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Investigação criminal: primeiras análises pontuais do Projeto de Lei 5.776/13

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Agenda 03/10/2015 às 09:52

CONCLUSÃO

O Projeto de Lei 5.776/13, ao regular a Investigação Criminal pelo Delegado de Polícia e pelo Ministério Público, criando a dicotomia entre os instrumentos do “Inquérito Policial” e do “Inquérito Penal” tem a virtude de legalizar a atuação irregular que se propaga no país em investigações à margem de qualquer sustento legal realizadas pelo Ministério Público e legitimadas a fórceps pelo Supremo Tribunal Federal.  

Não obstante, o ideal seria a coragem para enfrentar os desafios de respeito à legalidade e, especialmente, à constitucionalidade. Há Juízes no Brasil, mas não são muitos, mesmo porque a exigência para o exercício jurisdicional às vezes é sobre – humana, sendo necessária extremada coragem para se colocar em defesa da lei e da Constituição, mesmo diante de fatos consumados ao seu arrepio, por piores que sejam as consequências práticas. Isso porque essas consequências somente são ruins em aparência, vez que na medida em que asseguram a legalidade e constitucionalidade, preservam valores e interesses que transcendem os meros casos concretos.

Há ainda uma terrível falha na legislação projetada, ainda em tempo de ser ajustada. Não há impedimento para que o mesmo membro do Ministério Público que conduz o Inquérito Penal oferte a denúncia e siga no processo. Isso é bastante indesejável, eis que a imparcialidade do “parquet” também é necessária na formação de sua convicção e na condução do processo. Como regular isso, seja pela criação de grupos especializados regionalizados somente para investigação pelo Ministério Público, seja pela delegação de presidência a outro Promotor que não seja o natural do processo futuro, selecionado em comarcas próximas, é um problema secundário. O importante seria haver essa previsão.

A crítica acima é formulada com ciência da Súmula 234 STJ que dispõe que “a participação de membro do Ministério Público na fase investigatória criminal não acarreta seu impedimento ou suspeição para o oferecimento da denúncia”. Entende-se que o alcance da Súmula é restrito aos casos de uma participação esporádica do Ministério Público, acompanhando diligências isoladas como, por exemplo, um interrogatório policial ou uma perícia ou mesmo atuando na sua função de controle externo da atividade policial. A Súmula a nosso ver não abrange, nem poderia o caso em que o Ministério Público conduz as investigações, presidindo-as do início ao fim, tal qual ocorrerá com o Inquérito Penal.   Observe-se que quando um Promotor foi Delegado de Polícia e atuou num Inquérito Policial, ele não pode ofertar denúncia e seguir no processo respectivo de acordo com o disposto no artigo 252, I c/c 258, CPP. Por que poderia fazê-lo se presidiu a investigação já como Promotor? Não há qualquer razão palpável para tratamento diferenciado.

Na verdade, como já dito, o ideal não seria a criação de uma legislação “ad hoc” para colmatar as ilegalidades já cometidas e acatadas, infelizmente, pelo Supremo Tribunal Federal pelos motivos já claramente expostos de uma bem urdida tática de conquista de atribuição à margem da lei. Mesmo porque, ainda que se impeça o  Promotor – Investigador de denunciar e seguir no processo, há que lembrar que o Ministério Público é um órgão caracterizado pela sua unidade. Dessa forma, a infração a um Sistema Acusatório ideal é inevitável. O Projeto de Lei 5.776/13 se apresenta, portanto, como uma opção de um “mal menor”, ao menos aparentemente. Isso porque cabe a indagação: será mesmo um “mal menor” acobertar ilegalidades pretéritas mediante legislações produzidas “ad hoc”? O mesmo serve para decisões jurisprudenciais que legitimam e evitam declarar a nulidade de investigações devido à sua repercussão social, ainda que marcantemente ilegais. Não haverá aí uma perda inestimável das garantias individuais e da própria efetividade do Princípio da Legalidade e da força das normas constitucionais?

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Por fim resta ressaltar que não haverá, acaso aprovado o Projeto, seja expressa, seja tacitamente, a revogação da Lei 12.830/13, que trata da investigação criminal conduzida pelo Delegado de Polícia, eis que esta não é incompatível com a legislação projetada e nem esta última trata inteiramente da matéria de investigação criminal, especificamente dos pontos regulados na Lei 12.830/13 que servem de complemento à futura legislação nos casos do Inquérito Policial. Serão normativas complementares e harmônicas no ordenamento jurídico brasileiro atinente ao tema da Investigação Criminal.


REFERÊNCIAS

CABETTE, Eduardo Luiz Santos. O papel do Inquérito policial no Sistema Acusatório: o modelo brasileiro. Disponível em www.jus.com.br , acesso em 12.05.2015.

GRECO FILHO, Vicente. Manual de Processo Penal. 9ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

LOPES JUNIOR, Aury. Sistemas de Investigação Preliminar no Processo Penal. 4.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006.


Notas

[1] Para maior aprofundamento quanto à crítica da atuação do Ministério Público na Investigação Criminal, remeto o leitor a trabalho anterior: CABETTE, Eduardo Luiz Santos. O papel do Inquérito policial no Sistema Acusatório: o modelo brasileiro. Disponível em www.jus.com.br , acesso em 12.05.2015.

[2] GRECO FILHO, Vicente. Manual de Processo Penal. 9ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 102.

[3] Note-se que isso torna mais inútil ainda o disposto no artigo 27 do Projeto ao tratar da tramitação direta.

[4] Na dicção do projeto é usada a palavra “requerimento”, absolutamente inadequada para a atuação do Delegado de Polícia.

[5] LOPES JUNIOR, Aury. Sistemas de Investigação Preliminar no Processo Penal. 4.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 140. 

Sobre o autor
Eduardo Luiz Santos Cabette

Delegado de Polícia Aposentado. Mestre em Direito Ambiental e Social. Pós-graduado em Direito Penal e Criminologia. Professor de Direito Penal, Processo Penal, Medicina Legal, Criminologia e Legislação Penal e Processual Penal Especial em graduação, pós - graduação e cursos preparatórios. Membro de corpo editorial da Revista CEJ (Brasília). Membro de corpo editorial da Editora Fabris. Membro de corpo editorial da Justiça & Polícia.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Investigação criminal: primeiras análises pontuais do Projeto de Lei 5.776/13. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4476, 3 out. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/40215. Acesso em: 26 dez. 2024.

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