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A nova principiologia contratual e a responsabilidade civil das empresas do tabaco

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24/01/2016 às 08:13
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4 Responsabilidade Civil das indústrias fumígenas pelos danos ocasionados aos fumantes

O tabaco se disseminou pelo mundo por se encontrar intimamente rotulado como algo prazeroso e capaz de trazer bem estar. Ao longo do tempo, pesquisadores e cientistas começaram a demonstrar com suas teses e pesquisas que, ao invés de ser fonte prazerosa, o tabaco era algo que ao ser ingerido no organismo humano, acarretava doenças muitas vezes irreversíveis. Não é preciso pesquisas e levantamentos para se ter a compreensão que o ser humano foge do mal, foge do perigo. Em sã consciência, ao saber que algo faz mal a sua saúde, tenta desviar o máximo que possível desse tipo de enrascada.

O mais interessante vem agora: as indústrias tabagistas foram protagonistas da maior indenização da história. Com receio de que essas demandas se tornassem populares nos Estados Unidos e receosas, principalmente, com a revolta dos estados americanos por estarem gastando milhões com o sistema de saúde devido aos problemas causados pelo uso do cigarro e para que decisões judiciais em seu desfavor não virasse febre nesse país, as indústrias tabagistas foram responsáveis pelo pagamento de aproximadamente 246 bilhões de dólares – em troca disso, os Estados americanos desistiriam de todos os processos que moviam por fraude contra a saúde pública.[52] Diante desses fatos, data máxima vênia, percebe-se a malandragem e a jogada de interesses envolvendo as indústrias tabagistas.

Infelizmente, apesar das legislações que vigoram em nosso ordenamento jurídico demonstrarem que o cigarro é um produto nocivo à saúde, não obediente às regras de publicidade, bem como carecedor de informação ostensiva ao consumidor, a jurisprudência em nosso país caminha no sentido de não responsabilizar as indústrias tabagistas, deixando sem amparo aquelas pessoas vítimas pelo uso e dependência deste produto. É um bombardeio de decisões no sentido contrário aos interesses dos fumantes. Para esse ceticismo da jurisprudência, afirma Lúcio Delfino:

Muitas dessas decisões mostram absoluto descrédito quanto às argumentações apresentadas pelos autores de tais ações indenizatórias. E tal resultado, fruto da novidade que o tema representa para os operadores do direito, tem também por alavanca a excelente qualidade dos trabalhos desenvolvidos pelos advogados da indústria do fumo, esses que se valem de argumentos sedutores, bem elaborados, sempre escorados em pareceres aparentemente sólidos, elaborados por medalhões do mundo jurídico nacional.[53]

Contudo, apesar de muitos acreditarem que não há mais luz no fim do túnel, acredita-se que esse posicionamento jurisprudencial tem escopo na imaturidade do tema em nosso país e que, com a evolução doutrinária, bem como o surgimento de dados reveladores e conflitantes envolvendo as indústrias tabagistas, a jurisprudência brasileira há de amadurecer no sentido de analisar com maior afinco essa celeuma. Acreditando em um amadurecimento jurisprudencial, os demandantes acionam o Poder Judiciário a fim de obterem êxito na prestação jurisdicional.

São vários os argumentos levados ao Judiciário. No que diz respeito aos argumentos dos demandantes, alegam que o cigarro é um produto perigoso, tendo em vista que já restou comprovado ser um causador de doenças e mortes para aqueles que o consomem, bem como para aqueles que não o consomem (mas, por serem fumantes passivos, também são prejudicados). Pior ainda é que este produto ao ser consumido e ser causador de tantas mazelas, configura-se como algo quase que irreparável, já que aqueles que não são favorecidos financeiramente ficam nas mãos do sistema de saúde o qual não possui suporte necessário para tratar todos os efeitos advindos do tabagismo.

Outro argumento utilizado pelos demandantes é a publicidade enganosa do cigarro. Apesar de recentemente ser instituída a advertência do produto cigarro, verifica-se que a publicidade é muito superior à estas advertências as quais, muitas vezes, são feitas somente pelo Ministério da Saúde. Para Lúcio Delfino, as informações acerca do cigarro são de extrema importância, afirmando ele:

A deficiência de informações do consumidor, quanto aos males originados do tabagismo, tem íntima relação com as primeiras experiências de consumo do cigarro e, consequentemente, com a deflagração do vício causada por esse produto.[54]

Como já dito alhures, o conhecimento de que a nicotina é um psicotrópico muito poderoso já se fazia presente pelos fabricantes de cigarro há décadas, mas que foi mantido em segredo estrategicamente para continuar no ramo do fumo junto a milhares de pessoas ignorantes dos males causados pelo produto. Vale salientar, ainda, aqueles que não sabem ler, sendo atraídos unicamente por imagens atrativas e sedutoras na televisão. Infelizmente as pessoas menos esclarecidas são as mais prejudicadas, tendo em vista que acabam reféns do vício e completamente nas mãos do sistema de Saúde o qual não possui suporte o mínimo para tratar tantas pessoas vitimas dos terríveis efeitos do cigarro.

