Palavra-chave: Delação Premiada. Inconstitucionalidade. Operação Lava Jato. Lei 12.529/2011.
1.Introdução
Com o propósito de reduzir a criminalidade presente no cenário brasileiro, o legislador por meio da Lei nº8.072/90, que trata dos crimes hediondos, e posteriormente Lei nº 12.850/2013 que prevê medidas contra o crime organizado, também a Lei 12.529/2011, que prevê ações para infrações contra a ordem econômica, introduziu a aplicação do instituto da delação premiada.
Este instrumento jurídico dá maior autonomia ao Ministério Público, uma vez que o órgão poderá fazer acordo com o acusado com o intuito de obter informações sobre o delito, em troca de benefícios que será dado pelo Estado. Deve ser destacado que tal proposta de delação, não é exclusivo do Ministério Público, podendo também ser pedido pela polícia e até mesmo pela defesa do acusado.
Em virtude da cultura brasileira, a delação é visto com certo preconceito, haja vista que é interpretado como "deduragem" feita pelo criminoso, por tal motivo se faz muito mais presente no estrangeiro, e vem timidamente reaparecendo no nosso ordenamento jurídico.
Com a atual situação política pela qual o Brasil está passando, esse instrumento está sendo muito utilizado. O acordo tem sido o principal meio empregado pela força-tarefa da Operação Lava Jato, liderada pela Polícia Federal, que foi iniciada investigando apenas alguns doleiros envolvidos em desvios de dinheiros da Petrobras, e atualmente é considerada uma mas maiores operações contra a corrupção no país.
Por fim, o instituto da delação é utilizada também no âmbito do crime organizado, no entanto, este meio de investigação merece enfoque atualmente devido sua aplicação na Operação Lava Jato, que já conta com mais de 30 acusados que aceitaram o acordo da delação premiada.
2 Origem histórica da delação premiada
2.1 Origem histórica no mundo
A delação premiada sempre esteve presente ante a humanidade, desde a idade clássica, fato esse que é descrito pela passagem bíblica em que Judas Iscariotes trai Jesus, pelo pagamento de algumas moedas de pratas.
Tal instituto também foi utilizado na Idade Média, entre século XIII a XVIII, durante o período da Inquisição, uma era negra na história do mundo em que a igreja se impôs como instituição única. Dessa forma, prevalecendo o Direito Canônico e aplicação do sistema inquisitório, era incentivado a utilização da delação, na qual aquele que não aproveitava o período de graça, ou seja, período dado pela Igreja para que os pecadores reconhecesse suas heresias, poderia ser denunciado. No entanto, era separado a delação espontânea, da delação mediante tortura, uma vez que aquele que delatasse espontaneamente tinha mais chance de mentir e assim prejudicar o outro indivíduo. Portanto, aquele que delatasse mediante a tortura poderia ter sua pena abranda com mais facilidade do que aquele que delatasse espontaneamente.
Nos demais Direito espalhado pelo mundo, também há colaboração do acusado com a justiça. No Direito Italiano, essa forma de cooperação, conhecido como pentitismo, é utilizado principalmente para desarticular a máfia, e os benefícios obtidos poderão até substituir a pena de prisão perpétua. Quanto ao Direito Alemão e Direito Espanhol a colaboração poderá até mesmo impedir a imposição de pena.
2.2. Origem histórica no Direito Brasileiro
No Direito Penal brasileiro tal instituto surgiu perante as Ordenações Filipinas, em meados do século XVII perdurando até o final do século XIX, quando entrou em vigor o Código Criminal de 1830.
A delação premiada teve seu primeiro relato durante a Inconfidência Mineira, em que o Coronel Joaquim Silvério, delatou seus colegas e em troca teve suas dívidas perdoadas. Tal traição resultou na execução de José da Silva Xavier, conhecido popularmente como Tiradentes. Após tal fato a delação ficou fadada ao esquecimento, conforme salienta Damásio de Jesus: “em função de sua questionável ética, à medida que o legislador incentivava uma traição, acabou sendo abandonada em nosso Direito" [1]
O período do Regime Militar, a partir de 1964, também teve vestígios da colaboração premiada, em que era utilizada para descobrir aquele que não concordava com o tipo de governo da época.
