Muitas pessoas prestam concurso público para provimento de vagas no cargo de técnico em determinada área, mas sem possuir o curso exigido em edital.
Um exemplo bem comum é o concurso para provimento do cargo técnico de laboratório, da área de biologia, promovido pela UnB. Daí surge a seguinte indagação: poderia uma pessoa com curso superior em biologia se habilitar para a vaga de técnico de laboratório da área de biologia da UnB?
O assunto vem sendo constantemente submetido à apreciação do Judiciário, onde se pleiteia a nomeação, a posse e o exercício no cargo pretendido.
Isso porque, se o edital prevê expressamente a exigência do curso técnico, não poderia a administração, por mera liberalidade, admitir outro tipo de curso. Pelo princípio da legalidade, a administração pública vincula-se à regra que estabeleceu no edital, dela não podendo escapar, pois a legalidade para o administrador significa que só pode fazer o que a lei autoriza. E o edital, nesse caso, é a lei do concurso.
Com efeito, a orientação seguida pela administração para essa situação é simplesmente no sentido de que não poderá o candidato portador de diploma de curso superior desempenhar as funções e atribuições típicas do técnico, o qual foi capacitado com matérias específicas por meio da participação em curso técnico, argumentando que as matérias cursadas no curso técnico podem não fazer parte da grade curricular do portador de diploma de curso de graduação.
Apega-se ainda a administração ao fato de que a lei que estrutura a carreira e a especificidade do referido edital para provimento dos cargos técnicos vincula a administração, afirmando que dar provimento aos candidatos sem a habilitação específica prevista na lei não se insere na órbita da discricionariedade administrativa.
No entanto, é preciso levar em consideração que existem outros princípios constitucionais que norteiam as atividades da administração pública. E no caso do exemplo citado, destaca-se o princípio da eficiência e da razoabilidade, ao lado da supremacia do interesse público.
Ora, se o curso superior realizado pelo candidato a uma vaga de técnico engloba as disciplinas e/ou o conteúdo do curso exigido pelo edital, não é razoável dispensar o candidato por uma simples interpretação literal em nome da legalidade, até porque o curso superior é muito mais abrangente que um curso técnico e, certamente, mais eficiente. Ademais, é evidente que há o interesse público na contratação de pessoas com qualificação superior àquela exigida pelo edital, considerando que contrata-se com a remuneração de técnico uma pessoa com formação superior.
Outro absurdo que costuma acontecer nesse tipo de concurso é a exigência de cursos que não são oferecidos pelo mercado e tampouco são reconhecidos pelo MEC ou, ainda, não estão previstos no Catálogo Nacional de Cursos Técnicos. Daí a própria administração inviabiliza o acesso ao cargo público, em verdadeira afronta aos princípios da razoabilidade e da eficiência.
A situação se agrava quando o candidato realiza prova objetiva e de desempenho teórico-prático e consegue demonstrar, por sua aprovação, conhecimento técnico para o exercício do cargo.
A angústia e o justo receio de sofrer violação em seu direito à posse têm levado diversos candidatos a buscar preventivamente guarida no Poder Judiciário, a fim de ver sua situação tratada com justiça.
Felizmente, os tribunais têm assegurado o direito de permanência do candidato no certame quando ele possui qualificação superior àquela exigida no edital do concurso público. Nesse sentido, destaca-se o seguinte julgado do Superior Tribunal de Justiça:
ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. CARGO TÉCNICO. CANDIDATO QUE POSSUI QUALIFICAÇÃO SUPERIOR À EXIGIDA. APTIDÃO PARA O CARGO. SÚMULA 83/STJ.
1. O agravado inscreveu-se no Concurso Público aberto pela Sanepar para vaga de Técnico Químico/Técnico em Saneamento/Técnico em Alimentos 1, em Maringá, sendo aprovado na primeira fase do certame em oitavo lugar. Convocado para comprovar sua habilitação, foi desclassificado por ter apresentado diploma de Bacharel em Química, e não o diploma de ensino técnico exigido pelo edital do certame.
2. Há direito líquido e certo na permanência no certame se o candidato detém qualificação superior à exigida no edital do concurso público. Precedentes.
3. Verifica-se que o Tribunal a quo decidiu de acordo com jurisprudência desta Corte, de modo que se aplica à espécie o enunciado da Súmula 83/STJ.
Agravo regimental improvido.[1]
(sem grifos no original)
Em vários outros precedentes, aquela Corte Superior vem consignando que é ilegal a eliminação do candidato que apresenta diploma de formação em nível superior ao exigido no edital.
No âmbito do TRF da 1ª Região o entendimento não é diferente, pois sua jurisprudência é mansa e pacífica sobre a matéria, in verbis:
AGRAVO REGIMENTAL. ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. CARGO DE NÍVEL MÉDIO. TÉCNICO DE LABORATÓRIO - ÁREA BIOLOGIA. CANDIDATA BACHAREL EM BIOLOGIA. HABILITAÇÃO PROFISSIONAL COMPROVADA. CAPACIDADE PARA O CARGO.
1. A exigência de nível de formação escolar para fins de preenchimento de cargo público objetiva assegurar a adequação de conhecimentos técnicos dos candidatos às atribuições do cargo. Candidata detentora de diploma de nível superior em Biologia está capacitada para o exercício das atribuições funcionais do cargo de Técnico em Laboratório - Área Biologia. Não faz sentido considerar que a apresentação de diploma de nível superior, quando o edital exige diploma de curso técnico, seja causa de exclusão do certame.
2. No caso em apreço, o Instituto impetrado não apresentou qualquer óbice relativo ao nível de escolaridade da requerente, limitando-se a defender os princípios genéricos que norteiam a atividade administrativa.
3. A finalidade da Administração é selecionar entre os interessados os melhores habilitados, estipulando-se os requisitos mínimos, não podendo alijar do certame aqueles que possuem a qualificação exigida só que em grau superior ao previsto no edital.
4. Não se trata de negar aplicação aos princípios da legalidade, impessoalidade e isonomia, mas, sim, de privilegiar os princípios da razoabilidade e eficiência, já que a Administração, por meio de concurso público, busca selecionar o candidato mais capacitado.
5. Possuindo graduação superior à exigida no certame, a impetrante tem direito à posse no cargo a que concorreu. Precedentes do STJ e deste Tribunal.
6. Agravo regimental a que se nega provimento.[2]
(sem grifos no original)
Assim, a despeito das regras do edital, não se afigura razoável que os candidatos considerados aptos em prova de desempenho teórico-prático, e com qualificação profissional superior à exigida pelo edital, tudo a indicar sua eficiência, sejam prematuramente alijados do certame, uma vez que a principal finalidade do concurso público é selecionar o candidato mais capacitado para o cargo público.
Notas
(1) STJ, AgRg no AREsp 428.463/PR, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, 2ª Turma, julgado em 3/12/2013, DJe 10/12/2013.
(2) TRF1, AC 0001931-61.2010.4.01.3803/MG, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL NÉVITON GUEDES, Rel.Conv. JUIZ FEDERAL DAVID WILSON DE ABREU PARDO (CONV.), 5ª Turma, e-DJF1 p.328 de 16/7/2014.