Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br

Direitos reais de garantia: breve análise sobre penhor, hipoteca e anticrese

Exibindo página 3 de 3
Agenda 26/10/2015 às 20:06

7 ANTICRESE

7.1 Conceito e natureza jurídica

A anticrese, assim como os institutos do penhor e da hipoteca, é um direito real de garantia clássico. Porém, no penhor típico se transfere a posse da coisa ao credor, somente de bens móveis, que dela não pode se utilizar, e na hipoteca o bem continua na posse do devedor.

Na anticrese, por sua vez, o credor assume necessariamente a posse do bem para usufruir seus frutos, a fim de amortizar a divida ou receber juros.

Dessa forma, anticrese é um direito real derivado de um contrato pelo qual um devedor autoriza ao seu credor a posse de um imóvel, tendo este o direito de retê-lo até o complemento da sua dívida, podendo perceber os frutos e os rendimentos que servirão para o pagamento dos juros e do capital, ou seja, a percepção dos frutos e rendimentos serve como compensação da dívida (art.1.506).

7.2 Constituição e objeto

O instituto da anticrese somente se estabelece por meio de contrato escrito, é celebrado por escritura pública e deve ser levado a registro público - por ser um direito real de garantia que se exerce sobre coisa alheia.

No contrato deve constar o total da dívida, o prazo fixado para o pagamento, a taxa de juros e as especificações da coisa dada em garantia. Neste teor, entende-se que a tradição do imóvel por si só não completa a constituição do direito real, que somente com o registro se última.

É o que dispõe o art. 1506 do Código Civil:

“Pode o devedor ou outrem por ele, com a entrega do imóvel ao credor, ceder-lhe o direito de perceber, em compensação da dívida, os frutos e rendimentos.”

Já em seu parágrafo 1° é permitido estipular que os frutos e rendimentos sejam percebidos pelo credor à conta de juros, porém se seu valor ultrapassar a taxa máxima permitida em lei, o restante será imputado ao capital.

Com a criação do Código Civil de 1916, a anticrese passou a ser um direito autônomo, com natureza real de garantia e características específicas, e o credor tem para si, até a satisfação total de seu crédito, o jus fruendi e o jus utendi. Em relação às partes é conferida a oponibilidade erga omnes; adere ao imóvel para percepção de suas utilidades pelo credor e é indivisível, assim, atendendo ao princípio que rege os direitos reais.

 7.3 Efeitos da anticrese

Os efeitos da anticrese estão previstos no ordenamento jurídico no art. 1.508, do Código Civil que estabelece que por se tratar de um direito real, ao receber a coisa alheia o credor assume, a um tempo, a condição de possuidor e mandatário. O credor, então, tem o dever de zelar pela coisa como se fosse dele, responsabilizando-se pela deteriorizações que o imóvel sofrer por sua culpa.

Incube também ao credor fruir do imóvel, seja de forma direta ou por meio de arrendamento feito a terceiro, porém, independente da forma, a exploração do prédio deve ser adequada. Ou seja, não pode o credor sacrificar a substância da coisa para obter renda excessiva, pois, caracterizaria um procedimento abusivo. No entanto, não pode permitir o contrário - permitir, por negligência sua, que a renda caia abaixo do normal.

Outro efeito é a prestação de contas por parte do credor anticrético, somente através desse procedimento que verifica-se, em um dado momento, o montante da dívida, pelo cálculo da renda recebida, que foi imputada no principal e nos juros, ou só nestes. A prestação de contas pode ser exigida a qualquer tempo pelo devedor, se não predeterminadas, mas é suscetível de abuso se o móvel for apenas o de criar embaraço ao credor.

7.4 Hipótese de cumulação da hipoteca e anticrese

A legislação civil prevê no art. 1.506, § 2º, que o imóvel hipotecado pode ser dado em anticrese ao credor hipotecário, e o imóvel sujeito a anticrese pode ser hipotecado ao credor anticrético. Deste modo, em conformidade com tal dispositivo, apenas ao beneficiário de um direito real de garantia seria permitido admitir aumento de garantia, mediante comunicação de outro direito de natureza análoga.

Assim, outorgando-se hipoteca ao credor anticrético, acrescentaria o direito de excutir a garantia e de eleger outros credores no produto em praça. Já, quando concede-se antricrese ao credor hipotecário, proporciona-se a possibilidade de explorar a coisa e pela proveniência dos frutos, pagar-se de seu crédito, sem necessidade de excussão.

