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Repercussão do aviso prévio indenizado na concessão do seguro-desemprego

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Agenda 01/09/2014 às 11:30

Considerando que o ordenamento jurídico busca estabelecer uma equivalência de efeitos entre aviso prévio efetivamente trabalhado e o aviso prévio indenizado, deve-se considerar o valor recebido a título deste para fins de aferição dos requisitos necessários à percepção do seguro-desemprego.

RESUMO: Pretende-se, por intermédio do presente artigo, promover a análise da repercussão do aviso prévio indenizado na concessão do seguro-desemprego. De fato, tratando-se o instituto do aviso prévio indenizado de uma ficção jurídica criada pela lei, muito se discute, em âmbito doutrinário e jurisprudencial, sobre os seus verdadeiros efeitos. Como tais efeitos influenciam a concessão do benefício do seguro-desemprego é justamente o objeto principal deste estudo. Para tanto, discorrer-se-á, inicialmente, acerca do benefício do seguro-desemprego, analisando-se a legislação que rege a matéria, de modo a identificar, dentre outros aspectos, sua finalidade, requisitos e natureza jurídica.  Após, o instituto do aviso prévio indenizado será abordado, investigando-se, com base na lei, doutrina e jurisprudência, sua real natureza jurídica e, principalmente, os efeitos por ele produzidos na relação de emprego. Por fim, procurar-se-á identificar como os efeitos do aviso prévio indenizado podem atingir a concessão do seguro-desemprego, interferindo no próprio direito do beneficiário à verba em comento, bem como no número das respectivas parcelas.

PALAVRAS-CHAVE: Seguro-desemprego. Aviso prévio indenizado. Repercussão. Natureza jurídica. Interpretação teleológica. Princípio da Proteção do Trabalhador.

SUMÁRIO: 1 DO SEGURO-DESEMPREGO; 2 DO AVISO PRÉVIO INDENIZADO; 3 DOS EFEITOS DO AVISO PRÉVIO INDENIZADO NA CONCESSÃO DO SEGURO-DESEMPREGO; 4 CONCLUSÃO; 5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..


1 DA DISCIPLINA LEGAL DO SEGURO-DESEMPREGO

A origem do instituto do seguro-desemprego no ordenamento jurídico brasileiro remonta ao Decreto-Lei n.º 2.284 de 10 de março de 1986, regulamentado pelo Decreto nº 92.608 de 30 de abril de 1986.

Adquiriu status de direito constitucional, por outro lado, com o advento da Constituição Federal de 1988, que em seu artigo 7º, inciso II, estabeleceu, in verbis:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

I – (...);

II - seguro-desemprego, em caso de desemprego involuntário;

Como forma de regulamentar o supracitado preceito constitucional foi editada a Lei nº 7.998, de 12 de janeiro de 1990, cujo art. 2º traz a finalidade do Programa do Seguro-Desemprego:

Art. 2º O Programa de Seguro-Desemprego tem por finalidade:

I - prover assistência financeira temporária ao trabalhador desempregado em virtude de dispensa sem justa causa, inclusive a indireta, e ao trabalhador comprovadamente resgatado de regime de trabalho forçado ou da condição análoga à de escravo;

II - auxiliar os trabalhadores na busca de emprego, promovendo, para tanto, ações integradas de orientação, recolocação e qualificação profissional.

O art. 3º, da citada Lei nº 7.998/90, por seu turno, contempla os requisitos necessários ao recebimento do benefício, in verbis:

Art. 3º Terá direito à percepção do seguro-desemprego o trabalhador dispensado sem justa causa que comprove:

I - ter recebido salários de pessoa jurídica ou pessoa física a ela equiparada, relativos a cada um dos 6 (seis) meses imediatamente anteriores à data da dispensa;

II - ter sido empregado de pessoa jurídica ou pessoa física a ela equiparada ou ter exercido atividade legalmente reconhecida como autônoma, durante pelo menos 15 (quinze) meses nos últimos 24 (vinte e quatro) meses;

III - não estar em gozo de qualquer benefício previdenciário de prestação continuada, previsto no Regulamento dos Benefícios da Previdência Social, (destaque nosso) excetuado o auxílio-acidente e o auxílio suplementar previstos na Lei nº 6.367, de 19 de outubro de 1976, bem como o abono de permanência em serviço previsto na Lei nº 5.890, de 8 de junho de 1973;

IV - não estar em gozo do auxílio-desemprego; e

V - não possuir renda própria de qualquer natureza suficiente à sua manutenção e de sua família.

