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Efeitos jurídicos da decisão do STF que considerou ilegal a incorporação dos quintos entre 1998 a 2001

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Agenda 27/06/2015 às 12:37

A consolidação do direito à percepção dos quintos em sede remuneratória não alcança a permissibilidade de pagamento de passivos pendentes.

RESUMO: O Supremo Tribunal Federal julgou inconstitucional, por violação direta ao princípio da legalidade e da reserva legal, a incorporação de quintos decorrente do exercício de cargos/funções comissionados no período compreendido entre a edição da Lei nº 9.624/1998 (2 de abril de 1998) e a Medida Provisória nº 2.225-45/2001 (4 de setembro de 2001), proclamando a modulação dos efeitos da decisão com vistas a desobrigar a devolução dos valores recebidos de boa-fé até a data do julgado, fato que tem provocado inúmeros questionamentos, de modo que o presente ensaio visa cuidar dos efeitos da decisão em ambiente administrativo.

Palavras chave: Incorporação. Quintos. MP 2.225-45/2001. Ilegalidade. STF.


(i) Contextualização do tema

Muitos questionamentos têm surgido posteriormente à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a incorporação dos denominados “quintos”, acolhida em repercussão geral no RE 638.115/ CE – CEARÁ.

Importante ressaltar que a discussão da matéria obteve repercussão geral junto ao Excelso Pretório após ter sido pacificada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), cujo entendimento não desbordou da orientação sufragada pelo Tribunal de Contas da União (TCU) no sentido da permissibilidade da incorporação de parcelas de quintos no período compreendido entre a Lei nº 9.624/98 e a MP nº 2.225-45/2001.

Podia-se dizer, portanto, que a situação estava consolidada em sede infraconstitucional, seja porque a matéria versada é, efetivamente, de índole legal; seja pelo fato da interpretação ter sido oferecida pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), última instância na escala judiciária para dizer o direito sob o ângulo revisional da matéria respectiva. Em outras palavras, estava sedimentada a matéria quando o assunto retomou ao palco jurídico, desta feita para se dizer que a interpretação dada pelo STJ foi equivocada. Ou melhor, consoante do STF, a jurisprudência firmada pelo STJ foi frontalmente ilegal a ponto de violar princípios básicos na Carta Maior, como os princípios da legalidade e da reserva legal. As normas advindas dos julgados proclamados pelo STJ e pelo TCU, deste modo, receberam a pecha de inconstitucionais pela nossa Corte Constitucional. Ponto.

Não obstante a formatação dada à matéria pelo Ministro Gilmar Mendes, Relator do RE 638.115/ CE, acolhida, por maioria, pelo Excelso Pretório em sessão de 19 de março de 2015, muitos servidores foram beneficiados com a interpretação até então agasalhada. Muitos em âmbito administrativo, e muitos outros em sede judicial. Todos, sem dúvida, sob o manto da boa-fé, haja vista a certeza declinada pelos órgãos incumbidos de dizer e controlar o direito. E, agora, como ficarão esses servidores? Quais os efeitos da decisão sobre o patrimônio constituído à luz de critério interpretativo anterior?

O voto do Ministro Gilmar Mendes, que deverá detalhar a modulação dos efeitos da decisão do STF ainda não foi liberado. Pelo menos até o final do fechamento deste artigo não se teve notícia do teor do voto.

Este ensaio, portanto, visa trazer luzes ao problema e criar uma teia aberta de discussão para sedimentar o roteiro que deverá ser seguido pela Administração Pública que, ao final, deverá executar as ações necessárias à aplicação do novel entendimento.


(ii) Do Direito ao Quintos: origem

Para melhor entender os efeitos jurídicos advindos com a decisão do STF é preciso falar da origem do direito. Razões são muitas, cabendo destacar a necessidade de se conhecer os meandros das condições que autorizaram a concessão do direito para se entender o porquê da incidência dos respectivos efeitos, haja vista que nem todos os servidores que possuem quintos incorporados estão a ela submetidos.

E, nesse campo, fica-se muito à vontade para cuidar da matéria porque o entendimento que esta articulista adotou, desde o início, foi contrário à incorporação de parcela de quintos em razão do exercício de cargo em comissão e/ou função de direção chefia e assessoramento no período compreendido entre a vigência da Lei nº 9.624/98 e a MP nº 2.225-45/2001 (8/4/98 a 5/9/2001), em que pese alguns pontos de discórdia com o fundamento oferecido pelo STF.

Aliás, foi nessa oportunidade que se esposou todo o conteúdo normativo em discussão, emaranhado pelas contradições trazidas pelas diversas medidas provisórias editadas a cada mês pelo então Chefe do Poder Executivo. Importante conferir o cerne da questão posta, cujos detalhamentos podem ser acessados oportunamente em artigo escrito em 2005 sob o título Incorporação de quintos/décimos com base na MP nº 2.225-45, do qual se extrai o seguinte excerto para melhor entendimento do tema:

Em que pese os conflitos literais que se encontram no próprio texto da Lei 9.624, de 1998, dela se extrai duas certezas: 1) a estabilidade financeira de que cuidava a Lei n.º 8.911, de 1994, foi por ela restabelecida; 2) de igual sorte, a estabilidade financeira, consubstanciada na possibilidade de concessão e atualização das parcelas de quintos com posterior transformação em décimos, teve prazo findo com a sua publicação, em 8.4.1998. Disso não se têm dúvidas. 

Lendo as normas trazidas pela Lei n.º 9.624, de 1998, constatamos o quão foi falho o legislador ao disciplinar o tema. O dever de agir do Poder Legislativo, resultante do princípio da necessidade da lei, nessa altura levado pela ineficiência da iniciativa do Poder Executivo, que editou as inúmeras medidas provisórias, demonstra que a intenção foi confundir o mais preciso hermeneuta. E isso é fácil de se verificar na medida em que o art. 1º da citada Lei confronta diretamente com seu art. 2º, eis que este tem o condão de anular a assertiva do primeiro, pois como pode computar-se quintos dentro de um limite/período de tempo certo (19.1.95 a 10.11.97) e depois transformá-los em décimos se, logo após, tem-se a prerrogativa de conceder e atualizar quintos até 8.4.1998? No mínimo foi uma pegadinha.

Nesse diapasão, há que se consentir que a Lei n.º 9.527, de 1997, no que se refere ao art. 15, que extinguiu e transformou os quintos/décimos em Vantagem Pessoal Nominalmente Identificada foi revogado pela Lei n.º 9.624, de 1998, tanto assim que foi possibilitado o cômputo desse interregno – 10.11.97 a 8.4.1998 – para o fim de quintos/décimos. E essa Lei, n.º 9.624/98, não transformou os quintos/décimos em Vantagem Pessoal Nominalmente Identificada – VPNI, eis que em momento algum deixa transparecer essa regra. Esse, aliás, o entendimento da Advocacia Geral da União no Parecer n.º WM-46/99, da lavra do Consultor Wilson Teles de Macedo, que embora tratando de outro tema ligado à questão, deixa assente o seguinte: “37. Infere-se que o legislador restabeleceu a nomenclatura dessas parcelas incorporadas, no entanto permanecem revogados os dispositivos que permitiam sua integração ao vencimento.” (In DOU de 21.12.99, p. 17).

