4. PROTEÇÃO LEGAL AO EMPREGADO DOMÉSTICO E AS SUAS RECENTES CONQUISTAS
Eis o momento da abordagem sobre a evolução protetiva dos diplomas normativos atinentes ao empregado doméstico, que por muitos anos vive o advento de seu amparo legal, culminando-se com o estudo da recente alteração constitucional, feita pela emenda nº 72 de 2 de abril de 2013.
4.1 EVOLUÇÃO LEGISLATIVA
Resta inegável que os empregados domésticos, historicamente, desvalorizados, sempre foram alvo de preconceito social e, de certa forma, esquecido pelo legislador brasileiro, a ponto de só no ano de 2013 terem seus direitos equiparados ao trabalhador urbano comum.
O primeiro corpo de leis regulamentadoras do trabalho doméstico no Brasil foi as ordenações do reino, compilações de todas as leis vigentes em Portugal, as quais passavam a constituir a base do direito vigente (BARROS, 2008). À época, os empregados domésticos desfrutaram de proteção legal, ainda que incipiente, podendo, inclusive, litigar em face do seu empregador.
Em 1886, no município de São Paulo, houve a determinação de regras destinadas às atividades dos criados e das amas de leite. Verificou-se, dentre outras situações, a possibilidade de se dispensar por justa causa o empregado acometido por doença que o impedisse de trabalhar ou se este saísse de casa a passeio ou a negócio sem licença do patrão. Em contrapartida, no Código de Postura do Município de São Paulo, como ficou conhecido o mencionado regramento, determinou-se alguns direitos, tais como aviso prévio, de 05 (cinco) dias para o empregador, e de 08 (oito) dias para o empregado, multa, imposta às partes, por o inadimplemento contratual, a qual era convertida em prisão simples, para qualquer das partes, quando não houvesse o respectivo pagamento e a obrigatoriedade de registro do empregado na Secretaria de Polícia (MARTINS, 2008).
No estado do Piauí, em 11 de abril de 1891, o Governador Major Thaumaturgo de Azevedo, influenciado por seu secretário o Dr. Clóvis Beviláqua, tratou do tema ao resolver, por meio do Decreto 23, no art. 1º, ordenar aos Conselhos de Intendências Municipais e demais autoridades policiais e judiciárias do Estado a observar, de 1º de maio em diante, as disposições do regulamento pertinente aos contratos de locação de serviços domésticos nas cidades e vilas do Estado (FERRAZ, 2003).
O Código Civil de 1916 incluiu os contratos entre patrões e empregados domésticos como locação de serviços, regulados pelos arts. 1.216 ss. Deixava-se, assim, de prevalecer as Ordenações do Reino, posto que o art. 1.216, do CC, dispunha sua aplicabilidade a toda espécie de serviços ou trabalho, lícito, material ou imaterial. (BRASIL, 1916).
Em 1923, mais precisamente em 30 de julho daquele ano, o Decreto n.º 16.107 modificou o Código Civil no que se refere ao doméstico no âmbito do antigo Distrito Federal ao especificar quem seriam os locadores dos serviços domésticos: cozinheiros e ajudantes, copeiros, arrumadores, lavadeiras, engomadeiras, jardineiros, hortelões, porteiros ou serventes, enceradores, amas-secas ou de leite, costureiras, damas de companhia, bem como todos quanto se empregam em restaurantes, pensões ou bares.
A norma era minuciosa no que se referia aos assentamentos de admissão, salário, tempo de pagamento, natureza do contrato e causa de cessação. Era clara quanto a obrigatoriedade do empregado apresentar carteira de trabalho expedida pelo Gabinete de Identificação e Estatística.
Estabelecia, de igual forma, as justas causas para a dispensa do empregado, dentre elas observava-se a enfermidade ou qualquer outra causa que o tornasse incapaz dos serviços contratados, mau procedimento, não observância do contrato, imperícia, ofensa à honra do empregador ou de sua família, assim como as justas causas para o empregado dar por findo o contrato, dentre elas, achar-se inabilitado por força maior para cumprir o contrato, ser exigido serviço superior às suas forças, e defeso por lei, contrário aos bons costumes ou alheio ao contrato, correr perigo ou mal considerável, não cumprir o empregador as obrigações do contrato ou morrer o locatário.
