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Benefício assistencial e o critério de miserabilidade versus o princípio da dignidade da pessoa humana

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6 APLICABILIDADE DO CRITÉRIO DE MISERABILIDADE

Atualmente, após a inconstitucionalidade do § 3 º, do artigo 20 da Lei 8.742/93, vários estão sendo os entendimentos aplicados pelo ordenamento jurídico a esse respeito.

Como as decisões do STF nos Recursos Extraordinários 567.985 e 580.963 não possuem efeitos vinculantes, vez que não foram tomadas em controle de constitucionalidade, e devido à vinculação da administração pública ao princípio da legalidade, o INSS continua a adotar na via administrativa o critério de renda per capta familiar inferior a ¼ do salário mínimo.

De outro vértice, o atual posicionamento da Advocacia Geral Da União se faz diferente, pois vem instruído pela Instrução Normativa n.º 2, de 2014 (BRASIL, 2014), que traz consigo a seguinte redação:

“Art. 1º Fica autorizada a desistência e a não interposição de recursos das decisões judiciais que, conferindo interpretação extensiva ao parágrafo único do art. 34 da Lei nº 10.741/2003, determinem a concessão do benefício previsto no art. 20 da Lei nº 8.742/93, nos seguintes casos:                                                                                   

I) quando requerido por idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais, não for considerado na aferição da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93:

a) o benefício assistencial, no valor de um salário mínimo, recebido por outro idoso com 65 anos ou mais, que faça parte do mesmo núcleo familiar;

b) o benefício assistencial, no valor de um salário mínimo, recebido por pessoa com deficiência, que faça parte do mesmo núcleo familiar;

c) o benefício previdenciário consistente em aposentadoria ou pensão por morte instituída por idoso, no valor de um salário mínimo, recebido por outro idoso com 65 anos ou mais, que faça parte do mesmo núcleo familiar;

II) quando requerido por pessoa com deficiência, não for considerado na aferição da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93 o benefício assistencial:

a) o benefício assistencial, no valor de um salário mínimo, recebido por idoso com 65 anos ou mais, que faça parte do mesmo núcleo familiar;

b) o benefício assistencial, no valor de um salário mínimo, recebido por pessoa com deficiência, que faça parte do mesmo núcleo familiar.”

Vale ressaltar que esse parâmetro estabelecido pela Instrução Normativa supracitada, deve ser observado a partir da análise do processo concessório, bem como quando da defesa do INSS em juízo pela Procuradoria Federal.

Em contrapartida, além desses dois posicionamentos os magistrados vêm adotando também outros critérios para serem analisados no momento da concessão ou não o benefício assistencial.

O Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por exemplo, possui entendimento jurisprudencial em que afasta o critério de ¼ e adota o de ½ do salário mínimo:

“[...] 2. O art. 20 a Lei 8.742/93 restou tácita e parcialmente revogado pelo advento das Leis n.º 9.533/97, 10.219/01, 10.689/03 e 10.836/04, as quais trataram respectivamente da adoção de programas de renda mínima por municípios, da criação do “Bolsa Escola”, da criação do Programa nacional de Acesso a Alimentação – da criação do “Bolsa Família” todas estipulando como renda mínima para fins de auxílio social o valor de meio salário mínimo per capita. 3. O próprio STF vem mitigando a exigência de preenchimento do requisito objetivo da miserabilidade, conforme decisões monocráticas proferidas por diversos ministros. 4. Recurso provido, para o fim de restabelecer a sentença de primeiro grau de jurisdição. (JEF – TRF1, processo: 200638007434615 UF: MG. Órgão Julgador: Turma Regional de Uniformização de Jurisprudência da 1 ª Região, data da decisão: 31.08.2013, pedido de Uniformização Regional de Jurisprudência). (BRASIL, 2013).”

Importante salientar que, além do critério de ½ do salário mínimo, o que tem prevalecido nas decisões judiciais em primeira instância, é a análise de cada caso concreto, realizando-se estudos socioeconômicos, que tem como escopo demostrar as condições financeiras e sociais em que o requerente e sua família se encontram, bem como fazer com que o julgador tenha melhor visão da situação vivenciada pelo indivíduo. Assim, poderá aplicar com mais precisão o critério da miserabilidade, de modo a impedir que os indivíduos requerentes do benefício em questão sejam prejudicados e tenham que viver abaixo da dignidade da pessoa humana, a fim de não permitir o cometimento de injustiças, proporcionando sobrevivência digna.


7 CONCLUSÃO

Como visto, a existência de políticas públicas assistenciais são de fundamental importância para uma sociedade organizada, de forma que cabe ao Estado o dever de desenvolver mecanismos que venham atender as necessidades da população.

No presente trabalho, foi analisada a existência e a aplicabilidade de normas legais que amparam as necessidades sociais de pessoas idosas e deficientes que não detêm condições de prover o próprio sustento, nem tê-lo provido por sua família.

Contudo, o acesso a essas garantias trazidas pelo ordenamento jurídico se torna, muitas vezes, inviáveis devido à burocracia e a dificuldade que o cidadão possui em fazer valer seus direitos nos moldes estabelecidos por lei, o que acaba por impedi-lo de ter acesso ao direito em questão.

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A LOAS, trouxe em sua regulamentação, direitos que jamais haviam sido regulamentados de forma tão específica, protegendo aos cidadãos incapacitados de prover o seu autossustento, de modo que proteger o idoso, e o deficiente, talvez tenha sido, o primeiro mecanismo real de garantia digna de vida a estes cidadãos fragilizados social e economicamente.

Embora tal garantia tenha sido conquistada, vale ressaltar quão dificultoso é para que se consiga o benefício assistencial de prestação continuada, afinal, este apresenta tanta rigidez em seus requisitos, que por vezes ao invés de incluir o cidadão que realmente precisa do assistencialismo, acabada por exclui-lo.

Dessa forma, ao fixar um critério excessivamente baixo para verificar a miserabilidade do postulante, e colocá-lo em situação de extrema miséria para que faça jus ao benefício assistencial, quando na verdade não é isso que a Constituição Federal determina, pois está fala em necessidade e não em miserabilidade, estar-se-á violando o principal preceito da Carta Magna, o princípio da Dignidade da Pessoa Humana.

A necessidade de flexibilização do critério de miserabilidade estabelecido pela lei é condição sine qua non para evitar o cometimento de injustiças e atender ao objetivo do assistencialismo social, incluindo os cidadãos que encontram-se desprovidos de condições de autos sustento, seja pela idade, seja pela deficiência, observando-se, ainda, que o critério da miserabilidade encontra-se totalmente em desconformidade com os princípios estabelecidos pela Constituição Federal de 1988, ferindo frontalmente o princípio da dignidade da pessoa humana.


8 REFERÊNCIAS

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Sobre os autores
Elirani de Sousa Chinaglia

Advogada. Especialista em Direito Civil e Processo Civil e Previdenciário. Professora do curso de Direito da Universidade Paranaense - UNIPAR - Umuarama - Paraná.

Bruna Izabelly Martin Antonio

Acadêmica do curso de Direito da Universidade Paranaense - UNIPAR - Umuarama - Paraná

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CHINAGLIA, Elirani Sousa; ANTONIO, Bruna Izabelly Martin. Benefício assistencial e o critério de miserabilidade versus o princípio da dignidade da pessoa humana. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4626, 1 mar. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/46886. Acesso em: 22 nov. 2024.

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