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Apuração de irregularidades em benefícios previdenciários e coisa julgada administrativa

Agenda 19/10/2014 às 08:10

Em respeito ao contraditório e ampla defesa, faz-se necessário aguardar o trânsito em julgado da decisão administrativa, para o definitivo cancelamento de benefícios previdenciários em casos de apuração de irregularidade

SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 Exposição dos fatos e direito.  3 Análise sobre o tema. 4. Considerações Finais. 5. Referências.

RESUMO: Este texto trabalho trata sobre a necessidade de se aguardar, em respeito ao contraditório e ampla defesa, o trânsito em julgado da decisão administrativa, para o definitivo cancelamento de benefícios previdenciários em casos de apuração de irregularidades.

PALAVRAS-CHAVE: Previdenciário. Apuração de irregularidades. Coisa julgada administrativa. Necessidade de formação.


1 Introdução.

O INSS, com o aprimoramento do serviço de apuração de irregularidades, cada vez mais tem se deparado com a necessidade de revisar benefícios concedidos de forma indevida, seja por erro administrativo ou ainda em razão de fraudes no requerimento administrativo dos benefícios.

Porém, para se chegar a uma conclusão que preserve o interesse público, mas por outro lado não afete a segurança jurídica dos cidadãos, o ideal é que o processo administrativo seja cercado das garantias constitucionalmente previstas, especialmente o contraditório e a ampla defesa.

Este texto vem demonstrar que tem prevalecido o entendimento pela impossibilidade de cancelamento definitivo de benefícios previdenciários irregulares antes da formação da coisa julgada administrativa, devendo-se antes exaurir todas as oportunidades de recursos administrativos.


2 – Exposição dos fatos e direito.

Em alguns casos, tem-se adotado o entendimento pela possibilidade de cancelamento (ou a revisão) de benefícios previdenciários irregulares após a apuração e julgamento pelo órgão local da existência de irregulares e notificação da parte interessada, não conferindo ao eventual recurso interposto efeito suspensivo.

Este entendimento está baseado nos artigos 69, §§ 1º, 2º e, especialmente o 3º da Lei nº 8.212/91, os quais indicam que, para cancelamento do benefício, basta a apuração realizada em primeira instância, com análise dos elementos de defesa e notificação do resultado do julgamento.

Assim dispõe a referida legislação:

Art. 69. O Ministério da Previdência e Assistência Social e o Instituto Nacional do Seguro Social-INSS manterão programa permanente de revisão da concessão e da manutenção dos benefícios da Previdência Social, a fim de apurar irregularidades e falhas existentes. (Redação dada pela Lei nº 9.528, de 10 de Dezembro de 1997)

§ 1º Havendo indício de irregularidade na concessão ou na manutenção de benefício, a Previdência Social notificará o beneficiário para apresentar defesa, provas ou documentos de que dispuser, no prazo de trinta dias. (Redação dada pela Lei nº 9.528, de 10 de Dezembro de 1997)

§ 2º A notificação a que se refere o parágrafo anterior far-se-á por via postal com aviso de recebimento e, não comparecendo o beneficiário nem apresentando defesa, será suspenso o benefício, com notificação ao beneficiário por edital resumido publicado uma vez em jornal de circulação na localidade. (Redação dada pela Lei nº 9.528, de 10 de Dezembro de 1997)

§ 3º Decorrido o prazo concedido pela notificação postal ou pelo edital, sem que tenha havido resposta, ou caso seja considerada pela Previdência Social como insuficiente ou improcedente a defesa apresentada, o benefício será cancelado, dando-se conhecimento da decisão ao beneficiário. (Redação dada pela Lei nº 9.528, de 10 de Dezembro de 1997)

Além do referido dispositivo, cumpre-nos informar que o artigo 61 da Lei nº 9.784/99 estabeleceu, como regra, o recebimento dos recursos administrativos, tão somente, no efeito devolutivo, salvo disposição expressa em sentido contrário.

Para esta linha de pensamento, o art. 69 da Lei 8.212/91 prevê que em caso de irregularidades será implantado um processo administrativo e que uma vez improcedente a defesa, o benefício será cancelado.

Alguns segurados, de outro turno, sustentam que a efetivação de quaisquer alteração ou cancelamento dos benefícios previdenciários só podem ser realizadas após o julgamento de todos os recursos cabíveis.

Baseiam seu entendimento na aplicação do art. 5º, inciso LV da Constituição Federal que prevê o direito ao contraditório e à ampla defesa tanto em processos judiciais, quanto em administrativos.

Entende-se, ao nosso ver com razão, que a noção do devido processo legal substancial também se aplica ao processo administrativo. São lições do mestre J. J. Gomes Canotilho:

“A teoria substantiva está ligada à ideia de um processo legal justo e adequado, materialmente informado pelos princípios da justiça, com base nos quais os juízes podem e devem analisar os requisitos intrínsecos da lei”.

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Corroborando este entendimento, o artigo 308 do Decreto nº 3.048/99 foi alterado em 2006, permitindo, desta forma, a concessão de efeito suspensivo no caso de recurso das Juntas de Recursos do CRPS:

 Art. 308.  Os recursos tempestivos contra decisões das Juntas de Recursos do Conselho de Recursos da Previdência Social têm efeito suspensivo e devolutivo. (Redação dada pelo Decreto nº 5.699, de 2006)

§ 1o  Para fins do disposto neste artigo, não se considera recurso o pedido de revisão de acórdão endereçado às Juntas de Recursos e Câmaras de Julgamento. (Incluído pelo Decreto nº 5.699, de 2006)

§ 2o  É vedado ao INSS escusar-se de cumprir as diligências solicitadas pelo CRPS, bem como deixar de dar cumprimento às decisões definitivas daquele colegiado, reduzir ou ampliar o seu alcance ou executá-las de modo que contrarie ou prejudique seu evidente sentido. (Redação dada pelo Decreto nº 6.722, de 2008).

