Sumário: 1. Introdução; 2. Quadro comparativo entre Complexo do Alemão e Complexo da Maré; 3. Históricos de ataques das facções criminosas contra as tropas militares federais no Complexo da Maré; 4. A insuficiência da investigação tradicional diante de crimes que envolvem organizações criminosas; 5. Conclusão
1. Introdução
Pesquisa feita pela Fundação Getúlio Vargas sobre Índice de Percepção do Cumprimento da Lei (IPCL- BRASIL), 1º trimestre de 2015, considerou as Forças Armadas a instituição mais confiável do Brasil.
Assim sendo, as Forças Armadas, em razão do seu poderio bélico e do alto grau de confiança que detém perante a sociedade, vem sendo vista, principalmente, pelo governo federal, pelo governo estadual e por grande parte da sociedade, como solução para as questões ligadas à segurança pública no Brasil.
Idealiza-se, dessa forma, que as FFAA possam restabelecer a Lei e a Ordem em complexos de favelas, localizados na cidade do Rio de Janeiro, onde a educação, a saúde, a segurança e a infraestrutura básica praticamente inexistem.
A cidade do Rio de Janeiro caracteriza-se, em relação aos outros entes da federação, por possuir o mais populoso assentamento de favelas localizado em áreas nobres e centrais da cidade. A maioria das comunidades cariocas está dominada por facções criminosas ligadas ao tráfico de drogas, dentre as quais se destacam: Comando Vermelho, Terceiro Comando Puro, Amigo dos Amigos e milícias.
Em razão do notório descaso governamental, no decorrer dos anos, o tráfico de drogas no Rio de Janeiro tomou conta das principais favelas cariocas, notadamente aquelas que se situam em pontos geográficos estratégicos, vale dizer, no alto dos morros cariocas, onde permitem que os agentes do tráfico tenham uma visão privilegiada de todos os automóveis e pessoas que ali ingressam ou em territórios que, além de permitirem uma pronta fuga, há facilidade de entrada de drogas e armas, tanto pela via terrestre como pela via marítima.
A primeira experiência de emprego das FFAA em comunidade carioca ocorreu, em 2008, no morro da Providência, numa operação de nítido cunho político, denominada operação Cimento Social, em que militares do Exército foram designados para protegerem trabalhadores que atuavam na reforma de casas de moradores daquele local. A operação foi considerada ilegal pela Justiça Eleitoral logo após a eclosão de um infeliz desfecho que culminou com a execução de três jovens moradores da Providência por uma facção criminosa inimiga do morro da Mineira. As aludidas vítimas, ao desacatarem militares federais, após serem submetidas a uma revista pessoal, foram entregues por um tenente do Exército a aludida facção.
Em virtude do ocorrido no mencionado episódio, o Exército foi notificado pela Justiça Eleitoral para encerrar a operação de reforma Cimento Social.
Todavia, a ousadia dos agentes do tráfico chegou ao seu ápice, no final de 2010, quando traficantes do Comando Vermelho, que dominavam o Complexo do Alemão e da Penha (um aglomerado de 12 favelas, com 130 mil habitantes – 2006), aterrorizaram a população do Rio de Janeiro, ao promoverem arrastões, incêndios a ônibus e automóveis nas principais vias da cidade.
Assim, ante a insuficiência, à época, dos órgãos de segurança estatal do Rio de Janeiro, foi desencadeada uma operação conjunta, com a participação das FFAA, a qual resultou na invasão e ocupação do território do Complexo do Alemão e da Penha. O Exército ali se instalou, com um efetivo aproximado de 1.800 militares, os quais permaneceram naquele Complexo, durante cerca de dois anos, exercendo patrulhas permanentes, busca e apreensões e prisões em flagrante. A dita operação foi considerada um sucesso em razão da comunhão dos seguintes fatores:
a) geografia do local, que permitiu a tomada de pontos estratégicos (casa de traficantes de drogas localizadas no alto do morro), onde foram instaladas bases militares.
b) domínio do Complexo Alemão, por apenas uma facção criminosa (Comando Vermelho), a qual, com a tomada da região pela FFAA, abandonou aquele Complexo de favelas em busca de outras regiões para implantação do comércio de drogas.
c) ausência de confrontos graves entre militares federais e traficantes com resultados letais.
