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A nova principiologia contratual e a responsabilidade civil das empresas do tabaco

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Agenda 24/01/2016 às 08:13

Diferentemente do que ocorre nos Estados Unidos, pode-se perceber que ainda é bastante tímida a evolução jurisprudencial brasileira no sentido de responsabilizar as indústrias tabagistas pelos prejuízos que causam à saúde pública.

Resumo: Por ser o cigarro um produto nocivo e perigoso, necessita de um tratamento com maior severidade e rigidez, tendo em vista ser a saúde o bem maior do ser humano. Por ser considerado a parte mais vulnerável, o consumidor necessita de maior proteção jurídica de modo a participar de uma relação de consumo justa e leal aos ditames da lei. O Código de Defesa do Consumidor estabelece a ostensividade nas informações acerca do produto que fora lançado no mercado e, por ser um produto de elevado grau de periculosidade à saúde, se faz necessário o cumprimento rigoroso por parte das indústrias tabagistas a este dispositivo, prevendo todas as informações úteis e necessárias visando o conhecimento por parte do consumidor acerca de todo o mal e prejuízo que pode lhe ser ocasionado em virtude do consumo. Ademais, necessário também se faz o respeito à adequada publicidade. A verdade mesmo é que a publicidade deste produto nunca fora utilizada com o objetivo de informar, mas, sim, com o intuito de atrair mais usuários. Dessa forma, havendo o desrespeito a todos esses preceitos legais, bem como princípios de Direito, se traz à baila a responsabilidade civil dos fabricantes de modo a reparar o prejuízo decorrente do desrespeito à regras que lhes são concernentes, preservando o máximo possível a lealdade e segurança na relação de consumo. Contudo, esta ainda não é uma realidade nas jurisprudências brasileiras que tendem, cada vez mais, a decidirem pela irresponsabilidade das indústrias de cigarro.

Palavras-Chave:Cigarro. Dano. Responsabilidade Civil.

Abstract: Considering the smokers as vulnerable people who need legal protection and cigarette as a very addictive,  harmful and dangerous product, cigarettes companies must be under a rigid control and be severely punished for the sake of human health. The Consumer Defense Code requires warning messages on the advertisements and the packaging of cigarettes and others tobaccos products concerning the health effects of those products. They have been implemented in an effort to enhance the public's awareness of the harmful effects of smoking. However, this is not a reality in our country, despite being a duty of the manufacturer. Moreover, it is also necessary to demand proper disclosure. Before the promulgation of our Constitution, cigarettes advertising was unregulated and free for the own will of manufacturers. Today the Constitution and specific laws regulate this subject, leaving manufacturers with less public influence. The truth is that advertising never aimed to inform us well about this commodity and always tried to attract more consumers and promote smoking as a good and acceptable habit in our social environment. Due to disregard of all these legal precepts and principles of law, it is necessary to require the responsibility of manufacturers to repair any damages from the habit of smoke. The consumer should not be helpless. Unfortunately, the Brazilian’s law for those cases increasingly acquits cigarette companies.

Keywords:Cigarette. Damage. Civil Responsibility.


1. Introdução 

O presente trabalho tem por objeto de análise a Responsabilidade Civil das Indústrias Tabagistas, tendo em vista a quantidade imensurável de danos decorrentes da relação de consumo composta pelo fumante e as indústrias tabaqueiras visando, dessa forma, contribuir para o entendimento do tema em estudo. Diante de uma temática de complexidade e controvérsias, tentar-se-á abarcar os principais assuntos que o circundam, objetivando, destarte, demonstrar as violações dos dispositivos legais, bem como a necessidade de reparação dos prejuízos decorrente desta relação de consumo.

Através de estudos e pesquisas, restaram comprovados os malefícios advindos do cigarro. Mais intrigante ainda é afirmar que muito antes dessas pesquisas serem reveladas, as indústrias tabaqueiras já detinham o conhecimento de todos esses malefícios, inclusive, da poderosa dependência química decorrente da nicotina, mas que, intencionalmente, não facilitavam o conhecimento dessa sociedade de consumo.

Ademais, o trabalho fora realizado pautando-se na pesquisa bibliográfica tendo em vista a demasiada importância de obras, estudos e pesquisas para o desenvolvimento do tema, colocando o pesquisador em contato direto com o que já foi produzido e registrado acerca do tema pesquisado.

