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Dupla garantia na responsabilidade civil do Estado: garantia em função do servidor ou do administrado?

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Agenda 17/08/2017 às 09:30

CONCLUSÃO

O texto foi dividido em três capítulos, com temas bem definidos que se concatenam para o nosso propósito de, além de revelar o atual tratamento dado à matéria, de forma crítica, expor, talvez, uma ideia que possa aprimorar o sistema.

A responsabilidade civil do Estado, no viés aqui apresentado, comumente não é tratada na doutrina. As exposições findam no ponto em que se anuncia que o agente, se agir com culpa ou dolo, será demandado em ação regressiva. Contudo, a operacionalização desse regresso é ponto omisso na maioria dos manuais.

Um elemento que nos moveu a abordar a temática foi, inicialmente, a controvérsia instalada entre o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal, mormente quando o STJ, nos seus julgamentos, aponta que a jurisprudência do Pretório Excelso é linear no sentido de admitir o acionamento direto do agente estatal. Não é, como visto no item 1.2.

Isso já compromete a força da decisão do STJ, a qual também foi por nós combatida no mérito, sempre defendendo que a leitura mais adequada do art. 37, § 6º, da CRFB, contempla uma segunda garantia, para além daquela destinada ao lesado, que prevê o acionamento do agente estatal apenas em regresso.

Esse regresso de que falamos não é um regresso ordinário, contemplado pelo CPC na figura da denunciação da lide, por exemplo. É um regresso que deve adequar-se às linhas do Direito Administrativo, contendo especificidades. Estas especificidades não podem ser ignoradas, já que são previstas justamente para dar uma institucionalização à Administração Pública, conferindo-lhe plena estrutura para realizar de forma livre o seu mister da consecução do interesse público, na visão democrática que propomos.

Por isso, a premissa inicial em que nos fundamos é de que, efetivamente, o agente estatal não pode ser demandado diretamente pelo administrado. Para tanto, fizemos uso do regime de regressividade que está em vigência desde a Constituição de 1946, que veio em detrimento do regime de solidariedade previsto nas duas Constituições anteriores.

O sistema da regressividade representa uma inovação jurídica advinda de uma nova ordem constitucional. Até então (Constituições de 1934 e 1937), vigia o sistema da solidariedade, que consagrava uma concorrência de devedores e anunciava a possibilidade legítima de o lesado agir, a sua escolha, diretamente contra o agente ou em face do Estado. Por isso entendemos que os defensores da solidariedade não argumentam um sistema de total impossibilidade jurídica, apenas está em descompasso com a ordem constitucional contemporânea.

Também preocupa o fato da instrumentalização desenfreada do processo com o fim de obter vantagem econômica com brevidade. Referimo-nos ao argumento de que o administrado/lesado, agindo diretamente em face do agente estatal, estaria se beneficiando em não receber pelo pagamento do precatório. 

Neste ponto, não somos indiferentes à situação atual desesperadora de algumas unidades da federação (e o Estado do Rio Grande do Sul é exemplo disso), no sentido de que o regime de precatórios pode representar, hoje, uma declaração vazia de direito a receber crédito, que será vivenciado somente por descendentes remotos do destinatário dos valores.

Ocorre que o sistema não pode ser quebrado por interesses que não são albergados pela ordem constitucional. Isso porque a escolha entre receber do Estado e receber do agente não está à disposição do lesado/administrado. Se assentamos que o Estado é o causador do dano, e o agente estatal age em seu nome (teoria do órgão), é o Estado que deve arcar com a indenização a que for condenado. E o modo desse pagamento, definido pela Constituição, é o sistema de precatórios (art. 100).

Este regime decorre da dualidade de relações que existe entre o lesado e o Estado (relação externa) e entre o Estado e o agente estatal (relação interna). Há autonomia nestas relações, que devem ser levadas em consideração, de modo a tratar a matéria com suas nuances típicas do Direito Administrativo.

Estabelecer uma faculdade de receber diretamente do agente estatal por não ser eficiente o pagamento por meio do precatório também viola uma outra autonomia, a sua como elemento da dignidade da pessoa humana. O agente estatal tem uma confiança de ser acionado somente em regresso quando houver comprovação de dolo ou culpa. 

