No julgamento do Recurso Especial Nº 1.348.458 – MG, o Superior Tribunal de Justiça aborda um dos temas mais controvertidos do Direito de Família contemporâneo, referente ao reconhecimento de certos direitos às chamadas entidades familiares paralelas. Muitos juristas, apegados ao dogma da família patriarcal, monogâmica e matrimonial sustentam a impossibilidade jurídica dos arranjos familiares simultâneos, a exemplo de uniões estáveis paralelas, ou nomeadamente a concomitância de união estável e casamento, produzirem quaisquer efeitos jurídicos. No acórdão em referência, o Superior Tribunal de Justiça abraçou a corrente mais restritiva, entendendo não ser possível o reconhecimento da união estável paralela, entre outras razões porque “embora não seja expressamente referida na legislação pertinente, como requisito para configuração da união estável, a fidelidade está ínsita ao próprio dever de respeito e lealdade entre os companheiros”.
Essa posição, com todo respeito, confronta com a jurisprudência de diversos tribunais estaduais. Aliás, o próprio STJ, no julgamento do REsp 1.126.173/MG, de 9 abril de 2013, ainda que para fins de aplicação da Lei nº 8.009/90, decidiu que o devedor, possuindo entidades familiares simultâneas e concomitantes, tem estendida a impenhorabilidade do bem de família a ambos os imóveis utilizados como residência pelas famílias paralelas.
Por outro lado, não posso deixar de expressar a minha concordância com a decisão no que tange ao princípio da monogamia. Absolutamente correta a afirmação de que “ao analisar as lides que apresentam paralelismo afetivo, deve o juiz, atento às peculiaridades multifacetadas apresentadas em cada caso, decidir com base na dignidade da pessoa humana, na solidariedade, na afetividade, na busca da felicidade,na liberdade, na igualdade, bem assim, com redobrada atenção ao primado da monogamia, com os pés fincados no princípio da eticidade”.
Tenho plena convicção sobre a permanência do princípio monogâmico como um dos princípios basilares do nosso Direito de Família legislado, ao lado da afetividade, da busca da felicidade, da isonomia de gênero e do melhor interesse da criança e do adolescente.
Entretanto, e aqui expresso minha discordância, todo e qualquer princípio está sujeito à colisão com outros princípios e até mesmo com outras regras, submetendo-se, portanto, a contínua e permanente operação de ponderação. A convivência dos princípios é sempre tensa, conflitual e, por isso, não pode o princípio da monogamia impedir o reconhecimento de determinados direitos, especialmente quando estiver em jogo o macro princípio da dignidade da pessoa humana. Os princípios colidentes coexistem, deixando de ser aplicados em um caso ou em outro, de acordo com o seu peso ou sua importância naquela situação concreta, mas permanecendo no ordenamento.
Da mesma forma que se reconhecem direitos ao casamento putativo, a despeito de sua invalidade ou mesmo inexistência, em prol do princípio da boa fé, é de se reconhecer também juridicidade às uniões paralelas quando, através de uma operação de ponderação e sopesamento, se puder afastar o princípio monogâmico no caso concreto.
A proteção da família em seu sentido mais amplo deve abranger, inclusive, a multiplicidade da entidade familiar, em hipóteses excepcionais. Acrescento, finalmente, que negar efeitos jurídicos do Direito de Família ao segundo par conjugal implica favorecer a irresponsabilidade e enfraquecer tanto o princípio monogâmico como o dever de fidelidade. Na medida em que o "infrator" sabe que o segundo relacionamento não lhe impingirá obrigações nem acarretará direitos, ele se sentirá muito mais à vontade para infringir a lei.