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Garagem de apartamento pode ser penhorada?

Agenda 08/05/2019 às 13:45

Sou sócio de uma empresa que está sendo executada na Justiça do Trabalho. Meu apartamento é bem de família. Minha garagem pode ser penhorada?

Em princípio, o patrimônio do sócio não se confunde com o da empresa e sócio não responde por dívida da sociedade (Código Civil, art.1.024). Mas, toda vez que o sócio se utilizar da empresa para prejudicar credores, seja por excesso de mandato, desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, essa separação pode ser afastada pelo juiz e os bens particulares do sócio passam a responder pela dívida do negócio (Código Civil, art.50 c/c CTN, art.135 e CDC, art.28). Quando, a pedido da parte ou do Ministério Público o juiz autoriza o levantamento do véu da sociedade — lifting the veil — para atingir o patrimônio dos sócios, dá-se a desconsideração da personalidade jurídica da empresa. A partir do trânsito em julgado dessa decisão os patrimônios se confundem e o credor poderá penhorar bens do sócio para ressarcir-se dos seus prejuízos. O Ministério Público somente poderá pedir desconsideração da personalidade jurídica quando atuar como “custos legis”, isto é, fiscal da lei.

O novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015) que entrou em vigor em 18 de março deste ano trata do incidente de desconsideração da personalidade jurídica nos arts.133 a 137. Podem pedi-la a parte e o Ministério Público — este, como dito, apenas quando atuar como fiscal da lei — e podem fazê-lo já na petição inicial ou no curso do processo, seja na fase de conhecimento, de cumprimento da sentença ou na execução fundada em título executivo extrajudicial.

Se a desconsideração for pedida já na inicial, o juiz mandará citar a empresa e os sócios para a defesa, garantindo-lhes o amplo direito à prova e ao devido processo legal. Se pedida no curso do processo, o juiz suspenderá a tramitação do processo principal (CPC, art.134, §3°), comunicará o pedido de desconsideração ao distribuidor para que lance nos seus assentamentos também o nome dos sócios (CPC, art.133, §1°) e mandará citar o réu e os sócios para que se manifestem em quinze dias sobre o incidente e requeiram as provas que julgarem necessárias (CPC, art.135). Impugnado ou não o incidente e produzida ou não alguma prova, o juiz decidirá.

Diferentemente do CPC, onde decisões com essa natureza podem ser atacadas por meio de agravo de instrumento, no processo do trabalho a decisão que resolver incidente de desconsideração terá natureza meramente interlocutória (CPC, art.136) e contra ela não há recurso algum. Pelo sistema da CLT, decisões interlocutórias não são recorríveis de imediato e só podem ser atacadas como preliminares do recurso ordinário (CLT, art.893, §1°).

Se o incidente de desconsideração for instaurado quando o processo já se achar no tribunal e for decidido pelo relator do recurso, contra essa decisão caberá agravo interno (CPC, art.136, parágrafo único). Se o pedido de desconsideração for julgado procedente, a alienação ou a oneração de bens, havida em fraude de execução, será ineficaz em relação ao requerente (CPC, art.137). Com o trânsito em julgado dessa decisão os autos principais retomarão o seu processamento normal.

Imaginem que num processo trabalhista em fase de execução não tenham sido encontrados bens disponíveis da empresa demandada, suficientes para a garantia do débito, e o juiz, a pedido do credor, desconsiderou a sua personalidade jurídica e mandou redirecionar a execução contra um dos sócios. Dentre os bens disponíveis desse sócio, e que em tese poderiam ser penhorados para a garantia do débito, foi localizado um apartamento em condomínio. Está provado nos autos que o sócio reside ali com sua família e esse apartamento é, na forma da Lei nº 8.009/90, bem de família, e não pode, portanto, ser penhorado. Mas esse apartamento tem uma garagem. Nesse caso, a garagem do apartamento pode ser penhorada ou faz parte do próprio apartamento e também estará protegida pela Lei nº 8.009/90?

Como veremos abaixo, a hipótese comporta duas abordagens.

Conceito jurídico de condomínio

Condomínio — de cum, com, em companhia de, ao mesmo tempo que  + dominium,ii, propriedade, direito de propriedade, derivado de dominus, senhor de, proprietário, possuidor — significa “domínio de vários”. Condomínio ou compropriedade é uma pluralidade de sujeitos coligados por necessidades e fins comuns sob um mesmo regramento jurídico. Pode haver condomínio sobre qualquer coisa móvel, imóvel ou semovente.

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A ideia de um poder jurídico direto sobre a propriedade exclusiva — propriedade individual — e indireto sobre as áreas comuns — propriedade coletiva — é indissociável da ideia de condomínio, daí porque o termo “condomínio” traz implícita a noção de comunhão duradoura. É o permanente estado de comunhão da coisa que legitima os consócios ao exercício do direito sobre a propriedade coletiva.

A justaposição de casas em planos horizontais não é nova, mas o direito romano antigo repudiava a divisão da casa por planos horizontais porque a ideia de dois ou mais proprietários de um mesmo pedaço de chão era contrária aos princípios reinantes. Para os romanos, a propriedade imobiliária se projetava do solo para o alto e até os céus — usque ad coelum — e do solo para baixo até os infernos — usque ad inferos —. Tudo o que estivesse acima ou abaixo do solo pertencia ao seu proprietário.

Por lei (L. nº 4.591/64), as edificações ou conjuntos de edificações de um ou mais pavimentos construídos sob forma de unidades isoladas entre si, destinadas a fins residenciais ou não residenciais, poderão ser alienados, no todo ou em parte, objetivamente considerados, e cada unidade constituirá propriedade autônoma. O §1º, do art.2º, dessa lei diz que o direito à guarda de veículos nas garagens ou locais a isso destinados nas edificações ou conjunto de edificações será tratado como objeto de propriedade exclusiva, com ressalva das restrições que sejam impostas por instrumentos contratuais adequados, e será vinculada à unidade habitacional a que corresponder, no caso de não lhe ser atribuída fração ideal específica de terreno. 

O direito ao uso da garagem é acessório do direito de propriedade da unidade habitacional. Ou seja: a garagem é propriedade autônoma pertencente ao dono do apartamento a que esteja afetada, e não área comum ao condomínio edilício para uso coletivo dos demais comunheiros. O fato de se dizer que o uso da garagem vinculada ao apartamento é um direito conexo do proprietário titular do apartamento não autoriza a concluir que a garagem tenha, sempre, vida autônoma, e deva merecer tratamento jurídico diverso do tratamento que se deve dar ao próprio apartamento.

Se o incorporador, no memorial descritivo de incorporação, fixou para a garagem uma fração ideal do terreno separada da fração ideal fixada para o apartamento e registrou-a em matrícula própria junto à serventia imobiliária, a garagem passa a ter vida própria e independente da própria unidade habitacional. Nesse caso, o condômino passa a ter dois direitos reais que se somam, mas não se confundem: o direito à unidade habitacional e o direito à garagem. Ambos são autônomos entre si e de uso exclusivo do proprietário. Se não houve tal cautela quando do registro do memorial de incorporação e a metragem física da garagem não corresponde a qualquer fração ideal do terreno distinta da fração ideal da própria unidade habitacional, constituindo, ambas — a garagem e a unidade condominial — uma só fração ideal do terreno em comunhão e uma só matrícula, a garagem integra a porção ideal do terreno onde está edificada a unidade habitacional.  No primeiro caso — quando se afetou à garagem fração ideal do terreno apartada da fração ideal da unidade habitacional e se lhe deu matrícula independente —, a garagem é cessível e, pois, penhorável porque está desvinculada da propriedade do apartamento. No segundo caso — quando a garagem e a unidade condominial constituem uma só fração ideal —, não será nem cessível nem penhorável em separado porque há duas unidades autônomas sobre uma única fração de terreno e nem ela nem o apartamento podem ser penhorados se se tratar da proteção da L.nº 8.009/90 ou ela não poderá ser penhorada separadamente do apartamento porque não constitui unidade autônoma em relação a ele.

Leio a jurisprudência:

 “A vaga ou local na garagem é um direito acessório. Não se constituindo em direito autônomo, manifesta-se a impossibilidade jurídica da transferência isolada da vaga a terceiro estranho ao condomínio. É impossível a venda da garagem a quem não é condômino, pois sendo indeterminado o direito a seu uso, ele se estenderia afinal, sobre toda a superfície ocupada pela garagem. Contudo, o colendo Superior Tribunal de Justiça, em acórdão do alto ministro Sálvio de Figueiredo, admitiu a propositura de ação reivindicatória de vaga na garagem quando esta possui fração ideal de terreno, matrícula individual e designação numérica própria.“A vaga em garagem, com fração ideal do terreno, matrícula individual e designação numérica própria, tendo sua área, localização e confrontações convenientemente descritas, sendo possível, ainda, o estabelecimento de algum tipo de divisão, constitui unidade autônoma, à qual têm aplicação os princípios que vigoram para os titulares de apartamentos, lojas, salas em edifícios coletivos” (STJ, Ac.un. da 4ª Turma, publicado em 15/8/94, REsp nº 37.928-8,SP, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo, ADV 66.992).

Em resumo:

Sobre o autor
José Geraldo da Fonseca

Advogado - Veirano Advogados. Desembargador Federal do Trabalho aposentado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FONSECA, José Geraldo. Garagem de apartamento pode ser penhorada?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5789, 8 mai. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/48420. Acesso em: 27 nov. 2024.

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