O Decreto foi omisso em relação aos recursos da decisão de primeira instância, direcionados às Juntas de Recursos, porém, se atribui efeito suspensivo a uma decisão de órgão colegiado, mais sentido faria ainda atribuí-lo a uma decisão de órgão singular.


3 – Análise sobre o tema

Os segurados encontram respaldo em decisões do Supremo Tribunal Federal, que, aplicando de forma equivocada o precedente do RE 594296, julgaram prejudicados os Recursos Extraordinários do INSS que tratavam sobre revisões ou cancelamentos de benefícios previdenciários irregulares somente antes do o exaurimento de todos os recursos administrativos.

Atente-se, desde já, que na decisão do  RE 594296,  o qual envolvia matéria servidor público, houve o cancelamento de quatro quinquênios anteriormente concedidos pela Administração Pública e determinada a devolução dos valores recebidos .

Considerou-se que não houve procedimento administrativo, apenas uma revisão de benefício com base em suspeita de fraude.

Assim, a decisão a princípio nada tem a ver com a exigência de esgotamento dos recursos administrativos para o cancelamento de benefícios, mas vem sendo utilizada como parâmetro para devolução dos Recursos Extraordinários interpostos, conforme se verá a seguir.

Porém, independentemente das decisões do Supremo, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região pacificou o posicionamento em sentido contrário ao defendido pelo INSS, ou seja, anulando as revisões administrativas realizadas antes do exaurimento dos procedimentos recursais administrativos.

Desta forma, exige a formação da coisa julgada administrativa e determina a realização de contraditório pleno, para então, permitir a correção das irregularidades.

A título exemplificativo podem ser destacados os acórdãos proferidos pelo TRF da 1ª Região nas ações indicadas:

0003104-97.1999.4.01.4000/PI;

0003321-72.2001.4.01.4000;

0037840-86.2004.4.01.3800/MG;

0010185-15.2002.4.01.9199/MG;

0003082.34.2001.4.01.3300/BA.

Colacionam-se ementas para uma melhor elucidação:

“PREVIDENCIÁRIO, ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. 1. O cancelamento de benefício previdenciário até então considerado como legítimo só pode ocorrer após o exaurimento do processo administrativo válido e regular. TRF1. AC 199840000005893. DJ DATA:22/02/2007 PAGINA:77”

No âmbito do Supremo Tribunal Federal ainda não havia manifestação específica sobre a questão.

No entanto, os Recursos Extraordinários propostos tem sido devolvidos e julgados prejudicados com aplicação do art. 543, B do CPC que aplicou ao caso o julgamento da Repercussão Geral realizada no RE nº 594.296/MG com seguinte entendimento:

“embora a Administração esteja autorizada a anular seus próprios atos quando eivados de vícios que os tornem ilegais (Súmula 473/STF), tratando-se de anulação de ato administrativo cuja formalização tenha repercutido no campo de interesses individuais, tal medida não prescinde da instauração de processo administrativo, com obediência aos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório (Cf. STF, RE 594.296/MG, Plenário, Ministro Dias Toffoli, DJ de 13.02.2012)”.

Além disso, deve-se atentar que, conforme demonstrado inicialmente, o artigo 308 do Decreto nº 3.048/99 foi alterado em 2006, permitindo, desta forma, a concessão de efeito suspensivo no caso de recurso das Juntas de Recursos do CRPS.

Ou seja, se há previsão do efeito para uma decisão de um Órgão Colegiado, com mais sentido ainda seria a extensão do efeito suspensivo nos casos de recursos da decisão do servidor da APS para a Junta, órgão singular. Quanto ao mérito, entende-se que a tese não mais se sustenta após a alteração do Decreto.


 4. Considerações Finais.

Enfim, diante do quadro exposto, não se consideram viáveis os Recursos Especiais e Extraordinários sobre o tema.

Muito melhor do que insistir judicialmente na tese de que é possível cancelar/revisar benefícios previdenciários administrativamente antes do julgamento de todos os recursos previstos na lei é que a própria Administração conclua definitivamente os processos administrativos de irregularidades.

Além de evitar questionamentos judiciais quanto a possíveis irregularidades no procedimento, certamente será mais econômico do que aguardar a lenta tramitação de processos judiciais nos quais se questiona apenas a suposta irregularidade ora debatida, onde comumente se concedem liminares para evitar a revisão dos benefícios enquanto não formada a coisa julgada administrativa.

A questão é simples: entre aguardar por diversos anos a tramitação de um processo questionando uma irregularidade, normalmente com liminar concedida impedindo a revisão, é melhor que a Administração esgote as possibilidade de recurso, cancelando o benefício irregular e evitando que seja questionada a regularidade do procedimento.      

Desta forma, agirá em observância ao devido processo legal na sua acepção mais ampla, bem como preserva-se o interesse público na medida em que permite uma correção mais célere dos erros e irregularidades.


5. Referências.

CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e teoria da Constituição, 4º edição editora Coimbra Almedina, ano 2000.

http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/pesquisarJurisprudencia

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8212cons.htm

Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CALDAS, Ricardo. Apuração de irregularidades em benefícios previdenciários e coisa julgada administrativa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4127, 19 out. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/30240. Acesso em: 2 nov. 2024.

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