Desta forma, podia-se entender que existiria a impossibilidade de ser oferecido em hipoteca, a terceiros, o bem onerado por anticrese. Esse entendimento, porém, não se fundamenta, pois pela parte final do art. 1.509, do Código Civil, que admite a existência de credores hipotecários posteriores ao registro da anticrese.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Todavia como a anticrese tem duração mais longa que a hipoteca e como é escolha do credor anticrético se opor à excussão hipotecária, dificilmente haverá quem aceite imóvel onerado com anticrese.

7.5 Direitos e deveres

São direitos do credor anticrético:

a) Exercer a posse do bem dado em garantia;

b) Administrar os bens objetos da anticrese, e fruir frutos e utilidades (art. 1.507);

c) Reter o imóvel em seu poder, até efetuar-se o pagamento da divida. (art. 1.423);

d) Arrendar os bens à terceiro, se não o impedir cláusula contratual, o que não afasta a retenção, segundo o parágrafo segundo do art. 1.507;

e) Reclamar seus direitos contra o terceiro que adquira o imóvel. Conhecido como direito de seqüela, este garantido no art. 1.509.

De outra banda, são obrigações do credor:

a) Guardar ou manter a coisa como se sua fosse;

b) Apresentar anualmente balanço, exato e fiel, de sua administração, com a discriminação dos frutos e utilidades usufruídos, o correspondente ao pagamento da dívida, o saldo remanescente, nos termos do art. 1.507;

c) Responder pelas deteriorações que o imóvel sofre por culpa sua, e pelos frutos e rendimentos não percebidos por negligencia, conforme art. 1.508;

d) Prestar contas dos frutos ou rendimentos havidos, com o conseqüente abatimento da divida que for sendo satisfeita;

e) Um vez cumprida a obrigação, devolver a coisa.

Por sua vez, cabem ao devedor as seguintes obrigações:

a) Entregar a coisa ao credor, que com ela deverá permanecer até a extinção do débito;

b) Pagar a dívida se não cumprir o uso do imóvel com esta finalidade;

Como direitos, o devedor tem a seu favor:

a) Impor a conservação do imóvel, mantendo-se no estado em que foi recebido, sem modificações que sejam prejudiciais;

b) Reclamar a devolução e acessórios quando vencido o prazo, ou satisfeita a divida;

c) Pedir contas do imóvel, de frutos e rendimentos, sempre que entender necessário;

d) Postular a indenização dos frutos perdidos ou deteriorados por culpa do credor;

e) Alienar o imóvel, porém a garantia perdurará com o adquirente.

7.6 Extinção da anticrese

A principal forma de extinção da anticrese é através da satisfação do pagamento, portanto, ao desaparecer a obrigação principal, não há mais suporte para o encargo ser cobrado.

Soma a está outras formas, algumas comuns às formas de extinção dos demais direitos reais de garantia.

Assim, também se extingue pela renúncia pois não há anticrese sem que a posse esteja com o credor.

A anticrese se extingue, também, pela caducidade, passados quinze anos da data de sua constituição (art. 1.423 do CC). Ressalva-se, porém, que na pendência da garantia anticrética não há curso de prescrição da dívida, podendo esta ser cobrada a qualquer momento, pelas ações pertinentes, iniciando-se o prazo prescritivo para a dívida somente quando o credor deixa de ter a posse do bem.

Igualmente nos casos de desapropriação ou perecimento do imóvel (art. 1.509, § 2º, do CC), extingue-se a anticrese, permanecendo, porém a dívida na íntegra (computando-se, no caso, os frutos já percebidos até o momento).

Poderá, ainda, ser extinta a anticrese, se o credor não opuser seu direito de retenção diante de outros credores.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ASSIS, Araken de. Manual de execução. 11. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

BEVILAQUA, Clovis. Direito das Coisas. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2003.

BRASIL, Código Civil. Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002.

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito das Coisas. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

GOMES, Orlando. Direitos Reais. 19 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: Direito das coisas. vol. V. São Paulo: Saraiva, 2006.

LOUREIRO, Luiz Guilherme. Registros Públicos. Teoria e Prática. Rio de Janeiro: Forense, 2010.

MARTINS, Fran. Títulos de Crédito – Letra de Câmbio e Nota Promissória. Vol 1. Forense, 2000.

PENTEADO, Luciano de Camargo. Direito das coisas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 19. ed. vol. IV. Rio de Janeiro: Forense, 2006.

RIZZARDO, Arnaldo. Direitos das Coisas. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direitos reais. 3ª ed. vol. V. São Paulo: Atlas, 2003.

Sobre a autora
Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!