Instituía o direito de aviso prévio de 01 (um), 04 (quatro) ou 08 (oito) dias, conforme o ajuste do salário em 07 (sete) dias, por semana ou quinzena, e por mês, respectivamente.
Neste cenário, insta destacar, que a autoridade competente para apurar as reclamações das partes e conferir a penalidade adequada à infração era o delegado. (FERRAZ, 2003)
Inobstante às diversas regulamentações, a verdadeira evolução legislativa experimentada naquele período no que pertine ao trabalho doméstico se deu em 1941, com a edição do Decreto-Lei n. 3.078, o qual disciplinou, à nível nacional, a locação dos empregados em serviços domésticos.
O art. 1º, àquela época, disciplinou o que se entendia por empregados domésticos, explicitando que eram “considerados empregados domésticos todos aqueles que, de qualquer profissão ou mister, mediante remuneração, prestem serviços em residências particulares ou a benefício destas”. (BRASIL, 1941)
Sua vigência foi amplamente discutida pelos doutrinadores do país. À exemplo de J. Antero de Carvalho, havia quem defendesse a ausência de vigência por falta de regulamentação. Em linha radicalmente oposta, como Mozart Victor Russomano, existia quem sustentasse a auto executoriedade no que fosse possível e, ainda, sua revogação com o advento da Consolidação das Leis do Trabalho.
Era obrigatório o uso da carteira profissional em todo o país para o emprego em serviço doméstico, devendo a mesma ser expedida por Autoridade Policial, desde que provada a identidade, apresentando-se atestado de boa conduta emitido pela Autoridade Policial e atestado de vacina e saúde, fornecido pela autoridade federal, estadual e municipal, e, em não as havendo, por qualquer médico, mediante firma reconhecida.
Quanto à rescisão dos contratos de locação de serviços domésticos, observa-se que esta era efetivada pela simples manifestação de vontade de qualquer dos contratantes. Entretanto, se contado seis meses de vigência, sua resolução só possibilitar-se-ia mediante aviso de 08 (oito) dias pela parte que desejasse rescindi-lo, sob pena de pagamento de indenização correspondente ao salário do período do aviso. Este procedimento deveria ser anotado na carteira do empregado, devendo o notificado apor o “ciente”.
A Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-lei 5.452, de 1º de maio de 1943, a qual disciplinou as relações individuais e coletivas de trabalho, deslocando-os da esfera de insurgência do Direito Civil para o de aplicação do Direito do Trabalho, conforme explicitado anteriormente, não alcançou os domésticos.
O art. 7º, alínea “a”, do Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, assim dispõe:
Art. 7º Os preceitos constantes da presente Consolidação salvo quando fôr em cada caso, expressamente determinado em contrário, não se aplicam: (Redação dada pelo Decreto-lei nº 8.079, 11.10.1945)
a) aos empregados domésticos, assim considerados, de um modo geral, os que prestam serviços de natureza não-econômica à pessoa ou à família, no âmbito residencial destas;
b) aos trabalhadores rurais, assim considerados aqueles que, exercendo funções diretamente ligadas à agricultura e à pecuária, não sejam empregados em atividades que, pelos métodos de execução dos respectivos trabalhos ou pela finalidade de suas operações, se classifiquem como industriais ou comerciais;
c) aos funcionários públicos da União, dos Estados e dos Municípios e aos respectivos extranumerários em serviço nas próprias repartições;
d) aos servidores de autarquias paraestatais, desde que sujeitos a regime próprio de proteção ao trabalho que lhes assegure situação análoga à dos funcionários públicos. (BRASIL, 1943) (destaques acrescidos)
Verifica-se, pois, que os domésticos, definidos como aqueles que prestam serviços de natureza não-econômica à pessoa ou à família, no âmbito residencial destas, muito embora constituam sujeitos de verdadeira relação de emprego, posto que prestam serviços sob dependência trabalhista, não encontraram abrigo na Consolidação.
Em ato contínuo, ainda na política garantidora dos direitos trabalhistas, houve a publicação da Lei n.º 605, de 05 de janeiro de 1949, assegurando o repouso semanal remunerado, expressamente não aplicável ao empregado doméstico.
