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O conceito de soberania na teoria de Carl Schmitt

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Agenda 07/11/2016 às 13:45

Para Schmitt, soberano é aquele que decide sobre o Estado de exceção. Ele não vê na concepção liberal de estado de sítio e estado de emergência como suficientes para definir o estado de exceção; é no estado de necessidade que ele se mostra, pois há uma situação especial onde a lei perde os seu caráter obrigatório.

RESUMO: Carl Schmitt, em sua obra Teologia Política (Politische Theologie), trabalha o conceito de soberania de maneira atípica, relacionando esse com o Estado de Exceção; não uma situação emergencial como ele mesmo se justifica, mas o Estado de Exceção propriamente dito. Nessa oportunidade, nos propomos analisar suas conceituações que demonstram uma de suas concepções de política, mas que traz conseqüências no campo filosófico-jurídico e, em especial, no âmbito constitucional. Para tanto, lançaremos mão de outros termos também presentes no texto de Schmitt, que nos auxiliará na melhor compreensão da noção de Schmitt de soberania, tais como a sua noção de legitimidade, o que é decisionismo e sua concepção de Estado de exceção, entre outros.

Palavras chaves: Soberania. Exceção.  Decisionismo. Normativismo. Constituição.

RESUMEN: Carl Schmitt en su obra Teología Política (Politische Theologie), trabaja el concepto de soberanía forma atípica, que une este con el Estado de Excepción; no es una situación de emergencia mientras se justifica, sino la excepción del propio Estado. En ese momento, nos proponemos analizar sus conceptos que demuestran sus concepciones de la política, sino que tiene consecuencias en ramo filosófico-jurídico y, en particular, dentro del marco constitucional. Por lo tanto, vamos a lanzar la mano de otros términos también presentes en el texto de Schmitt, que nos ayudan a una mejor comprensión de la noción de soberanía, como su concepto de legitimidad, que es decisionismo y su concepción del estado de excepción, entre otros.Palabras clave: Soberanía. Excepción. Decisionismo. Normativismo. Constitución.


1 - INTRODUÇÃO

Carl Schmitt foi um pensador intrigante. Sua genialidade não se contesta face a adesão ao nacional-socialismo alemão.

Em sua obra Teologia Política (Politische Theologie), Schmitt trabalha o conceito de soberania, mas de maneira atípica, relacionando este com o Estado de Exceção; não uma situação emergêncial como ele mesmo se justifica, mas o Estado de Exceção propriamente dito. Nessa oportunidade, nos propomos analisar sua conceituação que demonstra uma de suas concepções de política, mas que traz conseqüências no campo filosófico-jurídico e, em especial, no âmbito constitucional.

Para tanto, lançaremos mão de outros termos também presentes no texto de Schmitt, que nos auxiliarão na melhor compreensão da noção de Schmitt de soberania, tais como a sua noção de legitimidade, o que é decisionismo e sua concepção de Estado de exceção, entre outros, em que pese concentrarmos nossa atenção especificamente no texto da Teologia Politica.

No nosso entender, o critério de soberania também é estabelecido a partir dos adversários que Schmitt tem no momento. Nesse sentido destacamos Hans Kelsen como um desses adversários. Kelsen e o grupo de juristas positivistas do qual o pensador austríaco era o seu principal expoente e a quem Schmitt posiciona-se contrário às idéias referentes ao normativismo jurídico e à democracia liberal. A oposição a  Kelsen é constante na obra de C. Schmitt. O conceito de soberania é em certa medida desenvolvido no sentido de oferecer uma resposta contra Kelsen e a corrente de juristas positivistas a que ele se filia, bem como ao liberalismo político.

Queremos, no entanto, reforçar  a nossa intenção ao apontarmos esses autores paralelamente à obra de Schmitt.  Quando fazemos referência ao nome de Hans Kelsen não estamos propondo estabelecer comparações entre as obras desse autor e a obra de C. Schmitt. A referência se dá de maneira a estabelecermos uma estratégia metodológica no intuito  de aclarar a compreensão do problema da soberania que se encontra  no texto schmittiano e que, no nosso entender, tem sua motivação no debate que estabelece com a  obra de outros autores, e por isso, o uso que se faz deles é apenas acessório e no sentido de  atingirmos o objetivo proposto de nossa investigação, o  problema da soberania

Nosso marco teórico será a soberania presente na Teologia Política (Politische Theologie) e suas possíveis implicações.