Posteriormente a esse período, a forma de obter informações mediante a troca de benefícios, fora omitida do ordenamento jurídico, porém perante a atual situação em que o país se encontra esta foi recentemente agregada mais uma vez ao Direito brasileiro.
3.Aspectos Gerais
3.1 Conceito e Natureza Jurídica
A expressão "delação", ou mais precisamente colaboração premiada, significa: denunciar, acusar. Premiada pois, se o delator der informações que auxilie na investigação do delito, poderá esse receber como prêmio benefícios em relação a sua pena.
Neste seguimento Guilherme de Sousa Nucci, conceitua tal instituto como:
(..) a possibilidade de se reduzir a pena do criminoso que entregar o(s) comparsa(s). É o ‘dedurismo’ oficializado, que, apesar de moralmente criticável, deve ser incentivado em face do aumento contínuo do crime organizado. É um mal necessário, pois trata-se da forma mais eficaz de se quebrar a espinha dorsal das quadrilhas, permitindo que um de seus membros possa se arrepender, entregando a atividade dos demais e proporcionando ao Estado resultados positivos no combate à criminalidade. [2]
Já o Damásio de Jesus conceitua a técnica de investigação de forma mais minuciosa, pois caso haja a delação, haverá também um terceiro sendo incriminado:
"Delação é a incriminação de terceiro, realizada por suspeito, investigado, indiciado ou réu, no bojo de seu interrogatório (ou em outro ato). ‘Delação premiada’ configura aquela incentivada pelo legislador, que premia o delator, concedendo-lhe benefícios (redução de pena, perdão judicial, aplicação de regime penitenciário brando etc.). A abrangência do instituto na legislação vigente indica que sua designação não corresponde efetivamente ao seu conteúdo, pois há situações, como na Lei da Lavagem de Capitais (Lei n.9.613/98), nas quais se conferem prêmios a criminosos, ainda que não tenham delatado terceiros, mas conduzam a investigação à localização de bens, direitos ou valores objetos do crime."[3]
No que tange a natureza jurídica, o Superior Tribunal de Justiça pacificou o entendimento de que “a delação premiada, a depender das condicionantes estabelecidas na norma, assume a natureza jurídica de perdão judicial, implicando a extinção da punibilidade, ou de causa de diminuição de pena”.[4]
Cezar Roberto Bitencourt defende a tese de que a delação premiada consiste na redução de pena em até 2/3, para o partícipe que delatar seus comparsas, e será concedida pelo juiz na terceira fase do sistema trifásico, desde que sejam satisfeitos os requisitos previstos em lei. Sendo assim, a fixação da pena poderá ficar abaixo do mínimo legal. [5]
A delação, conforme já destacado, poderá também ser considerada causa extinção da punibilidade, uma vez que resultar na concessão do perdão judicial, conforme artigo 13 da Lei 9.807/99:
“Art. 13. Poderá o juiz, de ofício ou a requerimento das partes, conceder o perdão judicial e a consequente extinção da punibilidade ao acusado que, sendo primário, tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e o processo criminal, desde que dessa colaboração tenha resultado"
Porém, Marcelo Mendroni defende a hipótese de que a delação resulta em uma espécie diferenciada de "perdão judicial", uma vez que o conceito de perdão judicial é definido com " deixar de punir aquele que tenha sofrido consequência pessoal tão grave decorrente da sua própria conduta, que se pode considerar por aplicada e cumprida sua pena"[6], e no caso da delação não há consequência pessoal. Merecendo o perdão judicial o réu não poderá ter seu nome incluso no rol dos culpados.
Há ainda quem defenda a delação como meio de prova, indagação esta que será aportado a posteriori, mas deve-se ressaltar desde já que não será considerada uma prova absoluta.
3.2 Previsão Legal e Requisitos
Com advento da Lei nº 8.072/90, que trata dos crimes hediondos, o legislador pela primeira vez passou a estabelecer o instituto da delação premiada. Levando em conta o caráter hediondo do fato, o acusado poderia denunciar à autoridade o grupo que praticasse qualquer crime, ou seja, não há necessidade de que seja um crime específico para que haja a colaboração. No entanto, aquele que fizesse acordo deveria seguir certos requisitos, bem como identificar autores, recuperar produtos do crime ou localizar a vítima, deve-se ressaltar que não haverá um acordo formal. No que tange ao benefício diz o artigo 8º da Lei 8072/90:
"Art. 8º Será de três a seis anos de reclusão a pena prevista no art. 288 do Código Penal, quando se tratar de crimes hediondos, prática da tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins ou terrorismo. Parágrafo único: O participante e o associado que denunciar à autoridade o bando ou quadrilha, possibilitando seu desmantelamento, terá a pena reduzida de um a dois terços." [7]
Posteriormente, a Lei nº 12.529/2011 que prevê formas de combate aos crimes contra o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, trazendo a tona o acordo de leniência que se assemelha em quase todos os aspectos à delação premiada, salvo pelo fato de que o primeiro é celebrado por órgão administrativos do Poder Executivo, enquanto o segundo, é homologado pelo Poder Judiciário e tem participação do Ministério Público. Ademais, o acordo de leniência é um benefício concedido pelo CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), sendo válido o acordo apenas nas investigações de cartel, que deverá ser homologado por tribunal, e corrupção - introduzida pela lei 12.846/2013- com homologação do acordo na Controladoria Geral da União.
Dentre os requisitos exigidos para concessão de benefícios em relação os crimes de corrupção e cartel, também se assemelham ao da delação premiada, e vão desde identificação dos envolvidos, obtenção de documentos que prove o delito até o fato de beneficiar apenas aquele primeiro indivíduo a fazer o acordo. Dentre os benefícios possíveis, é previsto a redução de um terço a dois terços da multa e delator não responde por crime no caso de cartel. Já no crime de corrupção há redução de dois terços da multa, não há publicação da condenação, e o delator pode responder criminalmente.
Por fim a colaboração premiada foi novamente prevista na Lei nº 12.850/2013 -Lei das Organizações Criminosas- em que era exigido colaboração efetiva e solidária, revelar a estrutura da organização, prevenir novos crimes e identificar os coautores. Com isso, os benefícios podem ir desde a redução da pena ou perdão judicial, substituição da pena de prisão por restritiva de direitos e se for o primeiro a delatar sobre aquele crime, não será processado, salvo se for o "chefe do crime".
Em relação aos benefícios que a delação premiada pode proporcionar àquele que faz acordo, é de extrema importância salientar que as informações obtidas devem ser efetivas para que assim produza resultado positivo durante a investigação ou andamento do processo. Portanto, o "prêmio" só será dado conforme veracidade da colaboração.
4. Utilização da Delação Premiada na Operação Lava Jato.
A Operação Lava Jato é -sem dúvidas- a maior investigação contra a corrupção já presenciada no país. Foi dado início as investigações em março de 2014 ante a Justiça Federal de Curitiba, em que foram investigando uma rede criminosa lideradas por doleiros que atuavam em vários Estados, a partir de então tal fato acarretou ao surgimento de um enorme sistema de corrupção na Petrobrás envolvendo várias empreiteiras, operadores financeiros e políticos.
Anteriormente a chamada Operação Lava Jato, as autoridades já haviam dado início as investigações a uma rede de doleiros, no ano de 2009. O principal alvo dessa primeira investigação era o empresário Alberto Youssef, que movimento bilhões de reais, usando empresas de "fachada". O empresário matinhas negócios com ex-diretor de Abastecimento da Petrobrás, Paulo Roberto Costa e grandes empreiteiras. Em março de 2014 ambos foram presos, dando assim, efetivo início a Operação Lava Jato, além desses dois principais nomes, a lista de envolvidos nesse esquema se estende cada dia mais.
Com tantos envolvidos, a delação premiada passou a ser um método de investigação essencial nesse caso. Após ser preso pela segunda vez, o ex-diretor de Abastecimento da Petrobras, em 2014, aceitou colaborar com as investigações em troca de redução de pena. Paulo Roberto Costa cita mais de 30 políticos envolvidos com esquema de corrupção. Além desse, mais envolvidos fizeram acordo de delação premiada, cujo o de maior importância, será o do empresário já citado, Alberto Youssef.
Os acordos de colaboração premiada deram impulso às investigações. Em novembro de 2014, a polícia prendeu executivos acusados de participação do sistema. Os acusados pelo desvio de dinheiro da Petrobras tinham se comprometido, no final de 2014, por meio de acordo de delação premiada, a devolver cerca de R$ 447 milhões aos cofres públicos, valor esse que seria o maior já recuperado pelo governo em ações contra corrupção. No entanto, a Operação Lava Jato teve seu ápice em junho de 2015, quando chegou às duas maiores empreiteiras do país Odebrecht e Andrade Gutierrez.
Recentemente, cerca de 40 acordos de delações foram firmadas, no entanto sete delas estão sob análise. O Ministério Público Federal afirma ter provas de inconsistências e pretende cancelar três dessas, e aqueles que assinaram o acordo perderá os benefícios, dentre deles o direito a prisão domiciliar.
4.1 Delação Premiada e sua Constitucionalidade.
A delação premiada é um meio pelo qual o Estado busca obter informação e assim a investigação pode ser reduzida. Desta forma, discute-se a constitucionalidade da tal instituto, uma vez que o acusado atua ao lado da justiça para punir os demais comparsas. Dentre as violações apontadas destaca-se:
4.1.1 Ampla Defesa e Contraditório.
O artigo 5º, incisos LIV e LV da Constituição Federal de 1988, assegura a todos o contraditório e ampla defesa, sendo assim, faz-se necessário analisar também a constitucionalidade da delação premiada na Operação Lava Jato sobre o ponto de vista do devido processo legal.
Quanto ao Princípio do Contraditório, a violação desse não será concretizado caso o acordo de delação seja apontada na fase pré-processual, ou seja, no período da instauração do inquérito. Dispõe nesse sentido Alexandre Moraes:
"O contraditório nos procedimentos penais não se aplica aos inquéritos policiais, pois a fase investigatória é preparatória da acusação, inexistindo, ainda, acusado, constituindo, pois, mero procedimento administrativo, de caráter investigatório, destinado a subsidiar a atuação do titular da ação penal, o Ministério Público."[8]
Ademais o Superior Tribunal de Justiça também se posicionou sobre a questão:
"Independentemente do que fora declarado na fase inquisitória, é durante a instrução criminal, na fase judicial, que os elementos de prova são submetidos ao contraditório e à ampla defesa, respeitado o devido processo legal."[9]
Portanto, poderá ser considerada inconstitucional a delação premiada ocorrida na fase processual, uma vez que o contraditório nesse estágio é essencial. Nessa mesma linha de raciocínio temos Antônio Scarance Fernandes que defende a exigência "a observância do contraditório, no processo penal, na fase processual, não na fase investigatória. Ao mencionar o contraditório impõe seja observado em processo judicial ou administrativo, não estando abrangido o inquérito policial" .[10]
Em contrapartida Rogério Lauria Tucci sustentava a ideia de que deve existir uma "contrariedade efetiva e real em todo o desenrolar da persecução penal e na investigação inclusive, para maior garantia da liberdade e melhor atuação da defesa".[11] Seguindo essa mesma linha de pensamento Guilherme de Souza Nucci explica:
"O princípio do contraditório é constitucionalmente previsto, de modo que não se pode aceitar, singelamente, a afirmação de que ainda que violadora do princípio do contraditório a delação tem sido aceita pelos tribunais. Nada que viole um princípio constitucional pode ser aceito e assimilado pelo sistema jurídico." [12]
No que diz respeito a ampla defesa, essa está diretamente ligada ao princípio do contraditório, uma vez que esse faz com que exista aquele, e vice-versa. A ampla defesa trás a garantia do conhecimento evidente da imputação que é feita ao acusado e assim dado a ele o direito de contrariar as afirmações que lhe foram impostas. Guilherme de Souza Nucci ainda elucida: “o contraditório prevê a bilateralidade dos atos processuais, que significa ter o réu sempre o direito de se manifestar quanto ao que for dito e provado pelo autor, produzindo contraprova”. Dessa forma a ampla defesa proporciona a aplicação do princípio da presunção de inocência até que seja comprovada a culpa em sentença penal condenatória.[13]
Por fim, a inconstitucionalidade do instituto paira ao fato de que o juiz não toma conhecimento do caso, uma vez que o acordo é feito pelo Ministério Público antes da ciência do magistrado. Porém, essa inconstitucionalidade argumentada não faz jus ao instituto da delação premiada, pois apesar do juiz tomar conhecimento após o acordo com o acusado, apenas ele pode fazer a avaliação em relação ao cumprimento das exigências legais e da eficácia da delação.
