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Prisão preventiva do Lula: posição do STF sobre a preventiva

Agenda 11/03/2016 às 10:14

Por que os tribunais do País não revogaram a prisão preventiva do poderoso empresário Marcelo Odebrecht? Porque ele deu motivo concreto para isso (emitindo um bilhete para destruir provas, dizem os julgados).

Foto_Paulo Pinto-Fotos PúblicasO Ministério Público de São Paulo, além de denunciar Lula (e outras pessoas), requereu sua prisão preventiva por (a) desrespeito às instituições (sobretudo as judiciais – “que enfiem no c´… esse processo”), (b) inflamar a população em entrevista coletiva, (c) impedir as investigações (entrou com medidas cautelares para isso), (d) se insurgir contra sua condução coercitiva, (e) se julgar acima da lei, (f) praticar manobras violentas (assim como seus apoiadores), (g) risco de evasão do país e (h) condutas reveladoras de desafio ao Estado Democrático de Direito e à lei.

A decisão será da juíza do caso. Eventual habeas corpus deve ser impetrado no Tribunal de Justiça de SP. O caso não é da competência do juiz Moro, nem da Justiça federal.

O tema prisão preventiva é um dos assuntos mais decididos pelo STF. Que ele pensa sobre o assunto? O HC 127.186-PR, por invocar mais de 50 acórdãos da Corte Suprema, constitui uma perfeita síntese. Vamos recordar o “juridiquês” do STF (todos os negritos e comentários são de minha autoria):

  1.  “A prisão preventiva supõe prova da existência do crime (materialidade) e indício suficiente de autoria; todavia, por mais grave que seja o ilícito apurado [ao Lula, recorde-se, foram imputados dois delitos: lavagem de dinheiro e falsidade ideológica] e por mais robusta que seja a prova de autoria, esses pressupostos, por si sós, são insuficientes para justificar o encarceramento preventivo”;
  2.  “A tais requisitos deverá vir agregadonecessariamente, pelo menos mais um dos seguintes fundamentos, indicativos da razão determinante da medida cautelar: (a) a garantia da ordem pública, (b) a garantia da ordem econômica, (c) a conveniência da instrução criminal ou (d) a segurança daaplicação da lei penal” [são requisitos bastante genéricos, que devem ser preenchidos concretamente e demonstrados pelo juiz];
  3.  “Ademais, essa medida cautelar somente se legitima em situações em que ela for o único meio eficiente para preservar os valores jurídicos que a lei penal visa a proteger, segundo o art. 312 do Código de Processo Penal. Ou seja, é indispensável ficar demonstrado que nenhuma das medidasalternativas indicadas no art. 319 da lei processual penal tem aptidão para, no caso concreto, atender eficazmente aos mesmos fins, nos termos do art. 282, § 6°, do Código de Processo Penal” [recorde-se que em mais de uma dúzia de casos da Lava Jato o STF substituiu a prisão preventiva do Moro em medidas alternativas: apreensão do passaporte, proibição de dirigir a empresa etc.];
  4.  “(…) O fato de o agente ser dirigente de empresa que possua filial no exterior, por si só, não constitui motivo suficiente para a decretação da prisão preventiva. A jurisprudência desta Corte é firme no sentido da impossibilidade de decretação da prisão preventiva com base apenas em presunção de fuga. Precedentes” [não se pode presumir a fuga de ninguém; é preciso prova concreta dessa preparação de fuga, como foi o caso do Delcídio];
  5.  “No que se refere à garantia da instrução criminal, a prisão preventiva exauriu sua finalidade. Não mais subsistindo risco de interferência na produção probatória requerida pelo titular da ação penal, não se justifica, sob esse fundamento, a manutenção da custódia cautelar. Precedentes” [toda prova extrajudicial, no caso Lula, já foi colhida e apresentada junto com a denúncia];
  6.  “A jurisprudência desta Corte, em reiterados pronunciamentos, tem afirmado que, por mais graves e reprováveis que sejam as condutas supostamente perpetradas, isso não justifica, por si só, a decretação da prisão cautelar. De igual modo, o Supremo Tribunal Federal tem orientação segura de que, em princípio, não se pode legitimar a decretação da prisão preventiva unicamente com o argumento da credibilidade das instituições públicas, “nem a repercussão nacional de certo episódio, nem o sentimento de indignação da sociedade” (HC 101537, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, DJe de 14-11-2011)” [o desrespeito às instituições foi invocado pelos promotores];
  7.  “Não se nega que a sociedade tem justificadas e sobradas razões para se indignar com notícias de cometimento de crimes como os aqui indicados e de esperar uma adequada resposta do Estado, no sentido de identificar e punir os responsáveis. Todavia, a sociedade saberá também compreender que a credibilidade das instituições, especialmente do Poder Judiciário, somente se fortalecerá na exata medida em que for capaz de manter o regime de estrito cumprimento da lei, seja na apuração e no julgamento desses graves delitos, seja na preservação dos princípios constitucionais da presunção de inocência, do direito a ampla defesa e do devido processo legal, no âmbito dos quais se insere também o da vedação de prisões provisórias fora dos estritos casos autorizados pelo legislador” [nada pode ser feito fora da lei, está dizendo o STF];
  8.  “O tempo decorrido desde o decreto de prisão e a significativa mudança do estado do processo e das circunstâncias de fato estão a indicar que a prisão preventiva, por mais justificada que tenha sido à época de sua decretação, atualmente pode (e, portanto, deve) ser substituída por medidas cautelares que podem igualmente resguardar a ordem pública, nos termos dos arts. 282 e 319 do Código de Processo Penal”.

