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A nova principiologia contratual e a responsabilidade civil das empresas do tabaco

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24/01/2016 às 08:13
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3. Perspectiva histórica do Cigarro e Inserção desse produto no contexto social 

 Apesar das consequências negativas provocadas pelo tabaco aos seres humanos, o seu consumo se materializa por todos os lados do mundo. Considerado como um dos maiores males da humanidade, disseminou-se por todos os países do mundo causando inúmeras doenças e mortes aos que dele se utilizavam.

A respeito do surgimento do tabaco, não há unanimidade. Alguns historiadores afirmam ter sido o tabaco originário da América Central e somente em 1000 a.C. passou a ser utilizado pelos povos indígenas para tratamentos de purificação religiosa, bem como utilizado para tratamentos de doenças. Já em relação à sua chegada na Europa, alguns historiadores atribuem este fato à Jean Nicot, diplomata francês que residia em Lisboa. De acordo como conta a história, Jean Nicot era portador de uma doença na perna. Até então, este diplomata não havia encontrado cura para seu problema. Foi quando se encontrou com Damião de Góis, que lhe entregara um pouco da planta recolhida em uma de suas viagens. Ao utilizar-se da planta, teve sua perna cicatrizada.[24] Jean Nicot é considerado, por muitos, como o responsável pela propagação do tabaco por todo o continente europeu e, destarte, teve o seu nome homenageado (que de homenagem não tem nada!) associado a esta erva: nicotiana tabacum.[25]

Durante muito tempo, é sabido que o povo daquela época utilizava-se muito do tabaco como fonte medicinal para diversos tratamentos de doenças como enxaquecas, reumatismo, doenças venéreas e entre outras. Como era novidade para as pessoas, foi muito fácil o tabaco se espalhar para os quatro cantos do mundo como algo bom e que trazia benefícios à saúde, uma vez que estava diretamente ligado à cura. Contudo, apesar das advertências dos médicos da época que nem tinham tanto conhecimento como os médicos de hoje, houve o desvirtuamento do uso do tabaco, passado a ser utilizado por mero prazer. Com o tempo foi se verificando vários males ocasionados pelo uso do tabaco. O uso foi tão intenso que os médicos da época afirmavam que se o uso da erva do tabaco continuasse tão desenfreada, chegaria a um ponto em que os governos não teriam pessoas suficientes para seus exércitos.[26]

Como algo tão desenfreado, a utilização do tabaco passou a ser perseguida pelos governos e pela igreja, sendo o seu uso equiparado a crime punido com pena de morte. Porém, com a expansão acelerada do tabaco, os governos perceberam que não conseguiriam privar o seu uso. A partir deste momento, a medida que se tomou foi a sua elevada tributação.

A fumaça do cigarro é resultado de uma verdadeira mistura de componentes químicos. Tem-se notícia de que é formada por, aproximadamente, 4.700 substâncias tóxicas, constituindo-se de duas fases: a fase condensada e a fase gasosa. Na fase gasosa, podemos citar como exemplos o monóxido de carbono, a nicotina, cetonas e formaldeído. Já na fase condensada, encontramos novamente a nicotina, bem como outras 43 substâncias cancerígenas, como o chumbo, níquel, além das substâncias radioativas como o carbono 14, polônio 210, rádio 226 e etc. Dentre as substâncias tóxicas elencadas, uma delas ganha bastante relevância. Estamos falando de uma droga potentíssima, responsável pelo surgimento da dependência e vício nos tabagistas: a nicotina.

   A Organização Mundial de Saúde, bem como outros organismos internacionais, consideram a nicotina como uma droga. Por este motivo, podemos encontrar a dependência do cigarro como uma doença, colocada pela Organização Mundial da Saúde na Classificação Internacional de doenças como F.17.2, leia-se, síndrome da tabaco dependência (grifo nosso).[27]

Acerca da dependência da nicotina no organismo, ensina Mario Cesar Carvalho:

Embora a sensação de prazer seja verdadeira, a impressão de que o cigarro acalma, relaxa e funciona como estabilizador do humor é tão falsa como uma nota de 3 reais. Na verdade, a sensação de relaxamento ocorre porque a nicotina agiu sobre um mecanismo produzido por ela própria: o da dependência. Ao tragar um cigarro, o fumante acalma-se pois estava em crise de abstinência. A nicotina eu ele consumira já havia se dissipado do organismo. Aí começaram os sintomas da falta da nicotina – uma ansiedade que parece irritação, nervosismo e incapacidade de concentrar-se. Quando se aspira o cigarro, a crise de abstinência é interrompida e tem-se a sensação de relaxamento. [28]

Sendo assim, percebe-se que a nicotina, fonte causadora da dependência e falsa sensação de bem-estar, revelam-se como um remédio para algo ocasionado por ela mesmo. Podemos afirmar, destarte, que o mal-estar causado pela ausência desta substância no organismo, pode ser suprido com o bem-estar que tão somente ela proporciona.  A nicotina nada mais é do que a forma de tornar o fumante escravo do tabaco.

