Como todos sabem, o Brasil não consegue atender a população brasileira nas questões de saúde, estando os hospitais sucateados, sem leitos, com médicos mal remunerados, sem medicamentos, além de obrigar aos que necessitam do atendimento, a esperar meses para serem atendidos.
Esta precariedade do serviço público fomenta a atividade lucrativa das operadoras de planos de saúde.
Os planos de saúde podem, ou poderiam, ser contratados na modalidade individual, ou coletivo por adesão, ou empresarial.
O plano individual consiste na contratação do serviço de atendimento médico pela pessoa física, podendo se estender à sua família (pai, mãe, esposa e filhos).
O coletivo por adesão destina-se ao um coletivo de determinada categoria, por exemplo, os associados a um sindicato ou órgão de classe.
Já o empresarial consiste na contratação do plano de saúde pela empresa para beneficiar os seus funcionários, sócios e parentes dos mesmos.
Todos sabem que o plano individual é, sem dúvida, muito mais caro que os planos coletivos e empresariais, mas não sabem o motivo.
Então, desvendando o segredo, segue a razão fundamental para a enorme diferença de preço do plano individual para os planos coletivos e empresariais.
A justificativa está na possibilidade de a operadora poder rescindir o contrato, após doze meses de vigência, a qualquer momento, unilateralmente e sem justo motivo.
Verifiquem a existência desta cláusula no seu contrato!!!!
Bem, certamente que a cláusula está dando o direito para as duas partes contratantes, ou seja, está sendo garantido o mesmo direito para ambos os lados e, por isso, os leigos e os doutos - mas de visão curta, sem capacidade de pensar o direito – acham que não há abusividade na cláusula.
O pior é que esta cláusula está amparada na Resolução nº 195 Consu da Agência Nacional de Saúde, que dispõe:
“Art. 17 As condições de rescisão do contrato ou de suspensão de cobertura, nos planos privados de assistência à saúde coletivos por adesão ou empresarial, devem também constar do contrato celebrado entre as partes. Parágrafo único. Os contratos de planos privados de assistência à saúde coletivos por adesão ou empresarial somente poderão ser rescindidos imotivadamente após a vigência do período de doze meses e mediante prévia notificação da outra parte com antecedência mínima de sessenta dias.”
Mas será que esta resolução não está ferindo outra norma? Talvez, uma norma hierarquicamente superior? Será que a cláusula contratual é válida?
Sempre que nos deparamos com questões desta natureza, o certo é solicitar que o Poder Judiciário resolva o conflito, dirima a dúvida.
Dessa forma, uma empresa, que foi alvo da crueldade de uma operadora de plano de saúde, tendo em vista que foi notificada pela mesma da decisão unilateral e injustificada de rescindir o contrato em 31 de agosto de 2011, ingressou com uma ação no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, no dia 31 de agosto de 2011, trazendo que o fundamento da rescisão era ilegal, tratando-se de uma cláusula abusiva, além de informar que dentre os usuários do plano empresarial, constava um em tratamento oncológico.
Foi, inicialmente, indeferida a liminar requerida, mas em sede de agravo, a mesma foi concedida, sendo fundamentada na abusividade da cláusula, mostrando que apesar de a mesma garantir o mesmo direito a ambas as partes, no contexto geral do contrato, este direito não é garantido.
Segue ementa do agravo de instrumento:
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO DÉCIMA QUINTA CÂMARA CÍVEL AGRAVO DE INSTRUMENTO N.º 0049432-03.2011.8.19.0000 AGRAVANTE: BRASIL NOVO CONTABILIDADE LTDA E OUTROS, AGRAVADO: AMICO SAÚDE LTDA RELATORA: DESEMBARGADORA HELDA LIMA MEIRELES Agravo de instrumento, Ação de Obrigação de Fazer. Contrato coletivo de saúde. Rescisão unilateral. Decisão que indeferiu a tutela antecipada. Reforma. No caso em espécie, há de se reconhecer nesse momento que a cláusula contratual que permite a rescisão unilateral do contrato é abusiva, na medida em que o art. 51, XI, do CDC não pode ser interpretado isoladamente, ante a posição frágil que o consumidor ocupa na relação contratual, pois, no caso dos autos, vários beneficiários do plano de saúde estavam em tratamento quando a operadora do plano rescindiu unilateralmente o vínculo jurídico e obrigacional, o que pode vir a causar injustificável sofrimento aos segurados. O periculum in mora está comprovado, pois os funcionários não devem ficar sem assistência médica no caso de eventuais urgências para tratamento de saúde. Artigo 557, § 1º-A. Provimento do agravo de instrumento para reformar a decisão de primeiro grau e confirmar o deferimento da antecipação da tutela recursal, a fim de que o contrato seja mantido.
