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Trabalho decente e inclusão social:

a inserção da pessoa com deficiência visual no mercado de trabalho como afirmação de sua cidadania

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Agenda 28/06/2015 às 10:38

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como restou demonstrado, o trabalho é um valor em si mesmo, pois se trata de elemento que contribui para a autorrealização individual do ser humano e que serve de fonte de satisfação das necessidades materiais básicas e volitivas do trabalhador. Assim, se as pessoas só vivem em atividade, torna-se indelével a conexão entre trabalho, direito social constitucionalizado, dignidade e cidadania. Nesses termos, o trabalho deve ser entendido como um meio de expressão da dignidade da pessoa humana e afirmador da cidadania do indivíduo.

Portanto, a inclusão das pessoas com deficiência no mercado de trabalho repercute na sua qualidade de vida e de toda a comunidade, tornando viável uma sociedade mais tolerante e livre de preconceitos. Nesse sentido, o desenvolvimento de qualquer tipo de atividade laborativa permite ao indivíduo a utilização de suas habilidades e a demonstração de todo o seu potencial para o trabalho, propiciando-lhes edificar uma vida mais independente, com reflexos indiscutivelmente auspiciosos na sua autoestima e na sua socialização.

Entretanto, muitos empregadores ainda se negam a admitir pessoas com deficiência baseados na falsa suposição de que estas não terão condições de cumprir as funções que lhes forem atribuídas e que os gastos com as adequações do ambiente do trabalho serão muito elevados. Essa barreira atitudinal está arraigada na desconfiança, no preconceito e na discriminação. Ocorre que pessoas com deficiência possuem níveis de desempenho equivalentes e até mesmo superiores aos de seus colegas de trabalho sem deficiência, bem como apresentam excelentes registros de frequência. Além do mais, as despesas com os ajustes do ambiente do trabalho para os empregados com deficiência, em alguns casos, exigem somente pequenos investimentos por parte dos patrões, sendo que, na maioria das vezes, não há necessidade de realizar qualquer tipo de adaptação.

Destarte, a contratação de pessoas com deficiência deve ser considerada como outra qualquer, tendo em vista que se expecta dessa classe de trabalhadores assiduidade, dedicação, eficiência, profissionalismo e responsabilidade. Sendo assim, cabe a todos aqueles que admitem, assalariam e dirigem a prestação pessoal do serviço traduzir a deficiência em criatividade, produtividade e lucratividade, oportunizando a esse segmento da sociedade longas trajetórias de trabalho decente.  

No tocante ao arcabouço jurídico interno e externo, vislumbra-se que a legislação brasileira em vigor é compatível com as Convenções da OIT e com a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.

Os dados do Censo Demográfico 2010 sinalizaram um número crescente de pessoas com deficiência, máxime visual, em idade ativa para o trabalho. Em contrapartida, os resultados da RAIS apontaram que, embora o número de vínculos formais venha aumentando nesse segmento da sociedade, em números absolutos, o mercado de trabalho está estagnado se percentualmente considerado o número de postos de trabalho formais ocupados por pessoas com deficiência. Seus resultados indicam que, devido ao baixo volume de contratação, a existência de uma norma que destine vagas para indivíduos com deficiência nas empresas privadas ainda se faz imprescindível, pois, até os dias atuais, estas têm uma predileção pela admissão de trabalhadores com deficiências consideradas "mais leves".

A criação do sistema de cotas na esfera privada ocorreu com a clara intenção de gerar mais oportunidades de trabalho para pessoas com deficiência. Mais de duas décadas após o seu ingresso no ordenamento jurídico, visualiza-se alguma evolução na inclusão dessa mão de obra no mercado de trabalho formal. Porém, muitas contratações acontecem para livrar os empregadores da aplicação de multas por infringir a disciplina legal. Em virtude disso, mister se faz planejar a elaboração de meios de conscientização desses empregadores de sua função social.

No que diz respeito ao campo da (re)qualificação profissional, necessário se faz estabelecer como prioridade a ampliação das possibilidades de qualificação e requalificação de indivíduos com deficiência para o seu ingresso ou ascensão profissional no mercado de trabalho.