Na verdade, em que pese a situação inusitada de alguns trechos da Lei n.º 9.624, de 1998, principalmente em relação aos critérios de incorporação a serem considerados, mas que já recebeu exegese adequada junto ao Tribunal de Contas da União (Decisão n.º 925/99), resta evidente que houve o restabelecimento da vantagem (quintos/ décimos) para ter efeito em relação a determinado período (termo certo), sem que houvesse a transformação da incorporação autorizada em Vantagem Pessoal Nominalmente Identificada – VPNI. Nesse contexto foi que adveio a Medida Provisória n.º 2.225, de 2001, que assim dispôs:

“Art. 62-A – Fica transformada em Vantagem Pessoal Nominalmente Identificada – VNPI a incorporação da retribuição pelo exercício de função de direção, chefia ou assessoramento, cargo de provimento em comissão ou de Natureza Especial a que se referem os arts. 3º e 10 da Lei n.º 8.911, de 11 de julho de 1994, e o art. 3º da Lei n.º 9.421, de 2 de abril de 1998.

Parágrafo Único. A VPNI de que trata o caput deste artigo somente estará sujeita às revisões gerais de remuneração dos servidores públicos federais.”

Nessa esteira de raciocínio é fácil vislumbrar que não houve mais a possibilidade de concessão ou atualização das parcelas de quintos/décimos, até porque a menção do dispositivo à legislação revogada torna claro que o que se está transformando em Vantagem Pessoal Nominalmente Identificada é uma parcela que já foi incorporada sobre critérios dessas normas, então revigoradas, com termo certo, pela Lei n.º 9.624, de 1998.[1]” (ALVARES, 2005)

No contexto apresentado, a MP nº 2.225-45/2001 não alargou o tempo de concessão da vantagem, eis que foi editada para cumprir o papel de transformar os quintos/décimos já incorporados em Vantagem Pessoal Nominalmente Identificada (VPNI), papel este que não foi devidamente cumprido pela Lei nº 9.624/98[2]. De qualquer sorte, não obstante o entendimento firmado, essa não foi a orientação que acabou sendo adotada pelo Tribunal de Contas da União e, posteriormente, pelo Superior Tribunal de Justiça. O Tribunal de Contas da União, muito embora tenha entendido, inicialmente, pela impertinência da incorporação de quintos no período compreendido entre a edição da Lei nº 9.624/98 e a MP nº 2.225-45/2001, acabou por mudar o rumo da questão ao decidir conforme a seguir:

“11. Convém lembrar que o Tribunal de Contas da União, ao reexaminar os Acórdãos nºs. 731 e 732/2003-TCU-Plenário, modificou o entendimento até então vigente acerca da incorporação de quintos, ao prolatar o Acórdão nº 2.248/2005-TCU-Plenário, no sentido de que ‘a inteligência que melhor se coaduna à matéria já exaustivamente analisada é a de que a Medida Provisória nº 2.225-45/2001 veio permitir a extensão do prazo quanto à incorporação da vantagem de quintos no período de 9/4/1998 até 4/9/2001, véspera de sua vigência, sendo a partir de então todas as parcelas de quintos incorporadas, inclusive a prevista no art. 3º da Lei nº 9.624/1998, transformadas em Vantagem Pessoal Nominalmente Identificada – VPNI, procedendo-se às modificações necessárias nos acórdãos recorridos (nºs. 731 e 732/2003-TCU-Plenário)’.

12. Ao firmar o entendimento acima, esta Corte de Contas admitiu a contagem do período residual eventualmente existente em 10/11/1997 – data de publicação da Lei nº 9.527/1997, que extinguiu a incorporação da retribuição pelo exercício de função de direção, chefia ou assessoramento, cargo de provimento em comissão ou de natureza especial a que se referiam os arts. 3º e 10 da Lei nº 8.911/1994 – para fins de incorporação de mais uma parcela de quintos, ou da primeira, consoante o item 9.2 do citado decisum:

(...)

13. Desta deliberação, infere-se que o período residual de exercício de função existente em 10/11/1997 poderá ser completado a qualquer tempo, antes ou após a nova data limite para incorporação de quintos, ou seja, 4/9/2001, véspera de publicação da MP nº 2.225-45/2001.” [3](o grifo não consta do original)

Pois bem, foi à guisa desse panorama que o STF, em 19 de março de 2015, ao julgar Recurso Extraordinário interposto pela União (RE 638.115/ CE – CEARÁ), “por maioria, apreciando o tema 395 da repercussão geral, conheceu do recurso extraordinário, vencidos os Ministros Rosa Weber, Luiz Fux, Carmen Lúcia e Celso de Mello. Em seguida, o Tribunal, por maioria, deu provimento ao recurso extraordinário, vencidos os Ministros Luiz Fux, Cármen Lúcia e Celso de Mello.” Na mesma oportunidade, o “Tribunal, por maioria, modulou os efeitos da decisão para desobrigar a devolução dos valores recebidos de boa-fé pelos servidores até esta data, nos termos do voto do relator, cessada a ultra atividade das incorporações concedidas indevidamente, vencido o Ministro Marco Aurélio, que não modulava os efeitos da decisão. Impedido o Ministro Roberto Barroso. Presidiu o julgamento o Ministro Ricardo Lewandowski. (STF, 2015)”

É sobre os efeitos da modulação concedida pelo STF que se passa a cotejar.


(iii) Dos Efeitos Jurídicos envolvidos com a decisão do STF

Em primeiro lugar, não se pode deixar de ressaltar que a apreciação da matéria pela Corte Constitucional trouxe para ela enorme precedente, cujos aspectos envolvidos não podem ser deixados de lado na análise da modulação dos efeitos da decisão.

 Sim, porque cuidar de matéria infraconstitucional sobre o crivo da violação dos princípios constitucionais da reserva legal e da legalidade abre um leque imenso de senões a serem cotejados, ainda mais quando se toma como paradigma as premissas alinhadas para auferir a vulneração dos citados preceitos constitucionais – dito para ocorrer de forma direta e frontal - e a circunstância de ter sido o julgamento concebido por maioria dos membros do STF[4]. 

 Ademais, o ineditismo das premissas postas no julgado frente ao debate da matéria pelos membros da Corte pôs em xeque o compromisso da função jurisdicional enquanto instituição garantidora dos direitos individuais e sociais colocados à sua avaliação, seja pela tardia solução da lide, quando o Judiciário já havia pacificado o entendimento sobre o tema em grau revisional pela mais alta corte do país para tal proceder[5], no caso, o STJ; seja porque o próprio STF, em inúmeros julgados, sinalizava pela inexistência de violação direta ao Texto Maior em hipóteses equivalentes. Vale conferir:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. INCORPORAÇÃO DE QUINTOS. DECADÊNCIA PARA A ADMINISTRAÇÃO ANULAR SEUS PRÓPRIOS ATOS. LEIS 9.784/1999 E 2.834/2001. CONTROVÉRSIA INFRACONSTITUCIONAL. AGRAVO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

I – É inadmissível o recurso extraordinário quando sua análise implica rever a interpretação das normas infraconstitucionais que fundamentam a decisão a quo. A afronta à Constituição, se ocorrente, seria apenas indireta.

II –Agravo regimental a que se nega provimento (ARE nº 800.898/DF-AgR, Segunda Turma, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, DJe de 27/5/14).

“AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. SERVIDOR PÚBLICO. INCORPORAÇÃO DE QUINTOS. QUESTÃO DECIDIDA À LUZ DA LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL PERTINENTE E DOS FATOS E PROVAS (SÚMULA 279/STF). INOVAÇÃO RECURSAL. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES.