Outra alegação bastante presente entre os demandantes é que o cigarro causa dependência química. Já foi comprovado cientificamente o poder incontrolável que a nicotina exerce no organismo humano. Como já explicitado por este trabalho, a Organização Mundial da Saúde enquadra o tabagismo como um doença crônica chamada “nicotina-dependência” e mesmo após tantos estudos, nos deparamos com algumas frases bastante em voga nas decisões dos tribunais brasileiros, como: “a cessação da atividade de fumar é um fato notório e que depende única e exclusivamente do usuário[...]; e “ sabe-se que a decisão de experimentar, como a decisão de continuar fumando[...] é tão somente do fumante”[55]

Esses são os argumentos mais corriqueiros utilizados pelos demandantes que, alicerçando-se nos diplomas legais, lutam na tentativa de mudar o perfil da jurisprudência em nosso país, tentando a todo custo enquadrar a responsabilidade civil das indústrias tabagistas na responsabilidade objetiva prevista na Lei 8078/90.

Já no que diz respeito aos argumentos das Indústrias de Cigarro, através de uma análise feita a fundo no repertório jurisprudencial em nosso país, constatou-se que entre as teses trazidas pela indústria do tabaco, as que se sobressaem são: licitude da atividade, a quebra do nexo causal e a notoriedade de informações.

Acerca da licitude da atividade, afirmam os demandados, conforme já explanado, tem se tornado comum entre os tribunais nacionais julgar, baseados no argumento de que a comercialização do cigarro é uma atividade lícita. Ou seja, tem-se levado em consideração, não o que prevê o CDC (responsabilidade objetiva), mas sim a licitude ou não do produto. Essas decisões, data máxima vênia, só corroboram para um efeito dominó em nossos tribunais pátrios de fragilizar as regras colocadas pela Lei 8079/90, tornando-a uma simples letra morta.

Tentam convencer os Tribunais de que sua atividade se pauta na responsabilidade subjetiva (sendo necessário provar a culpa), de modo a se esquivar da aplicação do CDC (responsabilidade objetiva). Argumentam, ainda, que sua atividade nada mais é do que um exercício regular de um direito (ou seja, excludente de imputabilidade) e, em vista disso, não há que se falar em nenhum tipo de responsabilidade, já que não existe qualquer tipo de violação de dever jurídico.[56] Para melhor ilustrar esse tipo de posição nos tribunais pátrios, segue ementa de decisão da 7ª Câmara de Direito Privado do Estado de São Paulo:

RESPONSABILIDADE CIVIL Pleito de reparação de dano moral fundada em doenças causadas pela prática de tabagismo. Sentença improcedente. Inconformismo do autor. Licitude da fabricação e comercialização de cigarros que indicam a falta de responsabilidade da empresa fabricante (grifo nosso). Consumo de tabaco que se vincula ao livre arbítrio do autor, o qual, inevitavelmente, tem ciência dos malefícios que o uso continuado do cigarro poderia causar Manutenção da sentença Recurso desprovido. 9247635592008826 SP 9247635-59.2008.8.26.0000, Relator: Ramon Mateo Júnior, Data de Julgamento: 05/09/2012, 7ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 07/09/2012[57]

Com todo o respeito aos prolatores de decisões que se baseiam nesse argumento de licitude ou não do cigarro, ressalta-se, aqui, que o que  deveria ser levado em consideração é o prejuízo causado por esta relação de consumo, independente se a mesma é pautada ou não em licitude, uma vez que o CDC prevê o dever de segurança do fornecedor, bem como sua responsabilidade objetiva, ou seja, qualquer infortúnio que ocorra ao consumidor decorrente do produto, deverá ser sanado por meio da responsabilização do fornecedor independentemente de culpa.

