APÊNDICES
APÊNDICE A – Entrevista com o Promotor de Justiça
APÊNDICE B – Entrevista com a Defensora Pública
APÊNDICE C – Entrevista com o Casal
APÊNDICE D – Entrevista com a Promotora de Justiça
APÊNDICE A – Entrevista com o Promotor de Justiça
Identificação:
- Nome: ANDRÉ BARBOSA DE BORBA
- Profissão/Cargo: PROMOTOR DE JUSTIÇA
- Órgão Público: MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL
- Outros dados que julgar importantes à pesquisa:
Pesquisa:
P - Qual o seu entendimento a respeito da possibilidade jurídica da adoção de crianças e adolescentes por casais homoafetivos?
R - Anteriormente, eu tinha o entendimento no sentido da impossibilidade, tendo em vista o disposto no artigo 1622 do Código Civil, o qual vedava a adoção por duas pessoas que não fossem casadas ou não vivessem em união estável. Assim, como a Constituição Federal (art. 226, § 3º) prevê que a união estável configura-se entre homem e mulher, não seria viável a adoção por duas pessoas do mesmo sexo (assim me manifestei em processo no ano de 2005).
Entretanto, atualmente, em razão da revogação do art. 1622 do CC pela Lei nº 12010/2009 e, principalmente, da decisão do STF reconhecendo a união estável entre pessoas do mesmo sexo, entendo não haver mais óbice jurídico ao deferimento da adoção em tais situações, cabendo apenas o exame do caso sob a ótica do melhor interesse da criança ou adolescente (verificação, no caso concreto, das condições dos pretendentes e dos benefícios ao infante).
P - Juridicamente, é possível que crianças e adolescentes possam ter duas mães ou dois pais registados na Certidão de Nascimento?
R - Sim.
P - Você já atuou em processo que tutelou a adoção homoafetiva?
R - Sim.
P - Qual foi o seu posicionamento frente ao caso concreto?
R - Como acima informado (em 2005).
P - A ação resultou procedente ou improcedente?
R - Procedente.
P - Quais os fundamentos jurídicos empregados pelo Magistrado no momento de prolatar a decisão judicial?
R - Entendeu que não havia vedação legal ao pedido e que as boas condições reunidas pelas requerentes eram suficientes ao seu deferimento.
P - Você concordou com a sentença proferida?
R - Não.
P - Houve interposição de recurso?
R - Sim.
P - Qual foi o posicionamento do julgador “ad quem”?
R - Foi confirmada a sentença.
P - Sob quais fundamentos jurídicos embasou sua decisão judicial?
R - Reportou-se o Tribunal aos fundamentos da sentença.
P - Outros dados que julgar importantes à pesquisa:
APÊNDICE B – Entrevista com a Defensora Pública
Identificação:
- Nome: Patrícia Kettermann
- Profissão/Cargo: Defensora Pública
- Órgão Público: Defensoria Pública do Estado
- Outros dados que julgar importantes à pesquisa:
Pesquisa:
P - Qual o seu entendimento a respeito da possibilidade jurídica da adoção de crianças e adolescentes por casais homoafetivos?
R - A adoção de crianças por casais formados por pessoas do mesmo sexo não só é possível como é tutelada pelo ordenamento jurídico nacional e internacional.
O direito à proteção jurídica à situação fática posta pode ser entendido tanto sob o ponto de vista da tutela das crianças ou adolescentes envolvidos, quanto dos pais ou mães.
Trata-se de garantir dignidade e tratamento isonômico e não discriminatório.
P - Juridicamente, é possível que crianças e adolescentes possam ter duas mães ou dois pais registados na Certidão de Nascimento?
R - Perfeitamente possível. Mais do que isto: desejável.
Se as crianças e /ou adolescente têm faticamente dois pais ou duas mães, juridicizar esta situação tem por objetivo proteger o melhor interesse deste público vulnerável.
Significa dizer que o Direito, em nome inclusive do Princípio da Proteção Integral, apenas vai reconhecer a situação fática posta (que não se alterará a partir ou por causa de eventual decisão de improcedência) possibilitando a incidência de efeitos jurídicos com vistas a garantir os direitos humanos dos envolvidos.
