6 A tênue evolução dos direitos sociais
Já se observou que a Constituição de 1946 conservou a índole social constante das declarações de direitos e garantias anteriores e, apesar de situar-se em um período de intensa heterogeneidade ideológica, consignada esta na conjugação de ideias liberais e sociais que geravam algumas reflexões retrógradas e outras inovadoras, comprometeu-se com a tese de igualdade material gerada e nutrida no período varguista.
Reitere-se que esse texto constitucional alargou as conquistas sociais, mas que seu legado positivo, resultado da aceleração dos preceitos progressistas, foi mitigado pelos efeitos conservadores dos dispositivos reacionários, os quais revelam, por sua vez, o caráter paradoxal de que tal documento se reveste.
A relativa acomodação da capacidade mobilizadora dos sindicatos, em função das circunstâncias de conciliação política e cooptação da época, exerceu forte influência no processo de restauração do regime democrático. Tal fenômeno pode ser justificado pela necessidade de os ideólogos do governo e dos dirigentes sindicais agirem para fortalecer o esquema populista em um ambiente de pressões sociais exponenciais, intensificadas, em especial, após a posse de Goulart na presidência da República. Esse esquema
[...] deveria assentar-se na colaboração entre o Estado, onde se incluíam os oficiais nacionalistas das Forças Armadas e os intelectuais formuladores da política do governo, a classe operária organizada e a burguesia industrial nacional. O Estado seria o eixo articulador dessa aliança, cuja ideologia básica era o nacionalismo e as reformas sociopolíticas denominadas de reformas de base. (FAUSTO, 2004, p.447).
Percebendo que o crescimento das greves indicava o avanço da mobilização social, o governo passou a agir para consolidar seus objetivos, incentivando inúmeras das mobilizações políticas do período como forma de forçar a aceitação de medidas de seu próprio interesse. A aproximação com o poder, por outro lado, enfraquecia o movimento operário, e a escalada grevista, bastante dependente do regime político, não refletia, na prática, os anseios da classe trabalhadora, fortalecendo o esquema corporativista consolidado no Estado Novo.
É sintomático, portanto, que os direitos sociais não evoluíram muito durante o período de 1946 a 1964. Na verdade, dificilmente conseguiriam, visto a relutância dos legisladores ou dos próprios grupos dominantes em acolher os avanços revolucionários atrelados à questão social, a qual ganhava, cada vez mais, forças em uma sociedade dinâmica e esperançosa, recém-saída de um Estado autoritário extremamente limitativo de direitos.
Com efeito, eram inúmeras as resistências, e, especificamente no que tange à questão previdenciária, diz José Murilo de Carvalho (2001, p.153) que a burocracia dos institutos sempre receou “perder poder e influência. Seguradoras privadas que cobriam a área de acidentes de trabalho igualmente resistiam à mudança. Um projeto de lei enviado ao Congresso em 1947 fora seguidamente adiado”. E prossegue criticando que a grande inovação do período, o Estatuto do Trabalhador Rural, de 1963, que previa a extensão da previdência ao campo, “tornou-se letra morta”, pois nem mesmo foram previstos recursos para a implantação e o funcionamento dos benefícios, de modo que “os trabalhadores rurais continuaram excluídos”, assim como os trabalhadores autônomos e as empregadas domésticas.
Infere-se que o período da redemocratização deve ser enxergado mais como um alimentante de uma consciência igualitária que já vinha amadurecendo do que como um gerador de preceitos avançados que se fizeram vigorosamente efetivos a seu tempo. Realmente, manteve-se a evolução do quadro sistemático da declaração de direitos anterior, mas o que se nota é que a relativa acomodação da força atuante dos sindicatos impediu um alargamento mais qualitativo da tese social, o que, de fato, poderia ter ocorrido num cenário de retomada do regime democrático.
7 Conclusão
Após a ditadura do Estado Novo – 1937 a 1945 –, o regime democrático encontrou-se novamente em um ambiente propício ao seu exercício e expansão. Sem embargo de certas restrições, a participação do povo na política cresceu de modo paulatino nos anos de 1946 a 1964, reunindo, em algumas manifestações da época, diversos setores da sociedade.
O avanço das mobilizações políticas reflete o significativo crescimento do potencial reivindicatório da participação popular, sendo produto desse ambiento democrático, exemplificativamente, as várias greves eclodidas no período e os movimentos estudantil, operário e camponês.
A organização e a amplitude alcançadas pelos novos atores políticos deram ensejo a relevantes conquistas no campo legislativo, como o Estatuto do Trabalhador Rural, aprovado em 1963, que estendia ao campo, de modo inédito, a legislação social e sindical.
Ressalta-se que o grau de contribuição dos setores da sociedade civil para esse processo de amadurecimento democrático pode ser aferido na evolução partidária, pois se trata do primeiro período da história brasileira que conviveu com partidos políticos de massa, nacionalmente organizados e possuidores de metas teoricamente definidas.
A Constituição de 1946, já no período de redemocratização do país após a ditadura do Estado Novo, manteve a substância do quadro esquemático da declaração de direitos e garantias individuais, buscando construir, em nome da justiça, os mais legítimos postulados constitucionais. É de se notar que, apesar da retomada do regime democrático, muito pouco se inova em termos legislativos em relação ao período anterior, o que sugere provavelmente uma relativa acomodação da capacidade mobilizadora dos sindicatos, em função das circunstâncias de conciliação política e cooptação da época.
8 Referencial Teórico
ANDRADE, Paes de. BONAVIDES, Paulo. História Constitucional do Brasil. 3ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 1991.
CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: O Longo Caminho. São Paulo: Civilização Brasileira, 2001.
COSTA, Luís Amad. MELLO, Leonel Itaussu. História do Brasil. 11ª ed. São Paulo: Scipione,1999.
D' Araujo, Maria Celina. DILLON SOARES, Gláucio Ary. 21 anos de Regime Militar. Rio de Janeiro. Editora da FVG, 1994.
FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo: Edusp, 2004.
MEDINA, Paulo Roberto de Gouvêa. Direito Processual Constitucional. 3ª ed. Belo Horizonte: Livraria do Advogado, 2005.