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A aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor ao contrato de transporte aéreo nacional de pessoas

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Agenda 11/08/2014 às 14:38

4. APLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR NO CONTRATO DE TRANSPORTE AÉREO DE PESSOAS

4.1. PRESSUPOSTOS DA RELAÇÃO DE CONSUMO NO TRANSPORTE AÉREO DE PESSOAS

Partindo da ideia de que uma relação jurídica de consumo é formada pelas figuras do consumidor, do fornecedor e do objeto da relação, seja ele um produto ou um serviço, acredita-se ser perfeita a aplicação do CDC no mercado de transporte aéreo nacional de pessoas, eis que, na relação existente entre um passageiro e uma companhia aérea, é possível, na maioria das vezes, observar a presença dos três referidos elementos: o consumidor (o passageiro), a prestadora de serviços (a empresa aérea) e o objeto da relação (o serviço de transporte a ser realizado), conforme se verá.

Cláudia Lima Marques, enfaticamente, defende a caracterização de relação de consumo no contrato de transporte, nos seguintes termos,

O contrato de transporte de passageiros é um contrato de prestação de serviços, uma obrigação de resultado. Nesse caso, a caracterização do profissional transportador como fornecedor não é difícil, nem a do usuário do serviço, seja qual for o fim que este pretende com o deslocamento, como consumidor. Em minha opinião, a relação de transporte é de consumo e deverá ser regulada pelo CDC em diálogo com o CC/2002 sempre que estejam presentes consumidor e fornecedor naquela relação.298

Bruno Miragem, acompanhando o entendimento, concorda que o contrato de transporte “caracteriza-se como contrato de consumo na medida em que esteja presente a obrigação, mediante remuneração do transportador, deste transportar a pessoa de um lugar a outro”299 .

Ainda, corroborando os entendimentos dos doutrinadores citados, Carlos Roberto Gonçalves, ao abordar o contrato de transporte em geral, afirma que “as normas do Código de Defesa do Consumidor [...] lhe são aplicáveis pelo fato de a atividade caracterizar prestação de serviço” 300 .

Nesta seara, quanto ao transportador e ao serviço, destaca-se o entendimento de Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin de que “é inquestionável ser o transportador, terrestre ou aéreo, doméstico ou internacional, ‘fornecedor’, nos moldes do art. 3°, caput, do Código de Defesa do Consumidor”301 , justamente porque o transportador presta serviços. Assim também é para Marco Fábio Morsello, que afirma ser evidente que “o transportador aéreo doméstico ou internacional caracteriza-se como fornecedor, visto que presta serviços, não existindo, ademais, quaisquer controvérsias a respeito da qualificação do transporte como serviço, nos termos do art. 3º, §2º”302 . Da mesma forma, Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin defende que “não há que se duvidar que o transporte - terrestre ou aéreo, nacional ou internacional - é serviço, nos termos do art. 3°, do CDC”303 .

Como se denota, portanto, não se demonstram maiores problemas na tipificação do transportador como fornecedor e do transporte como serviço, mostrando-se plenas e perfeitamente possíveis suas caracterizações.

As controvérsias se manifestam, no entanto na caracterização do passageiro como consumidor e na qualificação do serviço como de consumo, conforme alerta Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin,

Aceitando que o Código de Defesa do Consumidor genericamente é aplicável à matéria, haverá hipóteses em que, embora sendo o transportador aéreo ‘fornecedor’ e apesar de ser o transporte aéreo ‘serviço’, ainda assim o regime codificado não protegerá o usuário, posto que desqualificado como ‘consumidor’. Num outro plano, o manto protetório do estatuto não estará disponível por ausência de serviço de consumo, posto que ausente a remuneração.304

No mesmo sentido, orienta Marco Fábio Morsello que,

Surgirão hipóteses de inserção do transportador aéreo como fornecedor e do transporte aéreo como serviço, sem, no entanto, caracterizar relação de consumo, na medida em que, por vezes, o usuário não se qualificará como consumidor.305

Podem ser citados como exemplo a pessoa jurídica que faz uso do serviço da aviação para o transporte, como carga de suas mercadorias ou equipamentos ou o grande empresário que, para participar de uma reunião do Conselho de sua empresa, voa com uma companhia aérea. Dependendo da teoria aplicável ao conceito de consumidor, se finalista, maximalista ou finalista mitigada - tema este já abordado quando da análise dos pressupostos da relação de consumo -, a conceituação destes usuários muda.

Em consonância com a teoria finalista mitigada, adotada neste trabalho, o passageiro somente poderá ser considerado consumidor e, de consequência, encontrar-se em uma relação de consumo, no contrato de transporte aéreo, quando se demonstrar que, além de ser o destinatário fático e econômico do serviço de transporte, é vulnerável na relação. Ou seja, “o elemento vulnerabilidade emerge como [...] pressuposto para a caracterização da figura”306 . Destaca-se, no entanto, que, se a teoria adotada fosse a finalista, a pessoa transportada só seria considerada consumidora se não tivesse qualquer finalidade de obtenção de lucro, ou de utilização de insumo em outra atividade, ao se adquirir o bilhete de passagem; se, por outro lado, adotasse-se a teoria maximalista, toda e qualquer pessoa que adquirisse o bilhete de passagem já seria, de imediato, considerada consumidora na relação.

Assim, nos exemplos antes citados, a pessoa jurídica usuária do serviço de transporte com o intuito de locomover suas mercadorias ou equipamentos somente seria considerada consumidora para a teoria maximalista ou, se fosse vulnerável, tratando-se de uma empresa de pequeno porte, por exemplo, para a teoria finalista mitigada; já o grande empresário, como utiliza o transporte como meio de satisfazer sua atividade profissional, lucrativa, igualmente seria considerado consumidor tão somente para a teoria maximalista ou para a teoria finalista mitigada, se demonstrada a vulnerabilidade deste.

Há ainda a possibilidade do serviço não ser caracterizado como de consumo, nos casos em que não há remuneração, seja ela direta ou indireta. Nesta seara, sustenta Cláudia Lima Marques que “o transporte gratuito por cortesia ou amizade vem expressamente regulado no art. 736. do CC/2002, como aquele desinteressado e, portanto, excluído do campo de aplicação do CDC”307 . No mesmo sentido, a Súmula 145308 do Superior Tribunal de Justiça (STJ) regulamenta que no transporte desinteressado, de simples cortesia, o transportador só será civilmente responsável por danos causados ao transportado quando incorrer em dolo ou culpa grave, ou seja, uma vez sendo necessária a comprovação da culpa, a responsabilidade, nos casos de transporte desinteressado, passa a ser subjetiva, isto é, inerente a uma relação civil e não de consumo.

Porém, conclui-se que, a partir do momento que a relação existente em um contrato de transporte aéreo é, ou ao menos pode ser, de consumo, de início já se denota a aplicabilidade dos arts. 2º e 3º, do CDC, os quais, conforme já visto outrora, conceituam consumidor, fornecedor e serviço, ou produto. Sendo estes aplicáveis, toda a regulamentação prevista no CDC pode ser perfeitamente ajustada ao contrato de transporte aéreo de pessoas.

4.2. ASPECTOS GERAIS DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO TRANSPORTADOR AÉREO NAS RELAÇÕES DE CONSUMO

Já se sabe que no contrato de transporte “assume o transportador obrigação de incolumidade da pessoa ou coisa transportada, caracterizada pela obrigação de assegurar sua integridade e da mesma forma, a obrigação de transportar a pessoa ou coisa ao seu destino”309 , assegurando o transportador o conforto e presteza do transporte, nos termos do ajuste. Lembra Renan Lotufo, inclusive, que, por se tratar o transporte aéreo de obrigação de fazer e de resultado, “não pode haver qualquer lesão ao passageiro e seus pertences, até final destino”310 .

Pois bem, levando-se em conta a relevância das obrigações assumidas pelos transportador aéreo quando da realização do transporte, entende-se que necessária se faz a abordagem de como se dá sua responsabilidade civil no caso de inobservância de algum de seus deveres, sob o enfoque das legislações ao caso aplicáveis: Código Civil, Código Brasileiro de Aeronáutica, Código de Defesa do Consumidor e resoluções e portarias específicas.

Já se sabe que tais instrumentos legais, apesar de conviverem de forma predominantemente harmoniosa, apresentam conflitos justamente no que dispõem a respeito da responsabilidade civil do transportador, cabendo evidenciar, desde já, que, nestes casos, prevalecerá o CDC sempre que houver a caracterização de uma relação de consumo, por se tratar de lei especial, posterior e de caráter protetivo constitucional. É bom repisar, ademais, que só haverá conflito aparente de normas entre os três regimes jurídicos quando se estiver diante de relação jurídica de consumo. As relações tipicamente comerciais (inter-companhias, companhia aérea x cliente comercial ou transporte gratuito) e as que se encontrar uma pessoa física não qualificada como consumidora, por não serem abrigadas pelo CDC, permanecem, no plano privado, sob o regime do Código Civil, Código Comercial, Convenção e Código Brasileiro de Aeronáutica311 .

Pois bem, importa destacar que responsabilidade, na sua acepção jurídica, pressupõe a “atividade danosa de alguém que, atuando a priori ilicitamente, viola uma norma jurídica preexistente (legal ou contratual), subordinando-se, dessa forma, às consequências do seu ato (obrigação de reparar)”312 . A partir desta ideia, pode-se dizer que a responsabilidade civil “deriva da agressão a um interesse eminentemente particular, sujeitando, assim, o infrator, ao pagamento de uma compensação pecuniária à vitima, caso não possa repor in natura o estado anterior das coisas”313 . Ou seja, a responsabilidade civil “se traduz na obrigação de reparar danos patrimoniais e se exaure com a indenização”314 , sendo certo que independe da responsabilidade criminal e da administrativa, com as quais pode coexistir sem, todavia, se confundir.

A regra da responsabilidade civil do transportador no transporte aéreo de pessoas é sintetizada, basicamente, no art. 734315 do CC: “o transportador responde pelos danos causados às pessoas transportadas e suas bagagens, salvo motivo de força maior”. A responsabilidade do transportador, ainda, por força do art. 256, §2º, alíneas a e b316 do CBA, “estende-se também aos passageiros gratuitos, que viajarem por cortesia, e aos tripulantes, diretores e empregados que viajarem na aeronave acidentada, sem prejuízo de eventual indenização por acidente de trabalho”.

Merece destaque, desde já, a questão de que será considerada nula qualquer cláusula excludente de responsabilidade ou de não indenizar, no caso de contrato de transporte aéreo, por força do disposto na segunda parte do art. 734. do CC e na Súmula 161317 do Superior Tribunal Federal (STF). Porém, relevante deixar claro que, se, por um lado, não prevalece a cláusula excludente de responsabilidade neste tipo de contrato, por outro, mostra-se perfeitamente possível a limitação desta responsabilidade, isto é, “desde que não seja expediente falacioso, para burlar a proibição da cláusula excludente da responsabilidade, quando a indenização, por exemplo, for fixada em valor ridículo, insignificante”318 . A limitação da responsabilidade pode ocorrer, por exemplo, no momento de despacho da bagagem, no qual é lícito ao transportador exigir a declaração do respectivo valor a fim de fixar o limite da indenização – questão que será oportunamente abordada.

Lembra Caio Mário da Silva Pereira que,

Em sendo o transporte cumulativo, ou seja, realizado em diferentes trechos por mais de um transportador, a regra geral é a de que cada transportador é responsável pelo seu respectivo trecho. Se o transportador de um trecho causar atraso ou interrupção da viagem, a sua responsabilidade se estende pelos prejuízos que forem causados ao passageiro em relação à totalidade do percurso (Código Civil, art. 733).319

Isto é, nos casos de transporte cumulativo ou sucessivo, responde o transportador tão somente pelos fatos ocorridos no seu respectivo trecho320 . Porém, caso ocorra atraso ou interrupção da viagem neste interregno, a sua responsabilidade, que passa a ser solidária com a segunda empresa, se estende pelos prejuízos que forem causados ao passageiro em relação à totalidade do percurso (art. 733, §1º321 , CC), como no caso de uma consequente perda de conexão, por exemplo. Neste sentido,

APELAÇÃO CÍVEL E RECURSO ADESIVO. TRANSPORTE AÉREO. INDENIZAÇÃO. DANOS MORAIS. ATRASO DE VOO. PERDA DE CONEXÃO. Caso em que a autora adquiriu passagens de companhia aérea que compartilhou com outra empresa aérea o serviço de transporte de um dos trechos da viagem, cujo voo, no entanto, sofreu atraso que resultou na perda de conexão. Assim, em se tratando de serviço compartilhado, ambas as companhias aéreas respondem solidariamente perante o passageiro pelos prejuízos decorrentes da má prestação dos serviços. A manutenção não programada de aeronave, ocasionando o atraso na decolagem e, por conseguinte, a perda de conexão pelo passageiro, ainda que por motivo de segurança, não possui o condão de afastar o dever de indenizar, já que configura fortuito interno, inerente ao serviço prestado. E, diante da dificuldade de cumprimento do contrato de transporte pela Passaredo, era também responsabilidade da contratada TAM o dever de dirimir as consequências daquele atraso, de modo a possibilitar o adequado cumprimento da obrigação assumida perante a passageira. Falha na prestação dos serviços evidenciada. Dever de reparação reconhecido. Dano moral evidenciado, porquanto os transtornos vivenciados pela autora superaram os meros dissabores ou aborrecimentos comumente suportados pelos passageiros do transporte aéreo.

(TJ-RS - AC: 70043982578 RS , Relator: Luiz Roberto Imperatore de Assis Brasil, Data de Julgamento: 19/10/2011, Décima Primeira Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 24/10/2011)

Outrossim, faz-se necessário constar que as companhias aéreas, em razão do previsto no art. 34, do CDC, “em diversas circunstâncias, também são responsáveis pelos atos das agências de turismo vendedoras de suas passagens”322 , assim como pelos atos de quaisquer de seus prepostos. A responsabilidade, nestes casos, se dá de forma solidária, conforme se vê nas decisões adiante,

APELAÇÃO CÍVEL. CONSUMIDOR. PACOTE TURÍSTICO E PASSAGENS AÉREAS. CAOS AÉREO. ATRASO NO VOO. FORTUITO INTERNO. FALTA DE INFORMAÇÃO E ASSISTÊNCIA AO CONSUMIDOR. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. SOLIDARIEDADE ENTRE EMPRESA AÉREA E AGÊNCIA DE TURISMO. Consumidora que comprou pacote turístico completo, incluindo passagens aéreas. Alegação de que restou baldada a viagem aérea na data aprazada devido à enorme confusão no aeroporto, impossibilitando o embarque. Sentença de improcedência em relação à empresa de viagens e de procedência parcial em relação à empresa aérea, ante a falha na prestação do serviço. Recorrente que comprovou ser sucessora da primeira ré. Relação de consumo. Aplicação do CDC. Incontroversa falta de informação e assistência por parte da empresa de aviação à consumidora, que não apresentou meios alternativos de forma a minimizar o caos instaurado. Falta de garantia à passageira de que iria embarcar. Falha na prestação do serviço configurada. Fortuito interno. Risco do Empreendimento. Dever de Indenizar. Responsabilidade Objetiva. Súmula 94 desta Corte. Solidariedade da empresa de aviação com a agência de turismo. Cadeia de consumo. Agência de viagem que tem como uma de suas atividades a venda de passagens aéreas. Comprovação de intermediação na compra das passagens aéreas. Precedentes do STJ. Danos materiais, comprovados. Danos morais in re ipsa. Valoração adequada e consentânea com a média que vem sendo fixada por esta Corte em casos semelhantes. Juros de mora a contar da citação. Art. 405, do Código Civil. Relação contratual. Reforma parcial da sentença. Condenação solidária das rés. Alteração dos ônus de sucumbência. Honorários advocatícios fixados em 10% do valor da condenação. Primeiro recurso em testilha com a jurisprudência dominante desta Corte. Art. 557, caput, do CPC. NEGATIVA DE SEGUIMEN-TO. Segundo recurso que, na parte em que pretende a majoração da indenização a título de danos morais, em confronto com a jurisprudência dominante desta Corte. NEGATIVA DE SEGUIMENTO. E, quanto à solidariedade, estando a sentença em confronto com a jurisprudência dominante do STJ, a teor do art. 557, § 1º-A do CPC, DOU PROVIMENTO AO RECURSO.

(TJ-RJ - APL: 200900153041 RJ 2009.001.53041, Relator: DES. CELIA MELIGA PESSOA, Data de Julgamento: 09/10/2009, DECIMA OITAVA CAMARA CIVEL) (grifo nosso).

CONSUMIDOR. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DA AGÊNCIA DE TURISMO E DA EMPRESA DE TRANSPORTE AÉREO. SERVIÇOS DEFEITUOSOS. DANO MORAL CONFIGURADO. RECURSO NÃO PROVIDO. SENTENÇA MANTIDA. 1. A AGÊNCIA DE TURISMO POSSUI LEGITIMIDADE PARA FIGURAR NO PÓLO PASSIVO DE DEMANDA EM QUE BUSCA INDENIZAÇÃO POR FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS RELATIVOS AO PACOTE DE VIAGEM ADQUIRIDO PELO CONSUMIDOR. PRELIMINAR REJEITADA. 2. O ARTIGO 14 E SEU § 1º, DA LEI N. 8078/90 ATRIBUI AO FORNECEDOR RESPONSABILIDADE OBJETIVA PELOS DANOS QUE CAUSAR DECORRENTES DA PRESTAÇÃO DEFEITUOSA DOS SEUS SERVIÇOS. 3. OS SERVIÇOS PRESTADOS, TANTO PELA AGÊNCIA DE TURISMO EM QUE ADQUIRIDO O BILHETE COMO PELA EMPRESA AÉREA QUE REALIZOU O VÔO, SÃO DEFEITUOSOS AO NÃO FORNECEREM A SEGURANÇA LEGITIMAMENTE ESPERADA DE QUE O EMBARQUE OCORRERIA NO HORÁRIO AVENÇADO, E QUE EM CASO DE ATRASO SERIA ENVIDADOS ESFORÇOS ADEQUADOS PARA MINIMIZAR OS DANOS DECORRENTES. [...] .

(TJ-DF - ACJ: 303598020088070001 DF 0030359-80.2008.807.0001, Relator: SANDRA REVES VASQUES TONUSSI, Data de Julgamento: 17/03/2009, Primeira Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do D.F., Data de Publicação: 17/04/2009, DJ-e Pág. 169) (grifo nosso).

Assim, desde logo, pode-se dizer que o transportador se responsabiliza pelos danos causados, seja por si ou pelas empresas e pessoas com ele relacionadas, tanto aos seus consumidores diretos e suas respectivas bagagens, quanto aos passageiros gratuitos, aos tripulantes, diretores e empregados que se encontrarem na aeronave, tudo no limite do trecho de transporte a ser realizado, se este for cumulativo. Cabe lembrar neste momento, outrossim, que a responsabilidade do transportador aéreo começa com a aquisição do bilhete de passagem e termina com o desembarque, do passageiro e da bagagem.

Rubia Aretuzia Nazaré Pereira explica que,

A legislação brasileira que trata da imputação de responsabilidade civil ao causador de algum dano a terceiro, tomando por base o Código Civil de 2002, a Constituição Federal, o próprio Código de Defesa do Consumidor e outras normas, foi elaborada a partir de conceitos relacionados tanto a responsabilidade subjetiva em que se tem o dever de provar a culpa e a responsabilidade objetiva, a qual independe de culpa.323

Ou seja, a responsabilidade civil do transportador aéreo se dá a partir da mistura de conceitos relacionados tanto à responsabilidade subjetiva quanto à objetiva, ou, em outras palavras, da combinação da responsabilidade prevista no Código Civil ou nas legislações aeronáuticas, tais como o Código Brasileiro de Aeronáutica, e da presente no Código de Defesa do Consumidor.

Porém, defende Caio Mário da Silva Pereira que “assentou-se na doutrina e na jurisprudência e agora expressamente no art. 735324 do Código de 2002 que a responsabilidade do condutor é contratual”325 e, por consequência, tem o transportador “responsabilidade objetiva pelos sinistros ocorridos durante a viagem de que resulte dano às pessoas transportadas ou suas bagagens, salvo motivo de força maior”326 . Prevalece, portanto, a ideia de que a responsabilidade do transportador é sempre objetiva, em qualquer uma das circunstâncias de responsabilidade, as quais foram listadas por Maria Helena Diniz327 : a) não execução do transporte do passageiro de um local para outro, no tempo e no modo convencionados; b) não realização do transporte com cuidado, exatidão e presteza; e c) ocorrência de danos causados aos viajantes.

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Isto é, sendo a relação caracterizada como contratual e sendo a responsabilidade definida como objetiva, o transportador responderá pelos danos causados aos seus passageiros, ou às pessoas a eles equiparadas, independentemente da existência de culpa. Neste sentido, destaca Maria Helena Diniz que “essa responsabilidade regida pelo Código Brasileiro de Aeronáutica (Lei n. 7.565/86) será objetiva, fundando-se no risco da navegação aérea”328 .

Ainda, o mesmo art. 735, do CC, expressamente atribui responsabilidade ao transportador mesmo quando o dano é causado por fato de terceiro, isto é, a responsabilidade do transportador de “levar o passageiro até o seu destino final permanece [...] inalterada mesmo quando a interrupção do transporte tenha sido causada por fato alheio à sua vontade, por fato previsível ou não”329 , por exemplo. Porém, neste caso, tem o transportador direito a ação regressiva em face do terceiro causador do dano, conforme bem prevê a segunda parte do citado dispositivo.

O Código Civil, conforme se denota, alterou,

Significativamente a responsabilidade do transportador, somente admitindo a excludente da força maior e impondo ao transportador o dever de indenizar mesmo quando o dano decorra de fato de terceiro, atribuindo ao transportador apenas o direito de obter regressivamente do culpado aquilo que tiver pago à vítima.330

Feita a observação acerca do Código Civil, destaca-se também o que diz respeito à influência do CDC, que alargou a responsabilidade objetiva do transportador, visto a existência de relação de consumo,

Além da abrangência do conceito de serviço adotado em seu art. 3º, §2º, o Código do Consumidor tem regra específica no art. 22. e parágrafo único. Ficou ali estabelecido que os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, além de serem obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes e seguros, respondem pelos danos que causarem aos usuários, na forma prevista no Código de Defesa do Consumidor. Não há como e nem porque contestar, portanto, a incidência do Código de Defesa do Consumidor nos casos de acidentes ocorridos por ocasião do transporte de passageiros por se tratar de serviços públicos.331

Assim, como o contrato de transporte se caracteriza como um contrato de consumo, aplicam-se a ele integralmente, portanto, as regras e princípios previstos no CDC, especialmente por força dos seus arts. 6º, VI332 , 12333 e 20, caput e §2º334 , e, assim sendo, responde objetiva e solidariamente o transportador pelo fato do serviço (art. 14, CDC) e pelo vício de serviço (art. 20, CDC).

Em sendo aplicável o CDC e, como já referido, sobrepondo-se ele às demais legislações, entende-se oportuno abordar, de forma breve, essas duas vertentes existentes quando se fala de responsabilidade civil em uma relação de consumo, explicando-as:

A responsabilidade pelo fato do produto ou do serviço decorre da violação de um dever de segurança, ou seja, quando o produto ou o serviço não oferece a segurança que o consumidor deveria legitimamente esperar. Já a responsabilidade pelo vício do produto ou do serviço decorre da violação de um dever de adequação, qual seja, o dever dos fornecedores de oferecer produtos ou serviços no mercado de consumo que sirvam aos fins que legitimamente deles se esperam.335

Em outras palavras, considera-se fato do serviço os casos em que o defeito do serviço é mais grave, a ponto de comprometer a segurança que dele legitimamente se espera (seja em razão de problemas na concepção, prestação ou comercialização do referido serviço), abrangendo a incolumidade física do consumidor. Já o vício do serviço é aquele defeito considerado menos grave, intrínseco e circunscrito ao serviço e causador de mero mau funcionamento ou não funcionamento deste, que envolve tão somente a incolumidade econômica do consumidor. Cita-se como exemplo deste um caso de extravio ou perda da bagagem do passageiro e daquele uma situação em que o bagageiro interno da aeronave se abre e causa alguma lesão física ao consumidor.

De todo modo, como dito, em ambos os casos todos os participantes da produção do serviço respondem objetiva e solidariamente pelos danos que vierem a causar aos consumidores, com exceção dos casos em que o transportador comprovar que o defeito inexistiu ou que a culpa pelo dano foi exclusiva do consumidor ou de terceiro336 , segundo consta no inciso II do §3° do art. 14. do CDC, e, ainda, nos casos de caso fortuito337 ou força maior. Além dessas possibilidades de exclusão da responsabilidade do transportador, Maria Helena Diniz ressalva mais uma: quando o passageiro for clandestino. Segundo a autora, “a responsabilidade contratual do transportador pressupõe um contrato de transporte; logo, se o passageiro for clandestino, afasta-se tal responsabilidade”338 .

Por fim, cumpre deixar consignado como se dá a responsabilidade civil dos transportadores nos casos de transporte gratuito e nos casos de danos ocorridos extracontratualmente.

No que se refere ao transporte gratuito, ou realizado por cortesia, destaca Maria Helena Diniz que,

O transporte desinteressado feito gratuitamente, por amizade ou cortesia, não se subordina ao contrato de transporte, e o transportador somente será civilmente responsável por danos causados ao transportado quando incorrer em dolo ou culpa grave (Súmula 145 do STJ). Mas não será gratuito o feito sem remuneração que trouxer vantagens indiretas ao transportador (RF, 101:318; CC, art. 736, parágrafo único). É o que se dá, p. ex., com o hoteleiro que transporta passageiro de seu hotel até o aeroporto ou locais de turismo.339

Ou seja, não havendo a remuneração, direta ou indireta, o contrato de transporte gratuito não será abrangido pelo CDC e a responsabilidade, desta forma, se dará por meio de comprovação de culpa, isto é, a responsabilidade do transportador passa a ser subjetiva.

Já quanto à responsabilidade extracontratual do transportador, refere Maria Helena Diniz que “haverá responsabilidade civil extracontratual no transporte aéreo pelos prejuízos causados pelas aeronaves a terceiros na superfície do solo e pelos danos resultantes do abalroamento aéreo ou colisão no ar”340 , até porque, nestes casos, há a caracterização da figura dos consumidores por equiparação. Lembra a autora que “os atos lesivos a terceiros que se encontram em terra abrangem qualquer dano que uma aeronave em voo, ou que ela por manobras de partida e chegada lhe causar”341 . Ainda, responde extracontratualmente o transportador aéreo por qualquer dano causado por objeto ou substância que cair do avião ou dele for projetado, por força dos §§3º e 4º do CBA. Importante o destaque para o fim de se deixar clara a existência de responsabilidade, objetiva, da empresa de transporte aéreo até mesmo quando a relação não se está abrangida pelo contrato em si. Por oportuno, transcreve-se recente decisão proferida neste sentido:

DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DE TRANSPORTADOR AÉREO PERANTE TERCEIROS EM SUPERFÍCIE. PRETENSÃO DE RESSARCIMENTO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. PRAZO PRESCRICIONAL. CÓDIGO BRASILEIRO DE AERONÁUTICA AFASTADO. INCIDÊNCIA DO CDC. 1. O Código Brasileiro de Aeronáutica não se limita a regulamentar apenas o transporte aéreo regular de passageiros, realizado por quem detém a respectiva concessão, mas todo serviço de exploração de aeronave, operado por pessoa física ou jurídica, proprietária ou não, com ou sem fins lucrativos, de forma que seu art. 317, II, não foi revogado e será plenamente aplicado, desde que a relação jurídica não esteja regida pelo CDC, cuja força normativa é extraída diretamente da CF (5º, XXXII). 2. Demonstrada a existência de relação de consumo entre o transportador e aqueles que sofreram o resultado do evento danoso (consumidores por equiparação), configurado está o fato do serviço, pelo qual responde o fornecedor, à luz do art. 14. do CDC, incidindo, pois, na hipótese, o prazo prescricional quinquenal previsto no seu art. 27. 3. Recurso especial conhecido e desprovido.

(STJ - REsp: 1202013 SP 2010/0126678-7, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 18/06/2013, TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 27/06/2013) (grifo nosso).

Em síntese, pode-se concluir que, caracterizada a relação de consumo, aplica-se o disposto no CDC e, subsidiariamente, o prescrito no CC, no CBA e nas demais legislações pertinentes. Se a relação for consumeirista, o transportador será objetiva e solidariamente responsável pelos danos causados aos usuários do transporte prestado; caso a relação não seja de consumo, o transportador responderá civilmente mediante comprovação de culpa e nos limites dos danos causados, de acordo com o CC.