2 – AMBIENTE HISTÓRICO.

A produção intelectual de Carl Schimitt ocorreu, basicamente, durante o conturbado período da República de Weimar, que sobreviveu na Alemanha durante o curto período entre 1918 e 1933, sendo seu fim registrado em 24 de março de 1933 quando Adolf Hitler, após assumir o cargo de Chanceler, obteve sem seu favor plenos poderes.

2.1 – A República de Weimar.

A República de Weimar surgiu em 9 de novembro de 1918, proclamada pelo social democrata Philipp Scheidemann momentos antes da proclamação por Karl Liebknecht de uma República socialista.

Surgiu após a Primeira Guerra numa expectativa de superação das políticas parlamentaristas européias. Era fruto de um embate progressista entre a social-democracia e o liberalismo e, por esse motivo, considerada artificial já que sua base estava apoiada sobre as idéias que representavam uma ruptura com a história e a tradição da Alemanha.

Diante da decepção do Império na Guerra, o novo regime tendia nascer de um viés socialista já que desde 1914 era um movimento expressivamente forte dentro da Alemanha. No entanto, havia um racha irreconciliável dentro do movimento entre social-democratas e revolucionários marxistas liderados por Rosa Luxemburgo e Liebknecht. A divisão sofreu seus reais efeitos quando os marxistas, também chamados de Espartacistas, formaram o Partido Social-Democrata Independente disputando a predominância na nascente República com o partido do qual se desvincularam, denominado Partido Social-Democrata, com o firme propósito de transformarem a Alemanha em uma República Soviética, em contraposição a esses que pretendiam um regime parlamentar.

Vitoriosa na disputa saiu o projeto social-democrata com o regime parlamentarista e com isso a unidade socialista nunca mais foi restaurada e a dissidência se mostrou perniciosa à jovem República, pois a proclamação de Schidermann foi um ato dirigido não somente contra a Monarquia que evadia mas também aos Espartacistas.

Nesse ambiente conturbado do núcleo da República, a direita germânica se fortalecia sob o argumento de que a República era uma afronta à Nação alemã e suas tradições e que apenas uma ditadura resolveria o caos da República. Assim, a partir da década de 1920 se percebe um crescente movimento de rejeição a República democrática-parlamentar com argumento de que tal regime feria o espírito alemão.

A Constituição de Weimar que consagrava o sistema parlamentar, apesar de herdeira das tradições liberais, a contrariava, pois previa a existência de um presidente forte com poderes para suspender os direitos individuais e dissolver o Parlamento, mas ao mesmo tempo previa em sua segunda parte, de modo extremamente precursor, direitos fundamentais de segunda geração. Assim a Constituição era o embate entre o Estado Social nascente e o Estado liberal moribundo. Dessa forma, por mais que o regime de Weimar pretendesse, suas intenções se chocavam tanto com a realidade interna alemã, quanto com os eventos que assolavam a Europa.

O principal desses eventos, e por muitos considerados como determinantes para o fracasso de Weimar, foi o tratado assinado em 28 de junho de 1919, denominado Tratado de Versalhes, que estabeleceu as condições de paz pós Primeira Guerra.

Para a Alemanha, o Tratado foi um fiasco, pois além de estabelecer uma humilhante declaração de culpa como causadora do conflito, ainda teve como sanção a perda de todas as suas colônias, cito Togo, Camarões e o Sudoeste africano; a Alsácia-Lorena, uma parte da região de Schleswing-Holstein, as cidades de Danzing, Memel, uma parte da Baixa-Silésia, as regiões de Eupen e Malmedy, importantes territórios na Polônia; o que totaliza 1/8 de seu território e 1/10 de sua população; além da limitação de seu exército em 100.000 homens e a altíssima reparação econômica arbitrada posteriormente que, diante da impossibilidade da Alemanha  efetivar o pagamento, teve como conseqüência a invasão por parte da França e da Bélgica do vale do rio Ruhr em 11 de janeiro de 1923 agradando ainda mais a crise política na Alemanha, resultando .em uma inflação astronômica ao ponto de um dólar equivaler a 160 milhões de marco.

