Pretende-se, neste trabalho, analisar se a inclusão opcional de parcelas remuneratórias (relativas ao local do trabalho e/ou ao exercício de cargo em comissão ou função de confiança) na base da contribuição destinada ao custeio do plano de benefícios da Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal do Poder Executivo – Funpresp-Exe está ou não atrelada à opção pela inclusão das mesmas parcelas na base de cálculo de contribuição do servidor para o RPPS.
A princípio, poder-se-ia cogitar que a opção de inclusão de tais parcelas na base de contribuição da previdência complementar está condicionada ao cômputo dessas mesmas parcelas no âmbito do Regime Próprio de Previdência Social – RPPS dos servidores públicos federais, tendo em vista o caráter complementar da previdência privada em relação ao regime próprio de previdência pública. Isso porque, em função dessa característica, as coberturas previdenciárias deveriam ser inter-relacionadas e justapostas, com reflexos na base contributiva.
Todavia, essa leitura do caráter complementar da previdência privada restou superada no atual estágio legislativo, como observa Arthur Bragança de Vasconcellos Weintraub:
Até a criação da Lei Complementar nº 109/2001, a Previdência Privada tinha imanente os conceitos de complementar ou suplementar.
Era complementar quando, dentro de um plano de benefício definido, era direcionado a completar o valor do benefício oficial até alcançar o valor do trabalho ativo.
Era suplementar quando apenas acrescia valor ao benefício oficial.
A característica da complementaridade da Previdência Privada em relação à Previdência Pública não tem o conteúdo de outrora. É complementar no sentido da suplementação facultativa dos benefícios, como determina o art. 202 da Constituição.
Antes do advento da Emenda Constitucional nº 20, havia uma conexão generalizada dos planos previdenciários privados e a concessão de benefícios previdenciários oficiais.
Como a maioria dos planos era de benefício definido, o valor efetivo do benefício da Previdência Privada dependia do montante do benefício oficial, pois “complementava”, ou melhor, completava o valor do benefício oficial até alcançar o montante de remuneração do período ativo (manutenção absoluta do padrão de vida). Quando não alcançava o valor da ativa era denominado subsidiário.
O termo “complementar”, preceituado na Constituição, tem interpretação agora de suplemento (...).
Será então não complementar, mas sim ancilar ao participante na sua necessidade de aposentação. Sendo auxiliar, utiliza esta ajuda a quem quiser. A facultatividade de ingresso na Previdência Privada propicia ao trabalhador um ingresso voluntário na Previdência Privada, na busca pela manutenção do padrão de vida quando da inatividade.[1]
Nem haveria como a previdência complementar do servidor público garantir aos seus participantes benefícios correspondentes à exata diferença entre o teto do Regime Geral de Previdência Social – RGPS e a remuneração auferida na atividade, tendo em conta a imposição legal da modalidade de contribuição definida aos respectivos planos de benefícios (art. 12, caput, da Lei nº 12.618/2012[2]). A soma dos benefícios previdenciários do servidor, decorrentes do RPPS e da Previdência Complementar, poderá ser menor ou até maior que o valor da sua remuneração, a depender, dentre outros fatores, do plano de benefícios e dos rendimentos do fundo.
Isso quando houver correspondência entre os benefícios, já que o regulamento do plano previdenciário complementar pode prever benefícios distintos daqueles estabelecidos no RPPS,[3] o que reforça seu caráter suplementar.
Outrossim, não há qualquer imposição legal de que o regime de previdência complementar tenha lugar somente após o atingimento do teto do RGPS pelo servidor. Há, inclusive, previsão no regulamento do plano da Funpresp-Exe (art. 5º[4]) de categorias de participantes cuja remuneração não atinge o teto do RGPS ou foi total ou parcialmente perdida, inclusive pela extinção do vínculo funcional, além de participantes que sequer estão submetidos àquele teto. O que não se admite é a contrapartida do patrocinador, na previdência complementar, salvo em relação à parcela da remuneração do participante que exceder aquele limite[5] quando o servidor a ele estiver submetido.