Em 1956, a Lei 2.757 inovou ao retirar da categoria de empregado doméstico os porteiros, zeladores, faxineiros e serventes de prédios de apartamentos residenciais, desde que estivessem a serviço da administração do edifício e não de cada condômino.
Em 1960, a Lei Orgânica da Previdência Social, possibilitou ao doméstico se filiar à Previdência como segurado facultativo.
Somente em 1972, com a edição da Lei nº 5.859, foi disciplinado o trabalho no âmbito residencial, todavia seu art. 7º condicionou sua vigência à edição de regulamento no prazo de 90 (noventa) dias, a contar de sua publicação, acrescendo-se, ainda, o prazo de mais 30 (trinta) dias, a partir da publicação do decreto regulamentador, o qual veio a ser publicado em 09 de março de 1973.
A referida lei, constituída de oito artigos, trouxe significativa conquista aos empregados domésticos que até então não possuíam proteção legal significativa similar aos direitos trabalhistas já concedidos pela CLT aos urbanos em geral.
No art. 1º há a definição de empregado doméstico, compreendendo-o como “aquele que presta serviços de natureza contínua e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família no âmbito residencial destas” (BRASIL, 1972).
Essa conceituação corrigiu, na visão de Ferraz (2003), a imperfeição técnica que incorreu a CLT, ao mencionar “serviço de natureza não econômica”.
Como observa Alice Monteiro de Barros (2008), a CLT falhou ao utilizar esta expressão posto que os serviços possuem sim fins econômicos, pois objetivam a satisfação de uma necessidade, o que de fato não possuem é propósito de lucro.
Foi assegurado à categoria o direito a férias anuais remuneradas de 20 (vinte) dias úteis após cada período de 12 (doze) meses de trabalho, prestado à mesma pessoa ou família e os benefícios e serviços da Lei Orgânica da Previdência Social na qualidade de segurados obrigatórios.
Na segunda metade da década de 80 (oitenta) adveio a legislação do Vale-Transporte - Leis ns. 7.418, de 1985, e 7.619, de 1987, e o Decreto nº 95.247, de 1987 - que também contemplou o empregado doméstico com a parcela que instituiu. Cabe notar-se que apenas com o Decreto nº 95.247, de 17 de novembro 1987, o qual regulamentou os diplomas mencionados, é que efetivamente foi estendido o Vale-Transporte à categoria doméstica.
Com a Constituição Federal de 1988 abriu-se um leque mais extenso aplicável à categoria dos domésticos.
A Carta Magna de 1988 assegurou a esta espécie de empregado os direitos previstos nos incisos IV, VI, VIII, XV, XVII, XVIII, XIX, XXI, XXIV, de seu art. 7º, além de afirmar sua integração à previdência social.
Os mencionados dispositivos tratam, respectivamente, dos direitos ao salário mínimo nacionalmente unificado, irredutibilidade do salário, décimo terceiro salário com base na remuneração integral ou no valor da aposentadoria, repouso semanal remunerado, gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal, licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias, licença-paternidade, aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, sendo no mínimo de trinta dias e aposentadoria.
Neste ponto, necessário se faz realizar um parêntese para explicitar que, diante de tamanha inovação legislativa, se instalou, no cenário nacional, consideráveis divergências doutrinárias e jurisprudenciais acerca da dimensão e extensão de certos direitos conferidos constitucionalmente aos domésticos.
O primeiro debate significativo surgiu em torno da figura das férias e prazo de sua concessão. Neste aspecto, a corrente majoritária entendia que o lapso de 20 (vinte) dias úteis, criado pela Lei n. 5.859/72, manteve-se mesmo após a promulgação da Constituição.
No que concerne à licença-paternidade de 05 (cinco) dias e diferença de prazo de licença-gestante em face da elevação concedida pelo art. 7º, XVIII, CF/88 (120 dias), surgiu polêmica, sobre o efeito imediato dos dispositivos instituidores de tais parcelas.