Externamente, outro evento que acirrou ainda mais a crise da República de Weimar foi a Grande Depressão de 1929.

Essa instabilidade propiciada por esses eventos foi terreno fértil para o fortalecimento direitista e o florescimento anti-governista aliada a um discurso anti-semita, um dos carros chefes da propaganda nazista.

Segundo Cardoso (2009), o Tratado de Versalhes e a invasão do Ruhr coincidem com a conturbada primeira fase da República de Weimar, que vai de sua criação no final 1918 até 1923. A crise econômica de 1929 e morte do brilhante Ministro do Exterior alemão, Gustav Stresemann, marcam o início de sua decadência, que se estende de 1930 até seu fim com a ascensão de Hitler, em 1933. Entre as duas fases, ressalta Cardoso (2009), insinua-se timidademente um segundo período, entre o fim de 1923 e o início de 1929, em que a República de Weimar viveu seu período dourado.

Foi nesse período de apogeu da República de Weimar que floresceu um amplo ambiente artístico, aliado a tranqüilidade política e estabilidade econômica. A política externa trouxe certo prestígio para a Alemanha, sendo habilmente  conduzida por Stresemann. A economia após a vertiginosa inflação havia sido controlada por meio de uma reforma do marco. E o ambiente artístico, remontava às glorias do século passado, a Goethe e Schiller. Em 1923 é publicado os Sonetos a Orfeu de Rainer Maria Rilke; em 1924 Thomas Mann publica  A montanha mágica; em 1925 Franz Kafka publica O Processo e no ano seguinte O castelo; em 1928 estréia a famosa Ópera dos três vinténs de Bertold Brecht.

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E é nesse ambiente de efervescência cultural que Carl Schmitt publica suas principais obras, com críticas fervorosas a República vigente, acusando a de ingovernabilidade, das quais cito algumas delas, muito embora tenhamos nos dedicado especificamente à obra Teologia Política, publicada pela editora Scritta, juntamente com A crise da democracia parlamentar, ambas traduzidas por Inês Lohbauer: Die Diktatur ("A Ditadura") em 1921; "Politische Theologie" ("Teologia Política") em 1922 e "Der Begriff des Politischen" ("O Conceito do Político") publicada em 1932, mas que é uma extensão de um artigo publico em 1927 que recebe o mesmo nome.

2.2 – Breve biografia de Carl Schmitt.

O constitucionalista católico alemão Carl Schmitt nasceu em 11 de julho de 1888 em Plettenberg, na Vestfália, cidade de maioria protestante. Freqüentou escolas católicas durante toda sua vida secundarista, entrando para a Universidade de Berlim para cursar Direito, migrando posteriormente para a Universidade de Estrasburgo, quando em 1910 termina sua graduação com tese final em direito criminal. Trabalha como assistente de juiz até 1915, quando se alista na infantaria do exército alemão. Em virtude de danos físicos no front em treinamento, é transferido para o Comando-Maior de Guerra em Munique, na seção responsável pela administração e produção de decreto sobre todas as autoridades civis na Alta Bavária. Foi nessa atividade em Munique que Schmitt passou a se interessar pela distinção entre estado de guerra, estado de sítio e ditadura, afirmam Araújo e Santos (2009:373) em referência a Schwab[1] (1989).

Com o fim da guerra, Schmitt passa a lecionar na Escola de Administração de Negócios em Munique, onde permanece de 1919 a 1922. Nesse ano, Schmitt se torna professor de Direito na Universidade de Bonn, passando em seguida à Universidade de Belim onde ocupa a cadeira do autor da redação final da Constituição de Weimar, Hugo Preuss. Como advento da crise de 1929, Schmitt passa a trabalhar com o secretário do ministro das Finanças do Reich, sobretudo em casos relativos à declaração de estado de emergência com base no afamado art. 48 da Constituição de 1919. Sua excelente atuação o leva ao oficialato do Conselho Prussiano de Estado em 1932, nos relatam Araújo e Santos (2009:376) em referência a Schwab (1989:13-16).