Dissentir da conclusão do Tribunal de origem acerca do preenchimento dos requisitos legais para a incorporação dos quintos demandaria a análise de legislação infraconstitucional pertinente, bem como dos fatos e do material probatório constantes dos autos. Incidência da Súmula 279/STF. Precedentes. As teses levantadas pelo agravante que não fazem parte das razões do recurso extraordinário e que não foram discutidas pelo Tribunal de origem, sendo suscitadas somente nesta via recursal. Constitui-se, portanto, em inovações insuscetíveis de apreciação neste momento processual. Precedentes. Agravo regimental a que se nega provimento.” (RE 410823 AgR, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 09/04/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-083DIVULG 02-05-2014 PUBLIC 05-05-2014)

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO: INCORPORAÇÃO DE QUINTOS E DÉCIMOS. IMPOSSIBILIDADE DA ANÁLISE DA LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL. OFENSA CONSTITUCIONAL INDIRETA. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO” (AI 725.112/DF-AgR, Relatora a Ministra Carmen Lúcia, Primeira Turma, Dje de 8/05/2009). (os grifos não constam do original)

A percepção desse panorama é importante para análise da modulação dos efeitos da decisão, pois não se pode perder de vista que a Administração Pública aplicou o direito sob o roteiro alinhado pelos tribunais pátrios, conferindo a diversos servidores o usufruto de quintos/décimos em relação ao período questionado. E, em outros tantos, procedeu à obrigação de fazer, oriunda do cumprimento de decisões judiciais transitadas em julgado. Como, então ficará a situação desses servidores sob o comando da nova roupagem conferida à matéria?

Sob o contexto alinhado, três premissas básicas emergem como relevantes para análise da modulação. São elas: (a) existência de boa-fé dos beneficiados; (b) a origem decisória da incorporação, se ocorrida em sede administrativa ou judicial; e, por fim; (c) o tempo de percepção da incorporação até a data do julgamento pelo Excelso Pretório.

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Antes de adentrar na análise dessas premissas, outra exsurge como preliminar do exame a ser envidado, trata-se da repercussão da decisão sobre o crivo na natureza do recurso intentado à luz do que disse o STF no julgamento em comento, pelo que se acode de notícia constante do seu Informativo de Jurisprudência nº 778, de 16 a 20 de março de 2015, na ausência da disponibilização do teor do voto condutor da decisão (778, 2015):

No mérito, o Plenário pontuou que a decisão judicial a determinar incorporação dos quintos careceria de fundamento legal e, assim, violaria o princípio da legalidade. A decisão recorrida baseara-se no entendimento segundo o qual a Medida Provisória 2.225-45/2001, em seu art. 3º, permitiria a incorporação dos quintos no período compreendido entre a edição da Lei 9.624/1998 e a edição da aludida medida provisória. O referido art. 3º transformara em Vantagem Pessoal Nominalmente Identificada - VPNI a incorporação das parcelas a que se referem os artigos 3º e 10 da Lei 8.911/1994 e o art. 3º da Lei 9.624/1998. Não se poderia considerar que houvera o restabelecimento ou a reinstituição da possibilidade de incorporação das parcelas de quintos ou décimos. A incorporação de parcelas remuneratórias remontaria à Lei 8.112/1990. Seu art. 62, § 2º, na redação original, concedera aos servidores públicos o direito à incorporação da gratificação por exercício de cargo de direção, chefia ou assessoramento à razão de um quinto por ano, até o limite de cinco quintos. A Lei 8.911/1994 disciplinara a referida incorporação. Por sua vez, a Medida Provisória 1.195/1995 alterara a redação dessas leis para instituir a mesma incorporação na proporção de um décimo, até o limite de dez décimos. A Medida Provisória 1.595-14/1997, convertida na Lei 9.527/1997, extinguira a incorporação de qualquer parcela remuneratória, com base na Lei 8.911/1994, e proibira futuras incorporações. As respectivas parcelas foram transformadas em VPNI. A Lei 9.527/1997 não teria sido revogada pela Lei 9.624/1998, pois esta seria apenas a conversão de uma cadeia distinta de medidas provisórias — reeditadas validamente — iniciada anteriormente à própria Lei 9.527/1997. Desde a edição da Medida Provisória 1.595-14/1997, portanto, seria indevida qualquer concessão de parcelas remuneratórias referentes a quintos ou décimos. Em suma, a concessão de quintos somente seria possível até 28.2.1995, nos termos do art. 3º, I, da Lei 9.624/1998, enquanto que, de 1º.3.1995 a 11.11.1997 — edição da Medida Provisória 1.595-14/1997 — a incorporação devida seria de décimos, nos termos do art. 3º, II e parágrafo único, da Lei 9.624/1998, sendo indevida qualquer concessão após 11.11.1997. Nesse quadro, a Medida Provisória 2.225/2001 não viera para extinguir definitivamente o direito à incorporação que teria sido revogado pela Lei 9.624/1998, mas somente para transformar em VPNI a incorporação das parcelas referidas nas Leis 8.911/1994 e 9.624/1998. Assim, o direito à incorporação de qualquer parcela remuneratória, fosse quintos ou décimos, já estaria extinto. O restabelecimento de dispositivos normativos anteriormente revogados, a permitir a incorporação de quintos ou décimos, somente seria possível por determinação expressa em lei. Em outros termos, a repristinação de normas dependeria de expressa determinação legal. Assim, se a Medida Provisória 2.225/2001 não repristinara expressamente as normas que previam a incorporação de quintos, não se poderia considerar como devida uma vantagem remuneratória pessoal não prevista no ordenamento. Em conclusão, não existiria norma a permitir o ressurgimento dos quintos ou décimos levada a efeito pela decisão recorrida. Vencidos os Ministros Luiz Fux, Cármen Lúcia e Celso de Mello, que desproviam o recurso. Assentavam que a incorporação de gratificação relativa ao exercício de função comissionada no período de 8.4.1998 a 5.9.2001, transformando as referidas parcelas em VPNI, teria sido autorizada pela Medida Provisória 2.225-45/2001, em razão de ter promovido a revogação dos artigos 3º e 10 da Lei 8.911/1994. Por fim, o Plenário, por decisão majoritária, modulou os efeitos da decisão para desobrigar a devolução dos valores recebidos de boa-fé pelos servidores até a data do julgamento, cessada a ultra-atividade das incorporações concedidas indevidamente. Vencido o Ministro Marco Aurélio, que não modulava os efeitos da decisão.RE 638115/CE, rel. Min. Gilmar Mendes, 18 e 19.3.2015. (RE-638115)

Estabelecidas as premissas de análise, passamos ao estudo de cada qual sob o escopo da estrutura delineada.

(a)  Da decisão de mérito no RE 638115/CE: repercussão e entendimento primeiro da modulação nela fixada.

A par do julgamento, o primeiro ponto a ser destacado está na natureza da própria decisão proferida no Recurso Extraordinário nº 638.115/CE, cuja repercussão geral foi reconhecida pelo STF em 2011. É que, como regra, o reconhecimento da repercussão geral e consequente julgamento de mérito do recurso extraordinário pelo STF impõe a aplicação dos procedimentos previstos no art. 543-B do CPC/1973[6], que assim dispõe:

“Art. 543-B.  Quando houver multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica controvérsia, a análise da repercussão geral será processada nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, observado o disposto neste artigo

§ 1º Caberá ao Tribunal de origem selecionar um ou mais recursos representativos da controvérsia e encaminhá-los ao Supremo Tribunal Federal, sobrestando os demais até o pronunciamento definitivo da Corte

§ 2º Negada a existência de repercussão geral, os recursos sobrestados considerar-se-ão automaticamente não admitidos. 

