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A responsabilidade civil do Estado pela morosidade na prestação jurisdicional

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Agenda 14/01/2015 às 11:43

4 A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO PELA MOROSIDADE NA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL 

Esclarecidas a questão acerca da impossibilidade de se excluir a responsabilidade estatal pelos danos decorrentes de atos dos julgadores, imprescindível para o desenvolvimento deste trabalho, passa-se, por fim, ao estudo da responsabilização em virtude da morosidade na prestação jurisdicional decorrente da inércia do magistrado.

A Constituição de 1988 no art. 5°, LXXVIII consagrou o direito fundamental à duração razoável do processo, o qual garante aos cidadãos que uma decisão seja proferida em tempo razoável e eficaz:

Art. 5º [...]

LXXVIII - a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.

Todavia, hodiernamente, o aumento exponencial de demandas judiciais, bem como a falta de agentes ou de infraestrutura, resultou em um congestionamento do Poder Judiciário, comprometendo a celeridade e a efetividade da prestação jurisdicional.

Em decorrência desses fatores, a morosidade tornou-se um dos principais problemas que obstam a efetiva garantia dos direitos pleiteados, pois, muitas vezes, a justiça tardia acarreta danos irreversíveis às partes e até mesmo a toda sociedade.  

É nesse contexto que se torna relevante analisar se o Estado deve ou não responder objetivamente pelos danos causados por seus agentes em virtude da demora na prestação jurisdicional.

No que se refere a condutas comissivas dos magistrados que causem dano a um terceiro, não há dúvidas que incida a responsabilidade objetiva do Estado, conforme já demonstrado.

Em contrapartida, a controvérsia persiste no que se diz respeito à natureza da responsabilidade oriunda de condutas omissivas dos agentes (como no caso de falta de prestação da tutela jurisdicional em tempo razoável).

Se, por um lado, há entendimento que no caso de omissões genéricas deverá incidir a responsabilidade subjetiva, com fulcro na teoria da falta de serviço público; por outro, no caso de omissões específicas, entende-se pela aplicação da responsabilidade objetiva.

Segundo José Aguiar Dias citado por Maykot (2009, p. 53), no caso de atos omissivos genéricos apenas é possível se atribuir responsabilidade ao Estado se restar comprovada a culpa da Administração. Como exemplo, menciona-se a hipótese de uma pessoa ser roubada em uma praça. Apesar de o ente estatal ter o dever de vigilância, não é possível responsabilizá-lo objetivamente (MAYKOT, 2009, p. 53).

Nessas circunstâncias, percebe-se que é necessária a comprovação do elemento subjetivo para que o Poder Público responda pelo dano, aplicando-se, portanto a teoria da culpa do serviço público.

Assim, o Estado apenas responde se for constatado que o serviço público não funcionou, quando deveria funcionar; funcionou atrasado; ou funcionou mal. Frisa-se que nesse caso não é relevante saber quem foi o agente público responsável pela omissão.

No caso da demora da prestação jurisdicional, entende-se que, em se tratando de ato lesivo por falta do serviço público, uma vez que este não funcionou da forma em que deveria funcionar, apenas haverá responsabilidade do Poder Público se comprovadas as circunstâncias que deram causa à demora jurisdicional (MAYKOT, 2009, p. 55).

Em pesquisa à jurisprudência, constata-se que predomina o entendimento pela responsabilidade subjetiva do Estado no caso de omissão genérica, de modo que a responsabilização estatal apenas será possível se a vítima comprovar a falta de serviço da Administração. In verbis:

No caso de ato omissivo praticado pelo Estado, por serviço que não funcionou ou funcionou de forma tardia ou ineficaz, deve-se enquadrar a responsabilidade estatal como subjetiva, mormente não ter sido o autor do dano, sendo necessário, para tanto, a comprovação do comportamento ilícito praticado pela Administração Pública (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 2005a).