Isso porque somente as contribuições normais ensejam a contrapartida do patrocinador. E, como se infere da interpretação conjugada do caput com o §4º do art. 16 da Lei nº 12.618/2012, as contribuições normais são aquelas incidentes sobre a parcela da base de contribuição que supera o teto do RGPS. Confira-se:
Art. 16. As contribuições do patrocinador e do participante incidirão sobre a parcela da base de contribuição que exceder o limite máximo a que se refere o art. 3o desta Lei, observado o disposto no inciso XI do art. 37 da Constituição Federal.
(...)
§ 4o Além da contribuição normal, o participante poderá contribuir facultativamente, sem contrapartida do patrocinador, na forma do regulamento do plano.
(...)
Ainda, numa interpretação sistemática da Lei nº 12.618/2012, tem-se que o art. 16, inclusive por se reportar ao art. 3º, considera contribuição normal aquela correspondente ao participante padrão da previdência complementar, isto é, o servidor submetido ao teto do RGPS cuja remuneração extrapola tal limite. Na classificação adotada no regulamento do plano de benefícios da Funpresp-Exe, trata-se do participante ativo normal.[6]
Por outro lado, nos termos do §1º do art. 16 da Lei nº 12.618/2012, a base para a contribuição (normal) é “aquela definida pelo §1º do art. 4º da Lei nº 10.887, de 18 de junho de 2004, podendo o participante optar pela inclusão de parcelas remuneratórias percebidas em decorrência do local de trabalho e do exercício de cargo em comissão ou função de confiança”. Ou seja, conquanto facultativa a inclusão das parcelas remuneratórias relativas ao local do trabalho e ao exercício de cargo em comissão ou função de confiança, uma vez realizada a opção pelo servidor, tais verbas passarão a integrar a base da contribuição usual para a previdência complementar (contribuição normal), que não se confunde com a base das contribuições facultativas, a qual deve ser definida no regulamento do plano (§4º do art. 16 da Lei nº 12.618/2012).
O regulamento do plano de benefícios da Funpresp-Exe não destoa desse entendimento, verbis:
Art. 12. Entende-se por Salário de Participação:
I - para o Participante Ativo Normal, a parcela da sua Base de Contribuição que exceder o Teto do RGPS;
(...)
Art. 13. O Plano será mantido a partir das receitas previstas a seguir, em conformidade com o Plano de Custeio Anual:
I - Contribuições de Participantes e Assistidos:
a) Contribuição Básica: a ser aportada pelo Participante Ativo Normal e pelo Participante Autopatrocinado, decorrente de opção de Participante Ativo Normal, de caráter obrigatório e mensal, correspondente a uma alíquota escolhida pelo Participante e incidente sobre o respectivo Salário de Participação, observado o disposto no § 1º deste artigo, com a seguinte destinação:
(...)
II - Contribuições de Patrocinadores:
a) Contribuição Básica: a ser aportada pelo Patrocinador, em favor de cada Participante Ativo Normal, de caráter obrigatório e mensal, correspondente a 100% (cem por cento) da Contribuição Básica do Participante Ativo Normal, observado o limite máximo de 8,5% (oito inteiros e cinco décimos por cento) do Salário de Participação do respectivo Participante Ativo Normal, com a seguinte destinação:
(...)
O fato de a previdência complementar do servidor público federal ter em sua base de contribuição as mesmas parcelas remuneratórias componentes da base de contribuição do RPPS não significa que, juridicamente, haja uma só base de contribuição, compartilhada por ambos os regimes previdenciários. Embora, por força da remissão contida no §1º do art. 16 da Lei nº 12.618/2012,[7] sejam coincidentes as verbas que as integram, exceto quanto às parcelas opcionais,[8] trata-se, a rigor, de duas bases de contribuição distintas, uma relativa à previdência complementar, outra ao RPPS. Aliás, nada impediria que as parcelas obrigatoriamente integrantes da base de contribuição fossem fixadas de forma diversa para cada regime previdenciário, tal como verificado em relação às parcelas opcionais. A remissão constitui mera opção político-legislativa.