A este respeito parece ser inquestionável que a vigência imediata dos preceitos do art. 7º era determinação da mesma Constituição (art. 5º, § 1º, CF/88), que excetuava somente as hipóteses normativas em que a própria norma instituidora condicionasse sua incidência e eficácia à publicação de diploma infraconstitucional regulamentador. (DELGADO, 2008).
Outra discussão jurisprudencial exasperada diz respeito à extensão, à empregada doméstica, da garantia de emprego de até cinco meses após o parto, instituída pelo art. 10, II, “b”, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.
Duas principais correntes controvertem. A primeira pondera que Constituição pretendeu excluir a doméstica dessa garantia, primeiro porque lhes estendeu uma licença-maternidade mais ampla do art. 7º, XVIII, CF, e, segundo, porquanto consiste o fato da gravidez em um evento biológico, pessoal e social idêntico na obreira, qualquer que seja seu segmento sócio profissional.
A segunda corrente, por sua vez, sustenta que o argumento de identidade do fato da gravidez não tem substância jurídica, embora construído sobre inequívoca evidência fática. Ocorre que pode o Direito conferir efeitos a um determinado evento, em um certo segmento social, deixando de fazê-lo em outro. Nesta toada, a legislação doméstica seria um exemplo realidade, posto que mesmo o empregado doméstico sendo empregado como qualquer outro existente no mercado de trabalho, a lei negava-lhe inúmeros direitos jus trabalhistas.
Feitos tais esclarecimentos, pode-se retornar a análise da evolução legislativa protetiva do empregado doméstico.
Em 1991, a Lei n.º 8.212, seguindo as diretrizes da Carta Política, ao tratar da organização da Seguridade Social, assegurou aos domésticos, na condição de segurado obrigatório, conforme seu art. artigo 12, inciso II, vários direitos previdenciários.
A Medida Provisória (MP) nº 1.986, de 13 de dezembro de 1999, e suas subsequentes reedições, com conversão na Lei 10.208, de 23 de março de 2001, acrescentou 12 (doze) dispositivos à Lei 5.859/72, dentre os quais se destaca aquele que facultou o acesso do empregado doméstico ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e ao Seguro-Desemprego.
Insta destacar, todavia, que a inclusão do empregado doméstico ao FGTS dependia de requerimento do empregador.
Quanto ao seguro-desemprego, o empregado doméstico teria que ter trabalho nesta condição por um período mínimo de 15 (quinze) meses nos últimos 24 (vinte e quatro) meses contados da dispensa sem justa causa. O valor correspondia a um salário-mínimo pago pelo período máximo de 03 (três) meses, só podendo ser requerido a cada período de dezesseis meses decorridos da dispensa que originou o benefício anterior. Deveria ser requerido no período entre 07 (sete) e 90 (noventa) dias da data da dispensa.
Neste sentido Maurício Godinho Delgado dispôs que “a partir de março de 2000, permitiu-se ao empregador, por ato voluntário, estender o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço a seu empregado doméstico. Trata-se, porém, de norma dispositiva, rara no Direito do Trabalho”. (DELGADO, 2008, p. 363)
Em consonância com todo o aqui exposto, foi publicada, em 20 de julho de 2006, a Lei n.º 11.324, a qual realizou nova extensão de direitos trabalhistas, incluindo o direito ao descanso remunerado em feriados, estipulando o período de 30 (trinta) dias corridos de férias, para períodos aquisitivos iniciados após a data de sua publicação e garantia de emprego à gestante desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto.
O novo diploma ratificou ainda a antiga interpretação de “ser vedado ao empregador doméstico efetuar descontos no salário do empregado por fornecimento de alimentação, vestuário, higiene ou moradia” (BRASIL, 2006).
De igual sorte, foi objeto da norma a criação de incentivo fiscal para o empregador doméstico, autorizando-lhe deduzir do imposto de renda, desde exercício 2007 até o exercício 2012, as contribuições previdenciárias patronais mensais, respeitados o teto de um salário-mínimo como salário de contribuição e o lançamento de apenas um empregado.
Resta evidente que, historicamente, no Brasil, a legislação do trabalho doméstico sempre esteve posta em segundo plano. Entretanto, tem-se sinais de superação desta realidade.
