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Requisição Administrativa sobre Imóveis versus Ocupação Temporária: De que isso importa para o cidadão comum?

Uma análise crítica sobre os efeitos práticos decorrentes da distinção entre os dois institutos

Agenda 18/12/2015 às 13:19

Abordagem crítica e técnica.

No mundo jurídico, alguns institutos guardam certa semelhança entre si, e, no tocante ao direito de intervenção estatal na propriedade não é muito diferente, sendo que, muitas vezes, diante de determinados casos, torna-se tarefa estritamente complexa, determinar se estamos em face de um instrumento interventivo ou de outro, cujas características são facilmente confundíveis.

É o que ocorre, por exemplo, entre a ocupação temporária e a requisição administrativa, que quando feita sobre imóveis é quase que idêntica à primeira. Necessário é esclarecer tais situações, pois, é a definição de que instrumento será cabível a cada caso concreto que vai definir a forma de instituição deste, juntamente com a possibilidade ou não de indenização e o conseqüente ressarcimento ao particular por ter sido invadindo no seu patrimônio, e, dessa forma, sofrido limitação quanto às suas atribuições, como o direito de usar e gozar plenamente da coisa. Afinal, não podemos dizer que, não sofreu prejuízo algum o particular que teve sua propriedade requisitada pelo Estado por um período de quatro, cinco meses, ficando durante tal tempo impedido de desfrutar da mesma, ainda que, sem nenhum prejuízo físico à coisa.

No tocante a tais circunstâncias, a pátria doutrina é bem diversificada quanto à exata conceituação e caracterização do adequado cabimento no que concerne a tais institutos, não se obtendo, consequentemente, pela maioria dos autores, uma concordância universal. Isso resulta em uma variação de entendimento por parte dos escritores do direito, principalmente, referente às situações de cabimento e ressarcimento pelo uso do bem particular de forma compulsória.

Os dois institutos a serem tratados no presente capítulo, remetem a uma idéia preliminar, que nos permite fazer uma conceituação uniforme entre estes no sentido de que, ambos, refletem formas de atuação do Estado na propriedade privada, fundamentado no interesse, utilidade ou necessidade pública, dando permissão a este para que faça uso do bem particular, em prol de um resultado que propicie o bem comum da coletividade.

Conquanto, a conceituação dos mesmos e a conseqüente diferenciação entre tais instrumentos não é matéria tão simples assim.

A requisição administrativa pode ser instituída sob distintas modalidades, num primeiro momento sobre bens móveis ou imóveis, noutro, sobre serviços, detalhe, que a principio já nos possibilita traçar uma distinção quanto à ocupação temporária que, somente se institui sobre imóveis. Ademais, nos limitaremos ao paralelo desta última com as requisições sobre imóveis, que é o tema do nosso estudo.

No direito brasileiro, houve época em que a requisição administrativa somente era admitida em tempo de guerra ou de comoção intestina grave, o que se constata pelo artigo 113, número 17, da Constituição de 1934, in fine, que dispunha: “Em caso de perigo iminente, como guerra ou comoção intestina grave, poderão as autoridades competentes usar da propriedade particular até onde o bem público o exija, ressalvado o direito à indenização ulterior”. (BRASIL, 1934, p. 34, grifo nosso).

Contudo, e para uma melhor instrumentalidade da Máquina do Estado, passaram, posteriormente, segundo Zerbes (2007), a ser admitidas também em tempo de paz, autorizada pela Lei Delegada nº. 4, de setembro de 1962, regulamentada pelo Decreto nº. 51.644-A, de novembro 1962, referentes às requisições de bens e serviços e pelo Decreto-lei nº. 2, de janeiro de 1966, regulamentado pelo Decreto nº. 57.844, de fevereiro do mesmo ano, referente às requisições de bens ou serviços essenciais ao abastecimento da população:

Art.1°. A Superintendência Nacional do Abastecimento (SUNAB), na qualidade de órgão incubido de aplicar a legislação de intervenção do Estado no domínio econômico, poderá, quando assim exigir o interesse público, requisitar bens ou serviços essenciais ao abastecimento da população. (DECRETO LEI N°.2 de 11 de fevereiro de 1966, p.1, grifo nosso).

Ainda, sobre a matéria, tem-se o Decreto-Lei 4.812 de outubro de 1942, que também disciplina a requisição, tanto civil como militar, e continua em vigor, já que adequado ao artigo da Constituição Pátria que trata da matéria. (Carvalho Filho, 2005).

Trazendo o foco do estudo para os dias atuais, é da CF/88 o dispositivo legal que dá a prerrogativa para que o Estado se utilize da medida interventiva de requisição administrativa sobre bens particulares. Observemos, pois, o que dispõe o artigo 5º, XXV, da vigente Carta Magna: no caso de iminente perigo público, a autoridade competente poderá usar da propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização ulterior, se houver dano”. (BRASIL, 2008, p. 37, grifo nosso). Deve-se entender, desse modo, tal enunciado constitucional como sendo o dispositivo específico desse instituto, e, de outro lado, como fundamento genérico, o art. 5º, XXIII, e o art. 170, III, da Lei Maior, preceito basilar de todas as formas interventivas utilizadas pelo Estado. (CARVALHO FILHO, 2005).

Pelo texto dos permissivos constitucionais citados acima, já se tem a possibilidade, a priori, de vislumbrar duas características marcantes desse instituto: a exigência do perigo público iminente e a hipótese de cabimento de indenização somente quando a intervenção trouxer algum dano ao proprietário.