A ação regressiva, também vimos, possui elementos que são distintos das regras ordinárias, como por exemplo requer a comprovação do pagamento da indenização pelo Estado, não bastando o trânsito em julgado da condenação.

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É por esse motivo, igualmente, que entendemos não ser possível a denunciação da lide ao agente estatal, uma vez que, segundo o CPC, o julgamento do processo principal será em conjunto com a denunciação da lide, quebrando a sistemática da ação regressiva típica da Administração Pública que visa ao ressarcimento de indenização por responsabilidade civil do Estado.

Ao mesmo tempo, identificamos um interesse relevante do agente estatal em acompanhar o processo, como terceiro, tendo em vista que o valor constituído na sentença condenatória é o que servirá para a ação de regresso. Então, nada mais adequado que assista ao Estado na relação processual, motivo pelo qual lançamos mão da assistência simples como a modalidade de intervenção de terceiros, dentre as previstas no CPC, que se amolda com menos dificuldades.

A ideia de o agente estatal acompanhar o processo, contribuindo, sobretudo, para a quantificação do dano, efetiva interesse jurídico posto a sua disposição, daí por que essa participação não anula nossa conclusão de que o lesado não pode acionar diretamente o agente estatal. Há uma distinção muito clara entre permitir que o lesado ajuíze a demanda em face do agente estatal e que o agente estatal, querendo, acompanhe por sua vontade o processo.

Ocorre que nem mesmo a figura da assistência, tal como prevista no CPC, consegue de modo exitoso permitir a formação do almejado “giusto processo”. Há alguns elementos que precisam ser aprimorados, como a forma de ingresso do agente (sugerindo seja mediante notificação, com ciência do processo, semelhantemente à previsão do art. 7º, II, da Lei do Mandado de Segurança), bem como os efeitos do recebimento do processo no estado em que se encontre que, se não for relativizado, pode comprometer de modo definitivo qualquer efetividade na sua participação. Deixamos estas proposições, na medida em que não puderem ser cumpridas pelo poder geral de cautela do juiz, de lege ferenda.

Ante tudo o que foi exposto, concluímos que há um grande passo na definição do tema, conforme vem decidindo o Supremo, cabendo ao STJ, se não preferir amoldar-se à conclusão do STF, rebatê-lo pelo menos criticamente. O sistema processual dos recursos pode auxiliar na estabilização da matéria.

Além disso, reflexões sobre a participação voluntária do agente estatal, considerando seu interesse eminentemente jurídico na formação do título, na demanda indenizatória devem impulsionar a criação de um modelo que permita chegar-se ao “giusto processo”, como aquele que, com dialeticidade, dá voz aos comandos do contraditório e ampla defesa, no que diz respeito a uma discussão independente da relação interna entre Estado e agente no bojo da relação processual formada entre o administrado e o Estado, sem comprometer a razoável duração do processo (art. 5º, LXXVIII, CRFB).

Somente acompanhando o curso inteiro do processo, e prestando auxílio ao Estado, poderemos entender que houve um “giusto processo” e extrair legitimidade da ação regressiva que a Administração Pública deverá ajuizar em face do agente estatal.

As ideias básicas devem estar bem claras: a conduta do agente no exercício do seu mister deve ser imputada ao Estado (teoria do órgão - impessoalidade), que, se causar danos, leva o lesado a buscar reparação civil com base na responsabilidade civil do Estado. O lesado deve ajuizar a ação contra o Estado, causador do dano que, se houver identificação do agente estatal que tenha agido com dolo ou culpa, faz nele surgir um interesse jurídico de acompanhar o processo, assistindo ao Estado, caso ele – o agente – entenda prudente. 

Com a participação do agente estatal, que será agido em regresso caso comprovado dolo ou culpa, a busca pelo ressarcimento do valor definido no título judicial vai ser muito mais legítima, já que formada com uma base dialógica sólida.

É esta a solução adequada que propomos à temática, sem quebrar as propriedades e peculiaridades do regime administrativo que há na relação entre o agente estatal e o Estado nas situações em que o Estado cause danos a terceiros.


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Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANCHOTENE, Danilo Gomes. Dupla garantia na responsabilidade civil do Estado: garantia em função do servidor ou do administrado?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5160, 17 ago. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/37322. Acesso em: 16 nov. 2024.

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