Utilizou-se, ainda, o método Sociológico tendo em vista que para a concretização deste trabalho necessário o estudo não somente do direito civil mas, também, o estudo do direito do consumidor e do direito constitucional, ocorrendo a interdisciplinaridade  como forma de aclarar sobre determinados fenômenos que serão, aqui, trabalhados.  Por fim, utilizou-se o método qualitativo uma vez que este facilita a demonstração da complexidade do tema abordado facilitando, assim, a sua compreensão.           


2. Noções preliminares sobre Responsabilidade Civil

Apesar de ser um assunto tratado desde as sociedades primitivas, a Responsabilidade Civil configura-se hoje como um dos temas mais complexos do Direito Civil, não só por ser um instrumento utilizado diariamente no cotidiano da sociedade, mas, também, por ser objeto de opiniões doutrinárias e jurisprudenciais complexas, estando no patamar dos temas mais árduos e complexos da seara civilista.

A responsabilidade Civil, portanto, nas palavras da doutrinadora Maria Helena Diniz “[...]se dirige à restauração de um equilíbrio moral e patrimonial desfeito  e à redistribuição da riqueza de conformidade com os ditames da justiça,  tutelando a pertinência de um bem a um sujeito determinado”[2]. É, pois, a solução legal para que o equilíbrio que fora violado se reestabeleça.

Temos a premissa de que para que haja a Responsabilidade Civil, necessariamente estaremos diante de uma situação anterior que ensejou uma transgressão ao direito de outrem.  Sendo assim, registra-se, ainda, a afirmação de que para a existência de Responsabilidade, haverá anteriormente a ocorrência de um dano. Não há que se falar em reparação de dano quando não há dano.

A reparação do dano decorrente da responsabilidade civil encontra guarida na disposição do artigo 186 (equivalente ao art.159 do Código Civil de 1916) Código Civil de 2002. O art. 186 dispõe: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.[3] Analisando este dispositivo, encontramos os pressupostos (ou elementos) caracterizadores da responsabilidade civil, quais sejam: a) conduta, comissiva ou omissiva, violadora do dever jurídico; b) culpa ou risco do agente; c) o dano; d) nexo de causalidade entre a conduta; e e) o dano. Havendo esses elementos constituintes da responsabilidade, surge para aquele que teve a sua seara jurídica violada, o direito à sua devida reparação.

O primeiro pressuposto, qual seja, a conduta violadora nada mais é do que o próprio ato ilícito, ocasionado tanto por uma ação quanto por uma omissão. É um ato decorrente da vontade humana que produz consequências jurídicas. Essa conduta violadora do bom direito pode ter tanto um cunho objetivo, como um cunho subjetivo, conforme esteja ou não diante do elemento “culpa”.

O segundo pressuposto é o nexo de causalidade. Este elemento pode ser definido como o liame entre a conduta violadora e o dano. Ou seja, só haverá reparação civil se o dano efetivamente decorrer de uma ação do agente. Em outras palavras, não basta a mera ocorrência do dano. É primordial que o dano seja resultado da conduta comissiva ou omissiva. Destarte, este elemento caracteriza uma relação de causa e efeito. Nesse sentido, só haverá o direito de reparação ao se provar esta relação de causalidade, comprovação esta que, via de regra, deve ser feita pelo autor da demanda. Por derradeiro, ressalta-se que no que tange ao nexo de causalidade, existem algumas teorias. Contudo, é a teoria da causalidade adequada a majoritária.  

Por derradeiro, o último elemento caracterizador da responsabilidade civil: o dano. É cediço o entendimento de que não existe reparação sem que, anteriormente, haja um dano, um prejuízo, que pode ser tanto patrimonial, ou seja, quando o prejuízo recai sob o patrimônio da vítima, diminuindo seu valor ou, até mesmo, restringindo sua utilidade (perda ou deterioração); pode ser moral, quando fere um direito inerente a personalidade da vítima; ou estético, ou seja, quando causa à vítima um ferimento à sua estética.

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Neste diapasão, é válido ressaltar a existência das Excludentes de Responsabilidade, quais sejam, o Fato exclusivo da vítima, Fato de Terceiro, Caso Fortuito e Força Maior. O conceito de excludente de responsabilidade é pautado no elemento “nexo causal”.  Quando este liame é rompido, a responsabilidade também será quebrada. Daí a importância de analisar as excludentes de responsabilidade, tendo em vista que são instrumentos capazes de fulminar a responsabilidade do agente.