Descrevendo o instituto, temos a seguinte construção doutrinária:

Em qualquer das modalidades, a requisição administrativa caracteriza-se por ser procedimento unilateral e auto executório, pois, independe da aquiescência do particular e da prévia intervenção do poder judiciário; é em regra oneroso, sendo a indenização a posteriori. Mesmo em tempo de paz, só se justifica em caso de perigo público iminente. [...] Fixado os seus elementos característicos, pode-se conceituar a requisição como ato administrativo unilateral, auto-executório e oneroso, consistente na utilização de bens ou de serviços particulares pela administração, para atender a necessidades coletivas em tempo de guerra ou emcaso de perigo publico iminente. (DI PIETRO, 2006, p. 147, grifo nosso).

Nota-se, pela conceituação da autora, que ela faz referência à requisição como sendo em regra onerosa, sem fazer, contanto, observação alguma quanto à indenização ser em casos de ocorrência ou não de algum dano. Entretanto, presume-se, pelas entre linhas, que, não havendo dano algum, certamente não haverá essa possibilidade de indenização, já que, em tese não teria havido um dano físico à coisa, fazendo prevalecer nessa hipótese exceção à regra da onerosidade. O que nos leva, por ora, a criar um inquietamento no que se refere ao exato conceito do que seria “dano” nessa circunstância. Seria tão somente, um prejuízo estrito ao uso e deteriorização da propriedade ou pode-se ampliar o sentido, levando em conta os danos ao proprietário? Pois, o artigo 5º., não dispõe de forma expressa quanto a isso, no entanto, há de entender que nesse sentido de dano enquadra-se os danos sofridos pelo proprietário, afinal, este poderia usar o imóvel ora atingido pela requisição com fins de exercer alguma atividade econômica, e, portanto, ficar impossibilitado, durante o período interventivo, de utilizar o seu bem para auferir os mesmos lucros que antes alcançava, podendo assim, pleitear até mesmo os lucros cessantes advindos dessa interrupção no uso da coisa.

A indenização pelo uso de bens e serviços alcançados pela requisição é condicionada: o proprietário somente fará jus à indenização se a atividade estatal lhe tiver provocado danos. Inexistindo danos, nenhuma indenização será devida. (CARVALHO FILHO, 2005, p. 623, grifo nosso).

Não restando dúvidas quanto a esse ponto, resta compreender a exigência do perigo público iminente. Pois, segundo informa literalmente a nossa Carta Constituinte, é preciso haver uma situação de iminente perigo público, caso contrário, não estaríamos diante de uma hipótese de requisição administrativa.

Consoante isso, na mesma linha de raciocínio de Di Pietro, o supracitado autor, em obra publicada no ano de 2006, afirma que não há hipótese de cabimento de requisição administrativa quando não se mostrar presente o referido requisito constitucional da existência de um perigo iminente, que não só coloque a sociedade em risco, como também cause um receio de haver expansão de algo que possa causar esse risco.

[...] O administrador público não é livre para requisitar bens e serviços. Para que possa fazê-lo, é necessário que esteja presente a situação de perigo público iminente, vale dizer, aquele perigo que não coloque somente em risco a coletividade como também que esteja prestes a se consumar ou expandir-se de forma irremediável se alguma medida não for tomada. (CARVALHO FILHO, 2006, p. 652, grifo do autor).

Por outro lado, em descrição completamente antagônica aos posicionamentos já citados, Diógenes Gasparini,relativamente ao tema, descreve que, seria uma utilização que, nem sempre se consubstanciaria pela transitoriedade, havendo, dessa forma possibilidade de em algum momento ser concebida de forma definitiva, o que nos leva a discordar, uma vez que, se tal fato ocorresse, estaria caracterizada uma situação de desapropriação e não de requisição, uma vez que a mesma se qualifica pelo “uso” do bem e não pela definitividade, como ocorre na medida desapropriatória, dando a entender um caráter perpétuo, resultando, se assim fosse, na transferência do bem, e, consequentemente, na conversão em perdas e danos, como reza o art. 35 da lei que trata da desapropriação.

É a requisição [...] a utilização quase sempre transitória e auto-executória, pela administração pública, de bens particulares, mediante determinação da autoridade competente, com ou sem indenização posterior, em razão ou não de perigo público. (GASPARINI, 2003, p. 628, grifo nosso).

Por conseguinte, ibidem, o autor faz menção ainda à possibilidade de instituição de tal medida tanto em casos de perigo público iminente ou não, como se observa no trecho citado acima. No entanto, com fulcro no próprio texto constitucional, e nas obras anteriormente mencionadas, o que se observa é que se faz imprescindível a existência de um risco ou perigo que seja iminente à coletividade, ainda que não seja concreto, mas que haja, ao menos, receio de que venha a ocorrer.

Por ora, retomando a questão da “não-temporariedade” da requisição, explanada pelo autor supracitado no parágrafo retrógrado, podemos entender a intenção do mesmo em deixar expresso o seu entendimento no sentido de que nem sempre a ocorrência será de forma temporária, pois, se levarmos em conta, a hipótese da requisição ocorrer sobre bens perecíveis ou consumíveis, esta deixaria de ser transitória para ser permanente, se tornando de impossível devolução do objeto, e devendo ser feita na forma de indenização no valor total do objeto, conforme ensina Braz (2001).

