A cobrança excessiva por produtividade no cumprimento de metas é natural e abundante nos dias atuais por parte de empresas bancárias sobre seus funcionários. A realidade é que, certamente, o trabalhador, enquanto submetido hierarquicamente ao poder diretivo do empregador, que é um direito potestativo deste e não admite contestações, se coloca na árdua missão de atender às exigências laborais das instituições financeiras.
Os bancos públicos ou privados prestam serviços à sociedade, financiam a indústria, o comércio, as pessoas físicas ou jurídicas e terceiros, sendo o trabalho do Bancário fundamental nesta jornada.
O objetivo de lucro e o uso do poder disciplinar para buscar tal intento é legítimo e encontra sua fundamentação legal no caput do artigo 2º da Consolidação das Leis do Trabalho (Decreto Lei nº 5.452/43):
"Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços".
Como bem explica Sergio Pinto Martins [1] esta modalidade de poder complementa o poder de direção. O empregador, ao mesmo tempo que organiza o empreendimento e determina a atividade a ser desenvolvida, define as ordens a serem cumpridas e as possíveis penalidades pelo não cumprimento. Só não precisa ser desempenhado pelo operário o que é ilegal ou o que é imoral. Isso que dizer que, dentro da legalidade e moralidade, toda ordem emanada deve ser cumprida.
A questão é: até que ponto a cobrança por produtividade ultrapassa o limite imposto pelo que é considerado legal e moral?
A resposta é bem simples: quando há dano.
Hipoteticamente o simples fato da existência de cobrança excessiva não autoriza, por si só, o direito a qualquer tipo de indenização, ou seja, não há de que falar em abuso de direito pela ocorrência de algo que faz parte da rotina diária do Bancário. A natureza da atividade exercida por este profissional já pressupõe a fixação de metas elevadas diante das exigências do mercado de crescimento.
A pretensão de ressarcimento do empregado nestas hipóteses geralmente se fundamenta no que é denominado de responsabilidade civil. Carlos Roberto Gonçalves [2] expõe que a palavra "responsabilidade" tem proveniência do que se entende por "devedor". A responsabilidade civil trata, portanto, de algo mais abrangente cuja finalidade é a de recompor ou remodelar o equilíbrio moral ou patrimonial. Diante das múltiplas atividades humanas, notadamente existe um complexo de tipos de responsabilidade civil, todas decorrentes do dano provocado por um agente.
O campo da moral é mais amplo do que o do direito, pois só se cogita da responsabilidade jurídica quando há prejuízo. Esta só se revela quando ocorre infração da norma jurídica que acarrete dano ao indivíduo ou à coletividade. Neste caso, o autor da lesão será obrigado a recompor o direito atingido, reparando em espécie ou em pecúnia o mal causado. [3]
As fundamentações legais do dano moral se encontram previstas no artigo 5º, incisos V e X da Constituição Federal de 1988 e também nos artigos 20, 186, 187 e 927 do Código Civil Brasileiro. A competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar ações de indenização por dano moral e material decorrentes da relação de trabalho se encontra fundamentada no artigo 114, inciso VI, da Constituição Federal e consubstanciada na Súmula 392 do Tribunal Superior do Trabalho.
Exibe-se aqui, para fins de elucidar a questão e demonstrar o que ocorre na prática, trecho do entendimento jurisprudencial mineiro adotado no Recurso Ordinário 01172-2014-106-03-00-4 interposto perante a sexta turma do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região:
A exigência de cumprimento de metas está inserida no poder diretivo do empregador, não configurando o abuso de direito, o excesso ou a irregularidade em tal conduta. (...) O fato de os gerentes do réu terem cobrado do autor um melhor desempenho no alcance de metas, sob pena de dispensa, não significa que o empregador agiu de modo temerário, capaz de lhe causar prejuízo de ordem íntima. [4]
Na mesma linha de raciocínio segue abaixo, desta vez, trecho de um entendimento jurisprudencial gaúcho:
Entendo que a exigência para o cumprimento de metas não configura dano moral, ressalvados aqueles casos em que as cobranças são realizadas de forma ofensiva e sobre ameaças, exacerbando o empregador o seu poder diretivo e causando danos a direitos personalíssimos do indivíduo, o que atrai a aplicação dos artigos 186, 187 e 927 do Código Civil. (...) Com efeito, é de conhecimento comum que qualquer cobrança de metas de desempenho gere dissabor por parte de quem é cobrado, mas somente é capaz de gerar direito à indenização compensatória aquela exercida de forma excessiva e sem observância dos parâmetros mínimos de urbanidade e cordialidade que devem pautar o relacionamento contratual decorrente do liame empregatício. [5]
Em síntese, pra que se configure na Justiça do Trabalho o reconhecimento de Dano Moral em hipóteses de cobranças por produtividade e alcance de metas é necessário que na situação concreta haja violação do princípio da dignidade da pessoa humana estampado no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal.
Aparentemente o entendimento jurisprudencial caminha no sentido de que cobrança excessiva por resultado não é necessariamente cobrança agressiva ou hostil, mas sim inerente à competitividade do negócio. Talvez essa limitação se dê em razão da chamada "indústria" do dano moral pois, logicamente, embora subjetivo, o conceito de "dano" nesta dimensão não palpável do Direito deve ser constituído até para que os operadores jurídicos tenham parâmetros para eventual identificação da lesão de direito.
Indiscutivelmente o resultado de uma demanda jurídica envolvendo o tema vincula-se às provas levadas aos autos. Estes meios legais que buscam revelar a verdade dos fatos podem aguçar a percepção do julgador para algo que, suficientemente agressivo, culmine negativamente com a violação de alguma imposição do sistema ético de conduta podendo gerar, inclusive, danos existenciais.
Notas
[1] MARTINS, Sérgio Pinto. Curso de Direito do Trabalho. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 79.
[2] / [3] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, volume 4. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 27
[4]JURISDIÇÃO. Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região. Recurso ordinário. Processo 01172-2014-106-03-00-4 RO. . Órgão Julgador: Sexta Turma. Relator: Des. Jorge Berg de Mendonca. Vara de Origem: 27ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte. Belo Horizonte, 17/11/2015. Publicação: 23/11/2015.
[5]JURISDIÇÃO. Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região. Recurso ordinário. Processo 0020109-94.2013.5.04.0017. Órgão Julgador: Quinta Turma. Relatora: Des. Brígida Joaquina Charão Barcelos Toschi. Porto Alegre, 30/04/2015. Publicação: 04/05/2015.