2.1 Tutela Constitucional do Código de Defesa do Consumidor 

Foi plausível a previsão do Código de Defesa do Consumidor (CDC) dentre as normas da Constituição Federal. Resta inequívoca tamanha importância deste feito, uma vez que fora originada por expressa previsão constitucional e por encontrar-se no rol dos direitos e garantias fundamentais, no art. 5º, XXXII, da Carta Maior, passando a integrar o ordenamento jurídico com toda a força, dando alicerce e servindo de instrumento utilizado não somente para regulamentar relações de consumo, mas, também,  todas as relações provenientes desta.

Em 11 de setembro de 1990 foi editado o Código de Defesa do Consumidor cujo conteúdo material passou a integrar nosso ordenamento jurídico pátrio por meio da Lei 8.078/90. A par disso, foi instituído um microssistema normativo completo, haja vista ser o CDC formado por diversidade de normas seja de direito civil, administrativo, penal e até processual coletivo.

Com o objetivo de salvaguardar os interesses dos sujeitos da relação de consumo, sobretudo, os mais frágeis (consumidores), o Código veio tutelar pessoas submetidas ao poderio econômico, à capacidade científica e técnica de outrem. Resta clara a intenção do legislador em proteger os interesses dos sujeitos das relações de consumo, embasando-se, acima de tudo, na dignidade da pessoa humana, bem como estabelecer tutelas adequadas e instrumentos que servissem como alicerces para quaisquer celeumas que, por ventura, surgissem. Esse Código representa um conjunto normativo de ordem pública, ou seja, de aplicação obrigatória, cogente, de interesse social, principiológica, pois veicula valores e fins a serem alcançados, conferindo privilégios aos consumidores já que, economicamente, aparecem como o lado mais fraco da relação de consumo. Surge, então, como forma de suprir esta desigualdade, garantindo o equilíbrio, a igualdade e justiça nas relações de consumo.

Para que se possa conceituar os sujeitos da relação de consumo, faz-se mister o entendimento de que relação jurídica de consumo pode ser conceituada como aquela existente entre consumidor e fornecedor e que tem como objeto um produto ou a contratação de um serviço. Os sujeitos da relação de consumo configuram como elementos subjetivos. São eles: O consumidor e o Fornecedor.

Nós temos no caput do art. 2º do Código de Defesa do Consumidor o conceito do que vem a ser Consumidor. Este artigo nos traz que “Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”.[4]

Conforme dito anteriormente, o consumidor configura-se como o elo mais fraco da relação de consumo e, por este motivo, com a elaboração do CDC, este passou a ser mais protegido, uma vez que possui superioridade jurídica em relação ao fornecedor, medida esta fruto da sua vulnerabilidade. O princípio da vulnerabilidade em comento, encontra guarida no art.4º, inciso primeiro, que prega a proteção do “reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo”.[5]

Em relação as principais vulnerabilidades adotadas pelo STJ, baseado na doutrina de Cláudia Lima Marques, temos que vulnerabilidade pode ser dividida em três aspectos: a vulnerabilidade técnica, vulnerabilidade jurídica e vulnerabilidade econômica.

Leonardo de Medeiros Garcia dá os seguintes conceitos a estas vulnerabilidades:

Vulnerabilidade Técnica seria aquela no qual o comprador não possui conhecimentos específicos sobre o produto ou o serviço, podendo, portanto, ser mais facilmente iludido no momento da contratação. Vulnerabilidade Jurídica seria a própria falta de conhecimentos jurídicos, ou de outros pertinentes à relação, como contabilidade, matemática financeira e economia. Vulnerabilidade Econômica é a vulnerabilidade real diante do parceiro contratual, seja em decorrência do grande poderio econômico deste último, seja pela sua posição de monopólio, ou em razão da essencialidade do serviço que presta, impondo, numa relação contratual, uma posição de superioridade.[6]

Em nosso ordenamento jurídico, fala-se em correntes ou teorias que surgiram para explicar o conceito de destinatário final que é colocado no caput do art. 2º do Código de Defesa do Consumidor: a Teoria Finalista ou Subjetiva, a Teoria Maximalista e a Teoria Mista. Segundo a posição adotada pelo Código de Defesa do Consumidor, a Teoria adotada é a chamada Finalista ou Subjetiva. 

A Teoria Finalista afirma que consumidor é o destinatário final que adquire um produto ou uma prestação de serviços para si ou para outrem, desde que o produto ou o serviço não tenha caráter para desenvolver atividade comercial e/ou profissional.

Contudo, apesar da lei ser bem expressa, o STJ embasado na doutrina de Cláudia Lima Marques, aprofundou a teoria ora narrada. Destarte, o STJ abrandou o critério subjetivo da teoria finalista para incluir certos consumidores no conceito de consumidor como, por exemplo, os microempresários e empresários individuais. Contudo, de acordo com o STJ, necessário se faz a prova de vulnerabilidade. A partir desta mitigação da teoria finalista realizada pelo STJ, surgiu a chamada Teoria Finalista Aprofundada ou também chamada de Teoria Finalista Mitigada que pode ser definida como o resultado do abrandamento da teoria finalista, ou seja, alguém que não era atingido pelo conceito de consumidor, por esta teoria, passou a ser atingido.

Para que possamos concluir o conceito e aspectos gerais acerca do consumidor padrão, vejamos um acórdão do Superior Tribunal de Justiça, que retrata a mitigação da teoria finalista quando do abrandamento do aspecto subjetivo, abrangendo pequenas empresas e profissionais quando estas provam suas vulnerabilidades. Segue abaixo o Recurso Especial 476428/SC, Rel. min. Nancy Andrighi:

[...] Com vistas, porém, ao esgotamento da questão, cumpre consignar a existência de certo abrandamento na interpretação finalista, na medida em que se admite, excepcionalmente e desde que demonstrada in concreto a vulnerabilidade técnica, jurídica ou econômica , a aplicação das normas do Código de Defesa do Consumidor a determinados consumidores profissionais, como pequenas empresas e profissionais liberais. Quer  dizer, não se deixa de perquirir acerca do uso, profissional ou não, do bem ou serviço; apenas, como exceção, e à vista da hipossuficiência concreta de determinado adquirente ou utente, não obstante seja um profissional, passa-se a considerá-lo consumidor.”[7] (STJ, Resp 476428/SC, Rel. min. Nancy Andrighi, pub 09.05.2005)

Em suma, se pode afirmar que Fornecedor é qualquer pessoa que, com habitualidade, fornece no mercado produtos ou prestação de serviços de modo a preencher as necessidades daqueles que compõem a sociedade de consumo.

Por fim, o último elemento da relação de consumo é o Produto ou Serviço. Ao definir produto e serviço, prevê o CDC, no §1º do art. 3º, “Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial. Já o §2º, define o conceito de Serviço como sendo qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, Mediante remuneração, inclusive de natureza bancária, financeira [...]” [8]             

2.1.1 Responsabilidade Civil no Código de Defesa do Consumidor 

Conforme dito anteriormente, a responsabilidade civil no Código de Defesa do Consumidor aparece como uma evolução no ordenamento jurídico brasileiro, tendo em vista que adota a responsabilidade objetiva do fornecedor, ou seja, a responsabilidade sem a necessidade de provar a culpa do agente. Neste sentido, afirma Cavalieri Filho que “atualmente, a responsabilidade civil pode ser dividida em duas partes: a responsabilidade tradicional e a responsabilidade nas relações de consumo” [9]

Diante desse avanço jurídico, leciona Lúcio Delfino que:

Chegava-se a falar em aventura de consumo; afinal, se o consumidor fosse lesado por algum produto ou serviço, dificilmente conseguiria demonstrar a culpa do fornecedor, tendo, por conseguinte, que arcar com os danos sofridos. Com a situação invertida, cabe aos fornecedores garantirem a solidez e segurança de seus produtos e serviços, mormente porque, hodiernamente, nenhum consumidor que buscar amparo no Judiciário deixará de ser indenizado por lesões sofridas em acidentes de consumo, bem assim nenhum fornecedor se esquivará da responsabilidade de indenizar aqueles danos causados por produtos ou serviços imperfeitos de sua responsabilidade.[10]

A responsabilidade civil edificada na Lei 8.078/90, nada mais trouxe que a responsabilidade do fornecedor pela segurança dos produtos e serviços por ele prestados, independentemente da configuração de culpa, tendo em vista que a comprovação desta, antes da responsabilidade objetiva, tornava o fornecedor quase que irresponsável deixando o consumidor, parte vulnerável da relação de consumo, quase que impossibilitado de verdadeira proteção jurídica. Para tanto, leciona mais uma vez Lúcio Delfino que “em se tratando de relação de consumo, a responsabilidade civil terá por pressuposto não a culpa do fornecedor, senão o descumprimento de um  dever jurídico primário de segurança” [11].

Dessa forma, os fornecedores ficam obrigados a garantir solidez e segurança, de modo que, caso não o façam, serão responsabilizados e obrigados a reparar o prejuízo causado aos seus consumidores independentemente de culpa. Essa inovação se traduz como um dever legal de segurança imposta ao fornecedor, fornecendo maior conforto e tutela efetiva ao consumidor para que, havendo necessidade, não se torne tão dificultoso a sua devida reparação.

2.1.2 Responsabilidade Civil pelo Fato do Produto e Tabagismo

Fato do produto e Acidente de consumo, muitas vezes, são considerados sinônimos, ou seja, anomalias que tornam produtos inadequados aos fins aos quais se destinam. São imperfeições intrínsecas/ extrínsecas, capazes de contaminar o produto, bem como causar lesões à esfera material e/ou psíquica do consumidor. Ambos são alavancas de danos morais e materiais ao consumidor que fora prejudicado decorrente de imperfeição do produto.[12]     

A responsabilidade civil pelo fato do produto encontra guarida no disposto do artigo 12, do CDC, que nos traz a chamada responsabilidade objetiva do fornecedor (responsabilidade independente de culpa). Analisando este dispositivo, percebe-se a intenção do legislador em priorizar a responsabilidade objetiva na expressão “independentemente de culpa”. Aqui não há que se falar em culpa, tendo em vista que a lei 8.078/90 se desprendeu um pouco da forma tradicional antes adotada, baseada sempre na culpa. Nesta situação, não se torna importante se o agente agiu culposamente ou não. O que importa para essa responsabilidade prevista no artigo 12 do CDC é a anomalia, a imperfeição do produto que não gera a devida segurança que o consumidor tem expectativa ao adquiri-lo.

Ainda, é de demasiada importância ressaltar acerca de um equívoco bastante corriqueiro nas fundamentações de julgados que beneficiam as indústrias tabagistas, em ações contra ela promovidas. Sobre isso, ensina Lúcio Delfino:

Refere-se aqui à premissa insustentável, no mais das vezes utilizada como alicerce de tais julgados, fundada na ideia de que a licitude da atividade da indústria do fumo conduziria a um raciocínio por meio do qual se poderia. concluir ser ela absolutamente irresponsável pelos danos que os  cigarros acarretam aos seus consumidores. Nada mais ilógico, data vênia. Tal ideia, fragilizada mesmo que por uma análise rasa do tema, apenas vem a comprovar que, ainda hoje, o CDC não é uma legislação adequadamente compreendida pelos operadores do direito.[13]

Ou seja, baseado nessa ideia, não deveria ser levado em consideração para efeitos de responsabilidade, a legalidade ou ilegalidade da atividade exercida pelo fornecedor. A adoção desta ideia torna a responsabilidade objetiva, inovação do CDC, uma mera letra morta em nosso ordenamento jurídico. Esse tipo de entendimento configura-se como um empecilho de o consumidor ver seu prejuízo reparado, tendo em vista que a grande maioria das atividades é lícita, acarretando numa quase completa irresponsabilidade por parte do fornecedor.

Na verdade mesmo, o que se deve ser levado em consideração é a obrigação por parte do fornecedor em fornecer segurança aos seus consumidores, de modo a preservar uma justa e coerente relação de consumo. Ratificando este pensamento nas palavras de Lúcio Delfino, “o fato gerador não corresponde à ilicitude da atividade, senão aquelas imperfeições rotuladas pelo CDC de vícios/defeitos”.[14] E é exatamente isso que buscou proteger o legislador na elaboração do art.12, §1º e seus incisos do CDC. Vejamos o teor deste dispositivo:

[...] §1º O produto é defeituoso quando não oferece a segurança que dele legitimamente se espera, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:

I – sua apresentação;

II – o uso e os riscos que razoavelmente dele se esperam;

III – a época em que foi colocado em circulação.