Ademais, o presente estudo, se limita em apreciar as situações ocorrentes sobre bens imóveis, de tal forma que, não seremos exaustivos no que foge ao objeto centro da pesquisa.

Dando seqüência, Braz (2001, p. 637), percorrendo a mesma linha da doutrina majoritária, especificamente a este ponto, coloca a requisição como sendo um instrumento do Estado para atender:

[...] interesses sociais de maior vulto, que necessita de bens para solucionarsituações urgentes, imprevistas e transitórias, em casos de calamidade pública oficialmente declarada, estado de sítio, comoção intestina ou guerra. (grifo nosso).

Resultante disso, torna, o autor, incontroversa a situação no que se refere a tal hipóteses de cabimento.

Não ficando dúvida, portanto, a esse respeito, importa analisar o caráter auto-executório do referido instituto. Tal preceito favorecedor da atuação estatal nada mais é do que uma prerrogativa que visa tornar tal ato eficiente, com realização em tempo hábil, pois, tratando de situações que se consubstanciam numa necessidade de caráter urgente, de efeito algum teria se tivesse que passar pelos trâmites burocráticos da formalização antes de sua realização. Ocorreria que, tratando de calamidade pública, por exemplo, se houvesse a espera do procedimento moroso para sua declaração, o fim que a justifica talvez deixasse de existir, resultando num prejuízo muito maior.

A requisição não depende de intervenção prévia do Poder Judiciário para a sua execução, porque, como ato de urgência, não se compatibiliza com o controle judiciário a priori. É sempre um ato de império do Poder Público, discricionário quanto ao objeto e oportunidade da medida, mas condicionado à existência de perigo público iminente [...]. (MEIRELLES, 2001, p. 590, grifo nosso).

Em ato idêntico, Cretella Júnior (2000, p. 570), também coloca tal instituto, como sendo “ato unilateral de gestão pública” de maneira auto-executória por parte da administração, pelo qual é exigido, dentre outros, o fornecimento de bens imóveis, com um fim de interesse geral. (grifo nosso).

Por fim, e na mesma linha de raciocínio que também se posicionam outros autores, como Carvalho Filho, Di Pietro, e o já citado anteriormente, Hely Lopes Meirelles, tem-se Bandeira de Mello (2003, p. 773):

Requisição é o ato pelo qual o Estado, em proveito de um interesse público, constitui alguém, de modo unilateral e auto-executório, na obrigação de prestar-lhe um serviço ou ceder-lhe transitoriamente o uso de uma coisa in natura, obrigando-se a indenizar os prejuízos que tal medida efetivamente acarretar ao obrigado. (grifo nosso).

Desse modo, fazendo um apanhado de tudo já abordado até aqui, e, por estar em total conformidade à Carta Magna vigente, anota-se como sendo mais completa, a conceituação extraída das obras de Carvalho Filho, à qual perfilamos, por englobar, de forma concisa, todas as características do referido instituto: urgência da situação ou perigo público iminente, auto-executoriedade do ato instituidor, e, o caráter transitório, com possibilidade de indenização ulterior, caso haja dano.

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A finalidade é sempre de preservar a sociedade contra situações de perigo público iminente. [...] A indenização pelo uso dos bens e serviços alcançados pela requisição é condicionada:o proprietário somente fará jus à indenização se a atividade estatal lhe tiver provocado danos. [...] o ato administrativo que a formaliza é auto-executório e não depende, em conseqüência, de qualquer decisão do judiciário. [...] só não será legítima se não estiver configurada a situação de perigo mencionada na Constituição. Nesse caso pode o proprietário recorrer ao judiciário para invalidar o ato de requisição. [...] a apreciação, todavia, há de cingir-se ao exame da legalidade do ato, e não aos aspectos de avaliação reservados ao administrador. Se falta o pressuposto do perigo público iminente, por exemplo, cabe ao Judiciário invalidar o ato por vício de legalidade. A extinção da requisição se dará tão logo desapareça a situação de perigo público iminente. Por essa razão, a requisição é de natureza transitória, sabido que aquela situação não perdurará eternamente. (CARVALHO FILHO, 2005, p. 622 e 623, grifo nosso).

Indo pelo mesmo horizonte norteador em que também se sustenta o citado Jurista, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, pelo AI nº. 99.001.1197, 17ª Câmara Cível, votação unânime, Rel. Des. Fabrício Paulo Miranda Filho, julgado em 10 de maio de 1999, assim decidiu:

Município – Estado de calamidade pública – Requisição de bens particulares. No caso de Calamidade pública reconhecido por decreto municipal, há possibilidade de requisição de bens particulares assegurada pela CF – art. 5º, XXV -, já que o interesse público se sobrepõe ap privado em situações de iminente perigo para a comunidade, ensejando requisição de bens, sem pagamento pela utilização dos mesmos, salvo se houver dano. (BRASIL, 1999 apud CARVALHO FILHO, 2005, p. 622, grifo nosso).