Especificamente quanto às pessoas com deficiência visual, constatou-se que, não obstante tenha o IBGE concluído que esta categoria de deficiência seja a mais incidente sobre a população brasileira e a que menos obstaculiza o ingresso dos indivíduos que a possuem no mercado de trabalho, conclusão esta que acredita-se ter se dado em virtude dos métodos de coleta e tratamento dos dados, bem como do conceito de deficiência visual empregado pelo referido instituto quando da realização do recenseamento, trata-se de uma deficiência bastante grave, que afeta um dos principais sentidos do ser humano, e que dificulta consideravelmente, em grande parte dos casos, uma inserção de qualidade no meio laborativo. Além do mais, os resultados da RAIS 2011 demonstraram que a deficiência visual aparece somente em 3º lugar no ranking de vínculos empregatícios declarados.

Diante do exposto, observa-se que as pessoas com deficiência visual ainda sofrem com o estigma, o que as inabilita para a aceitação social plena, notadamente na seara trabalhista. Por outro lado, não se pode deixar de mencionar também que o desenvolvimento de tecnologias assistivas tem colaborado para a inclusão desses indivíduos no mercado de trabalho. Ademais, se faz imperiosa uma melhor definição das formas de fiscalização empreendidas pelo Estado em relação ao cumprimento da Lei de Cotas para aumentar suas taxas de efetivação. Por fim, numa ação conjunta entre Estado, empregadores, sindicatos e sociedade civil, deve ser melhor analisada a natureza das soluções para a inserção da pessoa com deficiência no mercado de trabalho, tais como multas, termos de ajuste de conduta, premiações a empresas inclusivas, cursos de qualificação e requalificação profissional, acordos coletivos de trabalho e convenções coletivas de trabalho. Somente após isso a inclusão desse segmento da sociedade no mercado de trabalho se dará plenamente de acordo com os ditames legais, em conformidade com o conceito de trabalho decente e sem afrontar os princípios inclusivos.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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GOSDAL, Thereza Cristina. Dignidade do Trabalhador: um conceito construído sob o paradigma do trabalho decente e da honra. São Paulo: LTr, 2007. 160 p.

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PASTORE, José. Oportunidades de trabalho para portadores de deficiência. São Paulo: LTr, 2000. 245 p.


ANEXOS

Gráfico 1 - Taxa de atividade da população de 10 anos ou mais de idade com pelo menos uma das deficiências, por sexo e tipo de deficiência (%)

Fonte: Censo Demográfico 2010 – IBGE

Gráfico 2 - Nível de ocupação da população de 10 anos ou mais de idade,por sexo  e tipo de deficiência investigada (%)

Fonte: Censo Demográfico 2010 - IBGE

Gráfico 3 - Pessoas de 10 anos ou mais de idade segundo a posição na ocupação do trabalho principal (%)

Fonte: Censo Demográfico 2010 – IBGE

Gráfico 4 - Trabalhadores com deficiência, por tipo de deficiência

Fonte: RAIS/2011 - MTE

Tabela 1 - Total de empregos em 31/12 e variação absoluta e relativa, por tipo de deficiência

Tipo de Deficiência

RAIS/2010

RAIS/2011

Variação Absoluta

Variação Relativa (%)

Masculino

Feminino

Total

Masculino

Feminino

Total

Masculino

Feminino

Total

Masculino

Feminino

Total

Física

107.246

59.444

166.690

114.208

59.999

174.207

6.962

555

7.517

4,18

0,93

4,51

Auditiva

45.415

23.404

68.819

48.171

25.408

73.579

2.756

2.004

4.760

4,00

8,56

6,92

Visual

11.414

6.296

17.710

14.078

7.769

21.847

2.664

1.473

4.137

15,04

23,40

23,36

Intelectual

11.232

4.374

15.606

13.398

5.412

18.810

2.166

1.038

3.204

13,88

23,73

20,53

Múltipla

2.564

1.281

3.845

2.724

1.420

4.144

160

139

299

4,16

10,85

7,778

Reabilitado

22.322

11.021

33.343

21.268

11.436

32.704

-1.054

415

-639

-3,16

3,77

-1,92

Total de Deficientes

200.193

105.820

306.013

213.847

111.444

325.291

13.654

5.624

19.278

4,46

5,31

6,30

Não Deficientes

25.552.565

18.209.777

43.762.342

26.694.512

19.290.828

45.985.340

1.141.947

1.081.051

2.222.998

2,61

5,94

5,08

Total

25.752.758

18.315.597

44.068.355

26.908.359

19.402.272

46.310.631

1.155.601

1.086.675

2.242.276

2,62

5,93

5,09

Fonte: RAIS/2011 - MTE

Tabela 2 - Total de empregos em 31/12 e variação absoluta e relativa, por tipo de deficiência e gênero