4.1.2 Moralidade da Colaboração Premiada
Como já elencado, esse método de investigação é instrumento de desconfiança por parte da população pelo fato de ser ou não moral. Dentre as inúmeras tentativas de conceito de moralidade merece ênfase aquele dado pelo autor Adolfo Sánches Vásquez “ conjunto de normas e regras destinadas a regular as relações dos indivíduos de uma comunidade social dada”. [14]
Contudo, a delação possui caráter de traição, e assim vista como imoral. O autor Damásio de Jesus se posicionou acerca da traição presente no Instituto :
"A polêmica em torno da "delação premiada", em razão de seu absurdo ético, nunca deixará de existir. Se, de um lado, representa importante mecanismo de combate à criminalidade organizada, de outra parte traduz-se num incentivo legal à traição".[15]
No entanto, aquele que defende a tese de inconstitucionalidade do instituto devido a imoralidade esquece o fato de que há no ordenamento jurídico o chamado "dever de delatar", conforme autorização expressa no Código de Processo Penal em seu artigo 5º, § 3º:
"Qualquer pessoa do povo que tiver conhecimento da existência de infração penal em que caiba ação pública poderá, verbalmente ou por escrito, comunicá-la à autoridade policial, e esta, verificada a procedência das informações, mandará instaurar inquérito."[16]
A vista disto, prevalece a constitucionalidade do instituto, uma vez que deve ser levado em conta o avanço instrumental e eficaz no combate aos crimes tanto organizado, como ao crime de corrupção, objeto de investigação da Operação Lava Jato.
4.2 Inconstitucionalidade dos acordos da Lava Jato.
Conforme abordado, mais de 40 acordos de delação foram firmados com os acusados da Operação Lava Jato. No entanto, este mecanismo de investigação firmado entre os doleiros e o Ministério Público tem sido alvo de críticas devido a renúncia de direitos na qual os delatores são submetidos para que haja efetivo cumprimento do pacto.
A Constituição Federal de 1988 em seu artigo 5º, LXIII, assegura o direito do acusado permanecer em silêncio, garantia essa que deve ser renunciada pelo delator, pois, uma das exigências da delação premiada é que a culpa relacionadas aos crimes a ser delatados, seja admitida.
Outra garantia fundamental na Carta de 1988 que é renunciada, é o direito ao Habeas Corpus, artigo 5º,inciso LXVIII, ou seja, aquele que se comprometer a delatar está vedado a impetrar Habeas Corpus, e caso esses já estejam em tramitação, deverá haver desistência, os compromissos de Paulo Roberto Costa e Alberto Youssef já estão abarcadas por essa renúncia. Para Nucci, essa cláusula não tem serventia: “[Quanto a] renunciar ação de Habeas Corpus, recursos, não acho que seja válido”, complementou.[17]
No entanto, o fato mais questionável quanto as violações no âmbito constitucional, que consta em quase todos os acordos da delação, é o não acesso aos depoimentos do delator por parte da defesa, uma vez essas que deverá ficar restrita ao Ministério Público e ao juiz. Sendo assim, nem os advogados de defesa tem acesso ao conteúdo da declaração dado pelo seu cliente.
