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A revisão criminal e a soberania dos veredictos no tribunal do júri

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Agenda 05/07/2014 às 15:45

5 CONCLUSÃO

Inicialmente, cumpre dizer que a pesquisa desenvolvida buscou analisar a revisão criminal nas decisões originárias do Júri, frente ao principio da soberania dos veredictos, demonstrando as diferentes posições doutrinárias e jurisprudenciais acerca do assunto, que é alvo, ainda, de grandes questionamentos.

Evidencie-se que o alcance deste objetivo final dependeu da apreciação de algumas questões e conceitos básicos sobre o Tribunal do Júri, o instituto da coisa julgada e a revisão criminal. Portanto, antes de abordar o desígnio deste trabalho, é de fundamental importância retomar algumas noções acerca de tais assuntos, tendo em vista que elas foram a base sobre a qual se edificou esse estudo.

O Tribunal do Júri sempre foi uma instituição polêmica, sobretudo por ser relacionado à democracia. Essa instituição, de natureza pública e condenatória, com caráter contraditório e oral, possui assento constitucional (art. 5º, XXXVIII, CF) e é competente para julgar os crimes dolosos contra a vida.

O Júri chegou ao Brasil quando a Corte Portuguesa se transferiu para o país, em 1807, sendo instituído por meio do Decreto Imperial de 18 de junho de 1822. Nessa época, a sua competência estava restrita aos crimes de imprensa. Em 1824 o Júri alcançou o status de garantia constitucional e em 1832 teve suas atribuições ampliadas. Contudo, em 1841 e 1850 a instituição foi alvo de grandes modificações, principalmente em relação à sua organização e atribuições. Ademais, as Cartas de 1934, 1946 e 1967 também realizaram importantes alterações no Júri. Todavia, foi em 1988 que o Júri ficou, finalmente, consagrado como um direito fundamental e não apenas como um órgão do judiciário.

Nesse contexto, destacam-se os princípios básicos da instituição: plenitude de defesa, sigilo das votações e soberania dos veredictos. A plenitude da defesa garante ao Júri uma maior efetividade, posto que, como os jurados não precisam fundamentar as suas decisões, a defesa deve ser a mais ampla possível.

O sigilo das votações, por sua vez, possibilita aos jurados uma manifestação mais livre, sem pressões e isso é muito relevante, na medida em que a insegurança do jurado ao votar pode comprometer a sorte do réu. De dizer-se, ainda, que o sigilo das votações não pode ser confundido com a incomunicabilidade dos jurados, pois esta consiste em impedir que os jurados se comuniquem entre si, evitando a influência sobre o voto.

Já a soberania dos veredictos é a impossibilidade de se substituir a decisão dos jurados por outra do Poder Judiciário ou de qualquer outro órgão do Estado. A soberania, atrelada ao fato de que os jurados não precisam fundamentar as suas decisões, causa duras críticas ao Júri, mas, é importante que se diga, essa soberania não é onipotente e absoluta, tendo em vista a possibilidade de recorrer das decisões dos jurados.

O Tribunal do Júri, saliente-se, relativamente ao seu procedimento, possui uma fase de formação da culpa, uma fase preparatória e uma fase de julgamento. Nesta última, quando a sentença será prolatada, poderá haver pronúncia, impronúncia, desclassificação ou absolvição sumária. Em todo caso, qualquer que seja a decisão dos jurados, a sentença poderá transitar em julgado, e, por isso, a pesquisa considerou oportuno tratar, também, da coisa julgada.

A coisa julgada, instituto que se forma interpartes e que se constitui como a qualidade dos efeitos da sentença, impede que uma decisão seja rediscutida, pois a torna imutável. Dessa forma, a coisa julgada põe fim aos litígios, conferindo maior segurança jurídica às relações. No entanto, embora haja a necessidade de se por fim aos conflitos, em casos excepcionais, como, por exemplo, o erro judiciário, a coisa julgada deverá ser relativizada, a fim de que a sentença seja desconstituída. Frise-se, nesse ponto, que a coisa julgada pode recair sobre uma sentença condenatória ou absolutória, mas a desconstituição só ocorrerá em relação àquela e nos casos de sentença absolutória imprópria. A coisa julgada, portanto, não é absoluta.