Outro argumento utilizado pelos demandados é a quebra do nexo causal. O Direito Civil Brasileiro acolheu a chamada teoria do dano causal direto e imediato que considera “causa do evento danoso aquela capaz de se ligar a ele numa relação de necessariedade , mesmo que não seja essa causa a mais próxima do dano, ou a única que o ensejou.”[58]            

Essa teoria torna-se um verdadeiro estorvo. Para Delfino, essa teoria não deve ser encarada como um óbice para o consumidor, tendo em vista que havendo uma perícia bem trabalhada, aliada às demais provas presentes nos autos, permitirá ao julgador a conclusão do vínculo causal entre o tabagismo e o prejuízo ao fumante demandante.

Neste diapasão, válido se faz demonstrar a decisão da décima terceira câmara cível do Rio de Janeiro, no dia 09/08/2012:

PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. TABAGISTA QUE ATRIBUI À FABRICANTE DE CIGARROS A CAUSA DE SUA ENFERMIDADE. INEXISTÊNCIA DE NEXO. LAUDO PERICIAL. PRECEDENTES DO STJ. PRIMEIRO RECURSO AO QUAL SE NEGA SEGUIMENTO - ART. 557, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. SEGUNDA APELAÇÃO À QUAL SE DÁ PROVIMENTO, COM AMPARO NO ARTIGO 557, §1º-A DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.I

[...]II - No entanto, para a responsabilização da indústria fumageira, ou de alguma das fabricantes de cigarro, imprescindível O nexo causal, ou seja, a prova de que o de cujus faleceu em razão do uso do tabaco e que ao longo de sua experiência como fumante, se utilizou desta, ou daquela espécie, fabricada pela ré;III - "A arte médica está limitada a afirmar a existência de fator de risco entre o fumo e o câncer, tal como outros fatores, como a alimentação, álcool, carga genética e o modo de vida. Assim, somente se fosse possível, no caso concreto, determinar quão relevante foi o cigarro para o infortúnio (morte), ou seja, qual a proporção causal existente entre o tabagismo e o falecimento, poder-se-ia cogitar de se estabelecer um nexo causal juridicamente satisfatório"(grifo nosso) ...]

(802541620048190001 RJ 0080254-16.2004.8.19.0001, Relator: DES. ADEMIR PIMENTEL, Data de Julgamento: 09/08/2012, DECIMA TERCEIRA CAMARA CIVEL)[59]

Sendo assim, por meio desta teoria, as indústrias de tabaco afirmam inexistir relação de causalidade entre as doenças e o tabagismo afirmando, ainda, que não há como se ter certeza médica de que o cigarro foi um fator determinante. Aduzem que inúmeros outros fatores podem, por si só, serem capazes de surgir uma patologia. Para solidificar seus argumentos, citam como exemplo o caso do não fumante que, assim como o fumante, também é acometido de câncer de pulmão.

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Além disso, aduzem, ainda, a quebra do nexo causal pela culpa exclusiva da vítima. A decisão de fumar, para as empresas tabaqueiras, decorre exclusivamente da vontade do indivíduo, principalmente após o advento da regulamentação da publicidade e da advertência dos malefícios causados. Argumentam que fumar decorre de um mero hábito e não de um vício e, sendo um hábito, é passível de controle pelo usuário.

De modo a reforçar essa tese, eles citam a distinção realizada pela OMS de vício e hábito, num relatório que remonta ao ano de 1957.

"vicio era um estado de intoxicação caracterizado pela compulsão, tolerância, dependência psicológica e comumente física, com sequelas no comportamento pessoal e social. Já o hábito foi considerado uma "condição" caracterizada pelo desejo por uma droga, pequena ou nenhuma tolerância, dependência meramente psicológica (inexistência de dependência física ou síndrome de abstinência), com consequências puramente individuais".[60]

Alegam, ainda, que considerar o uso do cigarro como um vício, deriva simplesmente da política antitabagista que se desenvolveu em meados da década de 80 e que não há sentido considerar o cigarro como algo que cause dependência. Para eles, qualquer fumante é capaz de deixar de fumar se essa for a sua vontade. Mas a situação não é bem assim, como se sabe. Como prova, podemos citar como exemplo a opinião de especialistas que afirmam não haver tratamento para 5% dos fumantes(a dependência da nicotina é alta). Para esses 5%, o cigarro seria o seu companheiro pelo resto de suas vidas e com o cigarro estariam fadados a morrer.[61]