Oportunamente, menciona-se um dos argumentos dos fabricantes do cigarro, qual seja, de que o cigarro é um produto cuja periculosidade lhe é inerente. Como se sabe, O art. 8º do CDC prescreve que “os produtos colocados no mercado de consumo não acarretarão riscos à saúde ou segurança dos consumidores.”[29] Entretanto, o mesmo artigo prevê  uma exceção, quais sejam os  casos de produtos que apresentam  riscos considerados normais e previsíveis em decorrência de sua natureza e fruição. Nesse caso, poderão esses produtos ser colocados no mercado, desde que contenham a adequada informação.[30]

É exatamente nessa exceção que os fabricantes de cigarro se baseiam. Alegam que o cigarro possui risco considerado normal e previsível em decorrência de sua natureza e fruição. Contudo, jamais poderia lograr êxito esse argumento uma vez que caso o fosse, estaríamos diante de uma excludente de responsabilidade hipótese em que jamais as indústrias tabaqueiras poderiam reparar prejuízo causado aos fumantes decorrente do uso de seu produto. Nesse sentido, afirma Lúcio Delfino:

Não se podem considerar tais riscos normais em decorrência da natureza e fruição do cigarro. Em primeiro lugar, a natureza do cigarro, vista como conjunto de substancias que o compõem e que dele emanam quando aceso, é desconhecida pelo consumidor de inteligência mediana. Só para se ter uma idéia, são quase cinco mil substancias lançadas ao ar com a fumaça do cigarro, dentre elas substancias tóxicas, cancerígenas e, ate mesmo, radioativas. [...] Segundo Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, fruir significa gozar, desfrutar. Quem fuma não tem como pretensão desfrutar, no futuro, um câncer no pulmão ou uma diminuição do desejo sexual. Não pretende, logicamente, perder grande parte da sensibilidade de seu paladar ou, ainda, gozar um envelhecimento precoce. Não existe no fumante o desejo de, ao adquirir um maço de cigarros, depreciarem sua saúde ou de buscar sua morte prematura. Considerar esses fatos como verdadeiros seria o mesmo que admitir a premissa insustentável de existir no mundo mais de um milhão de suicidas.[31]

   Nos dias hodiernos, o tabagismo é entendido até mesmo como uma doença crônica. Isto porque a ciência encarregou-se de provar que, mesmo havendo vontade do fumante em parar de fumar, na prática, é muito difícil abandonar o consumo do tabaco.[32] Não é sábio acreditar que apenas a força de vontade do fumante em abandonar o vício de fumar é suficiente para que alcance tal objetivo. Vai muito mais além do que a própria vontade. Além da consciência de saber que fumar faz mal a própria saúde, ainda há a frustração ocasionada pela incapacidade de combater o vício.

Em linhas gerais, podemos destacar várias doenças ocasionadas pelo uso do cigarro. Podemos citar como exemplo, câncer de pulmão, câncer de garganta, bronquite crônica, enfisema pulmonar, doenças coronarianas, acidentes vasculares cerebrais, doenças nos ossos, afeta o sistema imunológico, impotência, além de outros problemas de saúde resultantes do tabagismo. Através de pesquisas, registrou-se que em torno de 98 % dos tabagistas possuem em suas mucosas células compatíveis com lesões pré-cancerígenas, as quais se desenvolvem cada vez mais na medida em que o vício vai perdurando. Quando ocorre o diagnóstico do câncer de pulmão, há três alternativas para se tratar a doença: quimioterapia, radioterapia e a cirurgia.[33]

No que diz respeito ao uso de cigarro por crianças e adolescentes, sabe-se que por serem naturalmente inexperientes e inseguros, crianças e adolescentes acabam tornando-se alvos fáceis das indústrias tabagistas. Não são poucas as crianças que já têm experiência com o cigarro na vida intrauterina. Algumas mulheres viciadas no fumo, quando engravidam, não conseguem se desvencilhar do cigarro por causa do efeito de dependência ocasionada pela nicotina no organismo. Estudos mostram que mulheres durante o período gestacional que fumavam 10 cigarros por dia, causaram retardamento na criança quanto ao seu aprendizado de leitura e matemática, quando comparadas com outras que não vivenciaram este problema. [34]

Sobre isso, Lúcio Delfino demonstra em uma de suas obras:

Em 2003, uma pesquisa nacional revelou que a nicotina é a droga mais consumida no país por crianças e adolescentes entre 10 e 18 anos. Segundo o Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas(Cebrid), da Universidade Federal de São Paulo, 44,5% dos jovens consomem tabaco. A pesquisa foi realizada a pedido da Secretaria Nacional Antidrogas e ouviu 2.807 pessoas nos 27 estados do país.[35]                        

Segundo a Organização Mundial de Saúde, se nada for feito para frear as indústrias tabagistas e o consequente consumo de seus clientes fieis, até 2025 o cigarro será o responsável por matar 500 milhões de pessoas em todo o mundo. Afirma, ainda, que deste total, 200 milhões serão crianças e adolescentes que começaram a fumar na última década.[36]

3.1 Fumante Passivo como Consumidor                                  

Além de fazer mal a saúde do próprio fumante, o cigarro também faz mal às pessoas que estão ao redor dele. São os chamados fumantes passivos. Fumante passivo é aquele indivíduo que não tem o hábito de inalar o fumo da forma convencional, mas participa de ambientes que tenham grande exposição de nicotina, monóxido de carbono e outras substâncias tóxicas que compõem o cigarro.

Incrivelmente o mal causado pelo cigarro ao fumante passivo é tão devastador quanto ao fumante ativo. Durante a combustão do cigarro são liberadas quantidades maiores de nicotina e de substâncias tóxicas. O fumante passivo está exposto não somente à inalação da fumaça liberada pelo fumante ativo como, também, exposto à queima da ponta do cigarro. Para isso explica José Rosemberg:                                                   

A constituição do fumo inalado pelos chamados fumantes ativos e a do fumo to tabaco disperso no ambiente são diferentes, existindo, no último, maior número de substâncias cancerígenas.[...] a mais importante colaboração para a poluição é a fumaça que se evola da ponta do cigarro aceso. É a chamada “corrente secundária”, contendo praticamente todas as substâncias do tabaco e, muitas delas, em maiores proporções que a “corrente principal”. Essa corrente secundária é produzida 96% do tempo total do consumo de um cigarro, contendo, em comparação com a corrente principal- aquela expelida pelo fumante-  três vezes mais nicotina, três a oito vezes mais monóxido de carbono, 47 vezes mais amônia, 4 vezes mais benzopireno e 52 vezes mais dimetil, nitrosamina, piridil, butanona, estes dois último, potentes cancerígenos. Essa fumaça tóxica espalha-se no ambiente, fazendo com que as pessoas próximas inalem suas concentrações tóxicas.[37]

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Diante de tantos males causados ao fumante passivo, necessária se faz proteger não somente aquele que consome diretamente o cigarro mas, também, aquele que é atingido indiretamente pela relação de consumo. Acerca do assunto, afirma Lúcio Delfino:

Os fumantes passivos são aqueles que, embora não possuam o vício de fumar, convivem diretamente com fumante, inalando, dia-a-dia, a fumaça tóxica do cigarro. É certo que tais pessoas não se encaixam no conceito de consumidor padrão. Não adquirem ou usam (por vontade própria) o cigarro como destinatário final.No entanto, muitas vezes, acabam por se tornar vítimas de uma relação de consumo na qual não tiveram participação.Embora nunca tenham comprado um cigarro na vida, foram vítimas de uma relação de consumo.[38]

A configuração de consumidor por equiparação encontra guarida no art. 17 do CDC que consagra, para os efeitos de responsabilidade civil, a possibilidade de qualquer pessoa ser alcançada pelo conceito de consumidor, caso sofra algum evento danoso derivado de imperfeição do produto ou do serviço. Necessário se faz, apenas, que tenha existido anteriormente uma relação de consumo, (nexo causal) mesmo que desconhecida pela vítima, gerando a ela danos físicos ou psíquicos.

Destarte, baseando-se neste dispositivo legal, o fumante passivo poderia utilizar-se do CDC para embasar uma pretensão indenizatória, afinal ele nada mais é do que uma vítima da relação de consumo anteriormente existente.