A autonomia das bases de contribuição decorre da autonomia da previdência complementar em relação à previdência pública, princípio extraído do caput art. 202 da Constituição Federal, verbis:
Art. 202. O regime de previdência privada, de caráter complementar e organizado de forma autônoma em relação ao regime geral de previdência social, será facultativo, baseado na constituição de reservas que garantam o benefício contratado, e regulado por lei complementar. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
Embora o art. 202 se refira apenas à autonomia em relação ao RGPS, contempla também o RPPS. Primeiro, porque a previdência privada não é restrita aos trabalhadores sujeitos ao RGPS nem há razão para que, relativamente aos servidores vinculados a RPPS, a previdência complementar esteja atrelada ao regime previdenciário oficial. Segundo, porque o §15 do art. 40 da Constituição afirma textualmente que o regime de previdência complementar dos servidores titulares de cargos efetivos observará “o disposto no art. 202 e seus parágrafos, no que couber”, sendo plenamente cabível a autonomia organizacional.
A autonomia significa que a previdência complementar é estruturada de forma independente e desvinculada da previdência oficial, ou seja, “que sua estrutura normativa está separada do Sistema Nacional de Previdência Social”[9]. Logo, quaisquer vinculações entre os regimes previdenciários, por constituírem exceções, devem ser expressamente estabelecidas e restritivamente interpretadas, de modo a interferir minimamente nessa autonomia.
Pois bem, não há qualquer norma que condicione a inclusão das parcelas opcionais[10] na base de cálculo da previdência complementar do servidor público à inclusão das mesmas parcelas na base de contribuição do RPPS. Pelo contrário, o próprio §1º do art. 16 da Lei nº 12.618/2012 ressalta que a base de contribuição nele definida[11] é “para os efeitos desta Lei (nº 12.618/2012)”, ao passo que o §2º do art. 4º da Lei nº 10.887/2004 alude à inclusão de parcelas opcionais “para efeito de cálculo do benefício a ser concedido com fundamento no art. 40 da Constituição Federal e no art. 2º da Emenda Constitucional no 41, de 19 de dezembro de 2003”.
Assim, uma vez realizada a opção, pelo participante, de inclusão daquelas parcelas, sobre elas incidirá a contribuição normal devida à Funpresp-Exe quando presentes os demais requisitos legais e regulamentares, notadamente a superação do teto do RGPS. Obviamente, sendo as parcelas incluídas apenas na base de cálculo da previdência complementar, surtirão efeito apenas nesse âmbito, não havendo qualquer repercussão nos benefícios do RPPS.
Em suma, nada obsta que o participante ativo normal passe a ostentar essa qualidade justamente em razão da inclusão das parcelas opcionais na base de contribuição à Funpresp-Exe, independentemente de realizar opção correlata no âmbito do RPPS. Nessa hipótese, caso a base de contribuição, excluídas as parcelas opcionais, fique aquém do teto do RGPS, haverá uma parcela da remuneração sobre a qual não incidirá contribuição nem para o RPPS, nem para a Funpresp-Exe. Para a Funpresp-Exe, a contribuição normal de participante (ativo normal) e patrocinador somente incidirá sobre o salário de participação, isto é, sobre a parcela da sua base de contribuição (incluindo eventuais parcelas opcionais) que exceder o teto do RGPS.
Notas
[1] In Previdência Privada – Doutrina e Jurisprudência. São Paulo: Quartier Latin, 2005. p. 77-78. Sem destaque no original.
[2] “Art. 12. Os planos de benefícios da Funpresp-Exe, da Funpresp-Leg e da Funpresp-Jud serão estruturados na modalidade de contribuição definida, nos termos da regulamentação estabelecida pelo órgão regulador das entidades fechadas de previdência complementar, e financiados de acordo com os planos de custeio definidos nos termos do art. 18 da Lei Complementar nº 109, de 29 de maio de 2001, observadas as demais disposições da Lei Complementar nº 108, de 29 de maio de 2001.”