4.3. PRÁTICAS ABUSIVAS

Dados da Infraero revelam o crescimento de utilização do transporte aéreo: em 2003, o número de passageiros nos aeroportos brasileiros foi de 71 milhões, já em 2010, esse movimento saltou para 154 milhões, ou seja, um crescimento de 117% em oito anos342 . Tal crescimento, acredita-se, decorreu não só em função do crescimento das companhias aéreas em atuação no país, mas também em razão do preço mais acessível dos bilhetes de passagem nos últimos anos343 e, principalmente, da cada vez mais ampla visão da sociedade em considerar o transporte aéreo como um meio de atender a necessidade de locomoção atual.

De todo modo, esta realidade de crescimento considerável no movimento de passageiros e no número de viagens nos aeroportos do país traz a tona a ideia de que, se aumenta o consumo, naturalmente aumentam-se também os problemas relacionados ao consumo, como é o caso da ocorrência de determinadas práticas consideradas abusivas neste tipo de mercado.

Já se viu que o CDC, além de atender as necessidades do consumidor, garantir o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, proteger seus interesses econômicos e, de consequência, buscar melhorar sua qualidade de vida em um sentido amplo, tem como dever prevenir a ocorrência de condutas que venham a prejudicar o consumidor, tornando-o mais vulnerável do que já é naturalmente. Trata-se do direito básico de proteção contra práticas abusivas, as quais

Desbordam dos limites das condutas lícitas autorizadas pelo direito aos fornecedores, razão pela qual a sua ocorrência acentua ainda mais drasticamente a vulnerabilidade natural que todo o consumidor reveste pela simples condição de ser consumidor: ele estará em desvantagem em decorrência de um ato ilícito.344

O art. 39. do CDC prevê algumas situações que podem ser consideradas abusivas, no entanto, lembre-se, este rol não é taxativo e sim exemplificativo. Como lembra Sérgio Valladão Ferraz, o fato de determinadas práticas terem sido antecipadamente instituídas como abusivas pelo legislador “não poupa, e nem impede, o trabalho de análise pormenorizada nos mais diversos casos concretos que se apresentam da existência de práticas abusivas que lesionem ou ameacem de lesão os consumidores”345 .

Recorda-se, por oportuno, ainda, que, nos casos de intervenção do Poder Judiciário – cuja ocorrência não fica prejudicada quando da realização de intervenção administrativa346 anterior -, o consumidor conta com algumas formas específicas para sua defesa em juízo, tais como a inversão do ônus da prova, o reconhecimento de sua vulnerabilidade, a responsabilidade objetiva do fornecedor e a antecipação de tutela.

Passa-se a analisar quatro das mais ocorrentes práticas abusivas em um contrato de transporte: extravio e perda de bagagem, cancelamento e atraso de voos, multas e ‘overbooking’, todas características de falha na prestação dos serviços da empresa aérea.

4.3.1. Extravio e Perda de Bagagem

De início, cumpre lembrar que o transporte de bagagem é contrato acessório ao contrato de transporte do passageiro. Ao efetuar o contrato de transporte aéreo de pessoas o transportador “se obriga a transportar, de um lugar para outro, juntamente com o passageiro, ou seja, no mesmo vôo e data, as bagagens deste, ou seja, os artigos pessoais apropriados para sua comodidade e uso durante a viagem”347 , seja no compartimento em que o passageiro irá viajar, ou em local apropriado para o devido despacho da bagagem. Tal contrato é representado pela Nota de Bagagem, a qual deverá conter as informações necessárias à sua identificação, tais como indicações do lugar e data de emissão, os pontos de partida e destino, o número do bilhete de passagem respectivo e a quantidade, peso e valor declarado dos volumes (art. 234348 , CBA), permitindo, assim, que o passageiro possa retirá-la, nas mesmas condições em que deixou. Por iniciativa da International Air Transport Association (IATA), o bilhete de passagem e a Nota de Bagagem foram conjugados no mesmo documento de transporte349 , haja vista a íntima relação existente entre o transporte da bagagem com o contrato de transporte do passageiro em si.

Tendo em vista o exposto, insta recordar que o caput do art. 734. do CC dispõe que o transportador responde pelos danos causados às pessoas transportadas e suas bagagens, salvo motivo de força maior, sendo nula qualquer cláusula excludente da responsabilidade. Ainda, o parágrafo único do referido artigo prevê que é lícito ao transportador exigir a declaração do valor da bagagem a fim de fixar o limite da indenização, justamente para que possa o transportador se precaver e o passageiro se assegurar dos danos no caso de um extravio ou de uma perda dos pertences.

Nesse contexto, já foi discutido no presente trabalho que, se não é permitido ao transportador se escusar de suas responsabilidades no caso de danos, ao menos lhe é assegurado o direito de exigir uma declaração do passageiro acerca do valor da bagagem, o que acaba por limitar sua responsabilidade no caso de futura indenização. Caso queira o transportador conferir os valores declarados pelo passageiro, poderá avaliar todos os bens contidos na bagagem, conforme lhe assegura o §2º do art. 234, CBA; não o fazendo, prevalece o valor declarado pelo passageiro, por se presumir tratar do valor integral do dano.

Destaca-se que o CBA prevê, em seu art. 260350 , que a indenização se limita ao valor correspondente a 150 Obrigações do Tesouro Nacional (OTN), por ocasião do pagamento, em relação a cada passageiro. No entanto, há que se atentar que o CDC, protetivo que é, garante ao consumidor, além da inversão do ônus da prova em juízo, o direito de contar com a prevenção e integral reparação de danos, isto é, não pode, de maneira alguma, prevalecer uma limitação legal em face do real conteúdo presente na bagagem, caso haja prova dos seus valores correspondentes. Aplicando-se o CDC ao caso concreto, a indenização corresponderá, portanto, à efetiva extensão dos prejuízos sofridos pelo lesado, não havendo que se falar em regime tarifado. É o instituto da reparação integral.

Neste sentido, cita-se o teor do Informativo nº 0053 do STJ:

DANOS MORAIS E MATERIAIS. EXTRAVIO DE BAGAGEM. Trata-se de indenização por extravio de bagagem em transporte aéreo em que se questiona se subsistem as regras limitativas do Código Brasileiro da Aeronáutica – CBA ou as da Convenção de Varsóvia, em vista do que dispõe o Código de Defesa do Consumidor – CDC. Prosseguindo o julgamento, a Turma entendeu, por maioria, que tanto a Convenção de Varsóvia quanto o Código Brasileiro da Aeronáutica, na medida em que estabelecem indenizações tarifadas, hão de ser aplicados apenas quando se cogite daquelas hipóteses em que há o chamado risco do ar, apesar do estatuído no Código de Defesa do Consumidor. Entretanto, quando se tratar de um simples extravio, aplica-se o Código do Consumidor. Outrossim, no caso, a passageira retornava de viagem quando sua bagagem extraviou-se, não havendo maiores transtornos, hipótese que não se equipara a outras, como as apreciadas pelo STF (RE 172.720-RJ, DJ 21/2/1997), além dos danos materiais. Conseqüentemente, deu-se provimento ao recurso para excluir a reparação por danos morais.

(REsp 158.535-PB, Rel. originário Min. Carlos Alberto Menezes Direito, Rel. para acórdão Min. Eduardo Ribeiro, julgado em 4/4/2000) (grifo nosso).

Pois bem, de todo modo, havendo perda ou avaria da bagagem, situação não rara nos aeroportos nacionais351 , deve o passageiro procurar a empresa aérea para reclamar sobre sua bagagem, já que o recebimento desta, sem protesto, faz presumir o seu bom estado (art. 234, §4º, CBA). O passageiro deve reivindicar os seus direitos por escrito e, preferencialmente, ainda na sala de desembarque; na impossibilidade de impugnação imediata, deve-se formalizar reclamação em até 15 dias após a data do desembarque, conforme garante o art. 244352 do CBA, em seus §§ 2º e 3º, referentes ao transporte aéreo de carga, mas aplicados de forma análoga ao contrato de transporte de bagagem353 . Nesta oportunidade, o consumidor preencherá o Registro de Irregularidade de Bagagem (RIB) e formalizará a reclamação, sendo certo que a bagagem “poderá permanecer no status de extraviada por, no máximo, 30 dias (voos nacionais) e 21 dias (voos internacionais)”354 .

Caso não ocorra a devolução neste prazo, a empresa deverá proceder a devida indenização ao passageiro. Não o fazendo, poderá ser responsabilizada administrativamente, sem prejuízo da indenização pleiteada pelo passageiro na via judicial, seja ela material e/ou moral. Neste âmbito, a Turma Recursal Única (TRU) do estado do Paraná criou enunciado no sentido de que “o extravio de bagagem ou sua perda gera responsabilidade da empresa aérea pelos danos (moral e material) causados ao consumidor” (enunciado n. 4.2).