Enquanto consultor jurídico do Reich, Carl Schmitt auxiliou praticamente com todos os presidentes, desde Ebert a Hitler. No ano de 1933, já então filiado ao Partido Nacional-Socialista, elaborou o documento jurídico que foi a base de sustentação do golpe de Estado executado por Hiltler.

Em 1936 Schmitt sofre perseguição pública por parte da polícia política do regime nazista por causa de suas antigas ligações com colegas judeus, o que o faz abdicar de suas atividades públicas. Desde então passa a lecionar na Universidade de Berlim até ser capturado em 1945 pelos russos, permanecendo em torno de um ano num campo de internação norte-americano. Em 1947 é convocado como testemunha no Julgamento de Nuremberg, não sendo acusado diretamente. Passa a viver nos arredores de Plettenberg a partir de maio de 1947, permanecendo até falecer em 07 de abril de 1985.


3 – UM BREVE HISTÓRICO DO CONCEITO.

Nosso intuito neste capítulo é traçar um percurso histórico analisando as diferentes matizes e concepções que  o conceito SOBERANIA recebeu ao longo dos anos, a partir do tratamento do termo presente em diferentes autores.

Para nossa análise, não empreenderemos uma investigação histórico social e política do termo, mas tão somente selecionaremos algum viés que nos auxiliem para uma depuração da terminologia empregada por Carl Schmitt em sua obra Teologia Política, que é o nosso principal foco de pesquisa.

Os historiadores dogmáticos costumam atribuir a Bodin como o primeiro a elaborar uma interpretação científica do conteúdo da soberania; fundando, dessa maneira, a moderna teoria política.

Assim sendo, iniciemos a analise do conceito por esse autor.

3.1 – Bodin

Bodin foi o primeiro a formular um conceito claro de soberania, inaugurando o predomínio da doutrina jusnaturalista moderna do Estado.

A soberania é definida como “la puissance absolue et perpetuelle d’une République” na versão francesa de seu livro Lex six livres de la République; e na versão latina a soberania é definida como “summa in cives ac subditos legisbusque soluta potestas”.

Bodin afirma, consciente de seu ineditismo, que nenhum jurisconsulto ou filósofo político até então tinha sido capaz de definir e caracterizar o Estado de semelhante maneira. Realmente, foi no seio da guerra civil em que a independência do rei francês Henrique III perante o Império, possibilitou as condições para a elevação do conceito de soberania, pois não se pode afirmar que existia semelhante consciência na antiguidade ou Idade Média de contestação à autoridade do Estado por um poder político supremo, embora utilizemos o conceito de Estado anacronicamente, pois o Estado tal como se apresenta contemporaneamente é um conceito da era moderna.

Assim, Bodin ainda inclui em sua doutrina a máxima romana legibus soluta, que não significava ilimitação de poder até a Idade Média. Segundo Bodin, qualquer vínculo jurídico imposto pelas leis é inconciliável com a soberania, estabelecendo, dessa maneira,  o interesse público e o princípio de que “ninguém pode obrigar-se em virtude de suas próprias leis” como fundamento para que o soberano viole as leis.

No entanto, o conceito de soberania para Bodin não era absoluto, pois os príncipes deviam se submeter às leis divinas e naturais, sendo o contrato de direito privado uma espécie de lei natural. Ele reconhece como titular do poder um único sujeito, mas que pode se manifestar de maneira singular como príncipe da monarquia, por exemplo, ou coletiva como o povo na democracia. No entanto, qualquer divisão do poder anularia, na concepção de Bodin, o conceito de soberania.

A formulação do conceito de soberania por Bodin, concomitante às lutas políticas e religiosas, fizeram emergir disputas entre juristas sobre a essência do conceito, contestando os partidários da soberania popular, bem como os defensores da soberania monárquica, ambos ancorando-se em bases do direito natural racional para justificarem suas posições.

3.2 – Althusius.

Em que pese a noção de soberania popular ter se originado na Idade Média, com Marsílio de Padua e Nicolau de Cusa, foi o calvinista Althusius quem efetivamente colocou em vigor o conceito de povo como soberano, respaldado na doutrina do direito natural. Ele aplicou ao conceito de soberania (majesta), utilizado pelos defensores da soberania do príncipe, a noção de povo, esclarecendo que ao lado da majestas do povo não haveria lugar para a majestado monarca.

