Desde que comecei a perceber o Brasil como um país tenho escutado e guardado na memória frases de efeito que ajudaram a definir regimes e governos. O golpe de 2016 modificou a cena política, razão pela qual resolvi meditar sobre as mesmas.
O governo Lula entrou para a história com o chavão “Brasil, um país de todos”. Lula pretendia incluir na vida política, econômica, social e cultural do país contingentes populacionais tradicionalmente esquecidos pela União. Vendo em retrospecto, podemos dizer que o mantra escolhido pelo primeiro presidente operário é a chave para entender tanto o sucesso quanto o fracasso do PT.
A inclusão era uma antiga aspiração popular sufocada pelo elitismo político e pela brutalidade governamental que marcaram os primeiros 500 anos de história do Brasil. Em razão disto, as ações afirmativas e programas sociais implementadas por Lula foram rapidamente apoiados e consumidos pelo público a que se destinavam. Os indicadores sociais do Brasil melhoraram bastante: a fome deixou de ser endêmica, a evasão escolar caiu, o número de universitários aumentou, a taxa de mortalidade infantil despencou e as ondas migratórias de nordestinos foram interrompidas (de fato, a situação melhorou tanto no nordeste que milhares de nordestinos radicados no sul/sudeste começaram até a voltar para seus Estados natais).
A revolução pacífica comandada por Lula provocou uma verdadeira explosão de felicidade e de otimismo popular. O crescimento econômico garantiu lucros empresariais e o crescimento da arrecadação permitiu ao governo realizar projetos grandes e importantes (transposição do São Francisco, construção da Usina de Belo Monte, etc…). O sucesso garantiu a Lula popularidade suficiente para enfrentar os ataques ferozes, ininterruptos e cada vez mais maliciosos que ele sofreu da imprensa e dos gêmeos malcheirosos PSDB/DEM.
O chavão adotado por Lula, porém, tinha um problema. Apesar da propaganda oficial repetir “Brasil, um país de todos”, o país continuou sendo de poucos. Os ganhos econômicos da população de baixa renda foram evidentes, mas o Brasil não conseguiu reduzir a distância abissal entre ricos e pobres. O sucesso governamental e a repetição insistente do mantra, contudo, podem ter enganado tanto os petistas quanto a população. Uns e outros assistiram boquiabertos o golpe de 2016 e, agora, estão começando a sentir na carne a crescente repressão policial às manifestações contrárias ao tirano Michel Temer.
Os desenvolvimentos políticos recentes provam satisfatoriamente que o Brasil nunca deixou de ser da elite. No momento em que um punhado de elitistas bateu panelas e foi para a rua reclamar seus direitos ancestrais a mandar, desmandar e roubar o país com a ajuda de estrangeiros, os líderes petistas vacilaram. O vacilo do PT aliado à crença de que o Brasil era um país de todos, foi suficiente para dar à elite decrépita a audácia para revogar a soberania popular, rasgar a Constituição e mandar Dilma Rousseff plantar batatas.
O prestígio de Lula ajudou a eleger Dilma, mas ela procurou dar ao governo sua própria marca. O chavão que ela usou também foi bastante significativo “Brasil, pátria educadora”. A escolha do mantra foi feliz, mas também se revelou contraditória.
As ações de Dilma Rousseff para aprofundar a revolução pacífica iniciada por Lula também foram intensamente combatidas. Apesar da resistência, algumas delas surtiram um resultado muito positivo. O Mais Médicos, por exemplo, levou profissionais da saúde aos rincões desprezados por aqueles que gostam menos do Juramento de Hipócrates do que da exploração comercial intensiva e hipócrita da medicina.
O mantra “Brasil, pátria educadora” dava a entender que, consolidada a inclusão política e cristalizados os ganhos sociais, culturais e econômicos da população em geral, o Brasil daria um salto adiante. Com mais engenheiros, economistas, doutores em eletrônica e computação, inclusive formados no exterior com auxílio governamental (programa Ciência sem Fronteiras) nosso país poderia enfim chegar ao primeiro mundo em uma década. Ledo engano.
Há alguns dias a pátria foi empurrada para o buraco por um presidenta da Câmara bandido, por um vice-presidente ambicioso e traidor e pelos Ministros do STF que preferiram decidir outras questões (como a relevância do consumo de pipoca nos cinemas) a impedir o golpe de estado disfarçado de processo de Impedimento. O sonho da revolução pacífica inclusiva acabou em 2016 porque os governos petistas se esqueceram de educar a elite rancorosa, racista, bestial, truculenta, desonesta e, sobretudo, ignorante. Tudo bem pesado, os mantras “Brasil, um país de todos” e “Brasil, pátria educadora” ajudam a compreender como e porque Dilma Rousseff foi sendo deposta em câmera lenta desde que derrotou Aécio Neves.
Quando eu era criança, a ditadura proclamava “Brasil, ame-o ou deixe-o”. Este mantra infeliz , no entanto, continha de maneira muito precisa os eixos centrais do regime tirânico. Os governantes militares deveriam ser amados de maneira incondicional. Qualquer demonstração de desamor, infidelidade, senso crítico ou interesse de discutir ou negociar a relação afetiva só poderia resultar em tragédia (morte ou exílio).
Michel Temer também escolheu um chavão, mas não me parece que ele foi muito feliz. As propostas do novo governo já estão delineadas: flexibilização ou revogação de direitos trabalhistas, aumento dos juros, reduções de salários e benefícios previdenciários, aumento de impostos, cortes nas despesas federais com saúde, educação cultura e programas sociais, privatização de todos os ativos estatais que despertaram a cupidez econômica e atiçaram a audácia política da elite brasileira e dos parceiros estrangeiros dela que ajudaram a fomentar e a financiar o golpe de estado.
Em apenas uma semana, o governo interino já adotou várias medidas para incluir os ricos e os estrangeiros e excluir os brasileiros pobres da agenda governamental. O Estado de bem estar social acabou. Doravante a população brasileira terá menos casas, menos médicos, mais exclusão, menos educação, aumento da fome e da mortalidade infantil, menos salários e benefícios previdenciários e mais motivos para lamentar o fim dos governos petistas. É por isto que estou convencido de que o governo interino escolheu mal seu mantra. Michel Temer entrará para a História do Brasil em razão de ter governado utilizando um chavão inspirado na frase que foi colocada Dante Alighieri na porta de entrada do Inferno: “Deixai toda esperança, vós que entrais no Brasil."