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Em briga de marido e mulher, a Defensoria Pública também mete a colher

Agenda 24/07/2015 às 08:44

Em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher; só a Defensoria Pública, o Ministério Público, o órgão judiciário, a Polícia, o Estado e a sociedade. Violência doméstica e familiar contra a mulher é de interesse e responsabilidade de todos.

De conhecimento notório é o repudiável ditado popular "em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher".

Costumo dizer que nessa briga "ninguém mete a colher; só a Defensoria Pública, o Ministério Público, o Órgão Judiciário, a Polícia, o Estado, a Sociedade...".[1] Violência doméstica e familiar contra a mulher é de interesse e responsabilidade de todos.

Quando se lê a expressão "marido e mulher" na estigmatizante e preconceituosa máxima popular acima, deve-se interpretá-la expansivamente, colocando as mais variadas formas de relacionamento amoroso, afetivo, doméstico e familiar, não apenas a relação conjugal (esposo e esposa – cônjuges), mas também entre companheiros (abarcando-se a união estável homoafetiva[2] feminina), namorados, mãe e filhos, relação avoenga etc., desde que o sujeito passivo da violência seja do sexo feminino (vulnerabilidade pela situação de risco) e contra seu gênero.

Numa visão sistêmica[3], a violência intrafamiliar e de gênero é um problema social e histórico que merece atenção de todos, dos Órgãos Públicos e da Sociedade, até mesmo porque configura violação de direitos humanos.[4]

A cultura da violência de gênero é antiga, ultrapassa as barreiras das novas gerações, mantendo-se a desinformação e a propagação da ideia de relações afetivas de poder, em que um domina e explora o outro de maneira verticalizada, o que não se coaduna com a horizontalidade conjugal preceituada pela Constituição da República (CRFB), no § 5.°[5] do artigo 226.

A educação em direitos, a propagação da cultura do respeito às normas, às minorias e aos grupos sociais vulneráveis, da igualdade de gêneros, da normalidade da diferença, são instrumentos que potencializam a redução dos índices de violência social e urbana, mormente a familiar e de gênero.

À Defensoria Pública incumbe a "promoção dos direitos humanos", consoante nova redação do artigo 134, "caput", da CRFB, dada pela famigerada EC n. 80/2014, além da defesa da mulher vítima de violência doméstica e familiar e de outros grupos sociais vulneráveis que mereçam especial proteção do Estado, na inteligência do artigo 4.°, inciso XI, da LC n. 80/94, tachada de Lei Orgânica Nacional da Defensoria Pública - "LONDP"[6].

Dentre os mencionados instrumentos de mitigação da violência intrafamiliar e de gênero está a educação em direitos, enquanto missão da Instituição Defensorial, na forma do inciso III do artigo 4.° da LONDP, qual seja, "promover a difusão e a conscientização dos direitos humanos, da cidadania e do ordenamento jurídico".

Trata-se de atribuição extrajudicial, preventiva, inibidora da violência, educadora e conscientizadora, de defesa dos direitos humanos e proteção das camadas vulneráveis da Sociedade, merecendo destaque, especialização, aprimoramento e atenção estatal e institucional.

São essenciais, quiçá imprescindíveis, a criação de Núcleo Especializado[7] na Defesa das Mulheres e a especialização dos Defensores Públicos com atuação nesta seara sobremaneira delicada, exigente de olhar social sensível e cauteloso, devendo ser evitada a acumulação funcional de atribuição de defesa da mulher com outra ordinária, por exemplo, defesa criminal, defesa das Famílias e Sucessões, salvante casos de Núcleos de Direitos Humanos, Tutela Coletiva e de proteção de outros grupos sociais vulneráveis em situação de risco semelhante, cujo foco de inibição da violência e da prevenção do risco seja o mesmo.

A defesa das mulheres vítimas de violência (doméstica, familiar ou proveniente de relação íntima de afeto) exige cuidado especial, atenção institucional, devendo as Instituições Públicas responsáveis por seu enfrentamento (não combate) especializar seus Núcleos, seus membros e servidores, jamais tratando a educação em direitos na defesa das mulheres vítimas de violência como atuação de segundo escalão ou de menor importância institucional.

O artigo 27 da Lei Maria da Penha (LMP) prevê que “em todos os atos processuais, cíveis e criminais, a mulher em situação de violência doméstica e familiar deverá estar acompanhada de advogado”, salvo nos casos de requerimento de “MPU” (Medida Protetiva de Urgência), dada sua capacidade postulatória autônoma[8].

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Não sendo constituído Advogado Particular de sua confiança e preferência, em virtude da situação de vulnerabilidade jurídico-social e organizacional, a mulher vítima será assistida pela Defensoria Pública na forma do artigo 28[9] da aludida LMP.