Sob os mesmos fundamentos, entretanto, com julgamento denegatório da pretensão dos autores, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, indeferiu o pleito de uma de suas unidades municipais, que buscava requisição de hospital particular para suprir necessidade causada pela falta de leitos hospitalares públicos da referida cidade. Através do julgamento em Apelação Cível de número 149.172-1/1991, 8ª Câmara Cível, votação unânime, Rel. Des. Antônio Marson, o qual foi entendido que, no caso em tela, inexistia situação de perigo público iminente, pois, a situação pela qual passava o hospital advinha, nada mais que, da negligência e má administração do próprio Município, devendo, assim, a norma ser interpretada de forma restrita, uma vez que coloca à baila direitos de terceiros. E, ainda, o fato não gerava caos público, resultante de calamidade ou situação de iminente perigo, devendo tal deficiência ser suprida pela própria administração através de recursos próprios, ao invés de, fazendo uso de desvio de finalidade, querer atingir patrimônio alheio para alcançar fins desvinculados da justa destinação que se atém ao instituto interventivo. Abaixo, pois, assim segue:

1. ACORDAM, em Oitava Câmara Civil do Tribunal de Justiça, por votação unânime, negar provimento aos recursos de conformidade com o relatório e voto do relator, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. [...] Trata-se de mandado de segurança impetrado contra ato do Prefeito Municipal de São José dos Campos, que editou o Decreto n. 7.093, de 1990, declarando de calamidade pública a situação de assistência médico hospitalar naquele Município [...] e o Decreto Municipal n. 7.094, de 1990, que requisitou o Hospital Nossa Senhora de Fátima [...] Ocorre, porém, que para a requisição [...] era mister ocorresse situação de perigo público iminente e calamidade pública no setor da saúde, o que não se verifica no setor de saúde do Município de São José dos Campos, pois a insuficiência de leitos nos hospitais públicos e nos hospitais contratados e conveniados com o Poder Público naquele Município, circunstância e motivação indicadas para justificar o ato requisitório, não se adequam àquelas situações. Com efeito, para se caracterizar “perigo público iminente”, a justificar requisição administrativa [...] mister se verifiquem ocasiões de [...] epidemias, inundações, terremotos e acontecimentos semelhantes. Por outro lado, para evidenciar “calamidade pública”, conforme lições trazidas à baila pelo ilustre julgador e da lavra de JOSÉ CRETELLA JÚNIOR, que também perfilho, importa que se sucedam aqueles fatores anormais e adversos afetando gravemente a comunidade, exemplificados pelo eminente administrativista com secas prolongadas e devastadoras, grandes incêndios, inundações, outros flagelos semelhantes [...] É certo que reina muita incompreensão e mesmo incerteza em se saber quais as questões que permitem investigação noexame da legalidade.[...] Aqui, as deliberações requisitórias [...] revestindo indisfarçável caráter permanente e sem natureza emergencial, além de se constituir em ato dissimulado, com visos fortes de ação administrativa para a consecução de outro fim [...] ficando evidenciado assim o desvio de finalidade [...]. De tudo resulta que, qualificando-se o mesmo tempo como ilegais, porque o fato real pressuposto por lei não ocorreu [...]. 3. Pelo exposto, nego provimento aos recursos. (BRASIL, 1991, p. 1 e 4-6, grifo nosso).

Dando seqüência, com base no texto jurisprudencial acima citado, pode-se ainda, vislumbrar outra situação, que já havia sido comentada no presente trabalho sob o foco da doutrina do ilustre professor José dos Santos Carvalho Filho, referente à questão da invalidação, por parte do Judiciário, do ato que instituiu a requisição ainda que ausentes um dos seus pressupostos legais de validade. Como foi dito no relatório do douto julgador, não cabe ao Judiciário adentrar na valoração do conteúdo do ato que declara a situação de perigo iminente, substituindo, de tal modo, o administrador. Pode, porém, avaliar a legalidade do ato, ou seja, se estão presentes os permissivos de legalidade. Afinal, a instituição da modalidade interventiva é ato, em regra auto-executório por parte do ente estatal, não podendo, entretanto, fazer uso de tal prerrogativa para se consubstanciar através de atos maculados de ilegalidade.

Por sua vez, nos remetendo para o outro pólo da nossa discussão, aparece a ocupação temporária. Que, tradicionalmente, da forma como mais é conhecida, nos possibilitaria já traçar um conceito inicial, com base na doutrina de Carvalho Filho (2005), sendo esta como uma modalidade de intervenção na propriedade pelo qual o Estado se utiliza transitoriamente de bens imóveis de patrimônio privado, como meio de apoio à execução de obras e serviços públicos.

Nesse mesmo sentido, preceitua Hely Lopes Meirelles (2001, p. 592): “Ocupação provisória ou temporária é a utilização transitória, remunerada ou gratuita, de bens particulares pelo Poder Público, para a execução de obras, serviços ou atividades públicas ou de interesse social (...)”. (grifo do autor).

Observa-se assim, que, por ora, fica clara a primeira característica marcante desse segundo instituto jurídico de intervenção na propriedade, pelo menos, até então, presente na conceituação da doutrina majoritária, sem maiores controvérsias, sendo qualificada como:de utilidade auxiliar na execução de obras públicas, servindo como depósitos de materiais, alojamento para equipamentos e máquinas usadas no serviço público, hospedagem de barracas de operários, dentre outras.

Consoante isso, não é muito diferente o entendimento de Aldemio Ogliari (2008, p. 2), segundo o qual, tal instrumento, tem sua razão de existir na: “(...) utilização de bens particulares, de forma temporária, remunerada ou gratuita, para execução de obras ou serviços ou atividades de interesse público”. (grifo nosso).

Porém, o autor segue, no que diz respeito ao tema, trazendo algumas considerações que, até o presente momento ainda não havia ganhado espaço entre os já citados estudiosos. Trata-se da possibilidade da desapropriação vinculada ao processo desapropriatório, que, como será visto mais à frente, é o ponto onde mais gera efeitos positivos em prol do proprietário.