Posteriormente, foi promulgada a Lei nº 8.900, de 30 de junho de 1994, cujo art.2º regula a forma de concessão do seguro-desemprego:

Art. 2º O benefício do seguro-desemprego será concedido ao trabalhador desempregado por um período máximo variável de três a cinco meses, de forma contínua ou alternada, a cada período aquisitivo, cuja duração será definida pelo Codefat.

1º O benefício poderá ser retomado a cada novo período aquisitivo, observado o disposto no artigo anterior.

2º A determinação do período máximo mencionado no caput deste artigo observará a seguinte relação entre o número de parcelas mensais do benefício do seguro-desemprego e o tempo de serviço do trabalhador nos trinta e seis meses que antecederam a data de dispensa que deu origem ao requerimento do seguro-desemprego:

I - três parcelas, se o trabalhador comprovar vínculo empregatício com pessoa jurídica ou pessoa física a ela equiparada, de no mínimo seis meses e no máximo onze meses, no período de referência;

II - quatro parcelas, se o trabalhador comprovar vínculo empregatício com pessoa jurídica ou pessoa física a ela equiparada, de no mínimo doze meses e no máximo vinte e três meses, no período de referência;

III - cinco parcelas, se o trabalhador comprovar vínculo empregatício com pessoa jurídica ou pessoa física a ela equiparada, de no mínimo vinte e quatro meses, no período de referência.

3º A fração igual ou superior a quinze dias de trabalho será havida como mês integral, para os efeitos do parágrafo anterior.  

Infere-se, da legislação até então citada, que o objetivo do pagamento do benefício do seguro-desemprego é conceder assistência financeira temporária ao trabalhador demitido sem justa causa, de forma a possibilitar seu sustento e de sua família por um período máximo de cinco meses.

No que toca à fonte de custeio do benefício em epígrafe, determina a Constituição Federal:

Art. 239. A arrecadação decorrente das contribuições para o Programa de Integração Social, criado pela Lei Complementar nº 7, de 7 de setembro de 1970, e para o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público, criado pela Lei Complementar nº 8, de 3 de dezembro de 1970, passa, a partir da promulgação desta Constituição, a financiar, nos termos que a lei dispuser, o programa do seguro-desemprego e o abono de que trata o § 3º deste artigo. (grifou-se)

(...)

Em consonância com o referido comando constitucional, a multicitada Lei nº 7.998/90, em seu art. 10[1], instituiu o Fundo de Amparo ao Trabalhador – FAT, destinado, dentre outras finalidades, ao custeio do Programa de Seguro-Desemprego, cuja constituição é prevista no art. 11, nos seguintes termos:

Art. 11. Constituem recursos do FAT:

       I - o produto da arrecadação das contribuições devidas ao PIS e ao Pasep;

       II - o produto dos encargos devidos pelos contribuintes, em decorrência da inobservância de suas obrigações;

       III - a correção monetária e os juros devidos pelo agente aplicador dos recursos do fundo, bem como pelos agentes pagadores, incidentes sobre o saldo dos repasses recebidos;

       IV - o produto da arrecadação da contribuição adicional pelo índice de rotatividade, de que trata o § 4º do art. 239 da Constituição Federal.

       V - outros recursos que lhe sejam destinados.

Embora custeado com recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), vinculado ao Ministério do Trabalho e Emprego, o seguro-desemprego tem nítida natureza de benefício previdenciário, ainda que não integre, por força do art.9º, § 1º da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991[2], o Regime Geral da Previdência Social.

Com efeito, a Carta Magna expressamente coloca a proteção do trabalhador em situação de desemprego involuntário entre as hipóteses a serem atendidas pela Previdência Social , in verbis:

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Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a:

I - cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada; II - proteção à maternidade, especialmente à gestante;

III - proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário; (grifou-se)

IV - salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes dos segurados de baixa renda;

V - pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes, observado o disposto no § 2º.

