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A liberdade de expressão na jurisdição constitucional ocidental.

Uma análise no Direito Comparado da liberdade de expressão

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Agenda 12/02/2015 às 14:27

6. A LIBERDADE DE EXPRESSÃO NA CONSTITUIÇÃO PORTUGUESA E A SUA SIGNIFICAÇÃO À LUZ DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL

Diferentemente da congênere brasileira, a Constituição da República Portuguesa separou a liberdade de expressão e informação, da liberdade de imprensa e meios de comunicação social. São dois dispositivos específicos. O artigo 37 versa sobre a liberdade de expressão e informação. O artigo 38 da liberdade de imprensa e meios de comunicação social. Como a temática aqui desenvolvida é a liberdade de expressão, conheçamos o preceptivo pertinente:

Artigo 37. “1. Todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações.

2. O exercício desses direitos não pode ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de censura.

3. As infrações cometidas no exercício destes direitos ficam submetidas aos princípios gerais de direito criminal ou do ilícito de mera ordenação social, sendo a sua apreciação respectivamente da competência dos tribunais judiciais ou de entidade administrativa independente, nos termos da lei.

4. todas as pessoas singulares ou colectivas, é assegurado, em condições de igualdade e eficácia, o direito de resposta e de retificação, bem como direito a indenmnização pelos danos sofridos.”

No acórdão n° 407/2007, da relatoria do juiz constitucional  João Cura Mariano, o Tribunal Constitucional de Portugal  admitiu a condenação de um jornalista por crime de difamação, por ter escrito na edição de um jornal, com o título “Riscos e Aldrabões, o seguinte:

“Quantos (que a gente conhece de gingeira) não aproveitaram a boleia do terrorismo. Ou culpariam os governos anteriores. Imaginem o aldrabão do Governador Civil de Aveiro. Olhem o negócio da extracção de areia. Que bem que cá se mente ao Parlamento, com que descaramento se aldraba o país”.

A condenação teve por pressuposto o n.º 2 do artigo 180º do C.P., “uma vez que o recorrente não se conteve na imputação de factos, mas exerceu o chamado “direito de opinião” mediante a exteriorização de um juízo de valor”.

O eminente juiz relator estatuiu que não competia ao Tribunal Constitucional verificar se a interpretação normativa questionada “infringe qualquer directriz constitucional, e não nos cumpre aquilatar da correcção da qualificação da expressão “o aldrabão do Gover­nador Civil de Aveiro”, como juízo e não como facto, assim como nos é alheia a questão de saber se, neste caso concreto, a emissão daquele juízo se encontrava justificada pelo direito de opinião”.

E diante de uma norma infra-constitucional, o Tribunal Constitucional negou eficácia ao artigo 37 da Constituição da República Portuguesa. Contraditoriamente, o Acórdão 698/95, da relatoria do Conselheiro Bravo Serra contraria essa posição. Nesse último julgado citado, foi afirmado de que a liberdade de expressão e informação, incluindo na sua forma qualificada da liberdade de imprensa, não se esgota na narração de fatos, antes supõe o direito de exprimir e divulgar o pensamento, estendendo-se também ao “direito de opinião”, o qual se exerce mediante a exteriorização de juízos de valor.[17]

Esse pensar diferenciado do Tribunal Constitucional também veio a se proclamar posteriormente quando da análise da liberdade de imprensa. Agora, em relatoria do eminente Guilherme da Fonseca,  Juiz-Conselheiro, foi plasmado o entendimento de que o sentido finalístico da liberdade assegurada pela Constituição Portuguesa de 1976 era o de proteger os titulares dos órgãos de comunicação social, e não o cidadão. No seu particular escólio:

“Está em questão naturalmente a liberdade do titular dos órgãos de comunicação social na condução deles, que constitui elemento da liberdade de imprensa no seu sentido originário; liberdade da imprensa enquanto liberdade de gestão do jornal contra constrições externas, a começar pelas do Estado. De facto, a liberdade de imprensa compreende implicitamente a liberdade de determinação do conteúdo do jornal (liberdade editorial, autonomia editorial). Em princípio, o titular de um órgão de comunicação goza de total liberdade quanto à selecção do que há de publicar ou não publicar, sem ingerências do Estado ou de terceiros. Não pode ser impedido de publicar o que quiser (liberdade positiva, proibição de censura ou matérias vedadas), nem lhe pode ser imposta a publicação de material não desejado (liberdade negativa). Nas palavras de Rivero, a soberania dos titulares dos órgãos de comunicação social “exclui por um lado que se lhes possa negar o direito de difundir determinadas e por outro lado que se lhes possa impor a obrigação de publicar textos que eles não tenham escolhido.”