Atentemo-nos, então:

A doutrina entendia que somente se aplicava para guarda de equipamentos e materiais para a realização de obras públicas, mas hoje já admite vários objetos para a ocupação temporária. É utilizada como ato complementar da desapropriação, ou seja, o poder público desapropria um certo imóvel e, para utilizá-lo ou produzir as obras para a sua utilização, necessita do terreno vizinho. Não produz perda da propriedade particular, e a indenização é posterior e somente se houver dano à propriedade ou prejuízo ao proprietário. O art. 5°, XXV da Constituição Federal prevê a ocupação temporária em caso de perigo público iminente, mediante indenização posterior, se houver dano.(ibidem, p. 2, grifo nosso).

O autor foi preciso na sua abordagem no que se refere à ocupação vinculada também ao processo de desapropriação, pois, tal fundamento está no artigo 36 do decreto-lei 3.365 de junho de 1941, que regula os casos de desapropriação por utilidade pública, dispondo da seguinte forma: “É permitida a ocupação temporária, que será indenizada, afinal, por ação própria, de terrenos não edificados, vizinhos às obras e necessários à sua realização”. (grifo nosso). Quanto à exigência do perigo público iminente, não perfilamos deste entendimento relativo a tal instituto, porém, será discutido mais à frente, em momento oportuno.

Não obstante isso, como se vê, o decreto faz menção ao dever de indenização quando a ocupação vier vinculada ao processo desapropriatório, quando em seu texto, dispõe, de forma expressa, que a ocupação “será indenizada, afinal”. O que se torna de fácil compreensão se pensarmos que a intenção do legislador, foi, justamente, qualificar a ocupação temporária, como sendo, em tais circunstâncias, surpreendentemente mais morosa que nos demais casos de alojamento para máquinas, equipamentos, ou, uso para fins de estabelecimento de zonas eleitorais públicas em circunstâncias de última hora, como ocorre nos casos de requisição durante eleições.

Nesse sentido, se mantém Carvalho Filho (2005, p. 625 e 626), afirmando que existem duas modalidades de ocupação temporária, e, é isto que vai definir ou não os conseqüentes casos de indenização:

Uma delas é a ocupação temporária para obras públicas vinculadas ao processo de desapropriação, esta a prevista no citado art. 36 da lei expropriatória. A outra é a ocupação temporária para as demais obras e para os serviços públicos em geral, sem qualquer vínculo com o processo de desapropriação executado pelo Estado. (grifo nosso). [...] A questão da indenização, em nosso entender, dever levar em conta essas duas modalidades. A primeira delas implica o dever do Estado de indenizar o proprietário pelo uso do imóvel. O referido dispositivo da lei expropriatória estabelece que a ocupação “será indenizada, afinal”. (grifo do autor). Nota-se aqui que a utilização estatal se consuma por período de tempo mais extenso, gerando, em conseqüência, o dever indenizatório.Na ocupação desvinculada da desapropriação, a regra é a mesma que vale para a servidão administrativa, ou seja, em princípio não haverá indenização, mas esta será devida se o uso acarretar comprovado prejuízo ao proprietário. (grifo nosso).

Dessa forma, adotando a posição do referido autor, importante é ressaltar que, no primeiro caso haverá indenização independente de dano físico à coisa, pois, o processo de ocupação nesse caso, já é por si só excessivamente moroso, trazendo consigo prejuízos ao proprietário em decorrência dessa morosidade, e, conforme dispõe a lei expropriatória no seu artigo 36, haverá indenização a posteriori, não fazendo menção alguma quanto à necessidade de ocorrência de dano para que haja o ressarcimento. Por outro lado, isso não acontece, por exemplo, nos casos em que essa vinculação ao processo desapropriatório inexiste, pois, veja bem, uma situação que necessite do bem particular para fins de depositar ali alguns equipamentos por período referente à duração de reforma em estabelecimento que funciona órgão público, não traz em princípio prejuízo ao proprietário, exceto, se advindo desse uso, ocorrer alguma deteriorização na coisa, diga-se de passagem.

Por ora, façamos uso da orientação doutrinária de Di Pietro (2006, p. 145), ainda que, “data máxima vênia”, não perfilhando, in totum, do posicionamento da referida autora, que adota, prefacialmente, o critério do iminente perigo público concernente aos casos de ocupação temporária. Não adentremo-nos, no entanto, nessa problematização agora, reservando esse momento para o próximo parágrafo.

Não obstante isso, assim, pois, descreve a autora:

[...] é a forma de limitação do Estado à propriedade privada que se caracteriza pela utilização transitória, gratuita ou remunerada, de imóvel de propriedade particular, para fins de interesse público. [...] A Constituição federal prevê no seu artigo 5º, inciso XXV, a ocupação temporária da propriedade particular, em caso de perigo público iminente, mediante indenização ulterior se houver dano. É o caso, por exemplo, de ocupação de imóvel particular, por motivo de inundação, ameaça de desabamento de prédio em ruína ou perigo de propagação de moléstia contagiosa.