Por que os tribunais do País não revogaram a prisão preventiva do poderoso empresário MarceloOdebrecht? Porque ele deu motivo concreto para isso (emitindo um bilhete para destruir provas, dizem os julgados).

Por que o STF decretou pela primeira vez (na redemocracia) a prisão do senador Delcídio? Porque ele deu motivo concreto para isso (fazendo plano de fuga para Cerveró).

Por que o STF já revogou mais de uma dúzia de prisões preventivas do juiz Moro? Porque não vislumbrou motivo concreto para isso. O STF não admite juízos conjecturais nem subjetivos para se decretar a prisão preventiva.

O pedido de prisão preventiva, com certeza, vai gerar muita polêmica. Mas é muito provável que num ponto vai conseguir absoluto consenso: os promotores deram uma derrapada histórica e filosófica medonha, citando a dupla Marx e Hegel (sic), quando nitidamente queriam dizer Marx e Engels. Quando o primeiro estava perto da morte o segundo estava nascendo. Veja o que postou Lauro Jardim:[1].

Arquivo I Domínio Público

“A denúncia do Ministério Público paulista que pediu a prisão de Lula fez uma confusão histórica e filosófica. Assim consta na página 173 do processo: “As atuais condutas do denunciado LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA, que outrora chegou a emocionar o país ao tomar posse como Presidente da República em janeiro de 2003 (“o primeiro torneiro mecânico” a fazê-lo de forma honrosa e democrática), certamente deixariam Marx e Hegel envergonhados”. Só que quem escreveu o Manifesto Comunista, obra fundadora do socialismo científico, junto com Karl Marx (1818-1883) foi o também alemão Friedrich Engels (1820-1895) – à esquerda -, não Georg W. F. Hegel (1770-1831) – à direita”.

 O Brasil, como estamos enfatizando reiteradamente, precisa e quer saber a verdade sobre as acusações feitas contra todos os agentes públicos. Particularmente no que diz respeito aos bens materiais de Lula e sua família interessa saber se foram objeto de aquisição lícita ou de corrupções (particularmente na Petrobras). O tríplex de Guarujá seria ou não de sua propriedade? As acusações contidas na denúncia são graves (e precisam ser apuradas).

Interessa para o país todo (para o povo, para as empresas e os empreendedores, para a economia, para a retomada do crescimento, para a restauração da ética e da confiança) passar a limpo todas as histórias de corrupção (como as delatadas por Delcídio, por exemplo, que incrimina mais de vinte pessoas), não importando quem seja o seu autor (gente do PT, do PMDB, PSDB, DEM etc.).

Havendo indícios suficientes, é preciso instaurar o devido processo e, no final, as provas dirão se se trata de um réu inocente ou culpado. São as provas que derrubam a presunção de inocência.