Postulou a absoluta inalienabilidade, imprescritibilidade e indivisibilidade da soberania popular, tal qual como Bodin. Porém, em Althusius o elemneto solutio legis da definição de Bodin não se fazia presente.

Para Althusius o poder soberano do povo encontrava-se limitado não apenas pelas leis divinas e naturais, mas também pelas leis positivas. Ele pode ser considerado um dos fundadores da teoria do contrato social desprovido de um fundamento teocrático, pois concebe como princípio que toda comunidaded humana repousa originalmente sobre um contrato de consociatio ou societas, sendo esse conceito aplicado à coletividade popular, alterando a noção doutrinaria aristotélica de crescimento orgânico da sociedade civil.

A concepção contratual de Althusius foi recepcionada pela escola de direito natural, como se pode observar na doutrina de Grotius.

3.3 – Grotius.

Grotius acolheu a noção contratualista de Althusius, porém esse não concebia o conceito de soberania popular em sua forma pura. Partido de um pressuposto de um sujeito duplo da soberania, tal qual a imagem de que o sujeito de visão é tanto o corpo como os olhos, ele percebe o Estado como subjetum commune da majestas e  define o príncipe como subjetum proprium.

Esta distinção entre estado e príncipe leva-o a afirmar a identidade do Estado através das modificações de sua constituição, embora o subjetum commune ainda seja interpretado em acordo como os princípios jusnaturalistas de soma de indivíduos.

3.4 – Hobbes.

Atribuímos a Hobbes o fim da disputa que surgiu desde que a doutrina de direito político havia se transformado em uma doutrina política da soberania a partir das formulações de Bodin, desencadeando em um desentendimento em torno do sujeito soberano. Foi Hobbes quem conseguiu sistematiza definindo claramente quem era o sujeito da soberania, criando dessa maneira uma nova filosofia política.

Sua importância nesse nosso estudo não se deve apenas em virtude dessa sua sistematização. Schmitt durante toda a sua vida estudou as doutrinas de Hobbes, assumindo-o como representante paradigmático do pensamento decisionista, de quem acolhe o conceito de soberano.

Hobbes busca atribuir ao Estado e ao soberano uma fundamentação contratualista, partindo das premissas de que os indivíduos precedem à sociedade, sendo essa constituída através de um pacto entre aqueles; diferentemente da noção de sujeição entre o povo e o príncipe estabelecido pelos medievais.

A esse respeito, afirma Ferrajoli (2002:19): “É a Hobbes, em particular, que remonta a primeira formulação das idéias do Estado-pessoa e da personalidade do Estado, que servirão para oferecer um firme ancoradouro da definição de soberania.” (grifo nosso).

Enquanto o jusnaturalismo clássico e medieval enfatizava os deveres naturais dos homens, o jusnaturalismo moderno dos séculos XVII e XVIII passou a acentuar os seus direitos naturais. (Solon, 1997: 32-33.) Os clássicos da antiguidade e  os medievais consideravam que a sociedade era anterior ao indivíduo, enquanto os modernos, sendo Hobbes um dos principais expoentes, postulam o contrário.

Assim, o pacto de Hobbes seria a união dos indivíduos para que se auto-preservem, saindo assim do estado de barbárie e de guerra, o estado de natureza, onde não há a presença de um poder soberano.

A noção de estado de natureza para Hobbes deriva da noção clássica e da teologia medieval, mas com o seu significado subvertido. Ele nega à natureza como o summum bonum dos filósofos clássicos da antiguidade para fundamentar a sua teoria de Estado, do qual há a necessidade de um pacto entre todos os indivíduos para constituir uma organização que os proteja da ameaça dos demais, daí a necessidade de um poder soberano ilimitado, a que todos devessem submeter para que não se destruam mutuamente.

Desse movimento do raciocínio de Hobbes, donde partindo do estado de natureza até a sociedade civil, culminando em uma doutrina da soberania, Solon (1997:34) deduz alguma conclusões jurídicas:

“- auctoritas, non veritas facit legem é o cerne da soberania; as leis derivam sua força não mais de sua verdade ou de seu caráter racional, mas da vontade do soberano, que define o justo e o injusto.