P - Você já atuou em processo que tutelou a adoção homoafetiva? Qual foi o seu posicionamento frente ao caso concreto? A ação resultou procedente ou improcedente? Quais os fundamentos jurídicos empregados pelo Magistrado no momento de prolatar a decisão judicial? Você concordou com a sentença proferida? Houve interposição de recurso? Qual foi o posicionamento do julgador “ad quem”? Sob quais fundamentos jurídicos embasou sua decisão judicial?
R - Atuei em processo que tramitou junto à Vara da Infância e Juventude da Comarca de Bagé no ano de 2003. O pedido resultou procedente e foi o primeiro precedente jurisprudencial do país neste sentido. O Magistrado, Dr. Marcos Danilo Edon Franco, corajoso pioneiro, utilizou argumentos de matriz constitucional e infraconstitucional, partindo da questão da dignidade da pessoa humana e da necessidade de garantir tratamento isonômico até o manejo de princípios norteadores do sistema de garantias infantojuvenis. A Defensoria Pública, que atuava em favor das mães e das crianças envolvidas evidentemente concordou com a sentença, contra a qual foi interposta apelação pelo Ministério Público. A apelação foi improvida com a manutenção integral da decisão de primeiro grau de jusrisdição, o que desafio o manejo dos Recursos Especial e Extraordinário pelo Ministério Público.
P - Outros dados que julgar importantes à pesquisa:
R - A ação mencionada foi o primeiro caso julgado pelo Superior Tribunal de Justiça, transformando-se no pioneiro e mais importante precedente jurisprudencial sobre o assunto.
APÊNDICE C – Entrevista com o Casal
- Nome: Lídia Guterres e Luciana Maidana
- Idade: 47 anos e 38 anos
- Profissão: fisioterapeuta e psicóloga
- Estado Civil: casadas
- N.º de Filhos: 04
- Outros dados que julgarem importante à pesquisa:
- Família:
P - A família de vocês sempre soube da sua orientação sexual?
R - Lídia: Descobriram quando eu tinha entre 17 e 18 anos.
R - Luciana: Minha família descobriu quando fui morar com a Lídia.
P - A família de vocês rejeitou/rejeita a sua orientação sexual?
R - Não
P - Algum membro da família de vocês é homossexual?
R - Lídia: Sim.
R - Luciana: Não.
P - Esse membro da sua família influenciou na sua orientação sexual?
R - Não.
P - Outros dados que julgarem importante à pesquisa:
- Sexualidade e Família:
P - Vocês entendem que a homossexualidade é inata ou adquirida? Por quê?
R - Inata, você não escolhe, simplesmente é.
P - Há quanto tempo vocês estão juntas?
R - Há 15 anos.
P- Vocês desejam constituir o matrimônio ou já constituíram?
R - Nós vamos fazer 01 ano de casadas dia 08 de dezembro.
P - Como é formada a família de vocês hoje?
R - Somos nós duas e os 04 filhos.
P - Vocês sofrem preconceitos? Fale sobre eles.
R - Não sofremos preconceitos, mas se sofrêssemos não nos importaríamos.
P - Outros dados que julgarem importante à pesquisa:
- Adoção:
P - Como surgiu a ideia de adoção?
R - Lídia: Sempre quis ter filhos, mas não queria engravidar.
R - Luciana: Sempre quis constituir uma família e ter filhos.
P - Vocês desejaram adotar juntas?
R - Sim.
P - Como foi o processo de adoção?
R - Os primeiros dois filhos estavam no nome da Luciana, depois registramos no nome das duas. Na certidão de nascimento de nossos filhos está mãe Luciana e mãe Lídia, avós maternos e avós maternos.
P - Como aconteceu a escolha das crianças? Vocês tiveram preferências?
R - Não, nós queríamos ter um filho.
P - Como vocês acham que são vistos pela sociedade como casal e como família?
R - Todos nos enxergam como família, se alguém possui uma opinião diferente, nunca tivemos conhecimento.
P - Outros dados que julgarem importante à pesquisa:
- Filhos Adotivos:
P - Todos foram adotados simultaneamente?
R - Não, adotamos dois filhos e, posteriormente, adotamos mais dois.
P - Seus filhos sabem que são adotados?
R - Sim.
P - Qual a concepção de família que eles têm? Entendem que formam uma família?
R - Sim.
P - Como eles chamam vocês?
R - Mamãe Lídia e mamãe Luciana.
P - Seus filhos sofrem algum tipo de preconceito?
R - Luciana: Não.
P - Você sabe a orientação sexual de seus filhos?
