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Aspectos principais da CISG (United Nations Convention on Contracts for the International Sale of Goods)

Agenda 13/06/2015 às 10:49

Ao pretender eliminar os obstáculos jurídicos às relações internacionais, a CISG visa a promoção do desenvolvimento do comércio internacional, já que há um padrão equitativo às transações, de modo a impulsionar tais trocas, mediante a diminuição de custos e riscos.

1. INTRODUÇÃO

De acordo com dados disponibilizados pela Organização das Nações Unidas, estima-se que mais de dois terços das transações internacionais de mercadorias sejam reguladas pela Convenção de Viena de 1980 (CISG – United Nations Convention on Contracts for the International Sale of Goods), incluindo os contratos realizados com parceiros importantes do Brasil, como a China e Estados Unidos.

A CISG prevê um padrão uniforme e equitativo para contratos de venda de mercadorias, constituindo uma padronização moderna e tornando a relação comercial previsível, já que muitas vezes não se fazia claro qual lei deveria ser aplicada nestes tipos de comercializações.

Consequentemente, os custos legais inerentes a tais operações serão diminuídos, uma vez que, até mesmo antes de observar substancialmente o que está sendo discutido, não será necessário avaliar qual regime jurídico é aplicável, pois a CISG criou regras padronizadas para tanto.

Entretanto, ressalte-se que a CISG é um instrumento flexível que possibilita que as próprias partes contratantes optem por disposições diversas das previstas na Convenção, havendo a possibilidade de escolha da aplicabilidade de determinada legislação para a relação contratual. Ainda, a CISG prevê orientação quando o contrato não faz menção à lei aplicável.

Por este artigo, pretendemos apresentar um panorama sobre a CISG, incluindo seus principais aspectos.


2. PROCEDIMENTO DE APROVAÇÃO DE TRATADOS NO BRASIL

Os tratados internacionais podem ser ratificados ou aderidos. Entende-se por ratificação o ato pelo qual o chefe de estado assina o tratado internacional no ato da própria discussão e elaboração do mesmo. Desta forma, a ratificação ocorre quando da formação do tratado internacional. Por outro lado, a adesão ou aceitação[1] são as manifestações de vontade em obrigar-se pelo tratado internacional realizadas após a entrada em vigor do mesmo.

Após a adesão ou ratificação do tratado, uma mensagem é enviada pelo Presidente da República, juntamente com uma Exposição de Motivos elaborada pelo Ministro das Relações Exteriores e com o texto de inteiro teor do tratado internacional submetido à apreciação dos órgãos legislativos.

A tramitação da referida mensagem será iniciada pela Câmara dos Deputados, na qual haverá a elaboração de um projeto de decreto legislativo. Caso o mesmo for aprovado pela casa e pelas Comissões, será encaminhado ao Senado Federal para votação e, se aprovado, será promulgado e publicado. De acordo com Francisco Rezek[2], a não aprovação do tratado internacional pelo Congresso Nacional colocará termo ao processo, não devendo a questão ser encaminhada ao Senado.

Após a aprovação na esfera legislativa, o Presidente da República deverá aderir ou ratificar o tratado, depositando-o no órgão competente (no caso da CISG o Secretário Geral das Nações Unidas é o depositário designado para a aceitação da Convenção, nos termos do artigo 89) e promulgando decreto executivo.

Destaque-se que a vigência do tratado no plano internacional dá-se pela ratificação ou a adesão. Por outro lado, a vigência do tratado no plano nacional dá-se pela promulgação de decreto executivo, com exceção dos tratados de direitos humanos, cuja aplicação é imediata desde a ratificação.


3. CRONOGRAMA DE APROVAÇÃO DA CISG PELO BRASIL

A CISG entrou em vigor em 11 de abril de 1980 e o Brasil é o 79º país a aderir referida Convenção.

Com relação à adesão brasileira, a mensagem da Presidente Dilma foi encaminhada à Câmara dos Deputados em 04 de novembro de 2010, teve seu projeto de decreto legislativo aprovado pela Câmara dos Deputados em 08 de maio de 2012 e pelo Senado Federal em 16 de outubro de 2012, o qual foi publicado no Diário Oficial da União em 19 de outubro de 2012[3].

Em 04 de março de 2013 foi depositado junto ao Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas, Ban Ki-moon, o instrumento de adesão do Brasil à Convenção de Viena de 11 de abril de 1980. O Decreto Executivo nº 8.327 de 16 de outubro de 2014 determina a promulgação da CISG, o qual entrou em vigor na data de sua publicação, qual seja, 17 de outubro de 2014[4].

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Desta forma, concluímos que em plano internacional a CISG entrou em vigor em 01 de abril de 2014 (primeiro dia do mês seguinte ao término do prazo de 12 meses, contado da data que houver sido depositado o instrumento de adesão) e entrou em vigor no plano nacional em 17 de outubro de 2014.