Posteriormente, em 2014, com a participação das FFAA (Marinha , Exército e Aeronáutica), houve, no cumprimento da Lei e da Ordem, uma tentativa de pacificação no Complexo da Maré, um aglomerado de 17 favelas à margem da Baía de Guanabara, numa área de aproximadamente dez quilômetros quadrados, onde habitam mais de 130 mil pessoas, segundo último censo de 2010. O aludido território fica próximo às principais vias da cidade e ao Aeroporto Internacional do Rio de janeiro e é marcado por uma ferrenha disputa de hegemonia pelo comércio de drogas entre as referidas facções criminosas que vivem em diuturno e intenso clima de guerra.
As FFAA permaneceram, por um período de um ano e três meses , no Complexo da Maré, com emprego de cerca de 2.500 militares que se revezavam, num território extremamente adverso devido, principalmente, aos seguintes aspectos:
a) geografia do terreno que, por ser plano, não permitiu que as tropas militares visualizassem a origem dos disparos de armas de fogo efetuados por agentes do tráfico que, comumente, utilizavam lajes de moradores para deflagrarem ataques contra militares federais.
b) presença de três facções criminosas que lutavam entre si pelo domínio local do comércio de drogas, o que implicava em contínuos confrontos com utilização de moderna e pesada artilharia.
c) permanência dos traficantes no local, mesmo depois do ingresso das FFAA naquela região, diferentemente do que ocorreu no complexo do Alemão, onde houve evasão do tráfico enquanto as tropas federais permaneceram no local.
2. Quadro comparativo
O quadro abaixo, noticiado nos principais jornais da cidade, revelou as principais diferenças existentes entre as operações das Forças Armadas realizadas em dois dos maiores complexos de favelas do estado do Rio de Janeiro:
3. Ataques das facções criminosas contra militares federais no Complexo da Maré
Em razão dos Inquéritos Policiais Militares instaurados pelas Forças Armadas foi possível estabelecer o quadro abaixo , revelando os diversos ataques sofridos pelas tropas de militares federais:
4. A insuficiência da investigação tradicional diante de crimes que envolvem organizações criminosas
Ressalte-se, preliminarmente, que as organizações criminosas podem cometer crimes de natureza militar. Com efeito, a Lei 12.850/2013, ao definir organização criminosa como a associação de quatro ou mais pessoas estruturadas, de forma ordenada, com divisão de tarefas com objetivo de obter vantagem, mediante a prática de infrações penais, cujas penas máximas sejam superiores a quatro anos, não fez ressalva aos crimes de natureza militar.
Resulta inegável que as Forças Armadas atuaram no Complexo do Alemão e no Complexo da Maré contra perigosas organizações criminosas que, por diversas vezes, notadamente , na região da Maré, praticaram vários atentados contra a vida de militares do Exército e da Marinha, os quais culminaram com a morte de um cabo do Exército.
Nesse sentido, ficou demonstrado que a investigação tradicional, que consiste, em sua essência, na oitiva do indiciado, oitiva de testemunha, oitiva de ofendido, prova pericial, acareações, busca e apreensões e outras normatizadas pela legislação processual são ineficazes, por diversos fatores, diante de crimes que envolvem organizações criminosas , dentre os quais se destacam: a lei do silêncio que impera nesses ambientes; a lei do tráfico, que impõe pena de morte para aqueles que o desagradam ; e principalmente pelo aperfeiçoamento constante do crime organizado.
Com efeito, chamou atenção o fato de as investigações levadas a efeito, por intermédio de instauração de vários IPM, não terem logrado êxito no tocante à identificação dos autores dos disparos que deflagraram incontáveis tiros contra os militares federais que atuavam no cumprimento da Lei e da Ordem. Vale destacar que não se obteve sucesso nem mesmo nos diversos mandados de busca domiciliar expedidos pela Justiça Militar com a finalidade de apreender armas e munições utilizadas pelos traficantes contra as patrulhas das FFAA.
Faz-se necessário assim, para obtenção de algum êxito investigativo, em operações dessa envergadura, o emprego de técnicas de inteligência, algumas delas já inseridas na referida lei que definiu organizações criminosas:
DA INVESTIGAÇÃO E DOS MEIOS DE OBTENÇÃO DA PROVA
Art. 3º Em qualquer fase da persecução penal, serão permitidos, sem prejuízo de outros já previstos em lei, os seguintes meios de obtenção da prova:
I - colaboração premiada;
II - captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos;
III - ação controlada;
IV - acesso a registros de ligações telefônicas e telemáticas, a dados cadastrais constantes de bancos de dados públicos ou privados e a informações eleitorais ou comerciais;
V - interceptação de comunicações telefônicas e telemáticas, nos termos da legislação específica;
VII - infiltração, por policiais, em atividade de investigação, na forma do art. 11;
VIII - cooperação entre instituições e órgãos federais, distritais, estaduais e municipais na busca de provas e informações de interesse da investigação ou da instrução criminal.