É nítido este entendimento, pelo menos, para os que têm capacidade de pensar o direito, livre de qualquer influência ou pressão, pois o contratante é obrigado a cumprir carências para determinados atendimentos, por exemplo: obstetrícia 10 meses, doença pré-existente 24 meses.
Então, uma empresa contrata o plano e, no decorrer do contrato, uma das usuárias do plano fica grávida, o que será detectado pelos exames e regularidade de consultas ao obstetra, possibilitará que a operadora rescinda o contrato, caso já esteja com mais de 12 meses de vigência.
Ou então, havendo um usuário do plano empresarial com doença pré-existente, que somente após 24 meses de contratação poderá fazer o tratamento, a operadora, após doze meses, poderá rescindir o contrato, sem qualquer motivo, somente por não ser mais de seu interesse.
Além destes dois exemplos fáceis de se visualizar, há o simples fato de a empresa contratante não desejar cancelar o plano de saúde injustificadamente, pois vem pagando, para um dia poder utilizar, e não para, quando precisar, ficar rezando para que a operadora não cancele.
Assim, o direito não é igual para ambas as partes!!!!
Além do fundamento acima, a Desembargadora, no teor de sua decisão, expôs que a operadora do plano emitiu boleta de pagamento para período posterior ao do cancelamento do contrato, configurando a desistência da rescisão, conforme segue:
“....A questão gravita em torno de empresa que firmou contrato de saúde junto a agravada, tendo esta notificado a agravante em 08 de junho de 2011, ressaltando que a partir de 01/09/2011 o contrato seria cancelado não se responsabilizando por qualquer despesa decorrente do pacto. No entanto, a agravada enviou boleto de pagamento com data de vencimento em 15/09/2011 (fls.130 deste agravo) o que presume a desistência de denunciar o contrato e a conseqüente renovação do mesmo, até mesmo porque na descrição dos serviços consta a referencia ao período de: 08/09/2011 a 07/10/2011.....”.
Todavia, apesar de haver o posicionamento de uma desembargadora neste sentido, o juízo singular, julgou improcedente, entendendo que a operadora pode rescindir o plano a qualquer momento, após doze meses de vigência, pelo fato de estar no contrato e na resolução º 195 CONSU da ANS.
Em sede de recurso, logicamente que a desembargadora não estava mais na câmara, e o Tribunal continuou entendendo que a operadora pode rescindir o contrato, pelo mesmo motivo exposto na sentença.
E mais, pior do que fazer uma interpretação, s.m.j., equivocada da cláusula contratual em confronto com o Código de Defesa do Consumidor, o relator errou, a palavra é esta mesmo, ERROU no julgamento trazendo fato inexistente para o caso, decidindo contrariamente à prova dos autos.
Faz-se, com veemência esta afirmação de erro no julgamento, com base no fato de que o relator da apelação, de sua INVENTAÇÃO, disse que a operadora do plano de saúde emitiu a boleta para período posterior à data do cancelamento do plano, diante da ação judicial.
Assim, ingressou-se com a ação rescisória, expondo todos os motivos, inclusive o que sempre foi dito desde o início, um dos motivos da concessão da liminar, ou seja, que a operadora do plano de saúde, mesmo após notificar a empresa que o contrato de prestação de serviço somente vigoraria até 31/08/2011, emitiu uma boleta de mensalidade do plano, com vigência do dia 08/09/2011 a 07/10/2011, o que traduz em desistência da rescisão do contrato.
Todavia, apesar de muito bem provado que a operadora somente teve conhecimento da ação em 28/09/2011, os ilustres desembargadores tiveram o disparate de dizer que a boleta foi emitida em razão da existência da ação judicial.
“... Quanto aos boletos enviados após a data determinada para a rescisão, tal fato se deu porque já estava a matéria sendo discutida judicialmente, embora a liminar de antecipação dos efeitos da tutela não tenha sido deferida.....”
Após a primeira manifestação do relator neste sentido, foi novamente exposto, explicado e comprovado que a operadora não tinha nem como saber da existência da ação no dia em que emitiu a boleta.
Porém, incrivelmente, não houve alteração no entendimento do magistrado.
Apenas para ficar claro: A ação foi proposta no dia 31/08/2011, no plantão judiciário da Comarca da Capital, não sendo deferida a liminar e a boleta emitida pela operadora foi em 03/09/2011.
Além de a liminar não ter sido deferida, não foi, também, feita a citação da operadora do plano de saúde, o que somente ocorreu no dia 28/09/2011, dia em que foi distribuída a carta precatória, ou seja, 25 dias depois da emissão da boleta.
Era impossível a Ré tomar ciência da ação judicial no dia 03/09/2011, nem havia sido interposto o agravo. Então, foi INVENTAÇÃO da cabeça do relator do processo o fato de que a boleta foi emitida em decorrência da ação judicial.
Já a ação rescisória, de onde talvez viesse a explicação da decisão, inicialmente foi distribuída a um dos desembargadores do órgão especial, mas este foi obrigado a declinar da competência, tendo em vista que o escritório de advocacia de sua família patrocina a operadora do plano.