§ 3º Julgado o mérito do recurso extraordinário, os recursos sobrestados serão apreciados pelos Tribunais, Turmas de Uniformização ou Turmas Recursais, que poderão declará-los prejudicados ou retratar-se.

 § 4o Mantida a decisão e admitido o recurso, poderá o Supremo Tribunal Federal, nos termos do Regimento Interno, cassar ou reformar, liminarmente, o acórdão contrário à orientação firmada.

§ 5º O Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal disporá sobre as atribuições dos Ministros, das Turmas e de outros órgãos, na análise da repercussão geral.” (o grifo não consta do original)

Nesse sentido, julgado o mérito do RE 638115/CE em sentido contrário à tese esposada na decisão recorrida – cuja inteligência era favorável à incorporação de quintos no período compreendido entre a edição da Lei nº 9.624/98 e a MP nº 2.225-48/2001 - caberá aos Tribunais de origem apreciar os recursos que tenham sido sobrestados[7] e proferir decisão em juízo de retratação. Ou seja, a orientação emanada da Corte Suprema passa a consubstanciar a tese paradigma a ser seguida pelos demais tribunais. Para melhor entendimento, vale trazer a lume o que diz Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart em sua obra Curso de Processo Civil - Processo de Conhecimento (MARINONI, 2008)sobre o tema:

“Se o Supremo Tribunal Federal concluir pela existência da questão de repercussão geral, não será o caso de se remeter a ele todos os recursos represados. Ao contrário, satisfeito o pressuposto recursal específico em questão, manifestar-se-á aquele Tribunal sobre o mérito do recurso extraordinário interposto. Ultimado este julgamento, caberá aos tribunais locais (ou aos seus sucedâneos, como as Turmas Recursais ou Turmas de Uniformização) – em que os outros recursos extraordinários aguardam para ser remetidos ao Supremo Tribunal Federal – apreciar, por si, tais recursos, podendo declará-los prejudicados (quando a deliberação da Corte Constitucional tenha sido no sentido da decisão recorrida) ou retratar-se, proferindo nova decisão (quando a decisão superior, no “caso paradigma”, tenha concluído contrariamente à tese da decisão recorrida). Se o tribunal a quo insistir em manter sua decisão, contrariando a orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal no “caso paradigma”, deverá o recurso extraordinário ser admitido e encaminhado à Excelsa Corte que, seguindo seu Regimento Interno, poderá liminarmente cassar ou reformar o acórdão contrário à sua opinião antes lançada (art. 543-B, § 4º).” (os grifos não constam do original)

Nesse sentido, ao considerar inconstitucional a incorporação dos quintos no período compreendido entre a edição da Lei nº 9.624/98 e da MP nº 2.225-45/2001, no âmbito da admissão do RE 638.115/CE, sob sistemática da repercussão geral, opera-se a irradiação dessa orientação aos demais tribunais, que ficam a ela cingidos. Cuida-se do que se convencionou chamar de fenômeno da abstrativação do controle difuso de constitucionalidade[8], mediante o qual o controle de constitucionalidade havido em sede incidental acaba por provocar a transcendência dos efeitos determinantes da decisão, que passa a refletir sobre as situações equivalentes levadas ao exame perante o Poder Judiciário, cuja repercussão em ambiente administrativo é imanente.

Pois bem, fixado o efeito da decisão proferida no RE 638.115/CE, resta identificar na decisão, cuja síntese consta no Informativo STF 778, acima transcrita, os aspectos da modulação concedida pelo STF.

Quanto a esse ponto, ficou evidenciado que o STF deixou vazar dois aspectos da modulação ao referir (a) que ela consistiria em não devolver os valores recebidos de boa-fé até a data do julgamento, qual seja, 19 de março de 2015; assim como (b) estaria cessada a ultra-atividade das incorporações concedidas indevidamente.

Ora, ao decidir que não se devolveria valores recebidos de boa-fé, ficou subtendido que embora a inconstitucionalidade albergasse todo o período em que a incorporação foi recebida à luz do critério interpretativo anterior, não haveria devolução. Exemplificando: quem teve 1/5 incorporado por força do referido critério e passou a perceber, desde 2005, o respectivo valor, ficou liberado da devolução até 19/3/2015. O problema está na disposição posterior da decisão, assente da cessação da ultra-atividade das incorporações. É que a ultra-atividade da lei consiste, em regra, no reconhecimento do direito à mantença de situação constituída sob a égide de norma anterior, ainda que esta tenha perdido sua vigência. E, no caso, ao cessá-la, ficou visível a intenção da Corte Constitucional em não mais permitir o usufruto da vantagem considerada indevida posteriormente ao julgamento. Nesse caso, tomando o exemplo anterior, o mesmo servidor que ficou liberado da devolução deixaria de usufruir, de igual sorte, a partir de então, da parcela que lhe foi concedida há mais cinco anos: não devolve, mas também não mais usufrui. Esse o entendimento primeiro que se extrai do texto decisório.

E é nesse contexto que exsurge a base de análise das três premissas básicas acima alinhadas: boa-fé; origem da incorporação e tempo de percepção da vantagem. Premissas sobre as quais se impõe a mitigação da modulação da tese paradigmática acolhida pelo STF, conforme se poderá constatar a seguir.

(b) Do Princípio da boa-fé

A primeira premissa concreta que exsurge para análise da modulação é a boa-fé dos servidores alcançados pela interpretação dita equivocada.

Não se pode deixar de levar em conta que a percepção da incorporação pelos servidores em relação ao período impugnado foi direito assegurado por interpretação advinda do próprio Poder Judiciário, no uso da sua função judicante. E, diga-se de passagem, nessa oportunidade já contava com o aval do Tribunal de Contas da União, órgão de controle externo, auxiliar do Poder Legislativo. Esse fato traz à baila a inequívoca boa fé dos titulares do direito como um referencial que não pode ser relevado.

Nesse sentido, a legitimidade dos atos de incorporação de quintos referentes ao interregno entre a edição da Lei nº 9.624/98 e a Medida Provisória nº 2.225-45/2001, ainda que tenha sido inicialmente confrontada com diversas teses contrárias, como a esposada por esta articulista à época, foi validada oficialmente por órgãos representativos do Estado, passando a gozar de confiabilidade e, como tal, entronizou no patrimônio dos servidores como direito individual sob o signo da boa-fé. Aliás, como bem refere Elody Nassar em sua obra Prescrição na Administração Pública, a boa-fé é um princípio que se ergue como valor cujas fronteiras transcendem os demais pela sua relevância à promoção da segurança jurídica, da qual é inseparável:

“A fé, para François Ost, no sentido originário e fundador do conceito, não é somente crença, mas relação, ligação interativa sob a forma de boa-fé, geradora de fidelidade e de confiança. A esta noção originária de fé Ost também relaciona a ideia de lealdade, cuja etimologia reme à figura da lei (lealdade, do latim legales),ligada ao sentido de fidelidadeaos compromissos e às instituições.

[...]

Atualmente, este princípio de boa-fé é compreendido, com justiça, como princípio geral de direito, regulador tanto das relações verticais entre governantes e governados quanto relações horizontais entre pessoas privadas ou entre Estados. Nas relações entre pessoas privadas, igualmente, o princípio de confiança legítima se traduz em fundamento da força obrigatória dos compromissos contratuais. A confiança é inseparável da segurança jurídica.

