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Black Mirror: 'The National Anthem' e a influência da mídia nas decisões judiciais

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4. Independência do Poder Judiciário

Para que sejam resguardadas as instituições inerentes ao caráter democrático do Estado brasileiro, a Constituição Federal preocupou-se em assegurar ao Poder Judiciário independência e imparcialidade, decorrentes, sobretudo, da tripartição dos Poderes adotada pelo país, haja vista estar este Poder com a missão de zelar pelos dos direitos e liberdades individuais no exercício da função jurisdicional.

A independência do Judiciário se mostra fundamental em um Estado de perfil democrático, pois dá condições para que o magistrado possa tomar suas decisões de maneira imparcial, alheio às pressões externas de outros órgãos ou setores sociais.

Assim, são diversas as garantias constitucionais conferidas aos juízes para assegurar um Judiciário dotado de imparcialidade, sendo elas a vitaliciedade, que dá ao magistrado a garantia de que o mesmo, passado o período de estágio probatório, só perderá o cargo em razão de sentença judicial transitada em julgado; a inamovibilidade, onde é conferida ao magistrado a prerrogativa de que ele não será transferido de uma atividade ou local para outro sem o seu consentimento; e a irredutibilidade de vencimentos, pela qual o juiz não pode sofrer limitações no seu salário.

A independência do juiz, nos moldes como encontra-se disposta na Constituição Federal, tem relevância para o trabalho do magistrado, tanto de forma interna quanto externamente, haja vista que o julgador, por ser independente, não precisa preocupar-se com as repercussões que seus atos e decisões, nem mesmo em como suas decisões serão vistas por outros tribunais ou juízes.

Dessa forma, os magistrados também não devem se sujeitar a influências do meio externo ao Judiciário, que podem fazer com o que o julgador se desvie do correto cumprimento de seu dever primordial, qual seja, o de garantir a observância dos direitos e garantias fundamentais dispostos na legislação brasileira. Em suma, a única vinculação a qual o magistrado deve se submeter é aquela entre o mesmo e a lei.

Sobre esse tema, de maneira mestral esclarece o Juiz Federal Paulo Mário Canabarro T. Neto[25]:

A independência do juiz é o que lhe permite quedar-se vinculado somente à lei, aqui entendida em sentido amplo, abrangendo o ordenamento jurídico como um todo, encimado pela Constituição. Por isso, a independência judicial não é apenas tolerável, mas constitui verdadeiro pressuposto para que a jurisdição cumpra sua tarefa. Trata-se, por conseguinte, não de simples prerrogativa judicial, nem de uma abstrata aspiração desprovida de meios de imposição, mas de um dever do magistrado, ao qual corresponde um efetivo direito do jurisdicionado.

Cumpre-se ressaltar, contudo, que a imparcialidade do magistrado não se confunde com a neutralidade dos mesmos. Como seres sociais, frutos de um determinado meio, os juízes também são dotados de preconceitos e juízos pessoais de valor acerca de determinados temas. Dessa forma, a neutralidade é atributo que só pode ser esperado de seres inanimados.  


5. A influência da mídia e os princípios constitucionais: a proteção ao acusado no processo criminal em face da Lei da Liberdade de Imprensa (Lei Federal n.º 2.083/1953)

Com a evolução das tecnologias e dos meios de comunicação, a disseminação de informações tornou-se mais volumosa, dinâmica e rápida, ocorrendo, muitas vezes, concomitantemente com a ocorrência dos fatos. Além disso, a mídia passou a assumir diversas formas, sobretudo aquelas ligadas à internet e às redes sociais, o que a torna muito mais acessível e palpável para qualquer tipo de público.

Essa disseminação rápida e volumosa de informação, apesar de extremamente importante, possui aspectos negativos e relevantes, sobretudo quando são disseminadas informações sensacionalistas ou, muitas das vezes, falsas, induzindo o ouvinte a um julgamento antecipado sobre os acontecimentos.