Tipo de Deficiência

RAIS/2010

RAIS/2011

Masculino

Feminino

Total

Participação Masc./Total

Masculino

Feminino

Total

Participação Masc./Total

Física

107.246

59.444

166.690

64,34

114.208

59.999

174.207

65,56

Auditiva

45.415

23.404

68.819

65,99

48.171

25.408

73.579

65,47

Visual

11.414

6.296

17.710

64,45

14.078

7.769

21.847

64,44

Intelectual

11.232

4.374

15.606

71,97

13.398

5.412

18.810

71,23

Múltipla

2.564

1.281

3.845

66,68

2.724

1.420

4.144

65,73

Reabilitado

22.322

11.021

33.343

66,95

21.268

11.436

32.704

65,03

Total de Deficientes

200.193

105.820

306.013

65,42

213.847

111.444

325.291

65,74

Não Deficientes

25.552.565

18.209.777

43.762.342

58,39

26.694.512

19.290.828

45.985.340

58,05

Total

25.752.758

18.315.597

44.068.355

58,44

26.908.359

19.402.272

46.310.631

58,10

Fonte: RAIS/2011 – MTE

Tabela 3 - Número de empregos por grau de instrução e tipo de deficiência em 31/12/2011

Grau de Instrução

Física

Auditiva

Visual

Intelectual

Múltipla

Reabilitado

Total de Deficientes

Total de Empregos

Analfabeto

821

568

136

825

82

128

2.560

179.024

Até o 5º ano Incomp. do Ensino Fundamental

6.482

4.414

839

2.961

392

1.210

16.298

1.622.915

5º ano Completo do Ensino Fundamental

7.923

4.822

820

1.160

349

1.623

16.697

1.949.437

Do 6º ao 9º ano Incomp. do Ensino Fundamental

15.551

9.279

1.788

3.690

525

3.310

34.143

3.419.149

Ensino Fundamental Completo

18.662

9.888

2.143

2.521

540

4.385

38.139

5.719.587

Ensino Médio Incompleto

14.234

6.869

1.688

2.134

372

2.221

27.518

3.645.611

Ensino Médio Completo

77.690

27.875

9.765

4.977

1.393

14.377

136.077

20.017.322

Educação Superior Incompleta

9.127

2.297

1.060

196

126

1.402

14.208

1.899.665

Educação Superior Completa

23.717

7.567

3.608

346

365

4.048

39.651

7.857.921

Total

174.207

73.579

21.847

18.810

4.144

32.704

325.291

46.310.631

Fonte: RAIS/2011 - MTE

Tabela 4 - Remuneração média (R$) em 31/12/2011, por tipo de deficiência e gênero

Tipo de Deficiência

RAIS/2010

RAIS/2011

Variação Relativa (%)

Relação Rem.

Fem/Mac 2011 (%)

Masculino

Feminino

Total

Masculino

Feminino

Total

Masculino

Feminino

Total

Física

2.391,09

1.709,19

2.149,14

2.009,71

1.547,99

1.851,90

-15,95

-9,43

-13,83

77,03

Auditiva

2.392,65

1.360,23

2.042,75

2.462,98

1.437,01

2.110,11

2,94

5,64

3,30

58,34

Visual

2.044,70

1.567,44

1.876,07

2.445,92

1.710,66

2.186,40

19,62

9,14

16,54

69,94

Intelectual

850,86

738,08

819,15

897,82

809,56

872,42

5,52

9,68

6,50

90,17

Múltipla

1.540,24

1.301,77

1.460,07

1.537,93

1.190,42

1.418,65

-0,15

-8,55

-2,84

77,40

Reabilitado

2.394,98

1.898,14

2.235,40

2.354,09

1.807,12

2.167,83

-1,71

-4,80

-3,02

76,77

Total de Deficientes

2.273,36

1.593,37

2.039,82

2.090,97

1.502,99

1.891,16

-8,02

-5,67

-7,29

71,88

Não Deficientes

1.988,53

1.648,19

1.846,61

2.049,96

1.698,75

1.902,13

3,09

3,07

3,01

82,87

Total

1.990,68

1.647,89

1.847,92

2.050,35

1.697,75

1.902,13

3,00

3,03

2,93

82,80

Fonte: RAIS/2011 - MTE

Tabela 5 - Remuneração média (R$) em 31/12/2011, por grau de instrução e tipo de deficiência