O tema adquiriu tamanha importância que lhe foi dado na doutrina estrangeira tratamento de verdadeiros princípio constitucional, sendo referido no direito alemão como princípio da proteção da confiança, no direito comunitário europeu como princípio da confiança legítima e no direito anglo-saxônico como princípio da proteção das expectativas legítimas.

[...]

A referência conjunta à segurança e à proteção da confiança não se dá sem razão, na medida em que esta efetivamente configura um instrumento para a afirmação da segurança jurídica.

Hartmut Maurer esclarece o sentido da proteção à confiança:

 A proteção à confiança parte da perspectiva do cidadão. Ela exige a proteção da confiança do cidadão que contou, e dispôs em conformidade com isso, com a existência de determinadas regulações estatais e outras medidas estatais. (...) O princípio da proteção à confiança situa-se em uma relação de tensão entre a estabilidade e flexibilidade.

As relações jurídico-administrativas são concepcionadas como aquelas que se orientam pelo sistema de princípios, normas e valores regentes da Administração Pública. Toda e qualquer exegese bem-sucedida há, portanto, de tomar em especial consideração a natureza principiológica e valorativa deste ramo do Direito Público.

Em tal prisma, o princípio da boa-fé avulta entre os demais, eis que descente direto do princípio superior da moralidade, guardando posição de autonomia em face do princípio da legalidade, por exemplo. (NASSAR, 2009)”( os grifos não constam do original)

A boa-fé, portanto, indica a necessidade de garantia da segurança ao cidadão que confiou na legitimidade dos atos emanados pela Administração. E, ao final, foi assentado na visível boa-fé dos destinatários da norma que o STF modulou os efeitos da decisão, proclamando a não devolução dos valores recebidos até 19 de março de 2015, data do julgado.

Não obstante, a boa-fé não se ergue como barreira apenas para tal finalidade, a sua proclamação conjugada à natureza da decisão e aos fatores temporais inarredáveis têm o condão de mitigar os próprios efeitos da modulação acolhida, e que, ao final, consubstanciam a análise das demais premissas postas.

Senão vejamos: 

(c) Da origem da incorporação: decisão administrativa ou judicial.

A concessão dos quintos, nos moldes julgado inconstitucional pelo Pretório Excelso, foi conferida aos servidores tanto por (1) decisão administrativa, respaldada pela jurisprudência reinante à época[9]; como por (2) decisão judicial.

No primeiro caso, o arcabouço jurídico esposado pelo órgão de cúpula de controle externo, no caso, o Tribunal de Contas da União, levou à incorporação de quintos sem alcançar, em muitos casos, a necessidade de pedido. No outro caso, a incorporação de quintos foi realizada sob o agasalho da coisa julgada, desencadeada, portanto, mediante feito judicial destinado a concretizar a eficácia da norma, cuja interpretação, agora impugnada, foi tida como adequada.

Entre as duas situações concretizadas, há que se dizer que a origem integralmente administrativa da incorporação de quintos em relação ao período compreendido entre a edição da Lei nº 9.624/98 e a MP 2.225-45/2001 possui caráter mais precário do que a decorrente da incorporação judicial. Embora ambas as formas de incorporação estejam sujeitas à consolidação pelo fator temporal - a ser levado em conta como elemento conjugado com a boa-fé -, à origem administrativa se impõe o alinhamento com o disposto no art. 54 da Lei nº 9.784/99, cujo cotejamento é realizado pela própria Administração Pública, conforme de vislumbrará mais adiante, com pormenores, ao ser cuidar da premissa relativa ao tempo de concessão da vantagem.

Na hipótese de a incorporação advir de decisão judicial, duas são as questões a serem levantadas. A primeira diz respeito à coisa julgada e, a outra, à forma jurídica de desconstituí-la.

Muitos servidores estão recebendo quintos incorporados com apoio em decisão judicial transitada em julgado. Algumas ações, inclusive, já conferiram a esses servidores o direito à percepção de passivos decorrentes da incorporação mediante execução do julgado. Outras estão pendentes de execução. E ainda existem ações judiciais em andamento, algumas para fazer face, apenas, à obrigação de pagamento dos passivos decorrentes da incorporação, eis que o valor da parcela já se fez incorporar à remuneração do servidor pela via administrativa[10].

Pois bem, sobre o tema da coisa julgada em face de inconstitucionalidade declarada pelo STF, a própria Corte Constitucional proferiu, em recente assentada[11], entendimento no sentido de que a declaração de inconstitucionalidade não deve alcançar a coisa julgada de maneira automática. Eis o teor do julgado:

O Tribunal, por unanimidade e nos termos do voto do Relator, apreciando o tema 733 da Repercussão Geral, negou provimento ao recurso extraordinário. Fixada a tese com o seguinte teor: “A decisão do Supremo Tribunal Federal declarando a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade de preceito normativo não produz a automática reforma ou rescisão das decisões anteriores que tenham adotado entendimento diferente. Para que tal ocorra, será indispensável a interposição de recurso próprio ou, se for o caso, a propositura de ação rescisória própria, nos termos do art. 485 do CPC, observado o respectivo prazo decadencial (art. 495)”. Presidiu o julgamento o Ministro Ricardo Lewandowski. Plenário, 28.05.2015. ( o grifo não consta do original)

No voto condutor da decisão, o Ministro Teori Zavascki assim firmou as balizas que sustentaram o julgamento, valendo à pena conferir pelos seus lídimos fundamentos:

“5. É importante distinguir essas duas espécies de eficácia (a normativa e a executiva), pelas consequências que operam em face das situações concretas. A eficácia normativa (= declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade) se opera ex tunc, porque o juízo de validade ou nulidade, por sua natureza, dirige-se ao próprio nascimento da norma questionada. Todavia, quando se trata da eficácia executiva, não é correto afirmar que ele tem eficácia desde a origem da norma. É que o efeito vinculante, que lhe dá suporte, não decorre da validade ou invalidade da norma examinada, mas, sim, da sentença que a examina. Decorrendo, a eficácia executiva, da sentença (e não da vigência da norma examinada), seu termo inicial é a data da publicação do acórdão do Supremo no Diário Oficial (art. 28 da Lei 9.868/1999). É, consequentemente, eficácia que atinge atos administrativos e decisões judiciais supervenientes a essa publicação, não atos pretéritos. Esses atos, mesmo quando formados com base em norma inconstitucional, não estão submetidos ao efeito vinculante da sentença, nem podem ser atacados por simples via de reclamação. Somente poderão ser desfeitos ou rescindidos, se for o caso, em processo próprio.

6. Isso se aplica também às sentenças judiciais transitadas em julgado. Sobrevindo decisão em ação de controle concentrado, declarando a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade da norma que lhes serviu de suporte, nem por isso se opera a automática rescisão das sentenças anteriores que tenham adotado entendimento diferente. Para que tal ocorra, será indispensável a propositura da ação rescisória própria, nos termos do art. 485, V, do CPC, observado o respectivo prazo decadencial (CPC, art. 495). Ressalva-se desse entendimento, quanto à indispensabilidade da ação rescisória, a questão relacionada à execução de efeitos futuros da sentença proferida em caso concreto, tema de que aqui não se cogita.