A falha na prestação do serviço e a consequente responsabilização do transportador pelos danos, materiais e morais, causados ao consumidor em virtude do extravio ou da perda de sua bagagem, é reconhecida pela jurisprudência:

APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - TRANSPORTE AÉREO - EXTRAVIO DE BAGAGEM NA CHEGADA À CIDADE DE DESTINO - DANOS MATERIAIS - LIMITAÇÃO PREVISTA NO CÓDIGO BRASILEIRO DE AERONÁUTICA AFASTADA - INCIDÊNCIA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR - REPARAÇÃO INTEGRAL - CONJUNTO PROBATÓRIO QUE POSSIBILITA PRESUMIR A EXISTÊNCIA DO PREJUÍZO MATERIAL NOTICIADO NA INICIAL - DANOS MORAIS CONFIGURADOS - FIXAÇÃO DO QUANTUM - MANUTENÇÃO - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - PERCENTUAL ADEQUADO. RECURSO DE APELAÇÃO DESPROVIDO.RECURSO ADESIVO PARCIALMENTE PROVIDO.1 - A reparação de danos provenientes do extravio de bagagem em transporte aéreo subsume-se às regras do Código de Defesa do Consumidor, que estabelece a reparação integral dos prejuízos aos consumidores, ficando, pois, elidida a aplicação dos parâmetros tarifados do Código Brasileiro de Aeronáutica.2 - Nos casos em que a apuração dos fatos constitutivos do direito dos autores resulta em especial dificuldade, tanto a doutrina quanto a jurisprudência vem admitindo a aplicação da "Teoria da Redução do Módulo da Prova", segundo a qual pode o Juiz fundamentar seu convencimento não só com base naquilo que restou cabalmente demonstrado, mas diante do conjunto probatório e de indícios, aptos a revelarem a veracidade dos fatos narrados na inicial, possibilitando o julgamento fundado em um juízo de verossimilhança, a partir da máxima da experiência comum.3 - O dano moral é eminentemente subjetivo e independe do prejuízo patrimonial, caracterizando-se no constrangimento e transtornos a que foram submetidos os suplicantes pelo extravio de sua bagagem.4 - A fixação do montante devido a título de dano moral fica ao prudente arbítrio do Juiz, devendo pesar, nestas circunstâncias, a gravidade e duração da lesão, a possibilidade de quem deve reparar o dano, e as condições do ofendido, cumprindo levar em conta que a reparação não deve gerar o enriquecimento ilícito, constituindo, ainda, sanção apta a coibir atos da mesma espécie. 5. - O percentual arbitrado a título de verba honorária se mostra condizente com o artigo 20, § 3º, e incisos, do Código de Processo Civil, razão pela qual resta mantido.

(TJPR - 10ª C.Cível - AC - 1011623-1 - Foz do Iguaçu - Rel.: Luiz Lopes - Unânime - - J. 27.06.2013) (grifo nosso)

APELAÇÃO CÍVEL - INDENIZATÓRIA - TRANSPORTE AÉREO - EXTRAVIO DE BAGAGEM - RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO FORNECEDOR - DEVER DE GUARDA E VIGILÂNCIA - CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR - VÍCIO DO SERVIÇO (ART.20, CDC) - DANOS MATERIAIS - CONFIGURADOS - DANOS MORAIS - MAJORAÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO - RECURSOS CONHECIDOS - APELAÇÃO (1) DESPROVIDA - APELAÇÃO (2) PROVIDA.

(TJPR - 9ª C.Cível - AC - 1000004-9 - Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba - Rel.: Horácio Ribas Teixeira - Unânime - - J. 02.05.2013) (grifo nosso)

AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO (ART. 544. DO CPC) - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - EXTRAVIO DE BAGAGEM - TRIBUNAL A QUO QUE ATESTOU A FALHA NO SERVIÇO E ESTIPULOU INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - DECISÃO MONOCRÁTICA NEGANDO PROVIMENTO A AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. INSURGÊNCIA DA RÉ.

1. Discussão quanto ao valor da indenização arbitrada a título de reparação por danos morais e falha na prestação do serviço da companhia aérea. Inviabilidade no caso concreto. Tribunal a quo que fixou o quantum indenizatório balizado pelos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, bem como entendeu presente a referida falha. Impossibilidade de reexame nesta seara, sob pena de afronta ao texto da Súmula n. 7/STJ.

2. Recurso desprovido, aplicando-se multa em desfavor da insurgente.

(AgRg no AREsp 60.880/RS, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 19/06/2012, DJe 26/06/2012) (grifo nosso)

Isto é, o extravio ou a perda da bagagem do passageiro, que pode ser agravada pelo descaso da empresa aérea para com a situação, constitui em prática abusiva, principalmente porque desrespeita a confiança depositada pelo consumidor na empresa prestadora do serviço de transporte contratado. Caso a situação venha a ocorrer, deverá o transportador ser responsabilizado pelos danos por ele causados quando do descumprimento da prestação dos seus serviços com a qualidade esperada pelo consumidor.

4.3.2. Atraso e Cancelamento de Voos

O crescimento do fluxo de passageiros nos aeroportos nos últimos anos fez com que crescesse também o número de atrasos e cancelamentos de voos nos aeroportos do país. Apesar do número de passageiros ter crescido, os aeroportos brasileiros não acompanharam tal evolução tanto quanto deveriam e, uma vez não contando os aeroportos com a estrutura necessária para este crescimento, o resultado acaba sendo um só: filas nos saguões de embarque355 . Pior, as companhias aéreas também não acompanharam a evolução do mercado de transporte aéreo, sendo certo que, muitas vezes, a prática ocorre sem que seja dada a devida assistência, orientação e informação ao consumidor, o que agrava a situação.

A ANAC356 formulou uma tabela e a ilustrou com um gráfico (ilustração 1) expositivo da evolução anual, de 2000 a 2011, dos percentuais de atrasos e cancelamentos dos voos nos aeroportos brasileiros:

Tabela 5: Evolução anual dos percentuais de atrasos e cancelamentos, de 2000 a 2011

Ano

Voos Previstos

Voos Cancelados

Percentual de Cancelamentos

Voos Regulares Realizados

Voos com atraso acima de 30 min

Percent. de Voos com atraso acima de 30 min

Voos com atraso acima de 60 min

Percent. de Voos com atraso acima de 60 min

2000

776.854

83.808

10,8%

693.046

83.303

12,0%

32.780

4,7%

2001

810.244

97.378

12,0%

712.866

96.150

13,5%

36.905

5,2%

2002

790.513

131.106

16,6%

659.407

87.875

13,3%

34.171

5,2%

2003

669.377

152.374

22,8%

517.003

56.445

10,9%

26.222

5,1%

2004

648.479

98.365

15,2%

550.114

62.956

11,4%

27.349

5,0%

2005

673.482

96.523

14,3%

576.959

82.153

14,2%

31.764

5,5%

2006

713.445

123.065

17,2%

590.380

117.435

19,9%

56.161

9,5%

2007

794.969

173.436

21,8%

621.533

189.504

30,5%

101.669

16,4%

2008

811.075

93.003

11,5%

718.072

128.652

17,9%

51.174

7,1%

2009

886.451

98.529

11,1%

787.922

87.103

11,1%

33.801

4,3%

2010

1.016.415

104.833

10,3%

911.582

125.397

13,8%

47.613

5,2%

2011

1.152.480

110.329

9,6%

1.042.151

139.806

13,4%

49.991

4,8%

Total

9.743.784

1.362.749

14%

8.381.035

1.256.779

15%

529.600

6%

Conforme se observa dos documentos apresentados, os índices de atraso e cancelamento de voos não são baixos, o que acarreta em um verdadeiro caos aos usuários deste tipo de transporte, que saem frustrados por não receberem o serviço com a qualidade e pontualidade almejadas.

O transportador, antes de mais nada, possui o dever de prestar informação aos seus consumidores, tanto nos casos de atraso quanto nos de cancelamento dos seus voos, conforme orientam os arts. 2º357 e 7º358 da Resolução n. 141/2010 da ANAC. Relevante constar que, caso queira o passageiro, tal informação deverá ser prestada por escrito, por força do §2º de ambos os artigos.

O atraso de voo é regulamentado pelos arts. 230359 , 231360 , 256, inciso II361 e 258362 do CBA e pelos arts. 3º363 , 4º364 , 5º365 e 6º366 da Resolução n. 141/2010 da ANAC, os quais são uníssonos aos afirmar que o transportador tem o dever de prestar assistência ao passageiro quando o atraso do voo for superior a 4 horas. Por assistência367 , entende-se a disponibilização de refeição, comunicação (telefone, e-mail), hospedagem e transporte de ida e volta para o aeroporto, quando for o caso, além, é claro, de tratamento digno e cortês por parte dos funcionários da empresa aérea, em consonância com os direitos de todo e qualquer passageiro.

Todavia, segundo cartilha da ANAC368 , a assistência deve ser

Oferecida gradualmente, pela empresa aérea, de acordo com o tempo de espera, contado a partir do momento em que houve o atraso, cancelamento ou preterição de embarque, conforme demonstrado a seguir:

A partir de 1 hora: comunicação (internet, telefonemas, etc).

A partir de 2 horas: alimentação (voucher, lanche, bebidas, etc).

A partir de 4 horas: acomodação ou hospedagem (se for o caso) e transporte do aeroporto ao local de acomodação. Se você estiver no local de seu domicílio, a empresa poderá oferecer apenas o transporte para sua residência e desta para o aeroporto.

De todo modo, além da assistência material, tem o transportador, por força dos arts. 3º e 4º da Resolução n. 141/2010 da ANAC, o dever de oferecer ao passageiro, nos casos de atraso no aeroporto de partida, as seguintes alternativas: a) reacomodação em voo próprio que ofereça serviço equivalente para o mesmo destino, na primeira oportunidade, ou em voo próprio a ser realizado em data e horário de conveniência do passageiro; ou b) reembolso do valor integral pago pelo bilhete de passagem não utilizado, incluídas as tarifas. Se o atraso se der no aeroporto de escala ou de conexão, as alternativas serão: a) reacomodação em voo próprio ou de terceiro, que ofereça serviço equivalente para o mesmo destino, na primeira oportunidade, ou em voo próprio, a ser realizado em data e horário de conveniência do passageiro; b) reembolso integral, assegurado o retorno ao aeroporto de origem, ou do trecho não utilizado, se o deslocamento já realizado aproveitar ao passageiro; ou c) a conclusão do serviço por outra modalidade de transporte.

A ANAC369 disponibiliza em seu sítio eletrônico um quadro-síntese de direitos dos passageiros em caso de atraso de voo superior a 4 horas (ilustração 2), adiante apresentada:

Já quanto ao cancelamento de voo, o art. 229370 do CBA é o responsável pela respectiva regulamentação. Ainda, tem-se o que prevê os arts. 8º371 e 9º372 da Resolução n. 141/2010 da ANAC.