No mesmo sentido da referida previsão constitucional, a Lei 8213/91, em seu art. 1º expressamente determinou que:

 “A Previdência Social, mediante contribuição, tem por fim assegurar aos seus beneficiários meios indispensáveis de manutenção, por motivo de incapacidade, desemprego involuntário, idade avançada, tempo de serviço, encargos familiares e prisão ou morte daqueles de quem dependiam economicamente”. (grifou-se)

A doutrina confirma a natureza previdenciária do seguro-desemprego. Ensina Sérgio Pinto Martins[3]:

O seguro-desemprego não é um salário, pois quem paga não é o empregador, além do que o contrato de trabalho já terminou quando começa o pagamento do citado auxílio. Trata-se, portanto, de um benefício previdenciário e não de uma prestação de assistência social, pois o inciso III do art. 201 da Constituição esclarece que o citado pagamento ficará por conta da Previdência Social.

No mesmo sentido é o magistério de Marcelo Leonardo Tavares[4]:

O desemprego involuntário é coberto pelo seguro-desemprego, benefício previdenciário pago pela Caixa Econômica Federal, mediante autorização do Ministério do Trabalho. De todos os riscos sociais, é o único que não integra o Regime Geral de Previdência Social e também não recebe cobertura do INSS.

Corrobora ainda com a tese da natureza previdenciária do seguro-desemprego, a lição de Vicente Paulo, Marcelo Alexandrino e Gláucia Barreto[5]:

O seguro-desemprego não é um salário, mas um benefício previdenciário, pois a Constituição Federal esclarece que o referido benefício ficará por conta da Previdência Social (art. 201, III). Embora constitua um benefício previdenciário de natureza temporário, quem o paga não é a Previdência Social, mas o Ministério do Trabalho e Emprego, pois é este o órgão quem possui cadastros que possibilitam o controle dos desempregados no País.

Procurou-se, até aqui, identificar os principais aspectos que envolvem o benefício do seguro-desemprego, aspectos estes necessários ao deslinde da questão enfocada pelo presente trabalho, qual seja, a investigação dos efeitos provocados pelo aviso prévio indenizado na concessão do seguro-desemprego. A seguir, analisar-se-á o instituto do aviso prévio indenizado.


2 DO AVISO PRÉVIO INDENIZADO

Conforme Maurício Godinho[6], o aviso prévio constitui instituto de natureza multidimensional, que cumpre as funções de declarar à parte contratual adversa a vontade unilateral de um dos sujeitos contratuais no sentido de romper, sem justa causa, o pacto, fixando, ainda, prazo tipificado para a respectiva extinção, com o correspondente pagamento do período do aviso.

Verifica-se, assim, que o aviso prévio cumpre tríplice função, na medida em que comunica a intenção de rompimento do respectivo vínculo, fixa prazo para a efetiva extinção, além de implicar no pagamento do respectivo período de aviso.

Frise-se que tal pagamento pode se manifestar através do trabalho e correspondente retribuição salarial, bem como por meio de indenização, na hipótese de descumprimento pelo empregador. Esta última modalidade corresponde ao aviso prévio indenizado.

Enquanto o pagamento do aviso prévio prestado em trabalho tem caráter salarial, eis que efetivado como contraprestação pelo labor despendido pelo empregado, o aviso prévio indenizado tem nítida natureza indenizatória, conforme aponta a melhor doutrina[7].

Importante registrar, por outro lado, a advertência de Maurício Godinho[8]:

A circunstância de ser indenizado o pagamento do aviso prévio (natureza indenizatória de seu valor) não retira do instituto suas duas outras relevantes dimensões: comunicação e prazo. Assim, conta-se do suposto aviso o início de vigência de seu prazo (mesmo que não tenha sido, na prática, concedido); na mesma medida, assegura-se a integração desse prazo no contrato de trabalho, para todos os efeitos legais (art. 487; § 1º, in fine, CLT). A correta compreensão de que mesmo o aviso com pagamento indenizado preserva a natureza de prazo que se acopla ao tempo do contrato é que faz a jurisprudência determinar a observância do tempo contratual acrescido, quer para fins de fixação do término jurídico do contrato (Orientação Jurisprudencial n. 82, SDI/TST), quer para fins de cômputo de Fundo de Garantia sobre o período contratual acrescido pelo pré-aviso (Enunciado 305, TST).

