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Mais um caso de foro privilegiado

Agenda 17/03/2016 às 08:23

O artigo discute hipótese de prerrogativa de foro em caso concreto.

Diante do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 2797, ficou declarada  a inconstitucionalidade do artigo 1º da Lei 10.628/02, que acrescentou os parágrafos primeiro e segundo ao artigo 84 do Código de Processo Penal e estendia para os ex-ocupantes de cargos públicos o direito a foro privilegiado para julgamento de ações de improbidade administrativa.

Ainda necessário rememorar que o Supremo Tribunal Federal, por unanimidade, cancelou a Súmula 394 por entender que o artigo 102, I, b, da Constituição Federal, que estabelece a competência do STF para processar e julgar originalmente, nas infrações penais comuns, o Presidente da República, o Vice-Presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o Procurador-Geral da República, não alcança aquelas pessoas que não mais exercem mandato ou cargo.

Agora fala-se de que foi oferecido ao ex-presidente Lula um cargo de ministro de Estado.

Tal situação parece ser a melhor para ele, em termos de investigação da Lava-Jato, diante da possibilidade de ser investigado pelo Juízo da Vara Federal de Curitiba, onde o Ministério Público Federal tem muito mais informações sobre ele e a possiblidade de sofrer uma medida cautelar que prive a sua liberdade é muito maior, dado o seu envolvimento, que cada vez mais se evidencia com duas empreiteiras umbilicalmente ligadas ao esquema de propinas e lavagem de dinheiro, a OAS e a Odebrecht.

Noticia-se que ele também é investigado por pagamentos diretamente recebidos por sua empresa e pelo Instituto Lula, a título de palestras e doações. De acordo com a força-tarefa do Ministério Público baseada em Curitiba, há provas de que ele recebeu dinheiro desviado do esquema de corrupção na Petrobras.

Ele irá ser investigado, se ministro, perante o Supremo Tribunal Federal, à luz do artigo 102, I, b, da Constituição Federal, nas infrações penais comuns, mas sua esposa e filhos  continuariam na primeira instância, no juízo federal do Paraná, onde está a Lava-jato, aplicando-se

Os interesses pessoais não podem ultrapassar os interesses da República, onde todos devem ser tratados de forma impessoal.

É algo que deve ser tratado no quadro de um impeachment e de uma ação de improbidade civil, pois afronta os princípios magnos do artigo 37 da Constituição Federal, que norteiam a Administração Pública. Afronta-se o artigo 9º, item 7, da Lei 1079/50, “por proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo”, de sorte que tal manobra constitui crime de responsabilidade contra a probidade na administração.

O ex-presidente estará no governo a pretexto de dar uma guinada na politica econômica para agradar os movimentos sociais e a base sindical de sustentação. Mas isso é sobrepujado pelos maiores interesses que são os de sobrevivência politica sua, da atual presidente e do sistema a que estão ligados.

A manobra teria  por objetivo neutralizar medidas jurídicas constritivas e deslocar a competência jurisdicional para o STF, representando, outrossim, ainda à luz do artigo 37 da Constituição Federal, afronta aos princípios da legalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

Noticia-se que a PF e o Ministério Público Federal suspeitam que Lula é o verdadeiro proprietário do apartamento no Guarujá – empreendimento iniciado pela Cooperativa Habitacional dos Bancários (Bancoop) e que acabou incorporado pela OAS, de Léo Pinheiro, amigo de Lula. O ex-presidente afirma que não é dono do tríplex.

De acordo com a delação, publicada pela revista "IstoÉ", Delcídio Amaral  revelou que Lula mandou comprar o silêncio do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró e de outras testemunhas.

De acordo com a revista, Delcídio diz que Lula pediu "expressamente" para que ele ajudasse o pecuarista José Carlos Bumlai porque o empresário estaria implicado nas delações de Fernando Baiano e Nestor Cerveró. Para o senador, Bumlai tinha "total intimidade" e exercia o papel de "consigliere" da família Lula, expressão em italiano que remete aos conselheiros dos chefes da máfia italiana. "No caso, Delcídio intermediaria o pagamento de valores à família de Cerveró", afirma o acordo de delação.

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Nas condições em que se dá, a assunção do ex-presidente da república ao governo, como ministro, auxiliar da atual presidente da república, na verdade, um primeiro-ministro de fato, dentro de um presidencialismo, é um escárnio.

Dizem que querem criminalizar a politica no Brasil. Ela já está criminalizada, envolvida em vários capítulos do Código Penal e de leis extravagantes, como a de organização criminosa e de lavagem de dinheiro.

Pergunta-se como, na hipótese de Ministro, pode o Supremo Tribunal Federal enfrentar a questão da prerrogativa de foro. Há duas possibilidades de análise para o Excelso Pretório coibir a manobra:

A primeira seria adotar o entendimento de que, em relação a fatos pretéritos ao exercício da função ministerial (isto é, quanto a fatos anteriores à nomeação para o cargo de ministro de Estado), a competência subsiste nas instâncias ordinárias. Tal entendimento importaria a revisão parcial da jurisprudência da Corte, que tem entendido que o foro privilegiado é prerrogativa da função, independentemente do momento em que os fatos em apuração ocorreram;

A segunda solução seria adotar o entendimento da vedação à fraude à lei. O STF teria que se posicionar sobre a nomeação de Lula para o Ministério, entendendo que se trata de uma tentativa de burla às normas processuais definidoras de competências — tanto do Judiciário como do MP — para definir que os procedimentos investigativos ou processos judiciais eventualmente em curso contra o ex- presidente devem prosseguir sob a condução dos promotores e juízes naturais.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. Mais um caso de foro privilegiado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4642, 17 mar. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/47371. Acesso em: 22 dez. 2024.

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