7. Pode ocorrer e, no caso, isso ocorreu que, quando do advento da decisão do STF na ação de controle concentrado, declarando a inconstitucionalidade, já tenham transcorrido mais de dois anos desde o trânsito em julgado da sentença em contrário, proferida em demanda concreta. Em tal ocorrendo, o esgotamento do prazo decadencial inviabiliza a própria ação rescisória, ficando referida sentença, consequentemente, insuscetível de ser rescindida por efeito da decisão em controle concentrado. Imunidades dessa espécie são decorrência natural da já mencionada irretroatividade do efeito vinculante (e, portanto, da eficácia executiva) das decisões em controle concentrado de constitucionalidade. Há, aqui, uma espécie de modulação temporal ope legis dessas decisões, que ocorre não apenas em relação a sentenças anteriores revestidas por trânsito em julgado há mais de dois anos, mas também em às demais situações em que o próprio ordenamento jurídico impede ou impõe restrições à revisão, qualquer que seja o motivo, de atos jurídicos ou sentenças já definitivamente consolidados no passado. São impedimentos ou restrições dessa natureza, v.g., a prescrição, a decadência e a coisa julgada. Isso significa que, embora formados com base em preceito normativo declarado inconstitucional (e, portanto, excluído do ordenamento jurídico), certos atos pretéritos sejam públicos, sejam privados não ficam sujeitos aos efeitos da declaração de inconstitucionalidade porque a prescrição, a decadência ou a coisa julgada inibem a providência extrajudicial (v.g., o lançamento fiscal) ou o ajuizamento da ação própria (v.g., ação constitutiva, executiva ou rescisória) indispensável para efetivar o seu ajustamento à superveniente decisão do STF. No âmbito criminal, configura hipótese típica de modulação temporal ope legis a norma que não admite revisão criminal da sentença absolutória (art. 621 do CPP), bem como inibe o agravamento da pena, em caso de procedência da revisão (art. 626, parágrafo único, do CPP). Isso significa que, declarada inconstitucional e excluída do ordenamento jurídico uma norma que tenha sido aplicada em benefício do acusado em sentença criminal transitada em julgado, há empecilho legal à eficácia executiva ex tunc dessa declaração, por falta de instrumentação processual para tanto indispensável. No caso, mais de dois anos se passaram entre o trânsito em julgado da sentença no caso concreto reconhecendo, incidentalmente, a constitucionalidade do artigo 9º da Medida Provisória 2.164-41 (que acrescentou o artigo 29-C na Lei 8.036/90) e a superveniente decisão do STF que, em controle concentrado, declarou a inconstitucionalidade daquele preceito normativo, a significar, portanto, que aquela sentença é insuscetível de rescisão. 8. O que se acaba de sustentar tem apoio na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a saber:(o grifo não consta do original)

Na hipótese em análise, a declaração de inconstitucionalidade declinada pelo STF no RE 638115/CE, ainda que tenha sido oferecida em controle difuso ou concreto de constitucionalidade, está envolta na repercussão de seus efeitos sob o roteiro dos institutos jurídicos que, hoje, como visto, mitigaram as diferenças entre o controle concentrado ou abstrato e controle difuso ou concreto de constitucionalidade. Na atualidade, o reflexo de uma declaração de inconstitucionalidade proferida pelo Excelso Pretório no bojo de uma ação incidental requisita e até mesmo exige, como contraponto, igual desiderato da proclamada em sede de controle concentrado, qual seja: a desconstituição da coisa julgada por meio de processo próprio. E é o próprio STF que assim revela[12]:

– A sentença de mérito transitada em julgado só pode ser desconstituída mediante ajuizamento de específica ação autônoma de impugnação (ação rescisória) que haja sido proposta na fluência do prazo decadencial previsto em lei, pois, com o exaurimento de referido lapso temporal, estar-se-á diante da coisa soberanamente julgada, insuscetível de ulterior modificação, ainda que o ato sentencial encontre fundamento em legislação que, em momento posterior, tenha sido declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, quer em sede de controle abstrato, quer no âmbito de fiscalização incidental de constitucionalidade.

– A decisão do Supremo Tribunal Federal que haja declarado inconstitucional determinado diploma legislativo em que se apoie o título judicial, ainda que impregnada de eficácia “ex tunc”, como sucede com os julgamentos proferidos em sede de fiscalização concentrada (RTJ 87/758 – RTJ 164/506-509 – RTJ 201/765), detém-se ante a autoridade da coisa julgada, que traduz, nesse contexto, limite insuperável à força retroativa resultante dos pronunciamentos que emanam, “in abstracto”, da Suprema Corte. Doutrina. Precedentes.(STF,RE 884358/RS, Relator Ministro Celso de Mello, julgado em 7/5/2015, DJe 15/4/2015),(o grifo não consta do original).

O diferencial está, particularmente, no feito paradigmático e nas ações que estavam em curso, possivelmente retidas para aguardar o desfecho da decisão em recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida. Melhor explicando: no processo em que foi analisada a causa (RE 638115/CE), levado como precedente judicial, e nos que foram possivelmente sobrestados, o efeito da inconstitucionalidade não depende de ação própria para desconstituição da situação porventura criada. Bastante a própria decisão sob o escopo literal da modulação conferida pelo Excelso Pretório, como visto acima. Para os alcançados por essas situações, a mitigação dos efeitos da modulação apresentada pelo STF basicamente inexiste.

Em relação às sentenças transitadas em julgado pendentes de execução e que, portanto, consubstanciam títulos executivos judiciais, é possível o cabimento de embargos sob o escopo do art. 741, inciso II, do CPC/1973, ex vi do disposto no seu parágrafo único[13], eis que na hipótese sub examine a declaração da inconstitucionalidade supervenientemente à sentença transitada em julgado tem o condão de tornar o título inexigível. Ou seja, a norma processual civil consolida a tese no sentido da relativização da coisa julgada, proclamando eficácia rescisória da decisão. Todavia, em que pese a prescrição legal - onde se observa, claramente, a tendência voltada a relativizar o postulado da coisa julgada, conferindo nítida eficácia rescisória aos embargos à execução alicerçado no parágrafo único do art. 741, do CPC -, a constitucionalidade desse dispositivo está sendo objeto de questionamento junto ao STF nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade nºs 2.418 e 3.740, ainda pendentes de julgamento.

Em todo caso, ainda que o STF não tenha declarado formalmente a inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 741 do CPC, existem decisões de cunho monocrático, mormente as da lavra do Ministro Celso de Mello, que conferem nítido afastamento da norma sob o fundamento de sua não adequação aos preceitos constitucionais que garantem a autoridade da coisa julgada. Vale conferir as decisões proferidas nos Recursos Extraordinários nºs 870.878/DF e 884.258/RS, assim como no ARE 854.686/DF, todas recentemente julgadas[14]. Cita-se, também, o Acórdão proferido no RE 592912 AgR/RS, cujo alicerce se pautou, igualmente, na inconstitucionalidade das premissas postas no citado dispositivo legal[15].