1. A responsabilidade civil que se imputa ao Estado por ato danoso de seus prepostos é objetiva (art. 37, § 6º, CF), impondo-lhe o dever de indenizar se verificar dano ao patrimônio de outrem e nexo causal entre o dano e o comportamento do preposto.

2.  Somente se afasta a responsabilidade se o evento danoso resultar de caso fortuito ou força maior ou decorrer de culpa da vítima.

3. Em se tratando de ato omissivo, embora esteja a doutrina dividida entre as correntes dos adeptos da responsabilidade objetiva e aqueles que adotam a responsabilidade subjetiva, prevalece na jurisprudência a teoria subjetiva do ato omissivo, de modo a só ser possível indenização quando houver culpa do preposto. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 2005b).

Em contrapartida, no caso de atos omissivos específicos, deve-se incidir a responsabilidade objetiva. Tal presunção apenas é possível quando o Estado, por meio de seus agentes, tinha o dever de agir e de impedir a ocorrência de um dano, mas, por inércia, não o fez.

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Como exemplo de omissão específica, cita-se a conjectura de um policial ver um cidadão ser roubado, mantém-se inerte ou desinteressando, nada fazendo para impedir que o dano se concretizasse (MELLO, 2009, p. 1005).

Na esfera processual civil, admite-se a responsabilidade civil objetiva do Estado por omissões específicas quando houver violação a dispositivos legais que fixem prazos para o desenvolvimento regular do processo.

Assim, se o atraso decorrer da inobservância pelos agentes públicos, inclusive os magistrados, de quaisquer prazos processuais fixados pelo Código de Processo Civil, seja para realização de diligências, atos ou decisões, o Estado responderá objetivamente:

A violação dos prazos processuais fixados aos agentes públicos, incluindo servidores e magistrados do Poder Judiciário, prática comum que pode ser comprovada por meio da tramitação processual, afronta o Princípio do Devido Processo Legal declarado como garantia fundamental e deve ser enfrentada e combatida, defendendo-se a necessidade de responsabilização do Estado (RESENDE, 2012, p. 106).

Isso porque cabe ao Poder Público zelar pela garantia constitucional à duração razoável do processo e pelo respeito dos preceitos normativos. Aliás, assim como as partes processuais devem cumprir os prazos processuais, os juízes, atuando como agentes públicos incumbidos de prestar um serviço público, qual seja, a justiça célere e eficiente, também devem cumprir as determinações legais, sob pena de o Estado responder pela sua omissão.

É preciso ter-se em mente que a prestação jurisdicional, para que seja injusta, não requer, necessariamente, que esteja eivada de vícios ou de ter o juiz agido com dolo, fraude ou culpa quando da decisão. O não julgamento quando devido ou o seu atraso demasiado também se constituem de prestação jurisdicional deficiente e injusta. É omissão ao dever legal de prestar, a qual enseja, naturalmente, a responsabilidade pelos danos oriundos (ANNONI, apud RESENDE, 2012).

Como consequência, a demora processual aproxima-se de injustiça, uma vez que não assegura ao titular o direito previsto no ordenamento jurídico no momento necessário, em que se faz imperiosa atuação estatal (RESENDE, 2012, p. 95).

Entretanto, ainda há grande resistência dos Tribunais em se admitir tal responsabilidade objetiva especialmente nos casos de morosidade, o que, muitas vezes, gera um sentimento de inaceitabilidade e insatisfação da população, que presencia a demora processual, ao mesmo tempo em que assiste a irresponsabilidade estatal.

A jurisprudência brasileira, como regra, não aceita a responsabilidade do Estado por atos jurisdicionais, o que é lamentável porque podem existir erros flagrantes não só em decisões criminais, em relação às quais a Constituição adotou a tese da responsabilidade, como também nas áreas cível e trabalhista. Pode até ocorrer o caso em que o juiz tenha decidido com dolo ou culpa; não haveria como afastar a responsabilidade do Estado. Mas, mesmo em caso de inexistência de culpa ou dolo, poderia incidir essa responsabilidade, se comprovado o erro da decisão (DI PIETRO, 2010: 663-664).