Por derradeiro, trazem o argumento no que diz respeito à notoriedade de informações que circunda o cigarro.  Sobre isso, seu principal argumento é de que este assunto é regulamentado por lei específica federal (lei n. 9294/96 / lei n. 10167/00) e que os preceitos estabelecidos nas mesmas são respeitados pelas indústrias tabaqueiras. Alegam que a publicidade realizada por eles respeita a livre concorrência e que nunca objetivaram enganar os consumidores com falsas informações, mas tão somente em vender a sua marca. Para eles, “os anúncios, ao contrário do que se pretende afirmar, expressam um esforço de atrair o consumidor para uma determinada marca, e não para dar início ao hábito de fumar.”[62]

Lúcio Delfino afirma em sua obra que seria interessante que, assim como os remédios, o cigarro deveria ser acompanhado por uma bula, prospectos informativos. Vejamos:

É por tal razão, que os maços de cigarro deveriam, outrossim, vir acompanhados, a exemplo das bulas de remédios,  de prospectos informando o consumidor sobre a verdadeira natureza do produto tóxico, a quantidade de substâncias tóxicas existentes em cada unidade, a origem do fumo utilizado na sua confecção,  advertir acerca dos inúmeros malefícios que o produto nocivo  poderá gerar à saúde  daqueles que o consomem, além de outros esclarecimentos necessários e imprescindíveis à  real conscientização do consumidor brasileiro.[63]                 

Esses argumentos acerca da publicidade têm sido bastante amparados pela jurisprudência de nosso país eximindo, dessa forma, a responsabilidade civil das indústrias tabaqueiras.

Os Tribunais em nosso país de fato reconhecem que a publicidade do tabaco somente veio a ser regulada recentemente e que antes disso o produto era associado à erudição e ao charme daqueles que dele se utilizavam. Mas ocorre que hoje a situação diferente. Para os Tribunais hoje esse tema é devidamente regulado e pelo que parece, as indústrias tabaqueiras “respeitam” essas regras. Ainda, nesse sentido, julgou nosso Colendo Superior Tribunal de Justiça o Recurso Especial 1.113.804 - RS (2009/0043881-7),  no dia 27/04/2010:  

RESPONSABILIDADE CIVIL. TABAGISMO. AÇAO REPARATÓRIA AJUIZADA POR FAMILIARES DE FUMANTE FALECIDO. PRESCRIÇAO INOCORRENTE. PRODUTO DE PERICULOSIDADE INERENTE. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇAO A DEVER JURÍDICO RELATIVO À INFORMAÇAO. NEXO CAUSAL INDEMONSTRADO. TEORIA DO DANO DIREITO E IMEDIATO (INTERRUPÇAO DO NEXO CAUSAL). IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO INICIAL.

[...]6. Em realidade, afirmar que o homem não age segundo o seu livre-arbítrio em razão de suposta "contaminação propagandista" arquitetada pelas indústrias do fumo, é afirmar que nenhuma opção feita pelo homem é genuinamente livre, porquanto toda escolha da pessoa, desde a compra de um veículo a um eletrodoméstico, sofre os influxos do meio social e do marketing. É desarrazoado afirmar-se que nessas hipóteses a vontade não é livre.[64]

Em linhas gerais, esses são os principais argumentos levantados pelas indústrias tabagistas para que possam se eximir de qualquer tipo de responsabilidade devido “à ausência de ilicitude, e, consequentemente, de culpa em seu comportamento; e ausência de nexo causal entre o comportamento do fumante e os danos que teriam sido por ele suportados.”

Diferentemente do que ocorre nos Estados Unidos, pode-se perceber que, infelizmente, ainda é bastante tímida a evolução jurisprudencial brasileira no sentido de responsabilizar as indústrias tabagistas. O que se constata é a predominância nos julgados no sentindo de isentar as demandadas de qualquer tipo de responsabilidade. Se formos analisar minuciosamente a jurisprudência em nossos tribunais, perceberemos que em média a cada dez decisões, nove são a favor das indústrias tabagistas. Esse é o cenário em nossos Tribunais.

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Sobre a autora
Raíssa Ester Maia de Barros

Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, UFCG; Pós-Graduanda em Direito do Trabalho e Previdenciário, PUC-MG; Pós-Graduanda em Direito Civil Constitucional do Programa de Pós-Graduação em Ciências Jurídicas, UFPB/ESMA PB. Advogada.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARROS, Raíssa Ester Maia. A nova principiologia contratual e a responsabilidade civil das empresas do tabaco. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4589, 24 jan. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/45972. Acesso em: 22 dez. 2024.

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