Prova disto foi à aprovação da Emenda Constitucional n.º 72, de 02 de abril de 2013, que alterou a redação do parágrafo único do art. 7º da Constituição Federal para estabelecer a igualdade de direitos trabalhistas entre os trabalhadores domésticos e os demais trabalhadores urbanos e rurais.
Os direitos dos domésticos não foram, em sua totalidade, equiparados aos demais empregados regidos pela CLT, porém, ainda se buscam por conseguir dentre outros a obrigatoriedade do FGTS.
4.2 DIREITOS NÃO ADQUIRIDOS PELOS DOMÉSTICOS ANTES DA EMENDA Nº 72
Basicamente os direitos que ainda não foram concedidos aos domésticos são: salário-família, adicional noturno, jornada de trabalho fixada em lei e auxílio-acidente, porém a maior reivindicação por parte dos representantes da categoria é, ainda, a faculdade da inscrição do FGTS.
Concedido pela Previdência Social, tal benefício é devido para aqueles trabalhadores que recebem até dois salários mínimos, para auxiliar na criação de filhos até 14 anos ou inválidos. Foi instituído pela lei nº 4.266/63 e regulamentado pelo Decreto nº 53.153/63, que nunca mencionaram a possibilidade do recebimento pelo empregado doméstico, nem mesmo o advento da Constituição Federal de 1988.
O Adicional Noturno, previsto na CLT, em seu art. 73, caput, é uma espécie de gratificação que o trabalhador recebe de 20% em cada hora trabalhada entre 22 horas de um dia até as 05 horas do outro dia. Tal remuneração visa compensar o desgaste físico do trabalhador, tendo em vista que o normal seria a jornada de trabalho diária.
O doméstico não tem direito a tal remuneração por relação direta com o próximo tópico, qual seja a ausência de jornada de trabalho fixada. Além disso, como já dito no início deste estudo, os dispositivos previstos na CLT não se aplicam aos empregados domésticos, com exceção ao capítulo sobre férias.
De acordo com o disposto no art. 7º, XIV da Constituição Federal, a jornada de trabalho não pode superar 8 horas diárias e 44 horas semanais. Acontece que no parágrafo único de tal dispositivo, que menciona os dispositivos constitucionais que cabem aos domésticos, não estava incluída essa norma.
Porém, só porque não há limite estipulado em lei que o patrão poderá exigir que o doméstico trabalhe 24 horas por dia, seis dias por semana (tendo em vista que o repouso remunerado semanal estaria assegurado). Além do mais, o doméstico teria sim direito a intervalo de almoço.
Na verdade, tudo deve ser estabelecido no momento em que o contrato de trabalho é firmado, respeitando as condições básicas do próprio corpo humano, com descansos sensatos e suficientes.
O empregado celetista já contava com direito a seguro contra acidente de trabalho, conforme o disposto no art. 7º, XXVIII da Constituição Federal de 1988. Novamente, o doméstico não havia sido incluído entre os que tinham esse direito.
Acidente do trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte, a perda ou a redução – permanente ou temporária – da capacidade para o trabalho. Consideram-se, também, acidente do trabalho, a doença profissional (produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho) e a doença do trabalho (adquirida ou desencadeada em função das condições especiais de trabalho). (FONSECA, 2005, p. 175)
O direito acidentário estabelece que somente terão direito ao auxílio- acidente aqueles que a lei expressamente estabelece. Portanto o doméstico não está incluso neste rol.
Tal benefício tem caráter indenizatório e pode ser percebido juntamente com outros benefícios, à exceção da aposentadoria. Não tem carência, mas o trabalhador precisa ter a qualidade de segurado e deve comprovar a impossibilidade de continuar trabalhando.
Entretanto um questionamento paira no ar. Por que não conceder aos domésticos o direito ao auxílio-acidente? Não é muito difícil observar que as tarefas domésticas podem sim ser perigosas, bem como acidentes podem acontecer quando menos se espera. Assim entende o Dr. José Geraldo da Fonseca:
Qual a diferença entre um pintor que se estabaca de um andaime numa construção civil e uma doméstica que se estatela no play do condomínio porque a madame mandou limpar os vidros da sla que estavam um horror? Ou qual a diferença entre a queimadura do severino quando virou o corpo um caldeirão de feijão da feijoada do botequim do seu Manoel, e, a da mariinha, atolada em serviço na casa da madame porque a criançada tava tocando o maior banzé no apartamento, e a pobre tinha exatos cinco minutos pra por todo mundo no banho e levar pro colégio? Enfim, enquanto não houver lei regulamentando a questão, o doméstico somente faz jus a auxílio-doença. (FONSECA, 2005, p. 176).