O erro judiciário que ocorre num julgamento pode gerar graves consequências ao condenado, atingindo, sobretudo, a sua liberdade individual, além de macular a sua honra e dignidade. Por isso, não há razão para que coisa julgada prevaleça incólume enquanto o cidadão é injustamente condenado. Ou seja, a partir do momento em que se contrapõem os valores certeza e justiça, segurança jurídica e liberdade individual, o valor atribuído à coisa julgada deve ser mitigado, principalmente em virtude do Estado Democrático de Direito.

Além disso, a coisa julgada, apesar de ter status constitucional (art. 5º, XXXVI, CF) e estar prevista, também, na Convenção Americana de Direitos Humanos (art. 8º, nº 4), não é o único instituto amparado pela Constituição Federal, não havendo razão, portanto, para prevalecer sobre o direito fundamental de liberdade, mormente quando se constata erro no julgamento. Por esta razão, o trabalho firmou o entendimento de que é possível, e mais, necessário, haver a relativização da coisa julgada, a fim de que a sentença condenatória maculada por erro seja desconstituída. Nesse ponto, registre-se, é que a revisão criminal se insurge, como o remédio apto a desfazer essa coisa julgada.

A revisão criminal instaurou-se no Brasil em 1890, através do Decreto nº 848 e teve por inspiração as Ordenações portuguesas. Entretanto, vislumbra-se que a sua idealização seja assaz longínqua, tendo em vista que no direito romano e no direito canônico já havia instrumentos semelhantes. Hoje, porém, a revisão adquiriu outros contornos, passando a ser considerada como direito subjetivo do condenado, apesar de não ter sido inserida no capítulo de direitos e garantias fundamentais da Constituição.

A legislação pátria, advirta-se, só admite a revisão pro reo, diferentemente de outros países como Noruega, Suíça e Portugal, que admitem a revisão pro societate. Isto significa que, no Brasil, a revisão criminal não tem incidência sobre sentenças absolutórias próprias, incidindo, tão somente, sobre as sentenças condenatórias e absolutórias impróprias, emanadas de qualquer juízo. Dito isto, conceitua-se a revisão criminal como o instrumento capaz de desconstituir uma sentença condenatória transitada em julgado, para expurgar os erros do julgamento. Assim, a revisão criminal tem como pressupostos, justamente, a coisa julgada e o erro judiciário.

Nessa via, é importante evidenciar que o erro judiciário enseja indenização ao condenado, por parte do Estado, quer em ação pública, quer em ação privada, por possuir uma responsabilidade objetiva. Essa indenização deve ser pleiteada, preferencialmente, quando a revisão for requerida e será liquidada no juízo cível. Além disso, frise-se, a indenização abrangerá tanto os danos materiais como os danos morais, e será devida quando causar graves prejuízos ao condenado.

A revisão criminal será admitida nas hipóteses do artigo 621 do CPP e, quando isso ocorrer, o Tribunal poderá alterar a classificação da infração, absolver o réu, modificar a pena ou anular o processo, conforme disposição do artigo 626 do CPP. Observa-se, com isso, que a regra no ordenamento jurídico pátrio é que o Tribunal realize tanto o juízo rescindente, admitindo ou inadmitindo a revisão, quanto o juízo rescisório, efetivando um novo julgamento, salvo, porém, nos casos em que o pedido revisional se fundar em nulidade do processo, quando então o Tribunal realizará apenas o juízo rescindente.

Assim, tendo feito essa retomada, o escopo do trabalho pode, finalmente, ser delineado, visto que, como foi dito, as noções tratadas aqui embasaram o desfecho do estudo.