Ó R G Ã O E S P E C I A L
AÇÃO RESCISÓRIA nº 0049494-72.2013.8.19.0000
AUTOR: BRASIL NOVO CONTABILIDADE LTDA
RÉU: AMICO SAÚDE LTDA
RELATOR: DESEMBARGADOR LUIZ ZVEITER
D E S P A C H O
Considerando que a ré AMICO SAÚDE LTDA pertence ao grupo econômico Amil – Assistência Médica Internacional Ltda, que é patrocinado pelo Escritório de Advocacia Zveiter em outras contendas, declaro minha suspeição por motivo íntimo para processar e julgar o presente feito, nos termos do parágrafo único, do artigo 135, do Código de Processo Civil. Redistribua-se.
Rio de Janeiro, 13 de setembro de 2013.
Desembargador Luiz Zveiter
R e l a t o r
Redistribuída, o julgamento, por incrível que pareça, ou não, foi o mesmo, ainda trazendo que não é o fato de existir um entendimento diverso (mencionando a desembargadora que traçou com perfeição a análise da cláusula contratual) que todos são obrigados a seguir, e mais, que a questão da boleta foi bem analisada no processo principal, não justificando a rescisória, por não existir erro no julgamento.
“... E quanto à emissão de novas faturas de cobrança em período posterior ao do termo final da denúncia do contrato, assevera o v. acórdão “Quanto aos boletos enviados após a data determinada para a rescisão, tal fato se deu porque já estava a matéria sendo discutida judicialmente, embora a liminar de antecipação dos efeitos da tutela não tenha sido deferida. Ora, o serviço, s.m.j., continuou sendo prestado, portanto, a contraprestação pecuniária era devida.” (Fls. 02/03 do índice eletrônico 0007 do Anexo 1) 2.2 Ora, como se viu, o acórdão examinou a questão que lhe fora posta sobre todos os aspectos, em ordem a vedar o acesso à via rescisória pelo fundamento do erro de fato...”
Importa destacar que antes do julgamento final da ação rescisória, foi indeferido o pedido de antecipação dos efeitos da tutela, com base, acreditem, na falta da comprovação de dano irreparável ou de difícil reparação:
“...O simples ajuizamento de ação rescisória não impede o cumprimento do acórdão rescindendo, salvo nos casos imprescindíveis, em que é possível a concessão de medidas de natureza cautelar ou antecipatória. A tutela antecipada importa em juízo provisório de procedência total ou parcial da demanda, razão pela qual a lei exige prova inequívoca para a sua concessão. Incabível tal medida sem que a parte demonstre determinados pressupostos, se não de forma cabal, completa e definitiva, pelo menos em grau suficiente para justificar certas providências com base em juízo de plausibilidade. Não demonstrados, na hipótese, o “fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação” (art. 273, I, do C.P.C.), nem a medida apresenta-se imprescindível (art. 489, C.P.C.). Indefiro o pedido de antecipação da tutela, ausentes os seus pressupostos....”
Ocorre que a questão versava sobre continuidade ou não do plano de saúde que uma empresa contratou para seus funcionários, vez que o Estado não consegue prestar o serviço na sua razão mínima. Ou seja, o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação estaria na necessidade de atendimento médico. Mas como não era a saúde e/ou vida dos julgadores....
Para aqueles que não acreditam, seguem os números dos processos judiciais bem como as decisões acima mencionadas.
Processo original nº 0315974-16.2011.8.19.0001
Agravo de Instrumento nº 0049432-03.2011.8.19.0000
Carta precatória de citação nº2224753-52.2011.8.19.0021
Apelação nº 0315974-16.2011.8.19.0001
Ação Rescisória nº 0049494-72.2013.8.19.0000
Desta forma, brasileiros, o plano de saúde empresarial é mais barato, em virtude de a operadora poder rescindir o contrato após receber doze meses de mensalidade, abandonando os usuários do plano com apoio do Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro, mesmo que afrontando o Código de Defesa do Consumidor, além do fato de que o reajuste anual da mensalidade não está sujeito a qualquer regulação, diferentemente do plano individual.
Por fim, e somente para conhecimento de todos, recentemente uma pessoa foi demitida de uma empresa que tinha plano de saúde empresarial e, tendo em vista que a lei obriga, nestes casos, a ofertar um plano de saúde para a funcionária demitida, somente foi possível a contratação do plano através de uma cooperativa, ou seja, a pessoa foi obrigada a ingressar numa cooperativa apresentada pelo vendedor do plano, para que ela pudesse continuar com plano de saúde, e mais, recentemente, mais precisamente no dia 14/07/2015, foi divulgada uma matéria jornalística, provando que não está sendo possível fazer a contratação de plano de saúde na modalidade individual.
Este é o poder das operadoras de planos de saúde e este é o Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro.