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A colaboração premiada atualizada: reflexos da Lei n° 12.850/2013 no processo penal brasileiro

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Agenda 16/04/2016 às 17:36

 

 

3.1.2 O acordo elaborado pelo delegado de polícia

 

A Lei do Crime Organizado trouxe a hipótese de celebração de acordo entre o investigado, seu defensor, e a autoridade policial, como se pode aferir na leitura do art. 4º, §6º, segundo o qual o acordo de colaboração ocorrerá entre o Delegado de Polícia, o investigado e o defensor, com a manifestação do Ministério Público ou, conforme o caso, entre o Ministério Público e o investigado ou acusado e seu defensor.

Outrossim, o §2º dispõe que o Delegado de polícia, nos autos do inquérito policial, com a manifestação do Ministério Público, poderá requerer ao juiz pela concessão de perdão judicial ao colaborador, ainda que esse benefício não tenha sido previsto na proposta inicial, aplicando-se, no que couber, o art. 28 do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal).

A melhor justificativa para a atribuição da celebração de acordo pelo Delegado de Polícia é a oportunidade. Nesse sentido sustenta Marcelo Bartlouni Mendroni[1], para o qual “o dispositivo parece ter relevância intrínseca nas ocasiões ‘urgentes’ e ‘inadiáveis’ em que o delegado de polícia se depara com situação que conduza à necessidade e vantagem de propor a colaboração premiada ao pretendente”. Também nesse sentido aduzem Arthur Pinto de Lemos Júnior e Beatriz Lopes de Oliveira:

                                                                            

“Sublinhamos qe a Lei nº 12.850/13 possibilitou ao Delegado de Polícia propor ao Investigado o benefício da colaboração premiada. Aplaudimos essa prerrogativa ao Chefe de Polícia. O Ministério Público não está em tempo integral nas dependências policiais e, assim, a dinâmica e agilidade da investigação policial exige a concessão dessa prerrogativa ao Delegado de Polícia.[2]

 

Contudo, os dispositivos cingem-se de forte controvérsia, sobretudo porque, a depender da interpretação que se faça, pode-se suprimir uma prerrogativa do Ministério Público, titular ação penal, conferida pelo art. 129, da Constituição Federal, que indica, dentre as funções institucionais do Ministério Público a promoção da a ação penal pública, privativamente.

Assim, Eugênio Pacelli de Oliveira critica o preceito legal, bem como o §2º, que prevê a possibilidade de o Delegado de Polícia requerer ao juiz a concessão do perdão judicial ao colaborador, pois tais prerrogativas admitem a extinção da persecução penal, a viabilização de imposição de pena e a promoção da extinção da punibilidade do fato (inclusive, em relação a apenas um dos autores ou particípes). Em defesa de seu ponto de vista, enumera:

 

a) o acordo de colaboração premiada tem inegável natureza processual, a ser homologado por decisão judicial, que somente tem lugar a partir da manifestação daqueles que tenham legitimidade ativa para o processo judicial;

b) o fato de poder ser realizado antes do processo propriamente dito, isto é, antes do oferecimento da acusação, não descaracteriza sua natureza processual, na medida em que a decisão judicial sobre o acordo está vinculada e também vincula a sentença definitiva, quando condenatória;

c) a condição de parte processual está vinculada à capacidade e à titularidade para a defesa dos interesses objeto do processo. É dizer, a legitimação ativa está condicionada à possiblidade da ampla tutela dos interesses atribuídos ao titular processual, o que, evidentemente, não é o caso do delegado de polícia, que não pode oferecer denúncia e nem propor suspensão condicional do processo.

d) o acordo de colaboração, tendo previsão em lei e não na Constituição da República, não poderia e não pode impedir o regular exercício da ação penal pública pelo Ministério Público, independentemente de qualquer ajuste feito pelo delegado de polícia e o réu;

e) para a propositura do acordo de colaboração é necessário um juízo prévio acerca da valoração jurídico-penal dos fatos, bem como das respectivas responsabilidades penais, o que, como se sabe, constitui prerrogativa do Ministério Público, segundo o disposto no art. 129, I, CF.

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f) a eficácia do acordo de colaboração está vinculada não só aos resultados úteis previstos em lei, mas também à sentença condenatória contra o colaborador, o que dependerá de ação penal proposta pelo Ministério Público.[3]

 

Finaliza o autor argumentando que, ou se admite a inconstitucionalidade de tais normas, ou se condiciona a homologação do acordo à manifestação favorável do Ministério Público. Assim, o trecho “com a manifestação do Ministério Público”, do §6º demandaria uma interpretação restritiva, tornando essa manifestação vinculante. Também defende esse ponto de vista Marcelo Bartlouni Mendroni[4].

Por outro lado, Renato Brasileiro de Lima defende que nem mesmo a manifestação do Ministério Público poderia validar o acordo celebrado pelo Delegado de polícia. Explica:

 