Com base no texto supracitado, e, fazendo, por vez, um paralelo com os artigos da CF/88 em conexão com a posição jurídica defendida por alguns doutrinadores, parece confusa a explicação da autora, uma vez que, os casos de perigo público iminente, como a moléstia grave, por exemplo, nos remete aos casos de requisição, conforme defende Carvalho Filho (2006, p. 655) em passagens já citadas ao longo do presente trabalho. Num outro trecho da mesma obra, o autor discorre:

Há situações que, apesar da denominação deocupação temporária, configuram hipótese de requisição, por estar presente o estado de perigo público.A Constituição fornece interessante exemplo ao admitir a ocupação e uso temporário de bens e serviços públicos quando ocorrer a hipótese de calamidade pública, ressalvando, todavia, o dever da união de indenizar no caso de haver danos e custos decorrentes da utilização temporária”. (CARVALHO FILHO, 2006, p. 655). (grifo nosso).

Fazendo uso do posicionamento do autor, adotamos tal lição, como se mostrando a mais coerente, afinal, seria de nenhuma valia a existência de dois institutos de nomenclaturas distintas que, no entanto, não tivessem diferenciação alguma quanto a sua aplicabilidade aos casos concretos. Ora, o fato de a ocupação temporária poder ocorrer como instrumento auxiliar à execução de obras públicas, escavações, dentre outras situações, não dá uma utilidade real a esse instituto em detrimento da requisição administrativa, uma vez que na prática, até então, nenhum efeito distinto gera ao particular. Afinal, se fossem os dois utilizados em caráter urgente, indenização a posteriori condicionada à ocorrência de dano, e auto-executoriedade, como descrevem alguns autores, que utilidade teria ao particular a existência de dois institutos que, ao final das contas, consubstanciassem num mesmo resultado?!

Portanto, não pode ser tais institutos entendidos demasiadamente de forma igualitária, pois, cada um tem a sua razão de ser e o motivo determinante de sua existência.

Ainda assim, a dificuldade no que tange a tais institutos não é nenhuma surpresa, nem mesmo dentre os ilustres autores, é o que se vê pela obra de Di Pietro: “A requisição, quando recai sobre imóvel, confunde-se com a ocupação temporária, consoante se vê pelos termos dos artigos 1º e 15, item 13, do Decreto-Lei nº. 4.812, de 8-10-42”. (2006, p.148, grifo nosso).

Vejamos, pois, o que diz o texto do citado dispositivo legal:

Art. 15. Estão sujeitos à requisição: 5 – o material, as máquinas, as ferramentas necessárias à construção, reparação e demolição de obras e vias de comunicação [...]; 8 – a ocupação dos hospitais com todo o seu pessoal, instalações, dependências, instrumentos e medicamentos; [...]. 13 – a ocupação temporária da propriedade. (Decreto-lei 4.812, p. 3 e 4, grifo nosso).

O que se nota, desde logo, ao ler as disposições acima, é uma preliminar confusão advinda dos próprios textos legais, que poderiam estabelecer uma conceituação clara e segura a respeito dos institutos interventivos, e, no entanto, permanecem confusos, causando estranheza quanto à correta denominação e o respectivo objeto tutelado.

Como bem salienta Carvalho Filho, em obra já citada, os institutos se confundem tanto que, até mesmo na vigente Constituição Pátria, temos caso de requisição administrativa sendo tratada como ocupação temporária, estando expresso no art. 136, II, desta lei. Não obstante isso, a interpretação desse dispositivo não deve ser levada à letra fria expressa, pois, extraindo a real essência do instituto, conclui-se que, casos de calamidade pública clamam por urgência devido à situação de perigo iminente à sociedade, caracterizando de tal modo, uma situação de requisição administrativa, auto-executória, com indenização a posteriori caso ocorra dano, e sem necessidade de passar pela via judicial, devido à impossibilidade de espera.

Como bem diz o autor, diferentemente do instituto da requisição, a ocupação temporária existe por motivos adversos aos daquela, devendo ser distinguida, a começar pelos fundamentos jurídicos. Esta, assim como a primeira tem elemento normativo genérico apoiado na função da propriedade perante a coletividade, numa utilidade em prol das necessidades públicas, contribuindo socialmente, amoldada pelos artigos 5º, XXIII, e 170, III, da CF/88, mesmo fundamento das demais formas interventivas; se atendo, porém, como fundamento específico, ao art. 36 do Decreto-Lei nº. 3.365 de 1941 (Lei Expropriatória). Dando-lhe, assim, o real sentido de instituição prática.

Consoante isso, vejamos, pois, algumas diferenciações feitas pelo professor da UNIDF, especialista em Direito Tributário e Constitucional acerca da ocupação e da requisição administrativa sobre imóveis, Ricardo dos Santos:

Ocupação temporária [...] 1 - É transitória; 2 - Incide sobre bem imóvel; 3 - Se houver dano é indenizável; 4 - Art. 36. Decreto-lei 3365/41; 5 – Pode ocorrer para escavações ou pesquisas arqueológicas; [...]. 7 - Precedida de declaração de utilidade pública; [...] Requisição administrativa [...] a - Unilateral por parte da Administração Pública; b - Auto-executável; c - Iminente perigo público; d - Indenização ulterior se houver dano; e - Risco é imediato, urgente; f - Casos de incêndio, inundação; [...]. i - Art. 22, III, CF/88. (2008, p. 2, grifo nosso).

Bem notou, sabidamente, o citado professor, relativamente a outra importante característica que, por vezes, coexiste junto a ocupação temporária. Refere-se à precedência que deve se ater o ato instituidor do mencionado instrumento conexo a uma declaração de utilidade pública. O autor, ainda, coloca outra hipótese relevante: a hipótese de cabimento da ocupação para processos de escavações com fins históricos ou de arqueologia em jazidas localizadas em propriedade particular, garimpamento, etc., estando autorizada pelo artigo 14 da lei 3.924 de julho de 1961, que, dispõe sobre a matéria em específico.