À guisa desse panorama - onde a inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 741 do CPC ainda pende de julgamento, em que pesem os pronunciamentos já realizados pelo próprio STF em controle difuso - algumas decisões judiciais estão encampando o prescrito no citado artigo e obstando a execução dos julgados que foram favoráveis à concessão da incorporação de quintos aos servidores, conferindo eficácia rescisória aos embargos à execução por força da decisão exarada no RE 638.115/RS.[16] A questão é um tanto quanto complexa, mas levando em conta a jurisprudência do STF, o certo seria buscar a desconstituição da sentença por meio de ação própria, no caso, a rescisória. O que se está a fazer, na verdade, é encurtando o caminho da rescisão, caminho este que está previsto, também, no novo CPC – Lei nº 13.105/2015, art. 535, § 5º (“Para efeito do disposto no inciso III do caput deste artigo, considera-se também inexigível a obrigação reconhecida em título executivo judicial fundado em lei ou ato normativo considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou do ato normativo tido pelo Supremo Tribunal Federal como incompatível com a Constituição Federal, em controle de constitucionalidade concentrado ou difuso.) que, diga-se de passagem, é mais completo do que o seu paradigma.

Em suma, as incorporações de quintos alcançadas mediante decisão judicial transitada em julgado podem vir a ser desconstituídas por meio de ação rescisória, observado o prazo prescricional de dois anos para tal proceder. Se a incorporação ocorreu por decisão judicial cujo prazo para propositura da ação rescisória já tenha se esgotado, a incorporação feita se sedimenta em favor do servidor beneficiado.

(d) Do tempo de percepção da vantagem.

Seja por efeito de decisão judicial, seja em face de decisão administrativa, o tempo em que o servidor está a receber a vantagem dos quintos sob o alicerce agora considerado inconstitucional é outro elemento que deve se agregar à análise da modulação acolhida pelo Excelso Pretório.

Como visto, se a origem da percepção dos quintos nos moldes rechaçados pelo STF é de cunho judicial, com decisão transitada em julgado, caberá à União propor ação rescisória para desconstituir a vantagem, observado o prazo prescricional. Nesses casos, o tempo atua como fator preponderante, eis que ultrapassado o prazo de dois anos, contado do trânsito em julgado da decisão, não mais será possível a proposição de ação rescisória, mantendo o servidor a incorporação havida.

Vale lembrar, porque já dito, que os servidores cuja decisão judicial estava em tramitação, como a que ora se sucedeu com o feito paradigma (RE 638.115/CE), a modulação apresentada pelo STF é plenamente aplicável, qual seja: não devolução dos valores recebidos até 19/3/2015 e consequente perda do percentual pago indevidamente, na hipótese de o servidor estar usufruindo dos efeitos da decisão. Nesse caso, o fator tempo não possui tanta influência, eis que a matéria ainda estava sub judice, sendo irrelevante o tempo em que o servidor estava usufruindo da incorporação.

Quanto às decisões administrativas, o tempo de percepção/concessão da parcela possui valor relevante. Mas ele não pode vir isolado, o tempo deve ser conjugado com a boa-fé para salvaguardar o direito subjetivo do servidor à mantença da incorporação. Tudo sob o amparo da segurança jurídica.

Em outras palavras, ao considerar inconstitucional, por vício de legalidade, a incorporação de quintos no período compreendido entre a edição da Lei nº 9.624/98 e a MP nº 2.225-45/2001, o STF acabou por julgar inválidos todos os atos concebidos com base na tese favorável à legalidade da incorporação. Dessa conclusão resulta o dever de a Administração invalidar os atos administrativos que tiveram por base a premissa dita ilegal. Não se trata de uma prerrogativa da Administração, mas de um dever – dever de restaurar a ordem jurídica dita violada.

Mas a Administração não pode, simplesmente, invalidar todos os atos que encontrar pela frente. Existem barreiras à invalidação que são postas no ordenamento jurídico e que são intransponíveis, eis que erguidas à luz de princípios inarredáveis, que emergem como expressões do próprio Estado Democrático de Direto, tais como o princípio da segurança jurídica; da boa-fé objetiva; e, da proteção da confiança, visto alhures. E, para construção dessas barreiras, o tempo é um fator que se agrega como elemento instaurador do respectivo obstáculo. Outra não é a lição de Weida Zancaner (ZANCANER, 2008). Ei-la:

“À vista do exposto, pode-se dizer que, em princípio, toda vez que nos deparamos com atos inválidos ampliativos de direitos, insuscetíveis de convalidação, a Administração Pública deverá invalidá-los. Para fazê-lo, entretanto, é mister que seu dever de invalidar possa ser exercitado – ou, em outras palavras, que o dever de invalidar não esteja obstaculizado por barreiras que o paralisem e transmutem este dever de invalidar em um dever de se abster, ou, quando o ato inválido produziu situação jurídica ampliativa de direitos ou concessivas de benefício, para destinatários de boa-fé,tendo decorrido um certo lapso de tempo desde a instauração da relação viciada; e existência de uma regra ou princípio de Direito que lhe teria servido de amparo se houvesse sido validamente constituída.

Em resumo: as barreiras ou limites ao dever de invalidar os atos ampliativos de direito ou resultam do mero decurso do tempo (a chamada prescrição).”

O tempo previsto como barreira para invalidar as situações jurídicas tidas como viciadas é de 5 (cinco) anos, conforme art. 54, da Lei nº 9.784/99, in verbis:

“Art. 54. O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé.

§ 1o No caso de efeitos patrimoniais contínuos, o prazo de decadência contar-se-á da percepção do primeiro pagamento.

§ 2o Considera-se exercício do direito de anular qualquer medida de autoridade administrativa que importe impugnação à validade do ato.” (o grifo não consta do original)

O prazo é cinco anos estipulados para a Administração invalidar seus atos é decadencial. E, nessa seara, presente a boa-fé do destinatário do direito, estar-se-á diante de obstáculo ou barreira à invalidação em sede administrativa. Exemplificando: servidor que, em âmbito administrativo, obteve, em 2005, por força de entendimento vigente à época – interpretação que deve ser tida como razoável, haja vista ter sido considerada adequada e oferecida por órgãos competentes para dizer o direito – a incorporação de 1/5 do valor da função exercida (DAS-1), não poderá ter essa parcela extraída de sua remuneração por força da decadência do direito de a Administração anular seus próprios atos; assim como não terá o Tribunal de Contas da União, em sua função fiscalizadora[17], a prerrogativa de assim o fazer, conforme já decidiu o STF em diversos julgados, a saber:                              

“4. O limite temporal para a anulação dos atos administrativos praticados em desconformidade com o direito foi fixado na Lei n. 9.784/1999, que estabelece:

“Art. 54. O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé” (grifos nossos)

A despeito da existência de norma específica tratando do processo no Tribunal de Contas da União (Lei n. 8.443/1992), “nada exclui os procedimentos do Tribunal de Contas da aplicação subsidiária da lei geral de processo administrativo federal” (MS 23.550/DF, Redator para o Acórdão o Ministro Sepúlveda Pertence, Plenário, DJ 31.10.2001).

O art. 69 da Lei n. 9.784/1999 estabelece que “os processos administrativos específicos continuarão a reger-se por lei própria, aplicando-se-lhes apenas subsidiariamente os preceitos desta Lei” (grifos nossos).

Sobre a aplicação da lei do processo administrativo, Irene Patrícia Nohara destaca:

“Os preceitos da [lei do processo administrativo] têm, conforme disposição expressa, aplicação subsidiária aos procedimentos específicos quando eles se omitirem em questões tratadas na lei geral federal. (…) A LPA e as leis específicas coexistem, sendo, no entanto, perfeitamente utilizáveis os direitos expressos na lei geral que tenham sido omitidos pela lei específica. (…) Constata-se (…) que qualquer garantia prevista em princípio ou regra constante da LPA poderá ter aplicação subsidiária aos procedimentos federais específicos que não tenham dispositivo legal que trate do assunto de outra forma” (Processo administrativo. São Paulo: Atlas, 2009, p. 454-457, grifos nossos).

A Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União (Lei n. 8.443/1992) não estabelece prazo para o exercício do direito de anular atos administrativos submetidos ao seu exame, daí a aplicação subsidiária da Lei n. 9.784/1999 nesse ponto.

5. A irretroatividade desse diploma legal impõe, contudo, que o prazo decadencial estabelecido no art. 54 somente se inicie após a entrada em vigor da lei. Nesse sentido, na assentada de 10.5.2011, no julgamento do Recurso Ordinário em Mandado de Segurança n. 27.022-AgR, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, a Primeira Turma deste Supremo Tribunal reiterou o seguinte entendimento sobre o início da contagem do prazo decadencial estabelecido na Lei n. 9.784/1999:

“EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ART. 54 DA LEI 9.784/1999. APLICABILIDADE A ATOS PRETÉRITOS. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.

I – O prazo de decadência deve ser computado a partir da vigência da lei que o instituiu e não tendo em conta atos pretéritos. II – Agravo regimental a que se nega provimento” (DJe 30.5.2011).

Na espécie vertente, o início do computo do prazo decadencial não ocorreu em 1996, ano em que praticados os atos que configurariam, em tese, a refutada ascensão funcional, mas a data em que a Lei n. 9.784/1999 entrou em vigor.

6. Entre a data da promulgação da Lei n. 9.784 (1º.2.1999) e a data em que, por determinação contida no item 9.3 do Acórdão 232/2005, foi instaurado o Processo TCU n. 12.377 (13.7.2005) passaram-se 6 anos 5 meses e 11 dias. Assim, é forçoso concluir pela decadência do direito da Administração de anular os atos de ascensão que beneficiaram os servidores do Tribunal Regional do Trabalho da 16ª Região.

7. Na assentada de 28.2.2012, no julgamento do Mandado de Segurança n. 28.953, de minha relatoria, ao examinar a legalidade das decisões proferidas pelo Tribunal de Contas da União no Processo TC n. 5.305/2004, que tratava da reestruturação de cargos realizada pelo Tribunal Superior do Trabalho e que motivou a instauração do processo no qual foi proferido o acórdão ora impugnado, a Primeira Turma deste Supremo Tribunal decidiu:

“EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. ANULAÇÃO DE ASCENSÕES FUNCIONAIS CONCEDIDAS AOS SERVIDORES DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DE ANULAÇÃO INICIADO MAIS DE 5 ANOS APÓS A VIGÊNCIA DA LEI 9.784/1999. DECADÊNCIA DO DIREITO DE ANULAR OS ATOS DE ASCENSÃO. SEGURANÇA CONCEDIDA” (DJe 28.3.2012).

Esse entendimento foi reiterado no julgamento do Mandado de Segurança n. 29.305, Relator o Ministro Marco Aurélio, que tinha como objeto determinação do Tribunal de Contas da União para que o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região anulasse atos de reenquadramento realizados há vários anos. Foram fundamentos da decisão:

“CONTROLE EXTERNO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO MOVIMENTAÇÃO FUNCIONAL FATOR TEMPO CONTRADITÓRIO. O ato de glosa do Tribunal de Contas da União na atividade de controle externo, alcançando situação constituída ocupação de cargo por movimentação vertical (ascensão), fica sujeito ao prazo decadencial de cinco anos previsto no artigo 54 da Lei nº 9.784/99 e ao princípio constitucional do contraditório, presentes a segurança jurídica e o devido processo legal” (Primeira Turma, pendente de publicação).

Na mesma linha, reconhecendo a decadência do direito da Administração Pública de rever atos de ascensão funcional praticados há mais de cinco anos, são precedentes as seguintes decisões do Plenário deste Supremo Tribunal Federal: MS 26.393, de minha relatoria, DJe 19.2.2010; MS 26.404/DF, de minha relatoria, DJe 19.2.2010; MS 26.117, Rel. Min. Eros Grau, DJe 6.11.2009; MS 26.353, Rel. Min. Marco Aurélio, DJe 7.3.2008; MS 26.406, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJe 19.12.2008; MS 26.628/DF, Rel. Min. Cezar Peluso, DJe 22.8.2008; MS 26.405/DF, Rel. Min. Cezar Peluso, DJe 22.8.2008; MS 26.790/DF, Rel. Min. Cezar Peluso, DJe 30.5.2008.  (STF, MS nº 31.300/DF, Relatora Ministra Carmem Lúcia, DJ-e )(o grifos não constam do original)

Bem se vê que, em ambiente administrativo, presente a boa-fé e o tempo decadencial de 5 anos, não mais se poderá cogitar da invalidação da incorporação de quintos havida à luz do critério interpretativo anterior, considerado, à época, adequado às normas constitucionais. Nessa hipótese, não se aplica a modulação apresentada pelo STF no RE 638.115/CE, eis que caberá a mantença, pelo servidor, do valor percebido, não se admitindo a sua exclusão da remuneração. Aos órgãos de controle caberá, portanto, observar a restrição.

Por outro lado, o servidor que obteve o direito à incorporação de quintos, ainda que de boa-fé, em prazo inferior a cinco anos, não está alcançado pela segurança jurídica. Ou melhor, o servidor que passou a receber a vantagem há menos de cinco anos da decisão proferida pelo STF (19/3/2015), circunscreve-se nas hipóteses de modulação apresentada no RE 638.115/CE, ou seja: não terá que devolver o que recebeu até essa data; mas deixará de usufruir da parcela que lhe foi concedida. Quanto a esses servidores, caberá à Administração o dever-poder de rever seus próprios atos para restaurar a ordem jurídica dita violada, observado, sempre, o devido processo legal e a ampla defesa.

Esse o sentido da precariedade das decisões administrativas, assentada na competência que possui a Administração Pública de processar, julgar e executar as ações que lhe foram confiadas sob o postulado do exercício legítimo do poder (legitimidade pelo exercício), cuja essência demarca o seu campo de atuação.

Sob tal perspectiva, a consolidação do direito à percepção dos quintos em sede remuneratória não alcança a permissibilidade de pagamento de passivos pendentes. Nesse caso, a Administração, ainda que esteja obstada a invalidar o ato concessório do direito aos quintos - enquanto parcela remuneratória de caráter continuado -, não está autorizada à execução de passivos dele decorrentes, operando-se o efeito rescisório da concessão quanto a esse ponto, por imperativo de ordem legal.  

Sobre a autora
Maria Lucia Miranda Alvares

Advogada do Escritório ACG - Advogados, Pós-Graduada em Direito Administrativo/UFPA, autora do livro Regime Próprio de Previdência Social (Editora NDJ) e do Blog Direito Público em Rede, colaboradora de revistas jurídicas na área do Direito Administrativo. Palestrante, instrutora e conteudista de cursos na área do Direito Administrativo. Exerceu por mais de 15 anos o cargo de Assessora Jurídico-Administrativa da Presidência do TRT 8ª Região, onde também ocupou os cargos de Diretora do Serviço de Desenvolvimento de Recursos Humanos e Diretora da Secretaria de Auditoria e Controle Interno. Pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisa Eneida de Moraes (GEPEM).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVARES, Maria Lucia Miranda. Efeitos jurídicos da decisão do STF que considerou ilegal a incorporação dos quintos entre 1998 a 2001. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4378, 27 jun. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/40384. Acesso em: 29 dez. 2024.

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