Pois bem, além do dever de informação e da prestabilidade de assistência material, se ocorrer o cancelamento de um voo, o transportador deverá oferecer as seguintes alternativas ao passageiro, similares às apresentadas no caso de atraso de voo superior a 4 horas: a) reacomodação em voo próprio ou de terceiro que ofereça serviço equivalente para o mesmo destino, na primeira oportunidade, ou em voo próprio a ser realizado em data e horário de conveniência do passageiro; b) reembolso integral, assegurado o retorno ao aeroporto de origem em caso de interrupção, ou do trecho não utilizado, se o deslocamento já realizado aproveitar ao passageiro; ou, ainda, c) conclusão do serviço por outra modalidade de transporte, em caso de interrupção.

A ANAC373 , disponibilizou em seu ‘site’, da mesma forma que o fez para o atraso de voo, um quadro-síntese de direitos dos passageiros em caso de cancelamento do voo (ilustração 3), o qual, por oportuno, também se expõe:

Lembra-se que, tanto para o caso de atraso quanto para o de cancelamento de voos, por força do parágrafo único do art. 231. do CBA, “todas as despesas decorrentes da interrupção ou atraso da viagem, inclusive transporte de qualquer espécie, alimentação e hospedagem, correrão por conta do transportador contratual, sem prejuízo da responsabilidade civil” (grifo nosso).

Porém, conforme já exposto quando da análise dos aspectos básicos da responsabilidade civil do transportador, este não será responsabilizado civilmente se comprovar que o atraso se deu em decorrência de um caso fortuito externo, ou seja, uma situação que tem como causa um fato, de origem humana, alheio ou estranho à execução do serviço prestado, irresistível, imprevisível e sem relação com a atividade fim do transportador (transporte), como no caso do fechamento do tráfego aéreo num raio próximo ao local em que ocorreu uma colisão de aeronaves374 , com a consequente impossibilidade de decolagem nos aeroportos abrangidos pela restrição temporária de funcionamento, ou, ainda, no caso de testes em equipamentos que impedem a decolagem antes de concedida a autorização do responsável375 , por exemplo. Da mesma forma, não será a empresa aérea responsabilizada se houver a comprovação de que o fato se deu em razão de uma força maior, isto é, em decorrência de um evento natural, irresistível e imprevisível, tal como a formação de forte neblina na pista de pouso e decolagem ou um raio que atinge a aeronave em voo. No entanto, observa-se que, somada à comprovação de ocorrência de um dos elementos aqui expostos, deve o transportador, necessariamente, demonstrar que prestou a devida assistência moral e material ao passageiro376 . Neste sentido:

AGRAVO INTERNO. TRANSPORTE AÉREO. ATRASO DE VOO, DECORRENTE DE FORTUITO EXTERNO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA QUE NÃO SE FAZ IRRESTRITA E ABSOLUTA. EXCLUDENTE DE RESPONSABILIDADE DEVIDAMENTE COMPROVADA NOS AUTOS. SENTENÇA ESCORREITA E BEM MANTIDA. RECURSO DE AGRAVO CONHECIDO E DESPROVIDO. 1. DECISÃO: Diante do exposto, decidem os Juízes Integrantes da 2ª Turma Recursal Juizados Especiais do Estado do Paraná, conhecer do recurso de agravo, e no mérito, negar provimento, nos exatos termos do voto.

(TJPR - 2ª Turma Recursal - 20110012205-3/02 - Curitiba - Rel.: DOUGLAS MARCEL PERES - - J. 26.01.2012) (grifo nosso)

PROCESSO CIVIL. CONSUMIDOR. COMPANHIA AÉREA. ATRASO NO VÔO EM RAZAO DE PROBLEMAS METEOROLÓGICOS. FORÇA MAIOR. EXCLUDENTE DE RESPONSABILIDADE. CONFISSAO NAO CONFIGURADA. RECURSO IMPROVIDO. 1. VERIFICA-SE A PRESENÇA DE CAUTELA E PRUDÊNCIA DA EMPRESA APELADA, NA MEDIDA QUE NÃO HAVIA CONDIÇÕES PARA POUSOS E DECOLAGENS COM SEGURANÇA NO AEROPORTO. 2. RECURSO IMPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA. DANO MORAL. TRANSTORNOS RELATIVOS A ATRASO EM VÔO. FORÇA MAIOR. AUSÊNCIA DE DIREITO À INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. RECURSO PROVIDO. NÃO HAVENDO CONDIÇÕES CLIMÁTICAS PARA POUSOS E DECOLAGENS NO AEROPORTO DE CURITIBA, SITUAÇÃO QUE FOGE DA AUTONOMIA DE VONTADE DA DEMANDADA, NÃO HÁ COMO SE IMPUTAR RESPONSABILIDADE. TAL SITUAÇÃO CONSTITUI EXCLUDENTE DE FORÇA MAIOR, EXEGESE DOS ARTIGOS 734, E 73.

(TJ-BA - APL: 1196212008 BA 11962-1/2008, Relator: ILZA MARIA DA ANUNCIACAO, Data de Julgamento: 22/08/2008, PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL) (grifo nosso)

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. TRANSPORTE AÉREO DE PASSAGEIROS. CANCELAMENTO DE VÔO. CASO FORTUITO OU FORÇA MAIOR. NÃO COMPROVAÇÃO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. DANOS MORAIS CONFIGURADOS. VALOR DA INDENIZAÇÃO. MANUTENÇÃO. RECURSO DESPROVIDO.

1- Os contratos de transporte aéreo de passageiros se enquadram nas relações negociais alcançadas pelo Código de Defesa do Consumidor.

2- Não restou demonstrado nos autos que o cancelamento do vôo tenha decorrido de caso fortuito ou força maior, o que afastaria o nexo causal e, como conseqüência, o dever de indenizar. Assim, a apelante deve ser responsabilizada pelos danos causados ao consumidor, nos termos do art. 14. do Código de Defesa do Consumidor.

3- O direito a indenização por dano moral deflui do próprio ato ilícito, causador de sofrimento, que impediu o apelado de efetuar viagem internacional em companhia de sua família.

4- A indenização arbitrada em R$ 10.000,00 (dez mil reais) é adequada e coerente à gravidade da ofensa, não representando valor elevado ou insignificante que reclame reforma pelo Tribunal.

(TJPR - 10ª C.Cível - AC - 933189-5 - Palmas - Rel.: Hélio Henrique Lopes Fernandes Lima - Unânime - - J. 23.08.2012) (grifo nosso)

APELAÇÃO CÍVEL. TRANSPORTE AÉREO. CANCELAMENTOS SUCESSIVOS DE VÔOS. DANOS MORAIS. ATRASO DE 30 HORAS. CONDIÇÕES CLIMÁTICAS. Ainda que as condições climáticas porventura não recomendassem que decolasse o vôo Montevidéu-Porto Alegre, tais circunstâncias não afastam as obrigações da ré de prestar as informações necessárias e adequadas, bem como de providenciar hospedagem com razoável padrão de qualidade aos seus passageiros. Obrigações que consistem em deveres anexos ao contrato celebrado com os passageiros, não tendo a ré provado o respectivo adimplemento. Manutenção da sentença que condenou a transportadora ao pagamento de indenização por danos morais.

(TJ-RS , Relator: Umberto Guaspari Sudbrack, Data de Julgamento: 22/03/2012, Décima Segunda Câmara Cível) (grifo nosso).

Para reivindicar seus direitos, o passageiro deverá se dirigir à empresa aérea prestadora do serviço, eis que o próprio contrato de transporte aéreo estabelece a relação de consumo entre o usuário e a empresa fornecedora do serviço e, de consequência, impõe o dever de prestação do serviço de modo adequado. Caso a assistência não se dê de forma espontânea, poderá o passageiro entrar em contato com a ANAC para o fim de apresentar queixa contra a companhia, a qual abrirá um processo administrativo para apuração da irregularidade e, se for o caso, aplicará a respectiva penalidade à empresa aérea. Lembra-se, ademais, que a intervenção do Poder Judiciário não restará prejudicada, até porque a anterior reclamação junto a ANAC não é requisito à propositura de ação judicial, podendo o consumidor somente nesta se pautar.

4.3.3. Multas

No caso de desistência unilateral do transporte por parte do consumidor, é permitido ao transportador, com fulcro no §3º do art. 740. do CC, reter até 5% da importância a ser restituída ao passageiro, a título de multa compensatória. A referida multa pode, no entanto, chegar ao montante máximo de 10%, a depender das circunstâncias do caso em concreto, tais como demanda e tempo que a empresa aérea tem para renegociação da passagem em caso de desistência de viagem ou de alteração de data pelo consumidor, conforme orientação jurisprudencial adiante referida.

Sendo a cobrança permitida, a discussão se dá em razão do fato de que não são raros os casos em que essa disposição legal não é cumprida, isto é, as empresas aéreas ou costumam cobrar um valor de multa muito além do permitido ou sequer fazem a restituição do valor proporcional quando o passageiro tem por bem cancelar a prestação do serviço.