3.2 Restrição da Oferta do Cigarro

Diferentemente da Publicidade, o conceito de Oferta nos é fornecido pelo CDC, em seu art. 30, que diz que “toda informação ou publicidade suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado.”[39] Alguns doutrinadores consumeristas, entendem que  a publicidade seria espécie do gênero oferta.  Vejamos o entendimento de Markus Samuel Leite Norat:

Na acepção consumerista, oferta é, portanto, toda informação ou publicidade. Desta maneira, percebemos que a publicidade está inserida na oferta, sendo, deste modo, toda publicidade uma oferta (oferta publicitária, quando, por exemplo, o supermercado faz anúncio na televisão , oferecendo um produto por determinado preço), mas nem toda oferta é uma publicidade. Em outras palavras, a oferta é gênero ao qual a publicidade está inserida.[40]

É o chamado Princípio da vinculação da Oferta e, por esta razão, cria-se um direito potestativo ao consumidor, ou seja, cria-se o poder de se exigir exatamente aquilo que foi ofertado. O fornecedor, por este princípio, se obriga a cumprir o negócio pelas mesmas condições que foram anunciadas.

Como foi dito anteriormente, a saúde constitui um dos maiores bens de nossas vidas e, por este e outros motivos, a Constituição Federal, nossa Carta Maior, estabelece no inciso II e no §4º do art.220 a restrição da propaganda comercial de produtos nocivos à saúde, como é o caso do cigarro. Vejamos abaixo este dispositivo:

Art.220. Omissis

II - estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no art. 221, bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente.

§4º - A propaganda comercial de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos,  medicamentos e terapias estará sujeita a restrições legais, nos termos do inciso II do parágrafo anterior, e conterá, sempre que necessário, advertência sobre os malefícios decorrentes de seu uso.[41]

A publicidade de produtos fumígenos passa por diversas restrições para assegurar o consumidor dos males que este tipo de produto acarreta. Essas restrições foram de sabedoria sublime pela Constituição Federal, Lei 9294/96 Lei 10167/00 e da Portaria nº. 490 do Ministério da Saúde, de 1988. Antes da elaboração destas leis, a publicidade do tabaco no Brasil não possuía regulamentação, ocorrendo através dos meios de comunicação social por bel prazer dos fornecedores.

A lei 9294/96 dispõe sobre as restrições ao uso e à propaganda de produtos fumígeros. Percebe-se que desde do ano de 1996 o legislador conhece da necessidade e preocupação acerca da regulação da oferta de cigarros. Na elaboração desta lei, tentou-se coibir publicidade e oferta abusivas dos produtos derivados do tabaco, protegendo a sociedade deste mal que mata milhões de pessoas em todo o mundo. Com o advento da Lei 12.546/11, o artigo 3º da lei 9294/96, que versa sobre propaganda/ oferta de cigarros, sofreu alteração. Segue o respectivo artigo alterado por esta lei superveniente:

Art.3 É vedada, em todo o território nacional, a propaganda comercial de cigarros, cigarrilhas, charutos, cachimbos ou qualquer outro produto fumígeno, derivado ou não do tabaco, com exceção apenas da exposição dos referidos produtos nos locais de vendas, desde que acompanhada das cláusulas de advertência a que se referem[...][42]

Além disso, se analisarmos os parágrafos deste artigo 3º, citado logo acima, perceberemos que a Lei 9294/96, estabelece alguns requisitos que deverão ser obedecidos na oferta do cigarro. É o caso, por exemplo, da proibição do uso de crianças ou adolescentes na publicidade do cigarro, bem como associar a publicidade à práticas esportivas. Já a lei 10.167/00, que também realiza algumas alterações na lei 9294/96, estabelece em seu art. 3º :

Art.3º Propaganda comercial dos produtos referidos no artigo anterior só poderá ser efetuada através de pôsteres, painéis e cartazes, na parte interna dos locais de venda”.[43]

Vale registrar, ainda, que vários países vedam totalmente a publicidade do produto cigarro, demonstrando-se como uma evolução enorme em seus ordenamentos jurídicos e, por este motivo, tanto as leis 9.294/96 e 10.167/00 foram objeto de algumas críticas por parte da população que resta indignada com publicidades maquiadas, uma vez que o cigarro é um produto comprovadamente nocivo à saúde.

Carlos Alexandre Moraes afirma que alguns especialistas em saúde criticaram a Lei 10.167/00, uma vez que o cigarro não deveria ser objeto de qualquer tipo de propaganda, uma vez que esta incentiva e aumenta o número de fumantes, bem como o consumo entre eles.[44]

O Decreto 2018/96, por exemplo, também veda, entre outros, a apologia ao prazer e bem estar social daquele que usa o cigarro, em seu art.7, §1º, alínea “d” – “não associar o uso do produto à prática de esportes olímpicos, nem sugerir ou induzir seu consumo em locais ou situações perigosas ou ilegais”.[45]