[3] Nos termos do §3º do art. 12 da Lei 12.618/2012, os “benefícios não programados serão definidos nos regulamentos dos planos”, devendo, conforme o inciso I daquele parágrafo, “ser assegurados, pelo menos, os benefícios decorrentes dos eventos invalidez e morte e, se for o caso, a cobertura de outros riscos atuariais”.
[4] “Art. 5º. Os Participantes do Plano são classificados em:
(...)
II - Participante Ativo Alternativo: o servidor público titular de cargo efetivo dos órgãos da administração direta, autarquias e fundações do Poder Executivo Federal que
aderir ao Plano e se encontrar em pelo menos uma das seguintes situações:
a) não esteja submetido ao Teto do RGPS; ou
b) possua Base de Contribuição igual ou inferior ao Teto do RGPS.
III - Participante Autopatrocinado: o Participante Ativo Normal ou o Participante Ativo Alternativo que optar pelo instituto do Autopatrocínio, nos termos da Seção II do Capítulo IX, em razão de perda parcial ou total de sua remuneração, inclusive pela perda do Vínculo Funcional.
IV - Participante Vinculado: o Participante Ativo Normal ou o Participante Ativo Alternativo que optar pelo instituto do Benefício Proporcional Diferido, nos termos da Seção III do Capítulo IX, em razão da perda do vínculo funcional.
(...)”
[5] Nesse sentido, o parágrafo único do art. 13 da Lei nº 12.618/2012 dispõe expressamente que “O servidor com remuneração inferior ao limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social poderá aderir aos planos de benefícios administrados pelas entidades fechadas de previdência complementar de que trata esta Lei, sem contrapartida do patrocinador, cuja base de cálculo será definida nos regulamentos”.
[6] Nos termos do art. 5º do Plano da Funpresp-Exe, Participante Ativo Normal é “o servidor público titular de cargo efetivo dos órgãos da administração direta, autarquias e fundações do Poder Executivo Federal que aderir ao Plano e se encontrar nas seguintes situações:
a) esteja submetido ao Teto do RGPS; e
b) possua Base de Contribuição superior ao Teto do RGPS.”
[7] “Art. 16. (...)
§ 1o Para efeitos desta Lei, considera-se base de contribuição aquela definida pelo §1o do art. 4o da Lei nº 10.887, de 18 de junho de 2004, podendo o participante optar pela inclusão de parcelas remuneratórias percebidas em decorrência do local de trabalho e do exercício de cargo em comissão ou função de confiança.
(...)”
[8] No RPPS, o rol de parcelas passíveis de inclusão opcional na base de contribuição é mais amplo, como se observa do §2º do art. 4º da Lei nº 10.887/2004, com a redação dada pela Lei nº 12.688/2012: “Art. 4º (...) §2º O servidor ocupante de cargo efetivo poderá optar pela inclusão, na base de cálculo da contribuição, de parcelas remuneratórias percebidas em decorrência de local de trabalho e do exercício de cargo em comissão ou de função comissionada ou gratificada, de Gratificação de Raio X e daquelas recebidas a título de adicional noturno ou de adicional por serviço extraordinário, para efeito de cálculo do benefício a ser concedido com fundamento no art. 40 da Constituição Federal e no art. 2o da Emenda Constitucional no 41, de 19 de dezembro de 2003, respeitada, em qualquer hipótese, a limitação estabelecida no § 2o do art. 40 da Constituição Federal.”
[9] CORREIA, Marcus Orione Gonçalves (Coord.); VILLELA, José Corrêa (Org.). Previdência privada: doutrina e comentários à Lei Complementar n. 109/2001. São Paulo: LTr, 2004. p. 126.
[10] Relativas ao local do trabalho e ao exercício de cargo em comissão ou função de confiança.
[11] Incluindo as parcelas obrigatórias e opcionais.