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Tanto além-mar como por aqui, o exercício do direito à liberdade de expressão e informação, nomeadamente quando efetuado através da imprensa, tem limites, designadamente quando colide com outros direitos constitucionalmente consagrados, como o direito ao bom nome e reputação (artº 26º, nº 1, da C.R.P.).

Na doutrina dos constitucionalistas portugueses, esta necessidade duma ponderação casuística não impede, contudo, a formulação de critérios de valoração, aplicativos dos princípios constitucionais da necessidade, adequação e proporcionalidade, a que devem obedecer as leis restritivas dos direitos, liberdades e garantias, nos termos dos artº 18º, nº 2 e 3, da C.R.P. (nesse sentido, FIGUEIREDO DIAS, em “Direito de informação e tutela da honra no direito penal de imprensa português”, na R.L.J., Ano 115, pág. 102, e COSTA ANDRADE, na ob. cit., pág. 284-287).


6. A LIBERDADE DE EXPRESSÃO NA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA E A SUA PLURISSIGNIFICAÇÃO DE LINGUAGEM NO TEXTO E NA INTERPRETAÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

No Brasil, a liberdade de expressão sempre foi confundida com a liberdade de imprensa. Embora sejam institutos diversos, sempre foram encapsulados no mesmo parágrafo ou artigo do texto constitucional. A história é longa...

Na Constituição de 1824, o artigo 179, inciso IV, garantia que “todos podem comunicar os seus pensamentos, por palavras, escritos, e publicá-los pela imprensa, sem dependência de censura; (...)”.

Seguidamente, a Constituição literária de 1891, por influência de Rui Barbosa, fez incluir dentre o rol da declaração de direitos encartada no artigo 72, o parágrafo 12, em que se preconizava: “em qualquer assunto é livre a manifestação do pensamento pela imprensa, ou pela tribuna, sem dependência de censura, respondendo cada um pelos abusos que cometer nos casos e pela forma que a lei determinar. (...)”

Ainda que confundida a liberdade de expressão como a de manifestação do pensamento “pela imprensa ou pela tribuna”, Rui Barbosa fazia questão de cobrir  a imprensa de mimos e proteção. Sendo sabido que o Águia de Haia se orgulhava de acumular as profissões de jornalista e advogado, chegou a dizer que a imprensa era a vista da nação, a “assuntora do órgão da opinião publica no regime presidencialista, e o mecanismo da responsabilidade ministerial nos paises parlamentaristas”.[18] (BARBOSA; 2004).

Em versão inspirada na Constituição de Weimar, de 1919, e na Constituição Republicana espanhola, de 1931, constituintes notáveis como Carlos Maximiliano, João Mangabeira  e Oswaldo Aranha gestaram uma Constituição que por sofrer ingerência getulista terminou por limitar a liberdade de expressão. No artigo 113, do Capítulo II – Dos Direitos e Garantias Individuais – o item 9 veio assegurar a “livre manifestação do pensamento, sem dependência de censura, salvo quanto a espetáculos e diversões públicas.”

Sob o grilhão da ditadura e o label da retórica, a Constituição de 1969 garantia eufemisticamente a liberdade de manifestação de pensamento, de convicção política ou filosófica, independentemente de censura. (Art. 153, §8°).

Finalmente, sob os auspícios da entrada em vigor da normalidade democrática, edita-se a Constituição de 1988. Agora, por princípio fundante contido no artigo 5°, incisos IV, “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”,  e IX, “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”.

