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O jornalista, a lei, o sigilo e a imbecilidade

Agenda 01/06/2016 às 13:32

Fala-se que jornalista somente poderia revelar interceptações sob sigilo se tiver uma ordem judicial. É o mesmo que dizer que alguém pode roubar se tiver uma ordem judicial. É crime! O juiz que autoriza a divulgação e o servidor que fornece o material são igualmente criminosos.

Um jornalista obtém informações e textos completos de interceptações telefônicas de uma investigação criminal. Ele obtém esses textos no fórum, sabe-se lá de quem. Publica tudo em um jornal.

Estamos num país onde há uma lei que vigora desde 1996 (Lei 9296/96) que regula as interceptações telefônicas estabelecendo clara e limpidamente:

A) Que as interceptações são sigilosas interna e externamente, num primeiro momento, ou seja, para os próprios investigados e seus defensores (interna) e para o público em geral (externa). Depois de terminadas as atividades de interceptação, o sigilo passa a ser somente externo e não há previsão de possibilidade alguma de divulgação de seu conteúdo, nem mesmo mediante ordem judicial. Terão acesso aos autos de interceptação somente as partes e o Juiz.

B) A divulgação indevida é prevista como crime (artigo 10 da Lei 9296/96). Crime este pelo qual respondem (ou devem responder) quaisquer divulgadores, sejam eles Juízes, Promotores, Delegados, Policiais, Jornalistas, Particulares ou quem quer que seja.

Assim sendo, instaura-se um Inquérito Policial para apurar a conduta criminosa do Jornalista e de quem mais com ela colaborou. Ora, o que seria natural se torna um assombro, e todos se assustam, principalmente quando o Jornalista é indiciado!

Aí vem a avalanche de imbecilidades:

É noticiado que um Delegado disse (frise-se que a Autoridade não aparece dizendo) que o Jornalista somente poderia revelar as interceptações se tivesse uma ordem judicial. Pelo amor de Deus! É o mesmo que dizer que alguém pode roubar se tiver uma ordem judicial! É crime! O Juiz que autorizar a divulgação é tão criminoso quanto o Jornalista, e quem lhe forneceu os materiais é criminoso. Não há exceção na lei para liberação do sigilo externo em momento algum!

Depois aparece um suposto advogado (ao menos assim identificado na reportagem sobre o caso), afirmando que o indiciamento do Jornalista é um atentado à liberdade de expressão! Trata-se de sigilo legal e constitucional. Nesse caso, então, se um jornalista publicar fotos de menores e seus nomes completos em notícias sobre atos infracionais e responder perante a lei (ECA - Lei 8069/90), haverá um atentado à liberdade de expressão!?

O Jornalista, coitado, parece ser o mais "inocente" no caso, afinal, não tem formação jurídica, afirma que pensava que podia divulgar, porque, afinal, pegou as informações direto no Fórum e o feito não estava sob sigilo. Não compreende que o sigilo deriva da lei e se refere especificamente sobre as interceptações. Mas, ele, além de ter o sagrado direito de defesa, é um leigo no assunto, merecendo nossa compreensão.

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O que mais assusta é um Ministro do Supremo aparecer e dizer que o indiciamento lhe parece uma "perseguição" ao Jornalista, dando opinião pública sobre um caso que mais dia menos dia pode cair sob sua jurisdição e, então, tornando-se impedido, e ainda propalando uma besteira sem tamanho como essa, ou seja, a de que a interceptação telefônica, em algum caso, seja qual for, pode ser divulgada, seja por quem for, por ordem de quem for, inclusive de Ministros do Supremo!

Ah! Mas isso acontece toda hora, inclusive nas grandes emissoras, e não num jornalzinho de interior, e nada ocorre. Isso é verdade. E é por isso que a população, o "coitado" do Jornalista envolvido e até os personagens do mundo jurídico esqueceram o que determina, claramente, cristalinamente, a lei. O normal se torna absurdo e o absurdo se torna normal. Esse é o nosso país!

Agora me digam: como é possível trabalhar na área jurídica nesse país? Pior, como é possível lecionar Direito nesse país?

Quanto ao Jornalista, parece que, diante desse quadro de absoluta "ignorantia legis" por gente supostamente dotada de formação jurídica, deveria ser absolvido ou mesmo ter seu Inquérito arquivado, desconsiderando-se a regra de que a ninguém é dado alegar desconhecimento da lei ("ignorantia legis neminem excusat"). Afinal, quem é que conhece a lei? Quem é que a cumpre? E, quando cumprem, todos se assustam!

Como se diz popularmente: "o último que sair, apague a luz, por favor"!

Sobre o autor
Eduardo Luiz Santos Cabette

Delegado de Polícia Aposentado. Mestre em Direito Ambiental e Social. Pós-graduado em Direito Penal e Criminologia. Professor de Direito Penal, Processo Penal, Medicina Legal, Criminologia e Legislação Penal e Processual Penal Especial em graduação, pós - graduação e cursos preparatórios. Membro de corpo editorial da Revista CEJ (Brasília). Membro de corpo editorial da Editora Fabris. Membro de corpo editorial da Justiça & Polícia.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CABETTE, Eduardo Luiz Santos. O jornalista, a lei, o sigilo e a imbecilidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4718, 1 jun. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/42071. Acesso em: 19 dez. 2024.

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