Portanto, a necessidade de que houvesse maior igualdade de direito entre o doméstico e o celetista, pois como trabalhador, que pode sofrer riscos no decorrer da função doméstica, deveria ser respaldado, tendo direito a tal benefício, conseguido apenas com a Emenda Constitucional nº. 72.
4.3 A EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 72 E SUAS CONSEQUÊNCIAS NA RELAÇÃO DE TRABALHO
Em um processo lento e paulatino, que durou mais de 120 (cento e vinte) anos – se contabilizados desde a proclamação da república, os empregados domésticos foram, finalmente, igualados aos demais empregados urbanos e rurais.
Em sede constitucional, como verificado, o art. 7º, parágrafo único, apesar de ter representado, à época da promulgação da Carta Magna, um avanço, se visto por outro lado, excluía vários dos 34 (trinta e quatro) direitos sociais trabalhistas, previstos no artigo, à categoria do trabalhador doméstico.
O dispositivo original assegurava aos trabalhadores domésticos o salário mínimo a irredutibilidade salarial, o décimo terceiro salário, o repouso semanal remunerado – preferencialmente aos domingos –, as férias anuais com adicional de um terço, a licença à gestante, a licença-paternidade, o aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, no mínimo de 30 dias e a aposentadoria, bem como a integração à Previdência Social.
Em outras palavras, dos 34 (trinta e quatro) direitos sociais trabalhistas previstos no art. 7º da CF/88, o trabalhador doméstico fazia jus, apenas e tão somente, a 09 (nove), embora a legislação infraconstitucional houvesse ampliado, mesmo que timidamente, os direitos a eles assegurados.
A Emenda Constitucional nº 72, promulgada no dia 02 de abril de 2013, aprovada em segundo turno, por unanimidade, pelo plenário do Senado Federal, alterou o art. 7º da Carta de Outubro de 1988, dando nova redação ao parágrafo único, do art. 7º, ampliou este rol. Atualmente o dispositivo assevera:
Art. 7º
[...]
Parágrafo único. São assegurados à categoria dos trabalhadores domésticos os direitos previstos nos incisos IV, VI, VII, VIII, X, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XXI, XXII, XXIV, XXVI, XXX, XXXI e XXXIII e, atendidas as condições estabelecidas em lei e observada a simplificação do cumprimento das obrigações tributárias, principais e acessórias, decorrentes da relação de trabalho e suas peculiaridades, os previstos nos incisos I, II, III, IX, XII, XXV e XXVIII, bem como a sua integração à previdência social. (BRASIL, 2013)
Assim, houve a equiparação dos direitos trabalhistas dos trabalhadores domésticos aos dos trabalhadores urbanos e rurais.
Esta paradigmática modificação constitucional não teve, contudo, o condão de ensejar a aplicabilidade da CLT aos trabalhadores domésticos, os quais, por força da disposição contida na alínea “a” de seu art. 7º, permanecem excluídos do diploma legal.
Não se discute, deste modo, que a ampliação dos direitos sociais trabalhistas provém da Emenda Constitucional nº 72, que alterou o parágrafo único do art. 7º da Carta Política de 1988 e não da CLT. Entretanto, não há qualquer empecilho à aplicação de determinados direitos sociais previstos apenas no texto consolidado a esta categoria de trabalhadores.
No que tange ao rol de direitos, observa-se que àqueles inicialmente resguardados por ocasião da promulgação da Constituição no ano de 1988, permanecem mantidos, no entanto, foram acrescidos de outros, uns com vigência imediata, outros dependentes de regulamentação específica.