Com efeito, segundo se infere do art. 487, § 1º da CLT, o aviso prévio indenizado integra o contrato de trabalho para todos os fins legais, projetando-se como tempo de serviço obreiro. Com base em tal entendimento é que a jurisprudência trabalhista dominante, sedimentada por meio da Orientação Jurisprudencial n. 82 da SDI-I do TST, determina que a data de saída a ser anotada na CTPS do empregado deverá corresponder à do término do aviso prévio, ainda que indenizado.

Confira-se a lição de Alice Monteiro de Barros[9] acerca da projeção do aviso prévio indenizado:

Ainda que indenizado, o período alusivo ao aviso prévio é tempo de serviço para todos os efeitos legais (art. 487, § 1º, da CLT). Logo, a despedida concretiza-se quando do término do aviso prévio, quer seja ele trabalhado, quer seja indenizado. Não obstante o desligamento de fato do trabalhador na data do aviso, a relação jurídica se projeta até o seu término, devendo ser dada a baixa na CTPS quando do término do aviso prévio, ainda que indenizado (nesse sentido é a orientação Jurisprudencial n. 82 da SDI -1 do TST).

Na mesma linha de idéias é o art. 487, § 6º, da CLT, ao estender ao obreiro o reajuste salarial coletivo, determinando no curso do aviso prévio, mesmo que indenizado. Essa, aliás, é também a orientação do TST, manifestada por meio das Súmulas n. 182 e 305.

Dispensa é a resilição de iniciativa do empregador, porém sempre sem justa causa. Logo, o aviso é da intenção de dispensar e não da própria dispensa, que só se verifica ao término do prazo do aviso. Isso é o que se infere da doutrina, quando, ao conceituar o aviso prévio, considera-o ‘a obrigação que tem qualquer das partes do contrato de trabalho por tempo indeterminado de notificar à outra de sua intenção de romper o vínculo contratual, em data futura e certa’. (grifou-se)

Infere-se, pois, dos entendimentos doutrinários e jurisprudenciais dominantes, que a data de dispensa do empregado cujo aviso prévio foi indenizado deve ser aquela que se consuma após o término do respectivo prazo do aviso.

De fato, embora não haja efetivo trabalho nesse período, a ordem jurídica, por meio de ficção jurídica, estabelece uma equivalência de efeitos entre o aviso prévio trabalhado e o indenizado. Visa o legislador celetista, por intermédio do aludido art. 487, § 1º da CLT, a amparar, em nome do princípio da proteção, o empregado que teve frustrado o seu direito ao recebimento do aviso prévio.

Efetivamente, não pode tal trabalhador sofrer as conseqüências negativas de uma ilicitude perpetrada por seu patrão. Assim é que o ordenamento confere àquele contrato de trabalho todos os efeitos legais cabíveis, como se o período do aviso não concedido houvesse sido efetivamente laborado.

Registre-se, por fim, que nos termos da Súmula nº 276 do TST, o empregador poderá eximir-se do pagamento do aviso prévio mediante a comprovação de que o empregado obteve novo emprego, hipótese em que não se verificará a aludida projeção contratual do aviso.


3 DOS EFEITOS DO AVISO PRÉVIO INDENIZADO NA CONCESSÃO DO SEGURO-DESEMPREGO

Importa por ora esclarecer como a projeção do aviso prévio indenizado pode repercutir na concessão do seguro-desemprego.

De início, é possível apontar que o aviso prévio indenizado pode interferir na concessão do referido benefício de duas formas distintas: i) na contabilização de mais um mês de tempo de serviço, para fins de apuração do número de parcelas devidas com base no art. 2º, § 2º da Lei nº 8900/94[10]; ii) na contabilização de mais um salário recebido, para fins de aferição, com fulcro no art. 3º, inciso I, da Lei nº 7998/90[11], dos requisitos necessários à percepção do seguro-desemprego.  

Quanto à possibilidade de contabilização de mais um mês de tempo de serviço do empregado, para fins de apuração do número de parcelas devidas do benefício, a solução é relativamente simples.