4. APLICABILIDADE DA CISG

O Artigo 1 da CISG determina sua aplicabilidade aos contratos de compra e venda de mercadorias celebrados entre partes que tenham o seu estabelecimento em Estados diferentes quando: (i) estes Estados sejam Estados contratantes; e (ii) quando as regras de direito internacional privado conduzam a aplicação da legislação de um Estado contratante.

Entretanto, cabe destacar que mesmo tratando-se de relações internacionais, a CISG não engloba as vendas de mercadorias adquiridas para uso pessoal, familiar ou doméstico; em hasta pública; em execução judicial; de valores mobiliários, títulos de crédito e moeda; navios, embarcações, aerobarcos e aeronaves e de eletricidade, devendo a compra e venda destas mercadorias serem submetidas às normas aplicáveis de acordo com o direito internacional privado dos países contratantes.

A CISG dispõe sobre regras para a formação dos contratos, bem como direitos e obrigações dos compradores com relação aos vendedores, tendo como pressuposto basilar os princípios da autonomia das partes e da razoabilidade.

Por fim, cabe destacar que, com exceção de determinadas disposições pontuais e expressas na Convenção, esta não diz respeito à validade e efeitos do contrato ou das suas cláusulas, tampouco dos usos ou costumes aplicados.


5. PRINCIPAIS PRINCÍPIOS DA CISG

A CISG determina que nas questões omissas por referida Convenção sejam aplicados os princípios gerais de direito e, caso não seja possível, aplicar-se-á a legislação internacional privada.

A CISG possui caráter internacional, ou seja, as características de suas regras devem sempre ser consideradas ao se aplicar todo e qualquer método de interpretação. Nesse sentido, a CISG prevê o princípio da interpretação autônoma, pelo qual os significados dos termos utilizados pela Convenção devem ser entendidos independentemente de qualquer conceito determinado em quaisquer outras leis nacionais.

É importante mencionar que a interpretação autônoma presente na Convenção refere-se à uma definição negativa, uma vez que nenhum conceito externo pode ser utilizado para a interpretação da Convenção, mas, por outro lado, está adstrito à uma definição positiva, uma vez que a CISG é interpretada de acordo com suas próprias diretrizes, disposições e princípios.

Destaque-se que as soluções previstas na CISG devem ser imprescindivelmente aceitas em sistemas jurídicos e tradições diferentes, uma vez que a mesma deverá ser aplicada nas relações entre países distintos.

A Convenção também inclui em suas disposições a autonomia da vontade, que constitui princípio estritamente relacionado à liberdade de contratar, ou seja, a liberdade dos contratantes em disciplinar seus próprios interesses por meio do acordo de vontades.

O princípio da autonomia da vontade é amplamente verificado na Convenção quando se admite a possibilidade de exclusão da aplicação da Convenção ou da modificação e resilição do contrato por simples acordo entre as partes.

Consequentemente, ao ter a liberdade para contratar, entende-se que há igualmente a obrigatoriedade de execução e cumprimento do contrato, uma vez que o mesmo exerce força vinculante entre as partes, ou seja, há a irreversibilidade da palavra empenhada e a obrigatoriedade do contrato[5].

Nesse sentido, a CISG prevê que as partes se vincularão pelos usos e costumes em que tiverem consentido e pelas práticas que tiverem estabelecido entre si, não podendo deixar de cumprir suas obrigações, cabendo a responsabilização por perdas e danos da parte que violou o contrato.

Adicionalmente, a Convenção prevê o princípio do pacta sunt servanda em diversas disposições. Importante mencionar que referido princípio se refere à segurança e intangibilidade dos contratos, uma vez que o previsto no contrato deve ser executado na forma e prazo estabelecido pelas partes. Nesse sentido, a CISG, em seu artigo 30 prevê que o vendedor estará obrigado nas condições previstas no contrato a entregar as mercadorias e transmitir a propriedade sobre elas e, conforme o caso, remeter a documentação respectiva.

Ainda, a Convenção prevê a aplicação do princípio da boa-fé objetiva. Ressalte-se que a boa-fé objetiva deve ser analisada e interpretada observando-se a razoabilidade, ou seja, deve-se verificar se em determinada situação adotou-se um padrão de conduta comum. Em outras palavras, parte-se de uma análise consubstanciada nas condutas do homem médio, de forma a estabelecer um dever de agir de acordo com um padrão social[6].