Outros dispositivos foram inseridos de forma genérica no artigo 220 da Carta Magna.   É crescente a visão, pelo menos dos órgãos e canais de comunicação no Brasil, de que a liberdade de expressão constitui-se um direito absoluto, avassalador, insuscetível de restrição ou limitação, principalmente quando se tratar de informação jornalística. Para dar anteparo a essa visão de totalitarismo e de irrestringibilidade na forma dessa liberdade, arrimam-se os seus defensores na cláusula contida no artigo 220, e em seu §1º, da Constituição Federal, segundo a qual “nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.”

Pela dicção do artigo 220 da CF, a liberdade de expressão contém plurissignificação  lingüística nas seguintes ações verbais e adjetivas:

Art. 220. “A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.”

O parágrafo 2º do artigo supramencionado reproduz o preceito constitucional ditado no artigo 5º, inciso IX, que proíbe toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística, sendo vedada toda e qualquer intervenção dos poderes públicos, cujo objetivo é a livre expressão das idéias.

Concretamente, a Constituição Federal de 88 estabeleceu ainda mais  que nenhuma lei poderá conter regras restritivas à liberdade de informação e expurga por completo a censura (Art. 220, §§1º e 2º). Contudo, essa liberdade é um poder que deve ser exercido com critério, com lealdade e boa-fé. Não pode ser espargido como se não houvesse limites, posto à disposição de maus intencionados, de maliciosos lesionantes dos direitos alheios, aptos a causarem danos gravíssimos e irreparáveis à personalidade dos seus desafetos escolhidos a cinzel.

A gravidade decorre, contudo, da vacilação do nosso Excelso Pretório na interpretação sistêmica desses preceptivos normativos.

Vejamos um caso exemplar: o Ministro Carlos Ayres de Britto, na Medida  Cautelar  em Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental n° 130-7 - Distrito Federal, da autoria do Partido Democrata Brasileiro – PDT, suspendeu a eficácia de 20 artigos da Lei de Imprensa (Lei n° 5.250/67), por reputá-la – a lei -  inconstitucional. É lapidar um trecho do seu despacho

"A imprensa e a democracia, na vigente ordem constitucional brasileira, são irmãs siamesas. Por isso que, em nosso país, a liberdade de expressão é a maior expressão da liberdade, porquanto o que quer que seja pode ser dito por quem quer que seja.”

O plenário do STF no dia 27 de fevereiro último referendou a liminar do Ministro Britto. Sendo o segundo a proferir voto, o Ministro Carlos Alberto Menezes Direito ampliou o entendimento de Britto e votou para revogar totalmente a lei. Ele sustentou que, “ao longo do tempo, tribunais superaram a aplicação da lei, sempre considerando a aplicação da CF de 1988”.

Se a Lei de Imprensa é inconstitucional e os artigos 20 a 22 idem, sendo inclusive suspensos, porque não foi esse o entendimento dado pelo mesmo Ministro Relator quando do julgamento do Inquérito 2.036-2 – Pará?  Nesse processo, julgado em 2004, o Ministro Ayres Britto admite a queixa formalizada pelo então prefeito do Município de Belém, Edmilson Brito Rodrigues, contra o deputado Wladmir Afonso da Costa Rabelo, imputando a este as penalidades dos artigos 21 e 22 da Lei de Imprensa, consistente nos delitos de difamação e injúria.

Condenado com trânsito em julgado e tendo cumprido a pena, que consolo restará ao deputado?

Situação ainda mais teratológica vivenciou o Jornal do Brasil. Em acórdão datado de 28 de novembro de 2006 (Recurso Extraordinário n° 447.584-7 – Rio de Janeiro), decidiu o Supremo Tribunal Federal em negar a existência de limites legais à indenização por danos morais, nos termos do artigo 52 da Lei de Imprensa, citado exaustivamente no voto do Ministro Relator Cezar Peluso, para condenar o órgão de imprensa a pagar ao ex-deputado José Paulo Bisol a quantia de R$ 300.000,00 (trezentos mil reais).  Disse o STF que a publicação de notícia inverídica ofensiva à honra e à boa fama ensejava o quantum reparatório.