Com efeito, conforme demonstrado, determina o art. 487, § 1º da CLT que o aviso prévio indenizado integra o contrato de trabalho para todos os fins legais, de modo que se projeta como tempo de serviço obreiro.

Registre-se que a circunstância de se tratar o seguro-desemprego de um benefício de natureza previdenciária, conforme visto, é irrelevante ao deslinde da questão ora posta. De fato, a projeção contratual do aviso prévio indenizado verifica-se para todos os fins legais, não se restringindo a efeitos meramente trabalhistas.

Dessa forma, não há como negar a integração do aviso prévio indenizado ao tempo de serviço obreiro, para fins de apuração do número de parcelas devidas do seguro-desemprego.

Já no que toca à repercussão do aviso prévio indenizado na aferição, com fulcro no art. 3º, inciso I, da Lei nº 7998/90, dos requisitos necessários à percepção do seguro-desemprego, a solução demanda certo esforço hermenêutico.

A interpretação meramente literal do referido dispositivo da lei que regula o seguro-desemprego, em verdade, conduziria à impossibilidade de que a verba recebida a título de aviso prévio indenizado fosse contabilizada para tal finalidade.

Isso porque o aludido art. 3º, I, da Lei nº 7998/90 refere-se a “salários de pessoa jurídica ou pessoa física a ela equiparada, relativos a cada um dos 6 (seis) meses imediatamente anteriores à data da dispensa”, e como visto, o aviso prévio indenizado não tem natureza salarial, mas indenizatória.

Ocorre que a interpretação literal do referido preceito normativo iria além de negar repercussão ao aviso prévio indenizado. Efetivamente, o indevido apego à letra do dispositivo conduziria à absurda conclusão no sentido de não assistir o direito ao recebimento do seguro-desemprego a qualquer empregado que tenha recebido aviso prévio indenizado. Explica-se: como a norma refere-se a “salários de pessoa jurídica ou pessoa física a ela equiparada, relativos a cada um dos 6 (seis) meses imediatamente anteriores à data da dispensa”, e considerando que, como já demonstrado, a data de dispensa do empregado cujo aviso prévio foi indenizado deve ser aquela que se consuma após o término do respectivo prazo do aviso (OJ 82 da SDI-I do TST), o trabalhador em referência jamais conseguiria preencher tal requisito, já que a verba recebida no mês imediatamente anterior à dispensa não corresponde a salário, mas à indenização.

Oportuna a lição de Carlos Maximiliano[12], em sua clássica obra “Hermenêutica e Aplicação do Direito”:

Deve o Direito ser interpretado inteligentemente: não de modo que a ordem legal envolva um absurdo, prescreva inconveniências, vá ter a conclusões inconsistentes ou impossíveis. Também se prefere a exegese de que resulte eficiente a providência legal ou válido o ato, à que tome aquela sem efeito, inócua, ou este, juridicamente nulo.

(...)

Desde que a interpretação pelos processos tradicionais conduz a injustiça flagrante, incoerências do legislador, contradição consigo mesmo, impossibilidades ou absurdos, deve-se presumir que foram usadas expressões impróprias, inadequadas, e buscar um sentido eqüitativo, lógico e acorde com o sentir geral e o bem presente e futuro da comunidade.

O intérprete não traduz em clara linguagem só o que o autor disse explícita e conscientemente; esforça-se por entender , mais e melhor do que aquilo que se acha expresso, o que o autor inconscientemente estabeleceu, ou é de presumir ter querido instituir ou regular, e não haver feito nos devidos termos, por inadvertência, lapso, excessivo amor à concisão, impropriedade de vocábulos, conhecimento imperfeito de um instituto recente, ou por outro motivo semelhante.

A interpretação meramente literal não se revela, assim, a mais adequada ao alcance do verdadeiro sentido do art. 3º, I, da Lei nº 7998/90. De fato, ao regular os requisitos necessários à percepção do seguro-desemprego, a Lei nº 7998/90 certamente olvidou a hipótese em que o empregado receba aviso prévio indenizado, utilizando-se, imprecisamente, o termo salário.