Grau de Instrução

Física

Auditiva

Visual

Intelectual

Múltipla

Reabilitado

Total de Deficientes

Total de Empregos

Analfabeto

930,44

964,96

867,43

743,84

850,32

945,61

871,67

890,49

Até o 5º ano Incomp. do Ensino Fundamental

1.116,39

1.233,97

1.009,13

771,00

957,96

1.318,86

1.088,35

1.077,58

5º ano Completo do Ensino Fundamental

1.363,54

1.615,27

1.311,37

799,28

1.160,56

1.618,86

1.415,33

1.167,53

Do 6º ao 9º ano Incomp. do Ensino Fundamental

1,253,45

1.359,87

1.097,30

756,94

1.030,06

1.594,95

1.246,80

1.163,91

Ensino Fundamental Completo

1.333,88

1.688,33

1.228,47

846,48

1.302,63

1.900,99

1.451,64

1.213,68

Ensino Médio Incompleto

1.169,68

1.324,85

1.067,62

793,96

1.002,82

1.748,74

1.215,54

1.121,75

Ensino Médio Completo

1.521,91

1.866,35

1.559,48

928,98

1.274,12

2.100,58

1.631,30

1.464,32

Educação Superior Incompleta

2.191,36

2.496,86

2.002,08

1.567,80

1.568,85

2.732,00

2.263,79

2.216,00

Educação Superior Completa

4.251,13

5.860,54

5.900,70

2.959,05

3.825,56

3.609,45

4.635,25

4.457,54

Total

1.851,90

2.110,11

2.186,40

872,42

1.418,65

2.167,83

1.891,16

1.902,13

Fonte: RAIS/2011- MTE


Notas

[1] PASTORE, José. Oportunidades de trabalho para portadores de deficiência. São Paulo: LTr, 2001. p. 79.

[2] PASTORE, José. Oportunidades de trabalho para portadores de deficiência. São Paulo: LTr, 2001. p. 84.

[3] PASTORE, José. Oportunidades de trabalho para portadores de deficiência. São Paulo: LTr, 2001. p. 73.

[4] PASTORE, José. Oportunidades de trabalho para portadores de deficiência. São Paulo: LTr, 2001. p. 101-102.

[5] PASTORE, José. Oportunidades de trabalho para portadores de deficiência. São Paulo: LTr, 2001. p. 24.

[6] CARDOSO, Luciane. Direitos humanos e trabalhadores: atividade normativa da Organização Internacional do Trabalho e os limites do Direito Internacional do Trabalho. Curitiba, 2003. 332 f. Tese (Doutorado) - Universidade Federal do Paraná.

[7] GOSDAL, Thereza Cristina. Dignidade do Trabalhador: um conceito construído sob o paradigma do trabalho decente e da honra. São Paulo: LTr, 2007. p. 116.

[8] GOSDAL, Thereza Cristina. Dignidade do Trabalhador: um conceito construído sob o paradigma do trabalho decente e da honra. São Paulo: LTr, 2007. p. 130-131.

[9] BRITO FILHO, José Cláudio Monteiro de. Trabalho Decente: análise jurídica da exploração do trabalho - trabalho escravo e outras formas de trabalho indigno. 2 ed. São Paulo: LTr, 2010.

[10] Nesse levantamento, a deficiência visual foi investigada da seguinte forma: - Deficiência visual - Foi pesquisado se a pessoa tinha dificuldade permanente de enxergar (avaliada com o uso de óculos ou lentes de contato, no caso de a pessoa utilizá-los), de acordo com a seguinte classificação: Não consegue de modo algum - para a pessoa que declarou ser permanentemente incapaz de enxergar; Grande dificuldade - para a pessoa que declarou ter grande dificuldade permanente de enxergar, ainda que usando óculos ou lentes de contato; Alguma dificuldade - para a pessoa que declarou ter alguma dificuldade permanente de enxergar, ainda que usando óculos ou lentes de contato; ou Nenhuma dificuldade - para a pessoa que declarou não ter qualquer dificuldade permanente de enxergar, ainda que precisando usar óculos ou lentes de contato.

Sobre o autor
Matheus Viana Ferreira

Advogado da Ebserh. Chefe do Setor Jurídico de Serviços. Graduado em Direito pela Universidade Federal Fluminense – UFF. Pós-graduado com treinamento em Serviço – Modalidade Residência Jurídica – pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ. Pós-graduado em Direito Público pela Faculdade Legale. Pós-graduado em Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) pela Faculdade Legale. Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense – UFF.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERREIRA, Matheus Viana. Trabalho decente e inclusão social:: a inserção da pessoa com deficiência visual no mercado de trabalho como afirmação de sua cidadania. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4379, 28 jun. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/40381. Acesso em: 22 nov. 2024.

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