Contrariamente do que foi decidido nesse excerto citado, a jornalista Renata Moura, igualmente do Jornal do Brasil, teve julgada extinta ação penal movida em seu desfavor pelo conhecido Yves Rublet[19]. No Inquérito n° 2.297-7 – Distrito Federal, julgado em 20 de setembro de 2007, a insigne Ministra Carmen Lúcia Rocha, relatora, firmou o entendimento de que a matéria da jornalista encetava “publicação do exercício da liberdade de expressão, própria da atividade de comunicação (art. 5°, inc. IX, da Constituição da República)”.

A matéria da jornalista trazia uma reportagem em que se afirmava que o Deputado Aldo Rebelo teria formulado frases depreciativas reativas a um pedido de impeachment feito por Yves Hublet contra o presidente Lula. Demonstrando desinteresse ao pedido do aposentado, o deputado teria dito que havia buscado na procuradoria processos contra o impetrante, e que sabia bem do seu passado, indigno de viver na democracia. O deputado negou as frases e mesmo assim a jornalista foi amparada pela liberdade de expressão, fato colidível com a outra circunstância do ex-deputado Bisol.

Poderiam ser citadas outras dezenas de decisões dúbias e demonstradoras de uma inconsistência metódica.


7. A NECESSIDADE DE UMA HERMENÊUTICA ESTABILIZANTE E EM CONFORMAÇÃO COM O TEXTO CONSTITUCIONAL

É certo que a dinamicidade da conduta normante é fato resultante da celeridade crescente dos processos de comunicação – que incrementam o contato entre os membros de diversas sociedades, e assim aumentam a difusão das formas culturais (fontes exógenas de mudança social) -, bem como às mudanças havidas no funcionamento das instituições sociais (fontes endógenas de mudança social).

Com efeito, a concepção do Direito, sob a forma de controle social, condicionador de comportamentos e gerador de estabilidade, está sempre sujeito a mudanças. Contudo, tais mudanças devem decorrer dos necessários ajustes do próprio sistema, quando necessários à superação das tensões e pressões que impulsionaram a transformação da sociedade.[20]

Nessa tarefa de compreender o estático, e fazer-se móvel e mutável, quando necessário, o jurista-juiz deve ser aquele que, acima de tudo, sabe eleger diretrizes supremas, notadamente as que compõem a tábua de critérios interpretativos aptos a presidir todo e qualquer trabalho de aplicação do Direito.

O melhor caminho, em termos contemporâneos, está em escolher, acertadamente, as premissas adequadas e necessárias ao longo da jornada de compreensão-decisão, processo que requer uma abordagem fiel ao mundo real. Recorde-se Juarez de Freitas, citando Hans Georg Gadamer[21], que na idéia de uma ordem jurídica, a sentença do juiz deve surgir de uma ponderação justa do todo. No contexto:

“A tarefa da interpretação consiste em concretizar a lei em cada caso, isto é, em sua aplicação. A complementação produtiva do Direito, que ocorre com isso, está obviamente reservada ao juiz, mas este se encontra, por sua vez, sujeito à lei, exatamente como qualquer outro membro da comunidade jurídica. Na idéia de uma ordem jurídica supõe-se o fato de que a sentença do juiz não surja de arbitrariedades imprevisíveis, mas de uma ponderação justa do todo.”

A atividade exegética do julgador há de ser amparada na Constituição. Em metafórica e feliz lembrança sobre a força vinculante da Constituição, professava Konrad Hesse  (1991:17):

“As Constituições não podem ser impostas aos homens tal como se enxertam rebentos em árvores. Se o tempo e a natureza não atuaram previamente, é como se se pretendesse coser pétalas com linhas. O primeiro sol do meio-dia haveria de chamuscá-las.”

Destarte, a Constituição conforma o estatuto jurídico fundamental de uma sociedade, consolidando toda a estrutura do respectivo Estado e seu processo de evolução, intrinsecamente relacionando as forças de transformação sociais.

Sobre o autor
Francisco Marcos de Araújo

Professor universitário e advogado. Mestre em Direito Constitucional e Pós-Graduado em Direito Público.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ARAÚJO, Francisco Marcos. A liberdade de expressão na jurisdição constitucional ocidental.: Uma análise no Direito Comparado da liberdade de expressão. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4243, 12 fev. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/31449. Acesso em: 22 dez. 2024.

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