Em alguns casos jurisprudenciais, por sua vez, já houve reconhecimento pelo Judiciário da necessidade de responsabilização objetiva do Estado pela demora processual quando esta for causada pelo descumprimento do magistrado aos prazos fixados em lei, ocasionando uma demora injustificável no trâmite processual.

Nesse sentido, destacam-se as palavras do Ministro Gilmar Mendes, proferidas no julgamento do Habeas Corpus 103.854 PE:

A inserção do inciso LXXVIII ao art. 5° da CF refletiu o anseio de toda a sociedade de obter resposta para a solução dos conflitos de forma célere, pois a demora na prestação jurisdicional constitui verdadeira negação de justiça.

Comungando das mesmas preocupações com a demora no andamento do processo, Luiz Guilherme Marinoni lembra ainda outra consequência da morosidade processual, na medida em que passa a ser verdadeiro inibidor de acesso à justiça, levando o cidadão a desacreditar no papel do Judiciário [...].

Ocorre, porém, que o cidadão não pode ficar indefinidamente à espera da resposta estatal.  [...]

Nesse contexto, a despeito dos problemas operacionais e burocráticos que assolam não somente o Superior Tribunal de Justiça, mas, de modo geral, todo o Poder Judiciário, a morosidade no processamento e no julgamento de qualquer feito não pode ser institucionalmente assumida como um ônus a ser suportado por todos aqueles que estejam envolvidos em uma ação judicial (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. 2010).

Ressalta-se que, por se tratar de responsabilidade objetiva fundada na teoria do risco administrativo, admite-se a incidência das causas excludentes de responsabilidade, o que ocorre nos casos em que a própria parte que se acha lesada tenha causado a morosidade (permitindo que o juízo aplique até mesmo a condenação por litigância de má-fé) e, também, na hipótese de complexidade da causa (LOUREIRO FILHO, 2005, p. 212).[7]

Por fim, é relevante retomar que o Estado, embora responda objetivamente, tem assegurado o direito de regresso em desfavor do verdadeiro causador do dano à vítima quando atuar com dolo ou culpa, tal como mencionado pelo art. 37 §6° da CR/88.

Logo, a vítima poderá pleitear a ação ordinária de indenização, tendo três opções quanto ao pólo passivo: mover a ação apenas contra o magistrado, incidindo, pois a responsabilidade subjetiva; mover a ação em desfavor do juiz e do Estado num litisconsórcio passivo; ou mover a ação tão somente contra o Estado, o qual responde objetivamente pelo dano causado pela conduta omissiva específica, podendo apurar, em um segundo momento, a responsabilidade pessoal do juiz quando da ação regressiva contra ele movida (DERGINT, 1994, p. 213-214).

Nesse ponto, Dergint esclarece essa questão:

Se o retardamento decorrer de falhas e deficiências do aparelho judiciário (sem culpa ou dolo do juiz), representadas por sobrecarga e acúmulo de serviço ou por má distribuição de juízes, servidores e processos, o Estado é integralmente responsável pelo “acidente administrativo”. Se a demora advier de desídia judicial (que é uma forma de culpa, equiparada à negligência), deve também responder o juiz, ainda que apenas regressivamente ao Estado (DERGINT, 1994, p. 196).

Desse modo, percebe-se que a vítima que sofreu dano pela demora da via jurisdicional sempre será amparada, já que não se afasta a responsabilidade objetiva do Estado pelas atividades praticadas pelos seus agentes públicos, inclusive os juízes. 


CONCLUSÃO 

A responsabilidade objetiva do Estado, consagrada em âmbito constitucional, permite que os cidadãos pleiteiem indenização estatal pelos danos que os agentes públicos lhes causaram quando do exercício da função.

