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A autorização da prisão civil por débito alimentar

Agenda 08/07/2015 às 12:23

Diante da relevância dos valores alimentares e sua relação com a dignidade da pessoa humana, a Constituição autoriza a prisão civil do devedor inescusável da obrigação de alimentos. Faz-se um paralelo entre a súmula 309 do STJ e o entendimento do novo CPC.

1. Introdução

Em linhas gerais, obrigação alimentar é vínculo jurídico por meio do qual um sujeito (alimentado) pode exigir de outro (alimentante) prestação que consista em recursos materiais, que possibilitem a subsistência do primeiro, que, por razões específicas, não dispõe de meios para tal.

Deixando de lado maiores detalhes sobre a obrigação alimentar em si, por escaparem ao escopo deste arrazoado, passa-se a expor acerca da possibilidade de prisão civil pelo descumprimento da referida obrigação.

Assim, de acordo com a literalidade do art. 5.º, LXVII, da Constituição da República, “não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel”.

Como se sabe, porém, o Supremo Tribunal Federal extirpou do ordenamento jurídico a possibilidade de prisão civil do depositário infiel, conforme decidido no Recurso Extraordinário 466.343/SP e, posteriormente, com a edição da Súmula Vinculante n.º 25.

Destarte, no direito brasileiro, apenas o inadimplemento injustificado de obrigação alimentar pode ocasionar prisão civil por dívida, de um a três meses, nos termos do art. 733, §1.º, do Código de Processo Civil.


2. Débito alimentar que autoriza a prisão civil

A prisão civil é método para constranger o devedor a pagar prestação alimentícia vencida. Ocorre que nem todo débito alimentar sujeita o devedor a esse método coercitivo. Conforme enunciado n.º 309 da  Súmula do Superior Tribunal de Justiça, “o débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende as três prestações anteriores à citação e as que vencerem no curso do processo”.

Indo direto ao ponto, o que se visa evitar é o uso da privação da liberdade a fim de coagir o devedor a pagar dívidas pretéritas que, pelo decurso do tempo, ficaram destituídas da urgência e essencialidade típicas dos valores de natureza alimentar. Para cobrança de valores anteriores às três últimas prestações, o CPC/73 prevê outros meios (art. 732).

Certos intérpretes do referido enunciado sumular defendem ser necessário aguardar o montante de três prestações vencidas a fim de que seja aplicável a prisão civil do devedor de alimentos. Ou seja: para haver prisão civil, deve haver, no mínimo, três prestações em atraso. O entendimento não parece razoável, pois implica sujeitar o alimentado a uma espera que lhe pode ser nociva, quiçá degradante, e, por vezes, fruto de mero capricho do alimentante.

Ao revés, deve-se considerar que as verbas alimentícias objetivam suprir necessidades básicas do alimentado (alimentação, moradia, vestuário, educação etc.), possuindo íntima relação com a dignidade da pessoa humana (CR, art. 1.º, III); dignidade essa que deve servir “como diretriz para a elaboração, interpretação e aplicação das normas que compõem a ordem jurídica em geral, e o sistema de direitos fundamentais, em particular (NOVELINO; Manual, p. 362).

Portanto, numa interpretação sistemática do ordenamento jurídico, o enunciado n.º 309 da Súmula do STJ deve ser entendido e aplicado dentro de limites semânticos que autorizem a prisão civil do devedor de alimentos já no inadimplemento da primeira prestação, até o da terceira, antes do ajuizamento da ação (ou da citação do réu, na literalidade da súmula), bem como pelas prestações que vencerem no curso do processo.

Isso deve ocorrer, a fim de, desde logo, constranger em grau máximo o devedor de alimentos a saldar a relevante prestação alimentar. Desse modo, o devedor somente se safará da prisão civil, se apresentar justificativa idônea para o inadimplemento, como ressoa do art. 5.º, LXVII, da Constituição e art. 733 do CPC/73.

Nesse sentido, eis ementa de didático julgado do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

APELAÇÃO CÍVEL. EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. ART. 733 CPC.

O fato de a execução ter sido ajuizada visando o recebimento de apenas uma prestação vencida não obsta seu recebimento e determinação de pagamento, sob pena de prisão, visto que a execução sob o rito coercitivo abrange, no máximo, as três últimas parcelas vencidas à data do ajuizamento da ação, além de todas as que se vencerem no curso da lide, conforme enunciado 309 da Súmula do STJ.  Máximo não se confunde com mínimo! Ao contrário: são conceitos antagônicos, como óbvio!

Basta haver uma parcela em atraso para que se mostre viável executá-la.  Não é jurídico e nem razoável impor-se a fome ao credor durante três meses para, somente após, autorizá-lo a ingressar com a cobrança do que lhe é devido!

PROVERAM. UNÂNIME.

(Processo: AC 70041351115 RS Relator(a): Luiz Felipe Brasil Santos Julgamento: 12/05/2011 Órgão Julgador: Oitava Câmara Cível Publicação: Diário da Justiça do dia 23/05/2011)

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Tal entendimento, sem dúvida mais adequado, foi expressamente encampado pelo Novo Código de Processo Civil (Lei 13.015/2015, ainda em vacatio legis), conforme art. 528, §7.º, verbis:

O débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende até as 3 (três) prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que se vencerem no curso do processo.

Com algumas alterações, o citado dispositivo praticamente transcreve o enunciado n.º 309 da Súmula do STJ. Nota-se o acréscimo do vocábulo “até”, que deixa claro a desnecessidade do acúmulo de três prestações vencidas para que se autorize a prisão civil. A interpretação adequada se faz com o uso de disjunções inclusivas: se o débito alimentar compreende uma ou duas ou três prestações anteriores ao ajuizamento da execução, está autorizada a prisão civil do alimentante.

Ponto relevante é o marco a partir do qual se mensura as três últimas prestações alimentares vencidas. O enunciado 309 do STJ diz ser a “citação”. A jurisprudência, contudo, vem considerando esse marco o ajuizamento da ação. E este foi o marco adotado pelo novo CPC (§7.º do art. 528), o que parece mais acertado e condizente com a segurança jurídica, pois é marco temporal dotado de maior grau de previsibilidade do que a citação do réu.


3. Conclusão

Diante da extrema relevância dos valores alimentares e sua relação com a dignidade da pessoa humana, a Constituição autoriza a prisão civil do devedor inescusável da obrigação de alimentos (CF, art. 5.º, LXVII).

Conclui-se, à luz do enunciado n.º 309 da Súmula do STJ, que tal método coercitivo é autorizado para constranger o devedor ao pagamento de, no máximo, três prestações vencidas até ajuizamento da ação (ou da citação), bem como as que vencerem no curso do processo. Tal entendimento se encontra expresso no Novo Código de Processo Civil (art. 528, §7.º). Débitos alimentares pretéritos (aqueles anteriores às três últimas prestações) somente poderão ser cobrados com uso de outros métodos que não a prisão civil.

Sobre o autor
Alex de Oliveira Ramos

Advogado, pós-graduando em Direito Público (Constitucional, Administrativo e Tributário).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RAMOS, Alex Oliveira. A autorização da prisão civil por débito alimentar: Interpretação da Súmula n.º 309 do Superior Tribunal de Justiça e referências ao novo Código de Processo Civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4389, 8 jul. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/40599. Acesso em: 23 dez. 2024.

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