Além das garantias previstas na Constituição, a Operação Lava Jato e o acordo de delação premiada também engloba violações acerca do âmbito processual penal, dentre eles o fato de que após o acordo, será estabelecido um prazo ilimitado para o delator ficar no regime em que começa a cumprir pena, e que será fixo somente depois da confirmação efetiva das informações prestadas. Isso poderá levar meses violando assim a exigência de que a pena tenha sua quantidade de tempo fixada pelo juiz como reza o artigo 59, II, do Código Penal:
"O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime [..] II - a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos." [18]
No que tange ao cumprimento de pena, os acordos de delação, trás a aplicação da progressão de regime mesmo em desconformidade com a Lei nº 7.210/1984, artigo 122, que trata dos requisitos estipulados na Lei de Execuções Penais. Em contrapartida a essa indagação o Ministério Público Federal, destaca a autorização de tal exceção pela Lei das Organizações Criminosas, porém esse fundamento cai por terra visto que essa exceção prevista na norma só serve para colaborações firmadas após a sentença condenatória, conforme artigo 4, parágrafo 5º da Lei nº 12.850/2013:
"se a colaboração for posterior à sentença, a pena poderá ser reduzida até a metade ou será admitida a progressão de regime ainda que ausentes os requisitos objetivos."
Apesar de todos os argumentos defendidos por aqueles que acreditam na inconstitucionalidade desse instituo, o procurador regional da República, Orlando Martello, compõe a Operação Lava Jato, discorda das alegações de ilegalidades nos acordos de delação premiada presente nessa força tarefa. Defendendo assim a tese de que o Ministério Público Federal está apenas usando seu poder de negociar com o acusado, algo previsto desde a Lei nº9.099/1995, que trata dos Juizados Especiais.
5. Prós e contras ante a delação premiada.
A medida em que foi debatido, a delação premiada causa inúmeras desavença ao seu redor por ser considerada por muitos uma prática imoral de investigação. Neste segmento Eugênio Raúl Zaffaroni enfatiza:
"A impunidade de agentes encobertos e dos chamados “arrependidos” constitui uma séria lesão à eticidade do Estado, ou seja, ao princípio que forma parte essencial do estado de Direito: o Estado não pode se valer de meios imorais para evitar a impunidade [...] O Estado está se valendo da cooperação de um delinquente comprada a preço de sua impunidade, para “fazer justiça”, o que o Direito liberal repugna desde os tempos de Beccaria".[19]
De mais a mais, o benefício dado delator pode quebrar o princípio da isonomia, uma vez que autor e coautor praticaram o mesmo delito e serão julgados de formas diferentes devido a colaboração de um deles, resguardando a medida da culpabilidade de cada um deles.
No Direito Penal brasileiro a prova testemunhal não possui o mesmo valor do que uma prova técnico-pericial, sendo há possibilidade de uma falsa delação, apenas para desviar o rumo das investigações propositalmente ou atém mesmo para obter para si um proveito próprio, podendo trazer reflexos negativos à busca dos reais fatos. Além do mais, o instituto da delação pode acarretar em acomodação da autoridade que tem o dever de apurar o delito, pois poderá contar com possibilidade da delação e assim obter informações sem que haja efetiva dedicação sobre a realização de sua função.
Apesar dos aspectos negativos, do ponto de vista funcional, esse instituto é tido como importante aliado contra o combate a criminalidade, principalmente contra o Crime Organizado, pois na fase de investigação o colaborador além de admitir a culpa, faz com que seja evitado a consumação de outras infrações, devido informações dada a polícia.
Embora a delação afronte ao mandamentos da moral e da ética, esse é um mecanismo que busca a paz social e deverá sim ser utilizado, contanto que com moderação. Outrossim, José Alexandre Marson Guidi, buscando o fim da discussão faz o questionamento sobre a existência de ética no meio do crime organizado, certamente a resposta será negativa, e assim seria um erro afirmar que se o delator denunciar seus comparsas estará agindo contra a ética.[20]
Conclusão.
No trabalho exposto foi abordado a complexidade do instituto da delação premiada, que vem sido utilizado desde o tempo remoto, porém, ganhou maior relevância atualmente devido a situação política no país. O Estado Democrático de Direito que visa principalmente a luta pela justiça e proteção do cidadão também contribui para o retorno efetivo do instituto que tem como finalidade combater o crime.