Analisando este artigo, conseguimos visualizar os três elementos determinantes da segurança dos produtos. São elementos que os produtos necessariamente deverão possuir, de modo a resguardar sua segurança. São eles: a apresentação do produto, o uso e riscos que o consumidor razoavelmente espera do produto, bem como a época em que foi colocado no mercado. Esse assunto será abordado com maior profundidade posteriormente.

No que diz respeito ao Vício ou Defeito de Concepção/ Criação do Cigarro, esse tipo de defeito decorre de erro ocasionado na época da execução do projeto. O art.12 do CDC assegura que o fabricante será responsável, independentemente de culpa, por defeitos decorrentes do projeto, fabricação, fórmulas, manipulação e entre outros. Sendo assim, colocado no mercado de consumo um produto que, desde a sua origem já era considerado danoso ao uso do consumidor, ensejerá a responsabilidade de seu fabricante. Esse tipo de defeito/vício atinge toda a categoria do produto sendo necessário, dessa forma, o recolhimento total do mesmo no mercado.Isso se aplica perfeitamente ao caso do cigarro tendo em vista que em sua composição utilizaram-se de substâncias danosas à saúde, especialmente a nicotina, causadora de dependência que, inclusive, seu uso fora considerado uma doença crônica pela OMS.

Em virtude disso, o Estado através da ANVISA, Agencia Nacional de Vigilância Sanitária, reconheceu a nicotina, na Resolução de Diretoria Colegiada (RDC) n. 104, de 31/05/2001, como produto psicotrópico obrigando, dessa forma, que os fabricantes de cigarro informassem em suas propagandas todos os males advindos do uso do cigarro. Contudo, mesmo sendo do conhecimento do Estado que a nicotina causa dependência, não houve a sua inclusão na Portaria SVS/MS 343, que trás em seu conteúdo a lista de substâncias psicotrópicas merecedoras de controle especial.

Desse modo, parafraseando as palavras de Lúcio Delfino, necessário seria se o Estado intervisse no sentido de melhor regulamentar o uso da nicotina, impondo regras mais claras e específicas, no sentido de educar a sociedade evitando, com efeito, a quantidade exacerbada de mortes pelo uso desse produto.[15]

Já no que tange ao Vício ou Defeito de informação do cigarro, como se sabe, o CDC assegurou, em seu art. 6º, o direito básico do consumidor acerca da “informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, característica, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem”.[16] Este dever de informação é reforçado, ainda, pelo disposto no art. 31. Não obstante, vincula-se, ainda, ao princípio da Transparência, consagrado no art.4º do CDC.

Além disso, o CDC prevê em seu art. 9º que os produtos potencialmente nocivos devem conter, além do que estabelece o art.6º, III, e art.31, “complementação, de forma especial, no que diz respeito à nocividade e periculosidade do mesmo, que deverá ser informada de forma ostensiva e adequada.”[17]

Caso haja o desrespeito a essas regras, necessário se faz a responsabilização do infrator, independentemente do consumidor provar a sua culpa. Contudo, esse dever de informação não se faz presente por parte das indústrias fumígenas. Elas não fornecem aos seus consumidores informações ostensivas acerca dos riscos do cigarro. Interessante seria a adoção de regras mais contundentes e punições mais severas para forçar as indústrias tabaqueiras ao cumprir o que estabelece o nosso ordenamento jurídico de modo a salvaguardar os interesses dos consumidores vulneráveis que carecem de demasiada proteção jurídica.

Nesse Contexto de Responsabilidade Civil no bojo do CDC, há de se falar, ainda, Falta de Segurança Legitimamente Esperada. Ao afirmar que o produto é defeituoso quando não oferece segurança que dele legitimamente se espera, o legislador não foi tão sábio. Esse conceito foi colocado de forma vaga, fazendo com que o juiz, ao se deparar com o caso concreto, deverá levar em consideração as expectativas objetivas dos consumidores em geral e não as expectativas subjetivas do lesado. Contudo, o legislador minudenciou algumas dos fatores determinantes a serem valoradas pelo magistrado, nos incisos I a III do dispositivo legal supramencionado, especificadas abaixo. [18]

A apresentação do produto está ligado intimamente na necessidade das indústrias tabagistas informarem acerca de todos os riscos, componentes do cigarro, garantia, validade, riscos à saúde e entre outros aspectos que são fundamentais, capazes de influenciar o consumidor em adquirir o produto ou não. Infelizmente, a indústria do tabaco não respeita esse preceito legal na sua forma integral, fornecendo aos seus clientes informações superficiais, não suficientes ao seu uso. Essa inobservância legal origina o que chamamos de publicidade enganosa por omissão.