Merece destaque a sentença proferida pelo juiz federal Daniel Guerra Alves, na Ação Civil Pública de n. 0007653-81.2007.4.01.3900, ajuizada pelo Ministério Público do Estado do Pará (MPF/PA)377 ,

[...] acolher parcialmente os pedidos do autor, condenado as rés: 1. TAM Linhas Aéreas, S/A: que se abstenha de cobrar tarifas superiores a 5% e 10%, conforme haja ou não tempo para renegociação das passagens em caso de desistência de viagem ou de alteração de data; A restituir, desde cinco anos anteriores à propositura desta ação, as diferenças dos valores cobrados a maior que essas tarifas (10% e 5%) no caso de desistência de viagem ou de alteração de data; A pagar ao fundo a que se refere o art. 13. da lei 7357/1 985, vinte por cento do que cobrado ilegalmente a título de dano moral coletivo; a dar publicidade em seu sítio eletrônico e balcão de vendas dos termos desta sentença; 2. Cruiser Linhas Aéreas LMDA: que se abstenha de cobrar tarifas superiores a 10% e 5%, conforme haja ou não tempo para renegociação das passagens em caso de desistência de viagem ou de alteração de data; A restituir, desde cinco anos anteriores à propositura desta ação, as diferenças dos valores cobrados a maior que essas tarifas (10% e 5%) no caso de desistência de viagem ou de alteração de data; A pagar ao fundo a que se refere o art. 13. da lei 7357/1 985, vinte por cento do que cobrado ilegalmente a título de dano moral coletivo; a dar publicidade em seu sítio eletrônico e balcão de vendas dos termos desta sentença; 3. Gol Transportes Aéreos S/A: que se abstenha de cobrar tarifas superiores a 10% e 5%, conforme haja ou não tempo para renegociação das passagens em caso de desistência de viagem ou de alteração de data; A restituir, desde cinco anos anteriores à propositura desta ação, as diferenças dos valores cobrados a maior que essas tarifas (10% e 5%) no caso de desistência de viagem ou de alteração de data; A pagar ao fundo a que se refere o art. 13. da lei 7357/1985, vinte por cento do que cobrado ilegalmente a título de dano moral coletivo; a dar publicidade em seu sítio eletrônico e balcão de vendas dos termos desta sentença; 4. TAF Linhas Aéreas S.A: que se abstenha de cobrar tarifas superiores a 10% e 5%, conforme haja ou não tempo para renegociação das passagens em caso de desistência de viagem ou de alteração de data; A restituir, desde cinco anos anteriores à propositura desta ação, as diferenças dos valores cobrados a maior que essas tarifas (10% e 5%) no caso de desistência de viagem ou de alteração de data; A pagar ao fundo a que se refere o art. 13. da lei 7357/1 985, vinte por cento do que cobrado ilegalmente a título de dano moral coletivo; a dar publicidade em seu sítio eletrônico e balcão de vendas dos termos desta sentença; 5. Total Linhas Aéreas S/A: que se abstenha de cobrar tarifas superiores a 10% e 5%, conforme haja ou não tempo para renegociação das passagens em caso de desistência de viagem ou de alteração de data; A restituir, desde cinco anos anteriores à propositura desta ação, as diferenças dos valores cobrados a maior que essas tarifas (10% e 5%) no caso de desistência de viagem ou de alteração de data; A pagar ao fundo a que se refere o art. 13. da lei 7357/1985, vinte por cento do que cobrado ilegalmente a título de dano moral coletivo; a dar publicidade em seu sítio eletrônico e balcão de vendas dos termos desta sentença; 6. ANAC, Agência Nacional de Aviação Civil, a fiscalizar o cumprimento destas obrigações aqui reconhecidas, apresentando plano de fiscalização em cento e vinte dias do trânsito em julgado desta. Para assegurar o cumprimento das obrigações de fazer aqui cominadas, fixo R$ 500,00 (quinhentos reais) de multa por cada retenção indevida a ser paga pela companhia transgressora. Fixo ainda a multa diária de dois mil reais por dia de atraso no cumprimento da obrigação de elaborar plano de fiscalização por parte da ANAC a ser imputada à pessoa física responsável pela fiscalização geral da execução dos contratos de transportes de passageiros. Rejeito o pedido de aplicação do art. 49. do CDC às compras de passagens aéreas pela Internet.[…] (grifo nosso).

A decisão antes referida se trata de decisão de primeira instância, sujeita a recursos, porém, acredita-se que as instâncias superiores venham a confirmar o veredicto, principalmente porque tal entendimento vem sendo seguido por outros juízes de primeira instância e é perfeitamente consonante às disposições legais do CC, do CBA e do CDC.

De todo modo, a jurisprudência já é consolidada no sentido de que a prática, fora dos limites legais, é abusiva:

RECURSO INOMINADO - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS ­ PASSAGEM AÉREA - CANCELAMENTO DE PASSAGEM - SOLICITAÇÃO DO CONSUMIDOR ­ CANCELAMENTO JUSTIFICÁVEL - REEMBOLSO FRUSTRADO PELA EMPRESA AÉREA - DEVER DE RESTITUIÇÃO DO VALOR DA PASSAGEM, A FIM DE EVITAR ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA ­ SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA ­ AMBOS OS RECURSOS CONHECIDOS ­ RECURSO PELA AUTORA PARCIALMENTE PROVIDO E PELA RÉ IMPROVIDO. DECISÃO : ACORDAM os integrantes da Primeira Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em conhecer e dar parcial provimento ao recurso inominado interposto pela autora e negar provimento ao recurso interposto pela ré, nos exatos termos do voto relatado.

(TJPR - 1ª Turma Recursal - 20110007225-2 - Curitiba - Rel.: ANDREA FABIANE GROTH BUSATO - - J. 07.07.2011) (grifo nosso)

RECURSO INOMINADO - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS - TRANSPORTE AÉREO - SOLICITAÇÃO DE REEMBOLSO NÃO ATENDIDA PELA EMPRESA AÉREA - FALHA NA PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS - MULTA PELO CANCELAMENTO LIMITADA A 10% DO VALOR DA TARIFA - MAIS FAVORÁVEL AO CONSUMIDOR - DANO MORAL CONFIGURADO - SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA. Recurso conhecido e provido.

Ante o exposto, esta Turma Recursal resolve, por unanimidade de votos, CONHECER e DAR PROVIMENTO ao recurso interposto, nos exatos termos deste voto.

(TJPR - 1ª Turma Recursal - 0030827-14.2012.8.16.0014/0 - Londrina - Rel.: FERNANDA DE QUADROS JORGENSEN GERONASSO) (grifo nosso).

Ou seja, o transportador pode reter até 10% do valor do bilhete de passagem, na medida em que tem o direito de se precaver dos prejuízos causados pela desistência tardia da realização da viagem, No entanto, a partir do momento em que a empresa cobra valor superior à referida porcentagem, infere em prática abusiva, uma vez que impõe enorme desvantagem ao consumidor. A multa compensatória pode, portanto, ser cobrada, desde que esta não se configure como abusiva,

CIVIL. AQUISIÇÃO DE PASSAGEM AÉREA INTERNACIONAL. DESISTÊNCIA. RESTITUIÇÃO DA QUANTIA DESEMBOLSADA. DESCONTO DE PERCENTUAL A TÍTULO DE MULTA E DE TAXA DE ADMINISTRAÇÃO. QUANDO O CONSUMIDOR DESISTE DE VIAGEM INTERNACIONAL, SEM CULPA DOS FORNECEDORES, DEVERÃO ELES DEVOLVER O VALOR DA PASSAGEM, TENDO O DIREITO A RETER MULTA COMPENSATÓRIA NÃO ABUSIVA. VEDADA A COBRANÇA DE MULTA INDENIZATÓRIA NÃO PREVISTA NA LEI OU NO CONTRATO POR SE TRATAR DE PRÁTICA ABUSIVA, QUE CONTRARIA A LEGISLAÇÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.

(TJ-DF - ACJ: 20060110825873 DF , Relator: ROMULO DE ARAUJO MENDES, Data de Julgamento: 03/06/2008, Segunda Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do D.F., Data de Publicação: DJU 25/07/2008 Pág. : 55) (grifo nosso).

Por fim, destaca-se que, conforme bem ressalta Silvio de Salvo Venosa378 , essa multa somente será devida na ausência de culpa do transportador na motivação do cancelamento da viagem. Em outras palavras, se a empresa de transporte vier a dar causa ao cancelamento da viagem, terá o consumidor, como já visto, direito à restituição integral do valor pago, já que ficará impossibilitado de utilizar os serviços por ele contratados.

4.3.4. ‘Overbooking’

O ‘overbooking’, intimamente ligado às problemáticas apresentadas quanto ao atraso e cancelamento de voos, é o ato das companhias aéreas de reservar mais bilhetes do que a capacidade da aeronave, visando evitar os evidentes prejuízos ocasionados pelo passageiro ‘no show’ (passageiro confirmado que não comparece para embarque), segundo definição constante na Instrução de Aviação Civil Normativa n. 2203-0399 (IAC 2203-0399)379 . No mesmo sentido, Marcus Vinicius Fernandes Andrade da Silva expõe que o ‘overbooking’ “ocorre quando as empresas aéreas vendem mais bilhetes do que os lugares disponíveis na aeronave”380 .

Evidentemente, esta prática pode provocar o excesso de passageiros e ocasionar, por consequência, transtornos no momento do embarque, uma vez que duas ou mais pessoas são portadoras de bilhetes de passagem referentes à mesma poltrona. Lucas Cabette, explica que,

A prática costuma ser justificada pelas companhias aéreas com o argumento de que, em geral, muitas das passagens vendidas acabam sendo canceladas ou seus titulares não comparecem. A venda de passagens acima do número [de] assentos efetivamente existentes visaria a evitar que o lugar dos ‘desistentes’ permanecesse desocupado. Isso permitiria uma ocupação mais eficiente das aeronaves, com uma consequente redução dos custos da passagem.381

Porém, se a justificativa até pode ser compreendida no âmbito econômico, esta não conta com a mesma sorte quando o argumento é analisado pelo ponto de vista jurídico, principalmente sob o viés do CDC. Isto porque a venda de serviço que se sabe não estar disponível no momento da compra consiste em negar informação essencial ao consumidor e colocá-lo em situação de risco de dano, violando claramente, entre outros, o princípio da boa-fé objetiva.

O CBA não regulamenta o assunto no que diz respeito ao passageiro, apenas determina, no seu art. 302382 , inciso III, alínea p, a aplicação de multa administrativa em favor do Ministério da Aeronáutica, caso esta prática venha a ocorrer383 .