Afora isso, que não deve ser objeto de maiores discussões no presente trabalho, por ser um ponto incontroverso da matéria, não se faz necessário exaurir o assunto, remetendo-nos, portanto, à seqüência da nossa dialética.

Quanto à declaração que, em certos casos, deve preceder o ato instituidor da ocupação temporária, temos, no mesmo sentido do autor anterior, a doutrina de Cretella Júnior (2000, p. 576, grifo do autor), dispondo que “a utilização temporária, pelo poder público, de bem do domínio privado, deve ser precedida de ato declaratório de utilidade pública”.

De tal modo, observa-se outra relevante distinção entre os mencionados institutos: a forma de instituição destes. Nota-se, pois, como também descreve Carvalho Filho (2005), que, o ato de instituição nos casos de requisição administrativa não pode esperar pelo andamento dos trâmites burocráticos, pois, como pressupõe uma situação de caráter urgente, ou a iminência de se consubstanciar num resultado trágico, necessário é que haja celeridade e prontidão na sua execução. Por isso, é eivado do caráter da auto-executoriedade. Entretanto, do outro lado, está a ocupação temporária, que em determinados casos, principalmente quando vinculada ao processo de desapropriação, presume-se que haverá uma longa demora na duração do seu uso em decorrência de toda a parafernália procedimental que esta se atrela.

Se se trata de ocupação vinculada à desapropriação, é de entender-se indispensável ato formal de instituição, seja por decreto específico do chefe do executivo, seja até mesmo no próprio decreto expropriatório. Há duas razões aqui, a primeira é que a ocupação se estenderá por período temporal um pouco maior do que na breve ocupação; e depois porque esta ocupação deverá ser indenizada, como já reclama o já citado art. 36 da lei expropriatória. (CARVALHO FILHO, 2005, p. 626).

Dessa forma, e por não ser uma situação que exija execução imediata, de que resulte risco ou perigo à sociedade, há de ser feito um processo para instituição desse ato, passando pelo clivo do judiciário, e uma melhor avaliação quanto ao requisitos para a sua declaração, e, por assim também dispor a lei expropriatória, ao qual este se vincula ao estar ligado ao procedimento desapropriatório.

Por concluir a questão da auto-executoriedade, entenda-se que, apesar de na requisição não haver necessidade de declaração do ato requisitório, valendo-se este do seu caráter executório, por outro lado, são situações que se extinguem mais rapidamente tão só termine o motivo de caráter emergencial; No entanto, na ocupação, por se tratar de apoio a obras ou auxilio a atividades expropriatórias, essas tem um fim, quase sempre, programado a logo prazo. Leve em conta, por exemplo, o auxílio expropriatório de um terreno que se localize ao lado de outras propriedades a serem desapropriadas, próximo a uma extensa rodovia que vai sofrer enlarguecimento. Esse procedimento pode levar anos para se concretizar. Por isso, o particular, sofre de forma mais dura essa intervenção.

Como se observa, o núcleo central dos institutos continua presente em ambos os casos, e segundo o entendimento do autor, no tocante à questão indenizatória, deve-se levar em conta justamente essas duas modalidades da ocupação, pois, num primeiro caso o dever de indenizar se faz presente com fulcro na lei 3.365, e, noutro, fica pendente com relação à questão de haver ou não um dano. Não restando dúvida, portanto, relativamente ao ressarcimento do uso, no que tange à requisição administrativa e o instituto anteriormente mencionado.

Outro ponto crucial é no que se refere à exigência do critério de perigo público iminente para instituição do instrumento. Pois, Como já foi abordado, há situações de requisição administrativa, que muitas vezes são confundíveis com a ocupação temporária, justamente pela equivocada observação desse requisito. Deve-se atentar para o fato de que a simples existência de uma situação de perigo público iminente, leva à imposição da requisição administrativa, que por sua vez, não precisa de ato declarativo para se instituir, sendo auto-executório; Por outro lado, a ausência da situação emergencial, retira totalmente a possibilidade de que a intervenção seja feita na forma de requisição, mudando assim, todos os conseqüentes efeitos, passando, de tal modo, à possibilidade de indenização obrigatória e de ato instituidor fiscalizado pelo judiciário.

Haja vista, a possibilidade de erro administrativo quanto à não-adequada aplicação dos institutos jurídicos, ora estudados, cria-se uma situação preocupante, pois, como mostra Carvalho Filho (2006), há casos de ocupação temporária em que a indenização se faz obrigatória, por outro lado, tem-se os casos de requisição administrativa onde a indenização é condicionada, e, é diante disto, que se torna necessário redobrar a atenção para que, dessa forma, não ocorra equívocos ao interprete do direito, pois, se assim não for bem definido, observe que, o particular pode estar perdendo o seu direito ao ressarcimento, pelo fato da interferência estar sendo feita na forma inadequada daquela que deveria ter sido, ou vice-versa, como é muito comum em casos de inundações, calamidade pública, ou demais situações em que se faz presente o perigo público iminente, mas, insabidamente, a intervenção acaba por ser feita na forma de ocupação temporária, mudando, relevantemente, os corretos reflexos advindos de cada instituto sobre a intervenção.