Verifica-se assim que algumas técnicas operacionais típicas das atividades de inteligência foram incorporadas pela supracitada lei e devem ser utilizadas nos casos em que envolvam a participação das FFAA nas operações em comunidades comandadas por facções criminosas. É imperioso que haja o aprimoramento das investigações nos crimes praticados por organizações criminosas, com o emprego de modernas tecnologias. A justiça vem aos poucos consolidando o entendimento de que um elemento de informação ou de prova não é ilegal pelo simples fato de ter sido obtida com ajuda de órgãos de inteligência. O importante é que não ocorram violações de normas de direto material ou processual. Vejamos a seguinte decisão do Superior Tribunal de Justiça (HC 259.509- RJ- 2012).
O Superior Tribunal de Justiça, seguindo o entendimento da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, passou a inadmitir habeas corpus substitutivo de recurso próprio, ressalvando, porém, a possibilidade de concessão da ordem de ofício nos casos de flagrante constrangimento ilegal.
As gravações de imagens acostadas aos autos em que o paciente aparece em plena via pública na Vila Cruzeiro, portando um fuzil e uma pistola, e distribuindo drogas aos seus comparsas em motocicletas, fortemente armados, aliadas às informações colhidas pelo Serviço de Inteligência da Polícia do Rio de Janeiro, dando conta de sua função de gerente do tráfico, são dados suficientes para demonstrar sua participação na associação criminosa responsável pelo comércio ilícito de drogas naquela localidade.
É pacífico o entendimento dessa Corte Superior, no sentido de que a incidência a majorante do uso de arma de fogo prescinde de apreensão e perícia, quando comprovado por outros meios sua potencialidade lesiva, tais como a palavra da vítima, das testemunhas ou mesmo pela captação de imagens.
Na espécie, a gravação ambiental mostra, de forma clara e irrefutável, que ao proceder a distribuição de drogas aos seus comparsas, o paciente buscava assegurar o sucesso da mercancia ilícita mediante o porte de um fuzil e uma pistola.
Habeas corpus não conhecido.
Outro ponto que merece ser considerado, sob a ótica deste autor, consistiu na falta de cooperação e interação entre as diversas instituições federais, estaduais e municipais durante a ocupação da Maré pelas FFAA, na tentativa de pacificação daquele Complexo de favelas. De fato, em razão das peculiaridades geográficas da Maré, penso que, para melhor resultado das operações, seria imprescindível a desapropriação pelo Estado de casas ou terrenos localizados em pontos estratégicos, determinados a partir de investigações levantadas pelo setor de inteligência, a fim de que fossem instaladas bases e barricadas militares, tal como, em certa medida, ocorreu no Complexo do Alemão.
5. Conclusão
Diante da expectativa de que as FFAA continuem a atuar em operações de Garantia da Lei e da Ordem em outras comunidades do Rio de Janeiro dominadas pelo tráfico de drogas, se afigura, sob o aspecto da investigação, imprescindível, como acima aventado, que haja interação e integração entre todos os órgãos governamentais e entes federativos incumbidos no combate ao crime organizado, bem como a utilização de novas ferramentas de investigação, previstas na Lei 12.850/2013. A par disso, embora a solução do problema referente ao tráfico de drogas esteja longe de ser alcançado, é necessária a presença efetiva do estado nessas áreas mais carentes deste, investindo em uma melhor qualidade de vida para os moradores, oferecendo oportunidades de estudo e emprego aos adolescentes , que hoje são cada vez mais aliciados e recrutados pelo tráfico, que oferecem aos jovens quantias bem superiores àquelas auferidas, como fruto de trabalho honesto, pelos seus pais e pela maioria da população residente em comunidades carentes.
Referências
BRASIL. Lei 12.850/ 2013. <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12850.htm> Acesso em: 11 ago. de 2015.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, HC 259.509 RJ, 2012, <http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/23368549/habeas-corpus-hc-259509-rj-2012-0241135-6-stj/inteiro-teor-23368550> Acesso em: 11 ago. de 2015.
MARTINS, M. A. Folha de São Paulo, São Paulo, 27 ago. 2015. Cotidiano.