A Defensoria atua na sua representação processual cível, familiar, além da substituição processual na tutela coletiva e função criminal acusatória. Neste âmbito, deixa-se de discutir a constitucionalidade da figura da “Assistência à Acusação”, como alegado reforço acusatório malferidor da igualdade processual do Sistema Acusatório; assim como, não se adentra à discussão sobre a natureza jurídica da atuação da Defensoria Pública em defesa da mulher vítima no Processo Penal, diversa do instituto da “Assistência à Acusação”, figurando como Instituição em defesa das mulheres vítimas, não estando adstrita ao regramento processual do Código de Processo Penal (CPP) e ao Órgão de Acusação (artigo 129, inc. I, da CRFB).

Dentre as mais diversas formas de atuação da Instituição Defensorial na defesa da mulher vítima de violência, indiscutivelmente, seu papel extrajudicial, coletivo e educador (educação em direitos) sobressai, sendo necessária sua atuação especializada e apartada como forma de potencializar o trabalho da Instituição em prol desses grupos sociais vulneráveis que diariamente convivem com desrespeitos culturais provenientes de sua própria relação intrafamiliar, base da sociedade e fonte de respeito ao próximo, da que natureza for.


Notas

[1] Frase proferida pela primeira vez pelo Autor deste texto em discurso de Audiência Pública, organizada pela Defensoria Pública do Estado do Maranhão (DPE/MA), em 05/03/2015 na Câmara Municipal de Imperatriz, na qual se discutiu, dentre outros temas, a defesa das mulheres vítimas de violência, as perspectivas e o plano de atuação da Instituição na cidade de Imperatriz, diálogo com as comunidades sociais e suas lideranças etc.

[2] O artigo 5.°, parágrafo único, da Lei n. 11.340 de 07/08/2006 (Lei Maria da Penha – “LMP”) preceitua que “as relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual”, dispositivo legal em consonância com o julgamento do STF no controle de constitucionalidade da ADI n. 4.277 e da ADPF n. 132.

[3] “... a visão sistêmica acredita que todas as coisas estão conectadas entre si (pessoas, animais, acontecimentos); tudo está ligado a tudo, mesmo quando essas conexões não parecem tão óbvias para nós. Nessa forma de ver o mundo, estamos o tempo todo influenciando e sendo influenciados por tudo e todos ao nosso redor” (NOOS, Instituto. Prevenção e atenção à violência intrafamiliar e de gênero: apoio às lideranças comunitárias. Rio de Janeiro: Instituto Noos, 2010, pág. 12).

[4] O artigo 6.° da LMP prevê que "a violência doméstica e familiar contra a mulher constitui uma das formas de violação dos direitos humanos".

[5] "§5.° Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher".

[6] "Art. 4.º São funções institucionais da Defensoria Pública, dentre outras: (...) XI – exercer a defesa dos interesses individuais e coletivos da criança e do adolescente, do idoso, da pessoa portadora de necessidades especiais, da mulher vítima de violência doméstica e familiar e de outros grupos sociais vulneráveis que mereçam proteção especial do Estado”.

[7] LONDP, artigo 107. A Defensoria Pública do Estado poderá atuar por intermédio de núcleos ou núcleos especializados...”

[8] “Art. 19.  As medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas pelo juiz, a requerimento do Ministério Público ou a pedido da ofendida.”

[9] “É garantido a toda mulher em situação de violência doméstica e familiar o acesso aos serviços de Defensoria Pública ou de Assistência Judiciária Gratuita, nos termos da lei, em sede policial e judicial, mediante atendimento específico e humanizado.”

Sobre o autor
Ígor Araújo de Arruda

Defensor público em Pernambuco desde 2015. Ex-defensor público no Maranhão entre 2012 e 2015. Autor do livro "Defensor Público Estadual: guia completo sobre como se preparar para a carreira" (JusPodivm, 2 edições). Coautor nos livros "Teoria Geral da Defensoria Pública" (D'Plácido, 2020) e “Defensoria Pública, Constituição e Ciência Política” (JusPodivm, 2021). Aprovado defensor público no I concurso público da Defensoria Pública da Paraíba. Nomeado analista judiciário do TJPB. Aprovado analista jurídico da SESCOOP/PB (2010). Ex-advogado privado na Paraíba. Ex-membro da Comissão de Direitos Difusos e Relações de Consumo da OAB/PB. Autor de artigos jurídicos, com especial citação no STJ (RHC 61.848-PA, T5, DJe 17.08.2016). Ex-professor e coordenador no curso Mege entre 2015 e 2021. Pós-graduado em Direito Público (2011-2012).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ARRUDA, Ígor Araújo. Em briga de marido e mulher, a Defensoria Pública também mete a colher. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4405, 24 jul. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/41180. Acesso em: 22 dez. 2024.

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