre o adicional e a contagem privilegiada, a despeito de sua arbitrariedade técnica, foi firmada sem deixar espaço para dúvida, não deixando qualquer margem à interpretação que ora se propõe.

Desta maneira, vê-se que os institutos não só tiveram uma origem histórica diversa, como também têm propósitos e regulamentação legal distinta, não podendo ser confundindos.

Sobre a autora
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MANGIA, Cinthya Campos. Distinção entre os adicionais trabalhistas e a conversão fictícia de tempo de serviço especial em comum. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4108, 30 set. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/29686. Acesso em: 22 nov. 2024.

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