É de cabal importância um entendimento uniformizado e distante de obscuridades no que tange ao tema, afastando, por fim, definições conflitantes da doutrina e da própria legislação, que acabam por ser usadas como meio de encobertar interesses estatais que somente sejam proveitosos a si, e, desproporcionalmente prejudiciais ao particular, sujeito mais fraco nessa relação. Que, a essa altura, sequer tem um instrumento sólido e livre de lacunas, que propicie segurança jurídica aos seus interesses.

2 CONCLUSÃO

Como visto ao longo do presente trabalho, o poder Estatal de adentrar na propriedade privada advém do próprio povo, refletindo dessa forma um ato legítimo, justo, de caráter democrático, que antes visa propiciar um equilíbrio de interesses entre o particular e o coletivo, em face do direito individual do primeiro. Obviamente, este último sempre prevalecerá em detrimento daquele. Decorrência essa, dos princípios também já vistos ao longo da apresentação, que colocam o interesse público num patamar de superioridade em relação ao interesse individual, uma conseqüente conexão do princípio da supremacia do interesse público e da função social que deve ter a propriedade.

Princípios esses que evoluíram no decorrer dos séculos, desde épocas primitivas onde tal direito se consubstanciava numa garantia plena e intocável até os dias atuais, adquirindo caráter relativo ao ser vinculado a uma função social, decorrência das necessidades de se viver em sociedade.

Tal direito, com o advento das Constituições Republicanas Brasileiras, passou também a ser relativizado e estar condicionado a uma função no ordenamento jurídico pátrio.

Dessa forma, se prestam os instrumentos jurídicos da intervenção pública na propriedade privada. Para, consequentemente, tornar possível tal prerrogativa estatal de intervir no domínio particular, fazendo cumprir aquilo que melhor couber ao interesse supremo da coletividade.

Não obstante isso, foi mostrado como a atuação do Estado pode gerar prejuízos ao proprietário de imóvel objeto de intervenção pública, caso os procedimentos adotados pela máquina estatal não sejam os mais adequados. O que foi possível através de minuciosa abordagem de dois dos institutos interventivos usados pela administração: a ocupação temporária e a requisição sobre imóveis. Que, em muito se confundem, pois, ora incidem sobre o mesmo objeto, causando controvérsias doutrinárias quanto aos casos concretos a que estas se ajustam, e alterando, de tal modo, as conseqüentes formas de responsabilização pelo uso estatal, que ora ocasionam danos ao proprietário.

Por fim, foi confirmada a tese inicial, de que a confusa aplicabilidade dessas medidas pode causar transtornos ao particular, principalmente no que tange à questão de instituição do ato declaratório da intervenção, e, de igual modo, nas possibilidades ressarcitórias advindas de cada caso. Veja que, na requisição, como foi abordado, não há necessidade de processo ou autorização judicial para que ocorra a declaração da mesma, sendo devida indenização somente em casos de ocorrência de danos, portanto, sendo obrigado, ao proprietário, suportar desde logo a intervenção, sem poder, preliminarmente, contestar a autorização para a ocorrência desta. Pois, por tratar-se de situações que exigem uma providência imediata devido à urgência e risco da situação, é inadmissível a espera, que poderia resultar na ineficácia da medida, cabendo assim, ao proprietário, somente o questionamento quanto aos requisitos legais exigidos para a ocorrência do ato, no caso, as situações urgentes e de perigo público iminente como inundações, calamidade pública, epidemias, etc.

De outro lado, foi discutido os casos de ocupação temporária, que por sua vez, é utilizada como meio de apoio a obras públicas, construções, reformas, alojamento para maquinário estatal, e, dentre outras, a possibilidade de instituição para atuar no auxílio do processo desapropriativo. Sendo que, neste caso, nem sempre é ato auto-executório, pois, como estudado, em tais circunstâncias, por geralmente tratar de situações fáticas de maior morosidade na execução das obras, ainda que não haja dano físico à coisa, o prejuízo se consubstancia pela demora temporal que é privado o particular no uso, gozo e fruição do seu bem. Além de que, tal respaldo legal, vem expresso no próprio texto do dispositivo 36 da lei 3.365 de 1941, quando diz que a indenização ocorrerá “ao final” da obra, sem fazer menção alguma quanto à existência de algum dano para configuração do dever de ressarcir. E, adversamente do que apóiam alguns juristas, não faz sentido a configuração da ocupação em casos de eminente risco ou perigo público, pois, se assim fosse, estaria a ocupação temporária, perdendo sua razão jurídica de existir, afinal, nada mais seria do que um revestimento quanto aos atributos pertencentes à requisição administrativa, passando os dois institutos a configurarem tão só, o mesmo instrumento, sendo inútil, portanto, a distinção entre ambos, já que teriam nomenclaturas distintas, porém, mesmos objetivos e hipóteses de cabimento. Em suma: dois institutos jurídicos para a mesma situação. Sem utilidade prática, para a sociedade em geral.

Daí a utilidade da diferenciação entre tais ferramentas de uso estatal, pois, resultam em medidas administrativas de efeitos distintos na vida prática do Estado e do particular, interferindo, relevantemente, nas hipóteses de cabimento e seus conseqüentes reflexos advindos do ato instituidor inicial.

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Sobre o autor
Maykell Felipe Moreira

Licenciado em Direito pela Faculdade de Direito do Vale do Rio Doce - FADIVALE. Advogado. Servidor Público Federal no Instituto Nacional do Seguro Social. Ocupou Funções como de Chefe de Seção Especializada de Benefícios e Sub Gerente em Unidade da Previdência Social. Autor de artigos Jurídicos e eterno estudante da ciência do Direito.

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