Qualquer que seja a dialética histórica (afirma o filósofo argentino Feinmann), são três os seus momentos: afirmaçãonegação da afirmação e negação da negação. No processo penal é a mesma coisa: a denúncia do MP de São Paulo faz uma afirmação (Lula praticou lavagem de dinheiro e falsidade ideológica). Ele e sua família negam a afirmação. Somente as provas poderão “negar a negação” (e estabelecer a “verdade”, ainda que seja só processual, limitada).

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O pedido de prisão preventiva do Lula foi defendido superficialmente pelos promotores na entrevista coletiva. O ataque contra o mesmo pedido começou pelo próprio líder do PSDB no Senado, Cássio Cunha Lima: “Aparentemente, não se encontram os fundamentos que possam justificar ou embasar o pedido. Até porque, recentemente, o Ministério Público com a Polícia Federal realizou um conjunto de buscas e apreensões”, afirmou o senador de oposição, que também é advogado.

Merval Pereira, um analista e rigoroso crítico do lulopetismo, disse que há consenso em torno dadenúncia, para apurar os fatos imputados a Lula. Mas a prisão preventiva “invocou motivações políticas, não jurídicas”.

Quem está comprometido com a verdade deve prestar atenção na jurisprudência do STF e rapidamente poderá inferir que a chance da prisão preventiva contra o Lula, pelos motivos invocados pelos promotores, é quase nula. Mas isso não significa que ele não deva ser investigado e processado, sempre que existam indícios suficientes para isso. Cada um deve responder pelo que faz, na medida da sua culpabilidade.

Dos agentes públicos o devemos esperar é o respeito à população que eles dirigem e esse respeito se dá pela ética. A ética pública não significa apenas não ser condenado criminalmente. Vai além disso. Ela significa muito mais que o criminally innocente = politically correct. Não é isso. O patamar da condenação criminal é o extremo da desonestidade. O agente público honesto deve seguir regras éticas outras, distintas do âmbito criminal. A falta de ética pública é a grande responsável pelo deplorável padrão da política e dos políticos brasileiros (ressalvadas as poucas exceções). Contra esse cenário de impunidade e deroubalheira disseminada é que se insurge a população (e com muita razão).

Como vem sublinhando o ministro Celso de Mello (Inq. 3983) “a corrupção impregnou-se, profundamente, no tecido na intimidade de algumas agremiações partidárias das instituições estatais, contaminando o aparelho de Estado, transformando-se em método de ação governamental e caracterizando-se como conduta administrativa endêmica, em claro (e preocupantesinal de degradação da própria dignidade da atividade política, reduzida por esses agentes criminosos ao plano subalterno da delinquência institucional”. Contra essa corrupção, dentro da lei, vale a pena lutar.

CAROS internautas que queiram nos honrar com a leitura deste artigo: sou do Movimento Contra a Corrupção Eleitoral (MCCE) e recrimino todos os políticos comprovadamente desonestos assim como sou radicalmente contra a corrupção cleptocrata de todos os agentes públicos (mancomunados com agentes privados) que já governaram ou que governam o País, roubando o dinheiro público. Todos os partidos e agentes inequivocamente envolvidos com a corrupção (PT, PMDB, PSDB, PP, PTB, DEM, Solidariedade, PSB etc.), além de ladrões, foram ou são fisiológicos (toma lá dá cá) eultraconservadores não do bem, sim, dos interesses das oligarquias bem posicionadas dentro da sociedade e do Estado. Mais: fraudam a confiança dos tolos que cegamente confiam em corruptos e ainda imoralmente os defende. 

[1] Ver http://blogs.oglobo.globo.com/lauro-jardim/post/mp-sp-confunde-engels-com-hegel-em-denuncia-contra-lula.html, consultado em 11/03/16.

Sobre o autor
Luiz Flávio Gomes

Doutor em Direito Penal pela Universidade Complutense de Madri – UCM e Mestre em Direito Penal pela Universidade de São Paulo – USP. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil. Jurista e Professor de Direito Penal e de Processo Penal em vários cursos de pós-graduação no Brasil e no exterior. Autor de vários livros jurídicos e de artigos publicados em periódicos nacionais e estrangeiros. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998), Advogado (1999 a 2001) e Deputado Federal (2019). Falecido em 2019.

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