Tais agentes públicos incluem todos os funcionários, consoante disserta a doutrina majoritária. Com efeito, os magistrados quando atuarem com dolo ou culpa causando danos às partes ou à terceiro, a entidade estatal responderá, cabendo, após indenizar a vitima, ajuizar ação de regresso em desfavor do juiz.

No que diz respeito à morosidade na prestação da tutela jurisdicional, há entendimentos tanto em favor da responsabilidade subjetiva quanto da objetiva.

Se a demora decorrer da falta de serviço, o qual não foi prestado ou não funcionou como deveria funcionar, não incidirá o comando do art. 37, §6°da CR/88, e sim a teoria responsabilidade subjetiva, uma vez que se trata de uma omissão genérica.

Quando, no entanto, se constatar uma omissão específica responsável pela morosidade, no caso dos magistrados destaca-se a inobservância dos prazos processuais, ou, ainda, alguma conduta comissiva, incidirá a responsabilidade objetiva estatal, independentemente da atuação dolosa ou culposa do juiz. Assim, apenas será necessária a comprovação dos pressupostos da responsabilidade objetiva do Estado, quais sejam, a prática de ato pelo agente, dano específico e nexo de causalidade

Desse modo, verifica-se que, seja de forma subjetiva ou objetiva, havendo a possibilidade do Estado ser responsável pela morosidade, há maior concretização do direito fundamental à duração razoável do processo, pois o Poder Público poderia exercer um maior controle dos atos praticados pelos seus servidores, já que a lesão causada por eles lhe acarretaria uma onerosidade.


REFERÊNCIAS

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RESENDE, Patrícia Newley Kopke. A responsabilidade civil do Estado pelos danos decorrentes da morosidade na prestação jurisdicional. Dissertação Mestrado Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Belo Horizonte, 2012.


Notas

[2]A teoria civilista foi adotada pelo Código Civil brasileiro de 1916, o qual consagrou a responsabilidade subjetiva do Estado.

[3]A primeira decisão que consagrou a fase publicista da responsabilidade foi o caso Blanco, ocorrido em 1873. Trata-se de uma ação que buscou indenização do Estado por prejuízos causados por terceiros, em decorrência de ação danosa de seus agentes. (DI PIETRO, 2010, p. 645).

[4]Tendo em vista que o presente trabalho tem como escopo a análise da responsabilidade do Estado pelos danos decorrentes da morosidade na prestação judicial, privilegiou-se a denominação de atividade jurisdicional, uma vez a análise de restringe à responsabilização estatal por danos decorrentes, exclusivamente, da ação ou omissão do magistrado que obstem o andamento processual.

[5]Sobre a base fundamental da violação à coisa julgada, o doutrinador Faria (2011, p. 671) defende que tem sido admitida a culpa do Estado somente em casos de decisões declaradas viciadas, por estarem em desacordo com o direito. Como exemplo, cita-se o caso dos Irmãos Naves, considerado pelo autor o mais grave erro judiciário, no qual o Estado foi obrigado a indenizar as vítimas mesmo após quase dez anos da condenação dos supostos criminosos.

[6]Nesse sentido, ver julgado: STF RE 219.117/PR. Ministro Ilmar Galvão – RT 772/155. 03 de agosto 1999.

[7] Quanto a hipótese de completa irresponsabilidade do Estado em virtude da complexidade da causa, recomenda-se a leitura do julgado STF HC 107.808. Ministro Celso de Mello, j. 07/06/2011. DJe, Brasília, 12 de ago. 2011. 

Sobre a autora
Carolline Leal Ribas

Instagram: @carollinelr

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RIBAS, Carolline Leal. A responsabilidade civil do Estado pela morosidade na prestação jurisdicional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4214, 14 jan. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/30095. Acesso em: 22 dez. 2024.

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