No campo dos direitos trabalhistas de aplicação imediata tem-se a proteção ao salário, constituindo crime a retenção dolosa; jornada máxima diária de 08 (oito) horas e de 44 (quarenta e quatro) horas semanais, facultada compensação de horários e a redução de jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho; adicional mínimo de 50% para as horas extraordinárias de trabalho; redução dos riscos inerentes ao trabalho; reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho; proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critérios de admissão por motivos discriminatórios; e proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de 18 anos e de qualquer trabalho a menores de 16 anos, salvo, a partir de 14 anos, como aprendizes (OLIVEIRA, 2013).
Noutra vertente, dependem de regulamentação específica o seguro- desemprego em caso de desemprego involuntário, FGTS, remuneração de trabalho noturno superior ao trabalho diurno, salário-família aos dependentes, em caso de trabalhador de baixa renda, assistência gratuita aos filhos e dependentes desde o nascimento até 05 (cinco) anos de idade em creches e pré-escolas e seguro contra acidente de trabalho, a cargo do empregador, para permitir o benefício previdenciário correspondente, sem prejuízo da indenização patronal quando o patrão incorrer em culpa ou dolo.
Nesse ínterim, 07 (sete) dos novos 16 (dezesseis) direitos atribuídos aos empregados domésticos ficam dependendo de regulamentação específica.
Ademais, insta ressaltar que a Emenda Constitucional nº 72 exigiu a observância de normas próprias que definam a simplificação para o cumprimento das obrigações tributárias, principais e assessórias e às peculiaridades da relação do trabalho para a incidência doutros aspectos, impossibilitando, deste modo, que as normas vigentes para os trabalhadores em geral lhes fossem aplicadas.
Outrossim, no âmbito da jornada de trabalho, há que se apreender que os contratos de trabalho doméstico passam a encontrar limite apenas na jornada diária ou semanal, sem desqualificar os efeitos dos contratos então vigentes quanto ao ajuste do salário em relação à jornada média estabelecida entre patrões e empregados domésticos, ou caso contrário considerar-se-ia que os trabalhadores domésticos exerciam seu labor por determinadas horas sem qualquer remuneração, quando o que se pretende é considerar que as horas antes pagas de modo simples, quando percebidas como extraordinárias daqui por diante, devem ter o acréscimo devido do adicional de 50% (cinquenta por cento) para sua remuneração regular. (OLIVEIRA, 2013).
Sem sombra de dúvidas a inovação Constitucional carreada pela Emenda nº 72 representou uma quebra de paradigma à rota empreendida nos governos anteriores, quando aprovadas as Leis 10.208/2001 e 11.324/2006, que alteraram a Lei nº 5.859/1972 ao inserir medidas paulatinas para o implemento de certos direitos aos empregados domésticos.
Ocorre, entretanto, nesse contexto, que o constituinte derivado, ao acrescer direitos trabalhistas ao rol, antes elencado no texto original da Constituição, de forma mais abrupta, pode provocar efeito contrário, isto é, desestimular a formalização dos contratos de trabalho.
Ora, o empregador doméstico no Brasil é, em sua grande maioria, pessoa de classe média, e, por tal condição, sofrerá grande impacto em seu orçamento proveniente dos novos encargos incidentes sobre o contrato de trabalho. Logo, a tendência natural seria a dispensa seus empregados domésticos de anos para a busca de trabalhadores eventuais, ou, até mesmo, manter o obreiro de forma irregular.
A fim de evitar que se instale um verdadeiro retrocesso na realidade fática experimentada pela categoria algumas propostas vêm sendo discutidas para minorar os efeitos econômicos das novas regras.
Dentre as medidas discutidas destaca-se a criação de um regime unificado de cobrança da contribuição previdenciária e da pertinente ao FGTS, como método facilitador dos cálculos para os empregadores, bem como estuda-se reduzir o percentual da multa sobre o FGTS em caso de dispensa injustificada, o que, diga-se, vem sendo rechaçado pelos governos, sob a justificativa que tal medida imporia fator discriminativo à categoria.
Independentemente da maneira que o impasse será resolvido, deve-se realizar um esforço conjunto entre as esferas executivas e legislativa de poder para minimizar os impactos financeiros sobre o empregador para assim procurar-se manter ao máximo os contratos em vigência e estimular a formalização de novos.