Cumpre, mais uma vez, registrar a advertência de Carlos Maximiliano[13]:

A interpretação verbal fica ao alcance de todos, seduz e convence os indoutos, impressiona favoravelmente os homens de letras, maravilhados com a riqueza de conhecimentos filológicos e primores de linguagem ostentados por quem é, apenas, um profissional de Direito. Como toda meia ciência, deslumbra, encanta, atrai; porém fica longe da verdade as mais das vezes, por envolver um só elemento de certeza, e precisamente o menos seguro.

Não se desdenhe, em absoluto, um tal processo; cumpre empregá-lo, porém, com a mais discreta cautela, para evitar o que os alemães denominam Silbenstecherei – logomaquia, esmerilhação padantesca, disputa palavrosa e oca.

Quem só atende á letra da lei, não merece o nome de jurisconsulto; é simples pragmático (dizia Vico).

(...)

A segurança jurídica, objetivo superior da legislação, depende mais dos princípios cristalizados em normas escritas do que da roupagem mais ou menos apropriada em que os apresentam. Deve, portanto, o pensamento prevalecer sobre a letra, a idéia valer mais do que o seu invólucro verbal: - Prior ataque potentior est, quam vox, mens dicentis – “mais importante e de mais força que a palavra é a intenção de quem afirma, ordena, estabelece.”

Com efeito, ao investigar o verdadeiro sentido da norma, cumpre ao intérprete o desapego à sua letra. Deve-se, em verdade, identificar a finalidade com a qual a lei foi elaborada, considerando o ordenamento jurídico como um todo. O exame do preceito deve ser procedido em conjunto com todo o sistema jurídico no qual se insere, tendo sempre em vista o fim colimado pelo legislador. Trata-se da chamada interpretação teleológica, adotada pelo Direito pátrio por meio do art. 5º da Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto-Lei nº 4657/42)[14], a qual se refere Maria Helena Diniz[15]:

A técnica teleológica procura o fim, a ratio do preceito normativo, para a partir dele determinar o seu sentido. O sentido normativo requer a captação dos fins para os quais se elaborou a norma, exigindo, para tanto, a concepção do direito como um sistema, o apelo às regras de técnica lógica válidas para séries definidas de casos, e a presença de certos princípios que se aplicam para séries indefinidas de casos.

A aplicação do art. 3º, I, da Lei nº 7998/90 ao empregado que recebeu aviso prévio indenizado reclama, portanto, que se leve em conta o disposto no ordenamento como um todo, de modo a se identificar o verdadeiro espírito da norma.

Nesse sentido, conforme já demonstrado, é possível inferir-se das regras que regulam o aviso prévio, especialmente do art. 487, § 1º da CLT, a intenção de se amparar, com base no princípio protetor, o empregado que teve frustrado o seu direito ao recebimento do aviso. Assim, é que o ordenamento jurídico busca estabelecer uma equivalência de efeitos entre aviso prévio efetivamente trabalhado e o aviso prévio indenizado.

Tendo em vista, portanto, o tratamento legal conferido ao instituto do aviso prévio, não se deve, no caso em tela, restringir o alcance do art. 3º, I, da Lei nº 7998/90, de modo a negar repercussão ao aviso indenizado.

 Requer-se, em verdade, uma interpretação extensiva do aludido dispositivo, ampliando-se o sentido do termo salário, a fim de que a verba recebida a título de aviso prévio indenizado seja contabilizada para fins de cumprimento do requisito ali inserto. Com efeito, muito embora tenha indiscutível caráter indenizatório, referida pecúnia deve irradiar todos os efeitos legais próprios do aviso prévio efetivamente laborado.

Ressalte-se, em favor do entendimento ora sustentado, que a jurisprudência consolidada do TST, expressa através da Súmula 305, entende que o pagamento referente ao período de aviso prévio indenizado está sujeito à contribuição para o FGTS, muito embora, conforme já abordado, a doutrina defenda o caráter indenizatório de tal verba

Ademais, a interpretação que ora se advoga revela consonância com o princípio da norma mais favorável, que, como cediço, norteia a aplicação do Direito do Trabalho. Ao discorrer sobre o tema, Maurício Godinho Delgado [16], mais uma vez, traz esclarecedora lição:

O presente princípio dispõe que o operador do Direito do Trabalho deve optar pela regra mais favorável ao obreiro em três situações ou dimensões distintas: no instante de elaboração da regra (princípio orientador da ação legislativa, portanto) ou no contexto de confronto entre regras concorrentes (princípio orientador do processo de hierarquização de normas trabalhistas), ou por fim, no contexto de interpretação das regras jurídicas (princípio orientador do processo de revelação do sentido da regra trabalhista). (grifou-se).