- Como nunca existiu uma societas civilis autônoma ou um direito originário do populis, somente quando o estado se constitui, [e que surge uma personalidade jurídica única, que pertence ao soberano, seja a pessoa física de um indivíduo na monarquia, seja a pessoa artificial de uma assembléia. Através da figura jurídica do mandato e da de uma representação, considera-se que a vontade do soberano [e a vontade de cada cidadão, ao lado da qual, não subsiste nenhuma outra pessoa, apenas um amontoado de indivíduos isolados. Está idéia, pela primeira vez proposta, do Estado como sujeito unitário de direito, sem abandonar as premissas individualistas do direito natural moderno, sem incidir no”erro” medieval da persona ficta, será um elemento importante no futuro desenvolvimento da doutrina do direito público.

- Hobbes nega a possibilidade da divisão do poder e atribui ao soberano o direito incondicional de não se submeter a nenhuma limitação legal ou constitucional, embora admita que “a obrigação do súdito com o que ele o protege.” (Solon, 1997: 34).

Na última conseqüência exposta por Solon, reaparece o problema da limitação da soberania pelo direito e pode-se perceber que Hobbes rechaça qualquer vínculo jurídico que não proceda do poder estatal; e é por isso que muitos atribuem a doutrina desse como a culminância do absolutismo.

3.5 – Espinosa.

A doutrina do poder soberano de Espinosa foi fortemente influenciada por Hobbes, de quem se assemelha a identificação do poder soberano com direito e força.

Para Espinosa, o direito natural significa o poder pelo qual as coisas as natureza existem e agem, transcende ao homem atingindo uma dimensão cósmica. (Solon, 1997:35). Tinha uma concepção de direito natural como o sumum naturale jus, ou seja, todo ser tem sobre a natureza tanto direito quanto poder, pois o poder da natureza é o poder de Deus.

Portanto, acredita Espinosa que o direito do soberano está na medida de seu poder. O direito então se define pelo poder, mas ele aponta níveis diferenciados de poder e de direito, sendo que o poder humano somente pode existir dentro do estado e quanto mais forte o estado maior é o direito.

De acordo com Solon (1997), Espinosa concebe que

“(...) se os indivíduos transferiram ao estado todo seu poder e seu direito, tornando-se o poder soberano absoluto sobre os indivíduos, este tem uma limitação fundamental: não pode comandar tudo, pois o indivíduo reserva-se o poder de pensar livremente e expressar suas idéias; onde termina o poder do Estado, termina seu direito e, assim, a razão direciona o Estado a uma auto-limitação, de modo que ele não perca seu poder e seu direito. Uma vez que a autoridade que usa da violência coloca em perigo todo o estado, a pessoa soberana não possui o poder e, conseqüentemente, o direito de exercer seu domínio de modo violento.” Solon, (1997: 36).

Conclui-se, portanto, das palavras de Solon (1997:36), que Espinosa ancora-se em premissas metafísicas para definir um poder soberano para liberdade, rejeitando por completo um Estado para dominação, ou melhor, um Estado absolutista.

3.6 – Rousseau.

A doutrina da soberania popular emergida desde a Idade Média foi decisiva para a filosofia política de Rousseau, pois esse combinou os elementos conflitantes desde o direito natural clássico até as premissas de seus predecessores modernos.

Assim, enquanto o Leviatã hobbesiano era a segurança para indivíduo do estado de barbárie da natureza, Rousseau via exatamente no estado de natureza a solução para os males da sociedade civil. Ele afirma que o contrato social entre os indivíduos é o único fundamento do Estado e não o pacto entre o povo e o governante, como entendia Hobbes. Os seus princípios da soberania do povo exposta no Contrato Social são, portanto:

- Todo o poder é estabelecido em favor dos governados e o conteúdo da soberania é colocado exclusivamente na legislação como expressão da vontade geral. Disto decorre que o governo não nasce diretamente do contrato social, mas de uma comissão do soberano que lhe delega a função de executar as leis, revogáveis a qualquer momento.