De fato, o instituto da delação premiada é muito utiliza em países estrangeiros no combate a criminalidade. Por sua vez, foi instituída de forma efetiva no Brasil em razão do escândalo da Petrobras que resultou na força tarefa da Operação Lava Jato e consequentemente chegando ao conhecimento da população através da mídia. Aquele que aceita fazer o acordo de delação, ao cumprir os requisitos exigidos pelo instituto poderá ter benefícios declarados, caso isso não ocorra caberá apelação por parte do delator. Ressalta-se ainda que mesmo o delator tendo comportamento individual, ao colaborar com a investigação, ao final estará colaborando também com o interesse coletivo.
Embora haja muitos argumentos doutrinários em torno da inconstitucionalidade, esse instituto foge do rol de meios padronizados de investigação. Nada obstante a utilização da delação premiada tem colaborado nitidamente para o desdobramento do maior esquema de corrupção pela qual o Brasil já enfrentou.
Em suma, a delação premiada é um mecanismo que facilita as investigações e se realizada de forma correta é um enorme aliado contra o combate a criminalidade, principalmente ao crime organizado, devendo assim ser aplicado cada vez mais em nosso sistema penal.
Referências Bibliográficas
[1] JESUS, Damásio E. de. Estágio atual da "delação premiada" no Direito Penal brasileiro .
[2] NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal: parte geral: parte especial. 3ª Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 716
[3] JESUS, Damásio de. Delação Premiada. Revista Justilex. Brasília, ano IV, n. 50, p. 26-27, fevereiro de 2006.
[4] Habeas Corpus nº 97509, j. 15/06/201 Disponível em https://oprocesso.com/2012/06/06/qual-a-natureza-juridica-da-delacao-premiada. Acesso em: 19 de março de 2016
[5] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal, parte especial. 4 ed., São Paulo: Saraiva, 2008, v. 3, p. 124
[6] MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime organizado: aspectos gerais e mecanismos legais. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2002. p. 52
[7] Decreto Lei n.º 8.072, de 25/07/1990. Vade Mecum, 18ºed. Editora Rideel, 2014.
[8] MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, 25ª ed. São Paulo, Atlas, 2009
[9] Habeas Cospus HC nº 59115/ PR 006/01044769 (STJ) ,http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/. Acesso em 19 de março de 2016
[10] FERNANDES, Antônio Scarance. Processo penal constitucional. 5. ed. atual. ampl. São Paulo: RT, 2007, p. 65.
[11] TUCCI, Rogério Lauria. Direitos e garantias individuais no processo penal brasileiro. 2. ed. rev. ampl. São Paulo: RT, 2004, p. 211.
[12] NUCCI, Guilherme de Souza. O valor da confissão como meio de prova. 2. ed. rev. atual. São Paulo: RT, 1999, p. 215.
[13] NUCCI, Guilherme de Souza. O valor da confissão como meio de prova no processo penal. São Paulo: RT, 1999, p. 36
[14] VÁSQUEZ, Adolfo Sánches. Ética. 10. ed. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 1987, p. 25
[15] JESUS, Damásio E. de. Estágio atual da "delação premiada" no Direito Penal brasileiro.
[16 ] Código de Processo Penal. 18º ed. Editora: Rideel. 2014.
[17]http://www.conjur.com.br/2014-out-15/lacunas-delacao-premiada-prejudicam-defesa-dizem-criminalistas. Acesso em 22 de março de 2016
[18] Código Penal Brasileiro. 18º ed. Editora Rideel. 2014l Brasileiro
[19]ZAFFARONI, Eugênio Raúl apud GUIDI, 2006, p.143. Crime organizado: uma categoria frustrada. Discursos sediciosos: crime, direito e sociedade, Rio de Janeiro: Revan, ano 1, v. 1, 1996, p. 45.
[20]GUIDI, José Alexandre Marson. Delação Premiada no Combate ao Crime Organizado. São Paulo: Lemos de Oliveira, 2006.
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