Atendo-se às questões ligadas ao exercício da função jurisdicional, a questão do uso irrestrito da mídia acaba por influenciar de maneira direta e negativa sobre o processo criminal, onde, muitas vezes, as notícias são transmitidas de maneiras sensacionalistas, de forma a fazer com que os telespectadores exerçam um julgamento antecipado sobre o suspeito do cometimento do crime, o que pode influenciar diretamente sobre o destino que o mesmo irá tomar, haja vista que, em caso de crimes dolosos contra a vida, a condenação ou absolvição será dada pela população, por diversas vezes já demasiadamente influenciada pela atividade midiática.

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Tal situação, como nítido se mostra, afeta de maneira direta e negativa o princípio da imparcialidade do juiz, pelo qual o mesmo deveria julgar todos os casos de maneira a não considerar opiniões pessoais ou estranhas, mas sim de acordo com o que foi trazido aos autos. Sobre esse aspecto, Patrícia Soares Azevedo[26] esclarece:

Diante de tal situação pode-se encontrar abalado o Princípio da Imparcialidade do Juiz, o qual assegura que o juiz não pode pender em favor de uma das partes, pois todos possuem o direito de um julgador imparcial e competente segundo normas constitucionais e infraconstitucionais já estabelecidas. Com isso, qualquer pessoa acusada pela mídia de ser o real autor do fato delituoso não poderá ser julgada por um juiz que já esteja influenciado por tais acusações contaminadas pela opinião pública. Na mesma situação incorrem os jurados do Tribunal do Júri, pois talvez também não possuirão a total imparcialidade que é necessária para julgar determinados casos, comprometendo assim o devido julgamento do réu.

Como já citado acima, é na seara criminal que os abusos da mídia no exercício da liberdade de expressão encontram os seus resultados mais nefastos. Ocorre que a Constituição Federal resguarda uma série de direitos ao acusado no processo penal, elencados, inclusive, como garantias fundamentais. Tais direitos encontram-se relacionados à todas as etapas da persecução penal, desde a investigação até o julgamento do indivíduo.

Uma das premissas básicas que alicerçam o processo penal, a mais importante delas, sem dúvida, é a presunção de inocência, prevista no inciso LVII, da Constituição Federal de 1988, o qual afirma que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.

Contudo, o exercício imoderado e irresponsável da mídia mostrar-se, na maioria das vezes, como uma arma perigosa contra os direitos fundamentais do acusado no processo penal, que, em casos de grande repercussão midiática, muitas vezes é visto como culpado antes de qualquer julgamento, muito pela maneira como as notícias sobre o caso são conduzidas, dando foco a qualquer indício de culpa do indivíduo e disseminando suposições que são encaradas como verdade pelo ouvinte – resultado da maneira parcial como as informações são apresentadas.

Sobre o tema, Daniela Fernandes da Silva[27] esclarece:

É exatamente a liberdade de imprensa que colide com o direito que o acusado tem de não ser tratado como culpado até o trânsito em julgado da sentença, pois os fatos narrados desarrazoadamente pela mídia resultam na execração pública do mesmo, ocorrendo, portanto, uma punição antes mesmo do final do processo, o que é devidamente repudiado no nosso sistema jurídico. O problema se alarma quando o acusado, ao final do processo, é inocentado, pois embora não vá sofrer consequências penais, a sua honra e sua moral frente à sociedade já estão devastadas, ou seja, a danificação da sua imagem já não há mais como ser restaurada, por isso a razão de evitarmos um juízo de culpabilidade antecipado.

No Brasil, alguns casos podem ser resgatados como exemplos de como o princípio da presunção de inocência pode significar apenas um texto morto contido na legislação pátria. Um deles é o caso Eliza Samudio, modelo e atriz, que foi supostamente assassinada em meados de 2010, cuja localização do corpo, até os dias atuais, é uma incógnita. O caso ganhou repercussão internacional por ter como principal suspeito o então goleiro do Flamengo, Bruno Fernandes das Dores de Souza. O caso, que teve início através de relatos de uma testemunha do processo, foi noticiado, desde o início, de uma maneira tendente a fazer com que os ouvintes acreditassem na culpabilidade do acusado: foram divulgados o resultado do exame de DNA que discutia a paternidade do filho da vítima, cujo pai biológico era de fato o acusado; foram divulgadas queixas prestadas pela vítima contra o acusado por casos de suposta violência; e, ainda, houve a disseminação de um vídeo onde a mesma aparecia acusando Bruno por ameaças supostamente feitas por ele contra a vítima e reclamando da inércia do Poder Público em auxiliá-la. O caso foi levado a júri cerca de três anos depois e o acusado condenado a 22 (vinte e dois) anos e 03 (três) meses de reclusão[28].