- Sendo a soberania o exercício da vontade geral, que não pode ser transmitida, ela é inalienável, indivisível, insuscetível de representação ou limitação. (Solon, 1997: 38)

Rousseau, então, reformula a questão da limitação da soberania, transferindo-a da lei para o povo. Ele diz que “não há no Estado nenhuma lei fundamental que não possa ser revogada, nem mesmo o pacto social” (Rousseau, (1978:48), citado in Solon, 1997:39). Assim ele sinaliza a sua clara concepção da plena soberania dos homens em contraposição a noção clássica de supremacia da lei.

3.7 – Kant.

A concepção kantiana de soberania se fundamenta, essencialmente, na tradição do direito alemão de Puffendorf, mas na mesma esteira de Rousseau o filosofo alemão define a soberania popular como pertencente à vontade coletiva do povo, se expressando no poder legislativo.

O princípio da soberania popular para Kant seria uma idéia da razão ou pressuposto lógico derivado da vontade unificada de um povo considerando cada um como súdito, enquanto cidadão, como se estivesse participando da vontade de fazer as leis.

Assim, a soberania guia o detentor da autoridade política, mas não o limita em seus direitos de governante efetivo, que se legitima pela evolução histórica e não pela noção de soberania.

Nesse sentido, diz Kant (1993:160)

(...) que é preciso obedecer ao poder legislativo atual, não importa qual sua origem. Daqui provém o princípio: o soberano da cidade tem em relação ao súdito somente direitos, não deveres (de coração); ademais, se o órgão do soberano, o governante, agisse contra as leis, por exemplo, em matéria de impostos, de quintas etc., contra lei da igualdade na distribuição dos ônus públicos, o súdito poderia interpor queixas (gravamina) contra essa injustiça, porém jamais qualquer resistência.

E Kant (1993:161) complementa na seqüência que “[N]ão há, assim, contra o poder legislativo, soberano da cidade, nenhuma resistência legítima da parte do povo; porque um estado jurídico somente é possível pelas submissões à vontade universal legislativa; (...).”

Segundo Solon (1997:39), a soberania kantiana seria uma espécie de entronização da Razão, mas isso não impede que Kant concorde com a assertiva formulada por Puffendorf de que uma vez delegada a soberania ao rei, este só estaria limitado pela consciência moral.

Kant reacende e reformula o problema dos limites da soberania, alegando que o soberano só tem para com o súdito direitos, estando acima das leis, pois mesmo um monarca quando deposto só pode ter agido de maneira extrinsecamente justa; pois o soberano enquanto soberano deve agir racionalmente, constituindo a racionalidade uma limitação da soberania.

Portanto, podemos concluir com Solon (1997:40) que para Kant, “Soberano mesmo é a abstrata lei da razão”. Solon (1997:41) diz ainda que

Com a reformulação feita pelo idealismo alemão da doutrina da soberania popular, iniciamos uma fase de superação do direito natural, na qual se procurará decidir o conflito sobre o sujeito da soberania, que perturbou as mentes dos homens durante séculos, apelando-se ao princípio da soberania do estado, frente à construção do Estado constitucional do século XIX.

Percebemos, então, em Kant uma soberania que oscila entre o governante e o povo, transformado em comunidade soberana.

3.8 – Gerber.

Alguns juristas do Império Alemão do século XIX desenvolveram um conceito de soberania se baseando no método positivista com o intuito de delimitar o domínio jurídico de qualquer conceituação política; entre eles Gerber.

Para Gerber, as expressões de soberania, tais como soberania do príncipe, soberania do povo e soberania da nação somente são frases que se aplicam as diferentes teorias políticas (Solon, 1997:41). Os positivistas rejeitam por completo as concepções jusnaturalistas de soberania que tendem localizar o conceito em algum órgão ou pessoa, acusando-a de falaciosas.

Segundo Gerber, o conceito de soberania não tem nenhuma relação estrita com a noção de direito do monarca, o que não impede a  confusão freqüente entres os termos monarquia e soberania.

3.9 – Jellinek.

Jellinek também compõe o grupo de positivistas que rejeitam a noção jusnaturalista de soberania.

Com o intuito de resolver a confusão entre soberania do órgão com soberania do estado, Jellinek observa a necessidade de haver no Estado homens a quem corresponda à soberania por direito.

Partidário da doutrina jurídica alemã, tentou ainda resolver o problema da limitação do Estado pelo Direito recorrendo à noção kantiana de autonomia moral e rejeitando o princípio da legibus absoluta potesta.