Registre-se que o fato de o aviso prévio indenizado não integrar o salário-de-contribuição para efeitos da Previdência Social não impede a sua repercussão na concessão do seguro-desemprego. De fato, em que pese a sua natureza previdenciária, o benefício em epígrafe, como já abordado no primeiro capítulo, é custeado por recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), vinculado ao Ministério do Trabalho e Emprego, por força do art. 239 da Constituição Federal. 

Por fim, calha consignar que o entendimento ora exposto, no sentido da plena repercussão do aviso prévio indenizado no recebimento do seguro-desemprego, é perfilhado pela jurisprudência majoritária, como revela, a título ilustrativo, os seguintes arestos:

SEGURO-DESEMPREGO – CÔMPUTO DO LAPSO DO AVISO PRÉVIO PARA EFEITO RECEBIMENTO BENEFÍCIO – O lapso do aviso prévio, trabalhado ou indenizado, integra o tempo de serviço para todos os efeitos legais, nos termos do art. 487, § 1º da CLT. (TRT 9ª R. – RO 9.193/96 – 5ª T. – Ac. 7.078/97 – Rel. Juiz Luiz Felipe Haj Mussi)

RECURSO DE REVISTA DO RECLAMANTE. AVISO PRÉVIO INDENIZADO – CÔMPUTO TEMPO DE SERVIÇO – SALÁRIO EFETIVO E CÔMPUTO DE TEMPO PARA CONCESSÃO DO BENEFÍCIO DO SEGURO DESEMPREGO (ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO DO ARTIGO 487, PARÁGRAFO 6º, DA CLT, CONTRARIEDADE À SÚMULA Nº 305 DO TST E DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL). “AVISO PRÉVIO. BAIXA NA CTPS. A DATA DE SAÍDA A SER ANOTADA NA CTPS DEVE CORRESPONDER À DO TÉRMINO DO PRAZO DO AVISO PRÉVIO, AINDA QUE INDENIZADO.” ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL 82 DA C. SBDI-1 DO TST. OBSERVANDO-SE A INTEGRAÇÃO DO AVISO PRÉVIO INDENIZADO AO TEMPO DE SERVIÇO, É DE SE RECONHECER QUE O TÉRMINO DO CONTRATO DE TRABALHO DEU-SE EM 26/07/99, PELO QUE, DEVIDA A INDENIZAÇÃO RELATIVA AO SEGURO DESEMPREGO. RECURSO DE REVISTA CONHECIDO E PROVIDO. RECURSO DE REVISTA DO RECLAMADO. MULTA DO ARTIGO 477 DA CLT (ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO DO ARTIGO 477, PARÁGRAFO 8º, DA CLT E DIVERGÊNCIA). A SIMPLES INVOCAÇÃO DE INEXISTÊNCIA DE VÍNCULO EMPREGATÍCIO, NA DEFESA, NÃO ISENTA O EMPREGADOR DO PAGAMENTO DA MULTA, VISTO QUE A ÚNICA EXCEÇÃO CONTIDA NO ARTIGO 477, §8º, DA CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO É A HIPÓTESE EM QUE FICAR COMPROVADO QUE O TRABALHADOR DEU CAUSA À MORA NO SEU PAGAMENTO, O QUE NÃO SE VERIFICA NO CASO DOS AUTOS. RECURSO DE REVISTA CONHECIDO E DESPROVIDO. (TST 2ª T. -RO-230100/1999-441-02.00 – Rel. Min. Renato de Lacerda Paiva)

Sobre o autor
Gustavo Nabuco Machado

Advogado da União; Bacharel em Direito pelo Centro Universitário UniCEUB; Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Universidade Candido Mendes; Especialista em Direito Público pela Universidade Candido Mendes.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MACHADO, Gustavo Nabuco. Repercussão do aviso prévio indenizado na concessão do seguro-desemprego. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4079, 1 set. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/31477. Acesso em: 22 nov. 2024.

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