Discute-se se o princípio da boa-fé nas relações sob a égide da CISG é referente a uma norma geral de comportamento das partes ou se este é referente a uma regra de interpretação. O entendimento majoritário é que o princípio presente no artigo 7, (1) da CISG deve ser entendido como regra de interpretação, uma vez que a CISG é clara em dizer que a interpretação da convenção será regida pela boa-fé no comércio internacional, conforme abaixo:

Artigo 7

(1) Na interpretação desta Convenção ter-se-ão em conta seu caráter internacional e a necessidade de promover a uniformidade de sua aplicação, bem como de assegurar o respeito à boa fé no comércio internacional.


6. PRINCIPAIS DISPOSIÇÕES DA CISG

A CISG é estruturada em quatro partes, quais sejam: Parte I – Campo de Aplicação e Disposições Gerais (artigos 1 a 13); Parte II – Formação do Contrato (artigos 14 a 24); Parte III – Compra e Venda de Mercadorias (artigos 25 a 88); e Parte IV – Disposições Finais (artigos 99 a 101).

Com relação à formação do Contrato, a Convenção determina que a proposta deve ser suficientemente precisa, o que significa dizer que deve haver a designação das mercadorias, expressa ou implicitamente, bem como a fixação da quantidade e preço, ou contenha modo para tal.

Ainda, a proposta deve conter a indicação do proponente em se obrigar caso haja a aceitação da mesma. Importante ressaltar que a proposta é tida como eficaz quando chega ao destinatário e é irrevogável. No entanto, ainda que irrevogável, a proposta pode ser retirada caso a retratação chegue ao destinatário simultaneamente ou antes da proposta (Artigos 14 e 15).

Entretanto, há hipóteses que a proposta não poderá ser revogada, de acordo com o Artigo 16, (2), (a) e (b), quais sejam, quando há fixação de prazo para aceitação, ou por outro modo indicar que seja a proposta irrevogável ou se for razoável que o destinatário a considerasse irrevogável, bem como o mesmo agir confiantemente na proposta recebida.

Adicionalmente, a CISG prevê que a declaração da resolução do contrato de compra e venda de mercadorias somente será eficaz mediante a notificação de uma parte à outra e o mesmo poderá ser modificado ou resilido por acordo entre as partes.

Também, a Convenção determina o que vem a ser violação essencial ao contrato, conforme abaixo:

Artigo 25

A violação ao contrato por uma das partes é considerada como essencial se causar à outra parte prejuízo de tal monta que substancialmente a prive do resultado que poderia esperar do contrato, salvo se a parte infratora não tiver previsto e uma pessoa razoável da mesma condição e nas mesmas circunstâncias não pudesse prever tal resultado.

Nesse sentido, a Convenção prevê em seu artigo 72, (1) que a outra parte poderá declarar a rescisão do contrato caso torne-se evidente que uma das partes incorrerá em violação essencial do contrato antes da data de adimplemento.

Por fim, a CISG também prevê as obrigações do vendedor e do comprador, bem como disposições referentes ao pagamento e recebimento da mercadoria.


7. CONCLUSÃO

Concluímos que a adesão da CISG pelo Brasil consistirá num grande avanço às negociações brasileiras, uma vez que grande parcela do comércio internacional de mercadorias pelo Brasil é realizado com países que aderiram à CISG, incluindo países do Mercosul.

Por haver uma padronização das normas a serem aplicadas à relação entre comprador e vendedor, haverá uma maior previsibilidade e segurança jurídica ao comércio internacional de mercadorias, uma vez que há a diminuição de riscos comumente oriundos da diversidade das legislações e interpretação dos contratos.

Portanto, ao pretender eliminar os obstáculos jurídicos às relações internacionais, a CISG visa a promoção do desenvolvimento do comércio internacional, já que há um padrão equitativo às transações, de modo a impulsionar tais trocas, mediante a diminuição de custos e riscos.


Notas

[1] De acordo com ACCIOLY (Manual de Direito Internacional Público, São Paulo: Saraiva, 2011), adesão e aceitação são institutos sinônimos.

[2] REZEK, Francisco, Direito Internacional Público - Curso Elementar, São Paulo: Saraiva, 2013).

[3] Disponível em http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decleg/2012/decretolegislativo-538-18-outubro-2012-774414-norma-pl.html.

[4] Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2014/Decreto/D8327.htm.

[5] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil III.12ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 14-15.

[6] Nesse sentido, o Artigo 8, (1) da Convenção prevê que “Para os fins desta Convenção, as declarações e a conduta anterior, as declarações e a conduta de uma parte devem ser interpretadas segundo o sentido que lhes teria dado uma pessoa razoável, com a mesma qualificação e nas mesmas circunstâncias da outra parte”.

Sobre a autora
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARVALHO, Deborah H. Grasmann. Aspectos principais da CISG (United Nations Convention on Contracts for the International Sale of Goods). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4364, 13 jun. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/33765. Acesso em: 22 dez. 2024.

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