Para Jellinek, o elemento essencial do Estado é sua capacidade de auto-organizar pela lei e o seu poder, excluindo assim da essência do Estado a soberania. A esse respeito, Solon (1997) leciona que

(...) doutrina da não essencialidade da soberania pretendia justificar o caráter de Estado das unidades que passaram a integrar o recém-criado Império Alemão, na medida em que se podia interpretar que possuíam poderes inerentes e indivisíveis, mas não supremos como o do Império. Evidencia-se, pois, que Jellinek servia a dois senhores: o Imperador da Alemanha e o rei do estado confederado de Baden.” (Solon, 1997: 42).

Assim, com Jellinek há um deslocamento do foco da soberania para o poder, como característica essencial do Estado, passando este a ser concebido como pessoa jurídica, dotada de vontade, identificada com o poder. (Solon, 1997: 43).

3.10 – Laband.

Laband, também partidário da doutrina jurídica alemã, tem o critério de Gerber como norteador de sua doutrina, na qual o princípio do Estado não é a soberania mas a dominação (herrschen). Ele visa afastar toda consideração histórica, filosófica, econômica e política estabelecendo conceitos lógico-positivistas com o intuito de definir com a dominação do Estado, o direito desse estatuir comandos obrigatórios de coação das pessoas, com o intuito de que elas se conformem com as ordens emanadas.

Assim, para Laband como para os demais juristas positivistas alemães, a noção de soberania não fazia parte da propriedade essencial do Estado, pois o conceito tem caráter absoluto, que não permite divisão num Estado Federal, como supunha os teóricos do federalismo.

Dessa forma, Laband tenta solucionar o dilema da constituição do Império Alemão em 1871, formando um Estado Federal, unidades que deixaram de ser soberanas sem deixarem de ser Estados porque mantiveram um direito de dominação próprio; deixando assim de ser a soberania uma idéia importante para a compreensão de Estado.

Observamos, assim, semelhanças incontestavéis nas concepções de Laband, Jellinek e Gerbe com a doutrina normativista de Kelsen, autor que analisaremos sua compreensão de soberania posteriormente e contra quem Carl Schmitt foi um forte opositor.

3.11 – Krabbe.

Na tentativa de superar o dualismo dos juristas alemães entre Estado como manifestação originaria de poder e o Direito como limitação desse, Krabbe sustenta em sua obra Die Lhre der Rechtssouveränität (1906) a tese de que não é o Estado mas o Direito que deve ser considerado soberano. Ele postula a existência de duas finalidades distintas no Estado, uma se refere a criação do direito e a outra a sua realização. Disso, decorre que o Estado enquanto criado do direito é livre, mas enquanto administrador submete-se ao direito positivo.

Assim, segundo Solon (1997:46), a crítica de Krabbe a doutrina alemã substitui o soberano pessoal como governante pela pessoa jurídica do Estado, mas mantém como premissa uma autoridade soberana independente do direito, sendo precursora direta da teoria da soberania kelsiana.

Carl Schmitt concorda com essa base comum entre as teorias de Krabbe e Kelsen, chegando a mencionar a esse respeito em Teologia Política (1922/1933)

“[...] uma apresentação famosa por parte de Krabbe, cujo estudo sobre a soberania do direito (1906, com o título de Die moderne Staatsidee, com o lançamento da 2º edição alemã ampliada, em 1919) baseia-se na tese de que soberano é o direito, e não o Estado. Kelsen parece ver nele só um precursor de sua doutrina da identidade entre Estado e ordem jurídica.” (Schmitt, 1996:99)

No entanto, reservamos a analise da relação entre Carl Schmitt e Kelsen e sua conexão com outros autores a capítulos posteriores.

Sobre o autor
José Cecílio Neto e Lopes

Doutorando em Filosofia. Professor na Academia de Polícia Civil de Minas Gerais (ACADEPOL/MG) nas disciplinas de legislação penal especial.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LOPES, José Cecílio Neto. O conceito de soberania na teoria de Carl Schmitt. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4877, 7 nov. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/35936. Acesso em: 22 nov. 2024.

Mais informações

Artigo apresentado como requisito parcial para obtenção de grau de bacharel em direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC-MG

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