R - É muito cedo para sabermos, a idade deles é 10, 08, 05 e 02 anos.
P - Algum dos seus filhos apresenta problema psicológico? Fizeram ou fazem algum tratamento psicológico para entender a formação de sua família?
R - Não.
R - Luciana: nós sempre conversamos com eles.
P - Seus filhos sentem a ausência da figura paterna?
R - Lídia: Estamos falando de crianças, acredito que quando tiverem mais idade terão maturidade para questionar.
P - Outros dados que julgarem importante à pesquisa:
- Mensagem final:
P - Qual mensagem você gostaria de deixar sobre a sua família?
R - Lídia: Família é família, independente de ser de sangue ou não, tem pessoas que não são de nossa família, mas que consideramos como filhos. Um papel, um documento, não é capaz de determinar o afeto, mas é necessário para, por exemplo, matricular a criança na escola... Mas no que diz respeito ao sentimento, não é necessário que a pessoa seja da sua família para que exista o afeto.
R - Luciana: É importante lembrar a atuação da nossa defensora, a Drª Patrícia Ketterman, que entrou com a ação de adoção no ano de 2005 e fez com que fosse possível chegarmos onde estamos agora.
APÊNDICE D – Entrevista com a Promotora de Justiça
- Identificação:
- Nome: Luciana Cano Casarotto
- Profissão/Cargo: Promotora de Justiça
- Órgão Público: Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul
- Outros dados que julgar importantes à pesquisa: atua perante o Juizado da Infância e da Juventude de Bagé
- Pesquisa:
P - Qual o seu entendimento a respeito da possibilidade jurídica da adoção de crianças e adolescentes por casais homoafetivos?
R - O norte que deve guiar o instituto da adoção, como referido no Estatuto da Criança e do Adolescente, sempre deve ser seu melhor interesse, seu bem-estar. Por outro lado, pessoas com orientação sexual diversa da heterossexualidade são capazes, ou mais, ou menos, do que pessoas heterossexuais. Assim, o que importa, de fato, é se a pessoa, ou casal, que pretende a adoção possui aptidão psicológica e social para tanto, não sua orientação sexual.
P - Juridicamente, é possível que crianças e adolescentes possam ter duas mães ou dois pais registados na Certidão de Nascimento?
R - A letra fria da lei afirma que cada um tem um pai e uma mãe. Não há discussão sobre isso. Entretanto, a vida é, de longe, muito mais dinâmica do que o direito positivo. Pode-se, assim, interpretar que, se for para o bem-estar da criança, ela seja criada por dois homens, ou duas mulheres. Neste caso, seria injusto com a criança seu registro apenas em nome de um(a) dos adotantes, pois certamente isso acarretaria prejuízos nas mais diversas esferas (sucessórias, de nome, etc.), não sendo razoável que questões meramente formais possam sobrepor-se aos direitos do adotado (a).
P - Você já atuou em processo que tutelou a adoção homoafetiva? Qual foi o seu posicionamento frente ao caso concreto? A ação resultou procedente ou improcedente? Quais os fundamentos jurídicos empregados pelo Magistrado no momento de prolatar a decisão judicial? Você concordou com a sentença proferida? Houve interposição de recurso? Qual foi o posicionamento do julgador “ad quem”? Sob quais fundamentos jurídicos embasou sua decisão judicial?
R - Sim, ao que recordo por duas vezes. O posicionamento adotado já foi externado, qual seja, de que as aptidões psicológica e social sobrepõem-se à orientação sexual do(a) adotante. Sendo assim, em ambos os casos, os filhos já estavam há anos com suas famílias homossexuais, e a regularização da adoção pelas pessoas que os criaram somente lhes traria benefícios (como direito a plano de saúde, sucessão, o nome...). Ambas as ações foram procedentes, utilizando-se praticamente os mesmos argumentos (aptidão psicológica e social, além da regularização da questão fática) Não houve interposição de recursos.
Notas
[1] Eudemonista é considerada a família decorrente da convivência entre pessoas por laços afetivos e solidariedade mútua [...] Para essa nova tendência de identificar a família pelo seu envolvimento afetivo se deu a nomenclatura de família eudemonista, que busca a felicidade individual, vivendo um processo de emancipação de seus membros. [...] A família identifica-se pela comunhão de vida, de amor e de afeto no plano da igualdade, da liberdade, da solidariedade e da responsabilidade recíprocas (DIAS, 2006, p. 45).