Esta simples manifestação não tem o condão de validar o acordo celebrado exclusivamente pela autoridade policial. Isso porque a Lei 12.850/13 não define bem o que seria essa manifestação, que, amanhã, poderia ser interpretada como um simples parecer ministerial, dando ensejo, assim, à celebração de um acordo de colaboração premiada pela autoridade policial ainda que o órgão ministerial discordasse dos termos pactuados. Se é verdade que a autoridade policial tem interesse em obter informações relevantes acerca do funcionamento da organização criminosa através dessa importante técnica especial de investigação, é inconcebível que um acordo de colaboração premiada seja celebrado sem a necessária interveniência do titular da ação penal pública. Quando a Constituição Federal outorga ao Ministério Público a titularidade da ação penal pública (art. 129, I), também confere a ele, com exclusividade, o juízo de viabilidade da persecução penal através da valoração jurídico-penal dos fatos que tenham ou possam ter qualificação criminal. Destarte, diante da possibilidade de o prêmio legal acordado com o investigado repercutir diretamente na pretensão punitiva do Estado (v.g., perdão judicial), não se pode admitir a lavratura de um acordo de colaboração premiada sem a necessária e cogente intervenção do Ministério Público como parte principal, e não por meio de simples manifestação. De mais a mais, ainda que o acordo de colaboração premiada seja celebrado durante a fase investigatória, sua natureza processual resta evidenciada a partir do momento em que a própria lei 12.850/13 impõe a necessidade de homologação judicial (art. 4º, § 7º). Por consequência, se a autoridade policial é desprovida de capacidade postulatória e legitimação ativa, não se pode admitir que um acordo por ela celebrado com o acusado venha a impedir o regular exercício da ação penal pública pelo Ministério Público, sob pena de se admitir que um dispositivo inserido na legislação ordinária possa se sobrepor ao disposto no art. 129, I, da Constituição Federal.[5] 

 

Já Roberto Bitencourt e Paulo César Busato são da linha que, sob qualquer hipótese, o acordo celebrado pelo Delegado de Polícia será inconstitucional, ao conferir à autoridade o status de sujeito processual. Sendo a colaboração premiada meio de prova, constitui-se em matéria processual, motivo pelo qual a participação do Ministério Público não pode ser resumida à uma simples oitiva:

 

A questão toda é que a iniciativa a respeito do emprego deste instrumento probatório e mesmo o sopesamento das consequências que ele gera para fins de aplicação do direito penal devem estar disponíveis tão somente para o titular da ação penal que, por disposição constitucional, é exclusivamente o Ministério Público (artigo 129, I da CF/88), afinal, em certa medida, trata-se de dispor da persecução penal. (...)

Claramente, a seguir as disposições da lei, o delegado de polícia assume o papel de parte no processo penal, pois, ao admitir que ele negocie a colaboração, sua iniciativa poderia gerar a extinção da persecução, a redução da pena ou sua substituição de privação de liberdade por restrições de direitos, e até a extinção da punibilidade por perdão judicial. (...).

A única solução hermenêutica razoável é entender como absolutamente impossível a iniciativa do delegado de polícia em negociar a colaboração premiada, cabendo esta exclusivamente ao agente do Ministério Público, submetendo-se, em caso de discordância do juiz a respeito dos termos do acordo, à revisão pelo Procurador-Geral de Justiça. Qualquer outra interpretação ou forma de resolução esbarrará ou em ilegalidade ou em inconstitucionalidade.

 

Os doutrinadores explicam ainda que a aprovação do texto legal afastou-se da orientação do Grupo de Trabalho que elaborou o anteprojeto de lei, pois este apontava unicamente para a possibilidade de acordo entre o Ministério Público e a defesa, na condição de partes no processo, e a justificativa era justamente a titularidade do Ministério Público sobre a ação penal.[6]

Márcio Alberto Gomes da Silva[7], entende, por sua vez, que não há qualquer mácula na legitimidade conferida ao delegado de polícia para materializar acordo de colaboração com o investigado na fase pré-processual. Isso porque o presidente da investigação é quem pode, de forma mais adequada, avaliar a conveniência do acordo. Tal atribuição não se chocaria com a titularidade do Ministério Público, já que esse participa, posteriormente, emitindo parecer.

Parece-nos mais coerente que a manifestação do Ministério Público seja vinculante, mas suficiente para a possibilitar a homologação do acordo pelo magistrado. Afinal, o apontado risco mudança de interpretação sobre o dispositivo é inválido. Consolidando-se pela jurisprudência a concepção sobre a obrigatoriedade da concordância ministerial, será invalidado o acordo que descumpra tal regra.

Igualmente parece necessário assegurar a celebração de acordos de urgência, no momento oportuno, caso em que o entrave burocrático de acionar o Órgão Ministerial pode frustrar acordos que seriam fundamentais. Seria o caso, por exemplo, da captura de um dos coautores de um sequestro, que tivesse informações que auxiliassem na localização da vítima com a sua integridade física preservada.

Posta assim a questão, resta a ressalva de aplicação, no que couber, do art. 28 do Código de Processo Penal[8], por analogia. Dentre outras hipóteses desta lei em que se poderia aplicar o dispositivo, aqui nos parece ser a hipótese de discordância do membro do Parquet, quanto à celebração do acordo. Também, nesse sentido:

 

Caso o promotor não concorde com o Acordo de Colaboração Premiada proposto pelo Delegado de Polícia, o Juiz deverá aplicar a regra prevista no artigo 228 do Código de Processo Penal – parágrafo 2º do artigo 4º da Lei 12.850/13. Será daí, o Procurador-Geral de Justiça quem definirá sobre o ajuste ou não com o Investigado e sua Defesa técnica, destacando-se, vez mais, o caráter acusatório do processo penal brasileiro. Portanto, caso não seja acolhido o entendimento judicial, não será proposto Acordo de Colaboração Premiada, não obstante o entendimento da autoridade policial e do Magistrado.[9]

 

Em suma, tem-se que é possível atribuir ao Delegado de Polícia a incumbência de celebrar acordo de colaboração premiada, desde que tal acordo seja chancelado pelo Ministério Público. Acaso o Promotor de Justiça ou procurador da República discorde, aplica-se o art. 28 do Código de Processo Penal, sendo a manifestação do Procurador-Geral do Órgão conclusiva.

 

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