Nessa esteira, é de suma importância atentar para o fato de que a doutrina e a jurisprudência pacificaram o entendimento de que é possível haver revisão criminal nas decisões do Júri, dado que a soberania não é absoluta e, sendo preceito constitucional tal qual a liberdade do indivíduo, não tem razão para prevalecer sobre esta, restando, portanto, superada essa questão.

Destarte, dentro desse quadrante, o mais relevante é compreender quem possui competência para realizar o juízo rescisório, por duas razões:

a)    o ordenamento jurídico pátrio, ao estabelecer a competência do Tribunal ad quem para realizar ambos os juízos, aparentemente, ofende a soberania dos veredictos;

b)    a doutrina e a jurisprudência ainda apresentam divergências sobre o assunto.

Logo, há autores que sustentam ser o Tribunal do Júri o órgão competente para realizar o juízo rescisório da ação de revisão criminal nas decisões originárias dessa instituição, posto que, se o Tribunal ad quem proferisse nova decisão, a soberania dos veredictos seria desrespeitada, além do mais, essa seria a única forma de compatibilizar a revisão criminal com o princípio. Essa linha foi defendida pela 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça no julgamento de um habeas corpus, onde ficou assentado o entendimento de que a instância ad quem não poderia alterar o mérito das decisões do Júri, cabendo ao Conselho de Segurança o novo julgamento.

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Outros autores, porém, abraçam posicionamento contrário, afirmando que o juízo rescisório, assim como o rescindente, pertence ao Tribunal revisor, sem que, por isso, a soberania dos veredictos seja ofendida. Nessa direção, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, ao julgar uma revisão criminal, formou entendimento de que ambos os juízos pertencem à segunda instância, sem receio de ofensa à soberania dos veredictos, já que esse princípio, como garantia constitucional, coexiste com outras garantias constitucionais favoráveis ao réu, como a ampla defesa e a própria liberdade.

A partir de tais considerações é que o presente trabalho chega à conclusão de que a coisa julgada pode ser relativizada em casos excepcionais, como o erro judiciário, a fim de que a sentença condenatória viciada seja desconstituída, sendo que, no processo penal brasileiro, o remédio apto a realizar essa desconstituição é a revisão criminal, ação penal utilizada em favor do condenado.

Conclui-se, também, que a sentença condenatória desconstituída pela revisão criminal pode emanar de qualquer juízo, inclusive do Tribunal do Júri. Deste modo, uma vez admitida a revisão criminal, o órgão competente para julgar o pedido revisional é o Tribunal ad quem, com a ressalva, no entanto, dos casos de nulidade absoluta, em que o Tribunal realizará apenas o juízo de admissibilidade da revisão, encaminhando ao Júri o novo julgamento. Vale registrar, nessa via, o entendimento de que o julgamento pelo Tribunal ad quem não ofende o princípio da soberania dos veredictos, dado que a revisão criminal, assim como a soberania, encontra amparo na Constituição Federal, além do que, o artigo 626, do CPP, fixa, expressamente, a competência da segunda instância para julgar o pedido revisional. Ademais, tendo transitado em julgado a sentença condenatória, a função do Júri se completa, não havendo razão em impedir que outro colegiado corrija o erro cometido pelo Tribunal Popular.

Enfim, não se trata de querer usurpar a função do Júri ou limitar a sua efetividade, pelo contrário, trata-se, aqui, de tentar conformar a revisão criminal e a soberania dos veredictos, a fim de que esta não seja invocada contra o réu, prejudicando a sua liberdade e, também, para que a revisão consiga atingir eficazmente as suas finalidades, pois, apenas desse modo é que serão alcançados resultados positivos para o réu injustamente condenado, que é o principal destinatário dessa ação e o maior beneficiário de toda essa discussão.


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Sobre a autora
Susan Kellen dos Reis Cruz

Bacharel em Direito pela Universidade de Salvador (2014.1)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CRUZ, Susan Kellen Reis. A revisão criminal e a soberania dos veredictos no tribunal do júri. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4021, 5 jul. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/30022. Acesso em: 4 nov. 2024.

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