Já em relação ao uso e riscos que o consumidor razoavelmente espera do produto, é sabido que todos os produtos e serviços quando são anunciados acabam gerando certa expectativa ao consumidor. Mas, muitas vezes, o que o consumidor espera desse produto, não acontece, gerando uma enorme frustração, uma vez que não gerou a devida segurança e proteção legitimamente esperada. Produto ou serviço defeituoso é inadequado, imprestável ao consumo. Por isso que se entende “produto defeituoso não somente aquele viciado mas, também, aquele produto que não atenda as expectativas do consumidor, não atenda à segurança e ao aperfeiçoamento ditados pela lei.[19]

Por fim, quanto à época da colocação do produto no mercado, afirma James Marins:

levando-se em conta a época em que o produto foi colocado no mercado, não poderá haver legítima expectativa de segurança que vá além da ciência existente; ou seja, qualquer expectativa de segurança somente será legítima se não pretender que o produto possa superar o próprio grau de conhecimento científico existente no momento em que se deu sua introdução no mercado.[20]

Em relação às indústrias tabagistas, a época de colocação no mercado não deve ser considerada como uma excludente de responsabilidade, tendo em vista que a partir de documentos secretos, restou provado que a indústria do fumo, há mais de quatro décadas, é ciente do efeito de dependência gerado pela nicotina e de que o tabagismo é causador de câncer.[21] Nesse prisma, em detendo conhecimentos sobre a capacidade mortífera de seu produto por décadas, qualquer tentativa de se obter uma decisão elidindo a sua responsabilidade, com base no inciso III do art. 12 da lei n. 8.078/90, seria absolutamente inócua.[22]

Sendo assim, no desrespeito a essas três determinantes de segurança, fica o fornecedor obrigado a reparar o dano, caso tenha como resultado dano moral ou material ao consumidor. Daí a importância do termo “segurança”. Lúcio Delfino afirma:

Ao rotular de inseguro aquele produto que não oferece a segurança  legitimamente esperada pelo consumidor, o CDC impõe um ônus legal ao fornecedor, de  sorte que, se esse disponibilizar, no mercado de consumo, produto imperfeito/inseguro e, por conseqüência, consumidores se virem  prejudicados por  situação que atinge outros  bens seus (saúde, vida, patrimônio material ou moral), que não o próprio produto em si, surge o seu dever indenizatório, fincado no art. 12 do citado  Diploma legal. A lesão ao dever de segurança implica a real possibilidade de se atingir o patrimônio jurídico do consumidor em sua mais ampla acepção, notadamente naquilo que se refere a sua saúde e própria vida.[23]

Para tanto, não importa o argumento das indústrias tabagistas de executarem atividade lícita – o que se questiona é o fato do produto ser dotado de defeito/imperfeição ou não atender as expectativas do consumidor.

A saúde, como se sabe, é assegurado na Constituição Federal como direitos de todos e dever do Estado. A lei 8078/90, seguindo os ditames da Constituição Federal também estabeleceu a proteção à saúde como um dos direitos básicos do consumidor. Qualquer situação que venha a contrariar essas regras, deve ser considerada ilegal ou prejudicial ao ser humano, tendo em vista que a saúde é o bem mais precioso que se pode ter. O cigarro, por causar tantos males à saúde, é um típico produto defeituoso, devendo ser mola propulsora de reparação dos danos causados aos consumidores que dele se utilizam.

Sobre a autora
Raíssa Ester Maia de Barros

Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, UFCG; Pós-Graduanda em Direito do Trabalho e Previdenciário, PUC-MG; Pós-Graduanda em Direito Civil Constitucional do Programa de Pós-Graduação em Ciências Jurídicas, UFPB/ESMA PB. Advogada.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARROS, Raíssa Ester Maia. A nova principiologia contratual e a responsabilidade civil das empresas do tabaco. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4589, 24 jan. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/45972. Acesso em: 5 nov. 2024.

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