A União Europeia, por exemplo, aprovou a ilegalidade de anúncios de cigarro em revistas, jornais, internet e em eventos esportivos internacionais, nos 15 países do bloco, a partir de julho de 2005. O ministro dinamarquês da Saúde, Lars Lokke Rasmessen afirmou: “Demos um grande passo na direção de uma forte política comum de proteção ao público contra a promoção de produtos da indústria de tabaco. Completou, ainda, o comissário para a saúde da EU, David Byme, que “a nova lei vai possibilitar às nações da comunidade combater o consumo de cigarros.”[46]

Desta forma, resta inequívoca tamanha necessidade de controle por parte do governo brasileiro das campanhas publicitárias e ofertas das indústrias tabagistas, de modo a preservar a integridade e saúde do consumidor, para que este não caia na armadilha de ser mais uma vítima deste produto capaz de matar tantas pessoas de forma tão disfarçada e cruel.

3.3 Do Dever de Informação: O tabaco e a publicidade enganosa por omissão 

A publicidade pode ser considerada como o elemento que movimenta as relações de compra e venda. É, pois, a maior ferramenta de marketing e, por isso, a forma mais empregada pelos fornecedores para fazer com que seus produtos sejam conhecidos.[47] A publicidade de produtos e serviços somente passou a ser regulada no ordenamento jurídico brasileiro com a feitura do Código de Defesa do Consumidor.  

Através da lei 8078/90, os fornecedores tornaram-se obrigados a respeitar as normas estabelecidas, bem como os consumidores passaram um alicerce jurídico que veio para protegê-los contra situações abusivas e enganosas. Por ser um produto nocivo à saúde, primordial se faz a informação completa dos fornecedores  acerca deste produto, de modo a evitar o consumo de um produto sem as devidas informações derivadas de sua composição, dos efeitos colaterais e entre outros para que um dos maiores bens da vida do ser humano não seja lesado: a saúde.

Neste sentido, o art.37 e os parágrafos 1º e 3º do Código CDC,  nos trouxe o conceito de publicidade enganosa e publicidade enganosa por omissão. Dispõe este artigo:

Art. 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva.  

§ 1° É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por  omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços.  

[...]

§ 3° Para os efeitos deste código, a publicidade é enganosa por omissão quando deixar de informar sobre dado essencial do produto ou serviço.[48]

Norat afirma em seu livro intitulado “Direito do Consumidor: Oferta e Publicidade” que “A publicidade é enganosa por omissão quando deixa de informar sobre algum dado essencial do produto ou serviço[...]proíbe-se a omissão daquelas informações mais importantes que o consumidor precisa ter conhecimento antes de adquirir o produto.”[49] O CDC preza tanto pela informação fornecida ao consumidor, que em vários dispositivos podemos perceber o quanto merece guarida este tema. Ao analisarmos o Código minuciosamente, verificamos no art. 6, inciso III, do Código, bem como no art.31, as seguintes determinações:

Art.6º São direitos básicos do consumidor:[...] III- a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como os riscos que apresentem.

Art.31 A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores.[50]                                 

Por esses argumentos, afirma-se que o caso do cigarro é típico de propaganda enganosa por omissão, pois deixa de informar dados essenciais sobre os danos causados à saúde que, se fossem do conhecimento real da população, interferiria em seu poder de decisão já que esta estaria consciente de todos os seus riscos. Ressalte-se que a jurisprudência vem, aos poucos, recepcionando esse posicionamento. Lúcio Delfino traz em sua obra trecho do brilhante voto do Desembargador do Tribunal do Rio Grande do Sul, Arthur Arnildo Ludwig:                                 

Assim, no meu ponto de vista, o cigarro integra aquela classificação prevista no art. 9º, do CDC, ou seja, trata-se de um produto potencialmente nocivo.ou perigoso à saúde dos consumidores, por isso, a fabricante de cigarros deve informar nos rótulos e mensagens publicitárias de maneira ostensiva e adequada a respeito da sua nocividade ou periculosidade.[51]

(Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul – Ap. Cível. 70000840264 – Rel. Des. José Conrado de Souza Junior. Julgado em 02/06/2004.)

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Sobre a autora
Raíssa Ester Maia de Barros

Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, UFCG; Pós-Graduanda em Direito do Trabalho e Previdenciário, PUC-MG; Pós-Graduanda em Direito Civil Constitucional do Programa de Pós-Graduação em Ciências Jurídicas, UFPB/ESMA PB. Advogada.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARROS, Raíssa Ester Maia. A nova principiologia contratual e a responsabilidade civil das empresas do tabaco. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4589, 24 jan. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/45972. Acesso em: 21 nov. 2024.

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