Se o CBA se omite, a Resolução n. 141/2010 da ANAC, por sua vez, regulamenta o ‘overbooking’ nos seus arts. 10. a 13, de seguinte teor:

Art. 10. Resolução ANAC 141/2010. Deixar de transportar passageiro com bilhete marcado ou reserva confirmada configura preterição de embarque.

Parágrafo único. Quando solicitada pelo passageiro, a informação sobre o motivo da preterição deverá ser prestada por escrito pelo transportador.

Art. 11, Resolução ANAC 141/2010. Sempre que antevir circunstâncias que gerem a preterição de embarque, o transportador deverá procurar por passageiros que se voluntariem para embarcar em outro voo mediante o oferecimento de compensações.

§1º As compensações de que trata o caput deverão ser objeto de negociação entre o passageiro e o transportador.

§2º Não haverá preterição caso haja passageiros que se voluntariem para ser reacomodados em outro voo mediante a aceitação de compensações.

§3º O transportador poderá solicitar ao passageiro a assinatura de termo específico reconhecendo a aceitação de compensações.

Art. 12, Resolução ANAC 141/2010. Em caso de preterição de embarque, o transportador deverá oferecer as seguintes alternativas ao passageiro:

I - a reacomodação:

a) em voo próprio ou de terceiro que ofereça serviço equivalente para o mesmo destino, na primeira oportunidade;

b) em voo a ser realizado em data e horário de conveniência do passageiro;

II - o reembolso:

a) integral, assegurado o retorno ao aeroporto de origem em caso de interrupção;

b) do trecho não utilizado, se o deslocamento já realizado aproveitar ao passageiro;

III - a realização do serviço por outra modalidade de transporte.

Art. 13, Resolução ANAC 141/2010. Em caso de preterição de embarque será devida a assistência de que trata o art. 14, exceto nos casos em que o passageiro optar por qualquer das alternativas previstas no art. 12, incisos I, alínea “b”, e II, alínea “b”.

Como se denota dos artigos citados, a preterição de embarque é prática abusiva e, caso venha a ocorrer, deve ser justificada por escrito ao passageiro, sem prejuízo da apresentação de três soluções por parte da empresa aérea, as quais são de opção única e exclusiva do passageiro: a) reacomodação em outro voo; b) reembolso do valor da passagem; ou c) realização do serviço por outra modalidade de transporte. Se o consumidor optar pela primeira ou terceira opção, esta deverá ocorrer em até 4 horas a contar da partida da aeronave, estando o transportador obrigado, ainda, a garantir ao passageiro comunicação, hospedagem e alimentação em locais adequados, bem como transporte de e para o aeroporto, se for o caso.

A única ressalva a ser feita é que a reclamação em caso de ‘overbooking’ só será válida caso tenha havido a confirmação da reserva, mediante o comparecimento ao ‘check-in’ no horário estabelecido pela empresa aérea ou, no mínimo, com 30 minutos de antecedência do vôo marcado, para vôos nacionais, e com 1 hora, para vôos internacionais, segundo informação prestada pela ANAC384 em seu sítio eletrônico.

A ANAC385 montou uma tabela resumindo os direitos do passageiro nos casos de ‘overbooking’ (ilustração 4), que vale a pena ser apresentada:

Destaca-se, ademais, o dever de assistência material referido quando da abordagem da prática de atraso ou cancelamento de voos, já que, por força do art. 14. da Resolução n. 141/2010 da ANAC, também são aplicáveis aos casos de preterição do embarque.

De todo modo, caso a companhia aérea não ofereça as facilidades acima previstas, pode o passageiro formalizar reclamação junto à ANAC ou ao Departamento de Aviação Civil do Ministério da Aeronáutica, que tomarão as devidas providências para o fim de averiguar a situação apresentada e, se for o caso, aplicar a sanção administrativa adequada ao transportador inadimplente: multa.

Importante novamente destacar que, mesmo que o transportador tome as devidas providências para o fim de amenizar a situação que causou, “tais modalidades de ressarcimento material, previstas em norma administrativa, não têm o condão de mitigar o dever de indenização integral previsto na Constituição (artigo 5º, incisos V e X), no Código Civil e no CDC”386 . Isto porque, embora as regulamentações administrativas assegurem formas específicas de compensação que devem ser disponibilizadas de imediato ao consumidor, os transtornos ocasionados em decorrência da prática podem não se esgotar ali, podendo o consumidor, perfeitamente, pleitear indenização por danos emergentes, morais e lucros cessantes, por exemplo.

A jurisprudência é unânime no sentido de considerar o ‘overbooking’ como prática ilegal, sendo a viabilidade de concessão das indenizações analisadas com base no caso em concreto. Citam-se algumas decisões:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. OVERBOOKING. DANO MORAL. PROVA. DESNECESSIDADE. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO CARACTERIZADO. AGRAVO DESPROVIDO.

1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou-se no sentido de que o dano moral oriundo de "overbooking" prescinde de prova, configurando-se in re ipsa, visto que é presumido e decorre da própria ilicitude do fato e da experiência comum.

2. À caracterização do dissídio jurisprudencial, nos termos dos artigos 541, parágrafo único, do Código de Processo Civil e 255, parágrafos 1º e 2º, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, é necessária a demonstração da similitude de panorama de fato e da divergência na interpretação do direito entre os acórdãos confrontados.

3. Agravo regimental a que se nega provimento.

(AgRg no REsp 810.779/RJ, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 28/06/2011, DJe 03/08/2011) (grifo nosso).

APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO MORAIS. OVERBOOKING - EMPRESA AÉREA QUE IMPEDIU A CHEGADA DA AUTORA EM SEU DESTINO - PROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS - INCONFORMISMO FORMALIZADO - ILICITUDE NA PRÁTICA DO OVERBOOKING - DANO MORAL CONFIGURADO - VALOR QUE NÃO SE MOSTRA EXCESSIVO - IMPOSSIBILIDADE DE MINORAÇÃO - SENTENÇA MANTIDA - RECURSO NÃO PROVIDO. POR UNANIMIDADE 1. A venda de passagem aérea acima da capacidade da aeronave, denominada overbooking, evidencia o descumprimento das obrigações contratuais por parte da companhia aérea. RECURSO ADESIVO PELA AUTORA - PRETENSÃO DE MAJORAÇÃO DO DANO MORAL - POSSIBILIDADE DE MAJORAÇÃO DO VALOR ARBITRADO A TÍTULO DE DANOS MORAIS - PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. 1. "Levando-se em conta a capacidade econômica das partes, a extensão do dano e o caráter punitivo compensatório da indenização, bem como sopesando os parâmetros utilizados normalmente em casos semelhantes, tem-se como necessária a majoração dos danos morais para o patamar de R$ 15.000,00 (quinze mil reais), sendo esta quantia mais adequada para compensar o abalo moral sofrido pelo autor".

(TJPR - 8ª C.Cível - AC - 936041-2 - Maringá - Rel.: José Laurindo de Souza Netto - Unânime - - J. 06.12.2012) (grifo nosso)

EMENTA. APELAÇÃO CÍVEL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. OVERBOOKING OCORRIDO COM A IRMÃ DA AUTORA/APELANTE QUE DEIXA DE EMBARCAR PARA FAZÊ-LA COMPANHIA EM PLENO NATAL. DANO MORAL POR RICOCHETE. CONSUMIDORA POR EQUIPARAÇÃO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS DEVIDA. VALOR ARBITRADO EM R$ 15.000,00. DANOS MATERIAIS DEMONSTRADOS EM PARTE. DECAIMENTO EM PARTE MÍNIMA DO PEDIDO. RÉU QUE DEVE ARCAR INTEGRALMENTE COM O PAGAMENTO DAS CUSTAS E HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

(TJPR - 8ª C.Cível - AC - 847230-4 - Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba - Rel.: Jorge de Oliveira Vargas - Unânime - - J. 26.07.2012) (grifo nosso).

AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. OVERBOOKING. VENDA DE PASAGENS ACIMA DA CAPACIDADE DA AERONAVE. ESPERA POR NOVO VOO. ATRASO DE 4 HORAS - DANOS MORAIS IN RE IPSA PELA FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. RÉ QUE DEVERIA SE ACAUTELAR NA VENDA DE PASSAGENS AEREAS PARA QUE EVENTOS COMO ESTE NÃO OCORRECEM - SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. AFASTADA - CONTUDO, O QUANTUM DEVE SER MÓDICO CONSIDERANDO QUE O AUTOR NÃO COMPROVOU OUTROS PREJUÍZOS ALÉM DOS NORMAIS AO CASO, COMO PERDA DE TRABALHO, COMPROMISSOS, CONEXÕES OU OUTROS, BEM COMO A RÉ O RECOLOCOU EM OUTRO VOO, AINDA QUE ESTE TENHA SAÍDO QUATRO HORAS APÓS O HORARIO PREVISTO DE SEU VOO ORIGINÁRIO. ASSIM, O VALOR DE R$ 5.000,00 SE MOSTRA ADEQUADO AO CASO - SENTENÇA REFORMADA. Recurso conhecido e provido.

Diante do exposto, resolve esta Turma Recursal, por unanimidade de votos, conhecer do recurso e, no mérito, dar-lhe provimento, nos exatos termos do voto.

(TJPR - 2ª Turma Recursal - 0014709-31.2011.8.16.0035/0 - São José dos Pinhais - Rel.: Marco Vinícius Schiebel) (grifo nosso).

De todo modo, quando o número de passageiros for maior que os lugares disponíveis na aeronave, configurar-se-á a prática abusiva de ‘overbooking’, devendo o transportador responder pelos danos causados ao consumidor, administrativa e judicialmente, se for o caso.

Sobre a autora
Thaine Kovaleski

Acadêmica do 10º período do curso de Direito do Centro Universitário Curitiba – Unicuritiba.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Trata-se de monografia apresentada como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito do Centro Universitário Curitiba. Orientadora: Prof. Dra. Fernanda Schaefer Rivabem.

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