Outro caso emblemático foi o do “casal Nardoni”, onde Alexandre Nardoni, pai da vitima, foi condenado a pena de 31 anos, 01 mês e 10 dias de reclusão, enquanto a madrasta foi condenada a 26 anos e 08 meses de prisão, ambos em regime fechado. Mas antes do julgamento pelo Judiciário, o casal já havia sido antecipadamente condenado pela mídia que explorou todas as vertentes do caso, incluindo a dor da mãe, que foi atração de diversos programas de TV, no intuito de comover o público, arrecadar audiência e, diretamente, influenciar os jurados no Júri Popular[29].

O que se defende aqui não são os casos exemplificados, mas sim a necessidade da existência de uma mídia mais cautelosa, que não transforme casos criminais em espetáculos midiáticos, o que acaba por desrespeitar outros direitos fundamentais tão importantes quanto a liberdade de expressão.

Essa instabilidade da atuação do Poder Judiciário, que acaba por deixar-se levar pelas pressões externas exercidas pela sociedade e a mídia, é um dos pontos que faz com que apenas 32% (trinta e dois por cento) dos brasileiros acreditam e confiam na justiça brasileira, índice que é apenas superior àqueles obtidos pelos sindicatos, pelo Congresso Nacional, pelo Governo Federal e pelos partidos políticos, instituições demasiadamente desacreditadas, sobretudo por inúmeros escândalos envolvendo corrupção e evasão de dinheiro público[30].


6. Análise do voto do Ministro Celso de Mello em relação à admissibilidade dos embargos infringentes na Ação Penal n.º 470

A Ação Penal 470, movida pelo Ministério Público no Supremo Federal, teve como objeto a compra de votos de parlamentares atuantes no Congresso Nacional brasileiro durante o período de 2005 a 2006.

O caso em questão teve início com a divulgação pela Revista Veja, no ano de 2005, de uma edição cuja capa trazia o título “O vídeo da corrupção em Brasília”, onde era relatada uma gravação que mostrava o ex-chefe do Departamento de Contratação e Administração de Material da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, Maurício Marinho, solicitando – e recebendo – pagamento indevido a fim de beneficiar um terceiro empresário de forma ilícita[31].

Nesta edição, a reportagem intitulada “O homem chave do PTB”[32], em uma alusão ao então deputado Roberto Jefferson, tinha como foco uma filmagem feita no dia 14 de maio de 2005, pelo advogado Joel Santos Filho que, previamente contratado pelo então empresário e fornecedor da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, Arthur Wascheck Neto, documentou uma falsa negociação que, ao final, acabou por expor um esquema de corrupção de agentes públicos na empresa. A ação de Joel Santos Filho e Jairo de Souza Martins foi o resultado de um longo período de especulações no Congresso Nacional e na Câmara dos Deputados acerca de, até então, um suposto esquema de compra de apoio e aliança, por parte do Partido dos Trabalhadores (PT) ao Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), do qual deputado Roberto Jefferson era então presidente do partido.

A partir de então, instalou-se as investigações que culminaram no processo para apurar e punir o escândalo político que ficou conhecido como mensalão, caracterizado pela compra de votos de parlamentares no Congresso Nacional do Brasil, ocorridas entre 2005 e 2006.

O Caso Mensalão (Ação Penal 470) constitui um verdadeiro divisor de águas no cenário jurídico brasileiro, sobretudo no que diz respeito a relação existente entre a função da mídia de informar e a “espetacularização” da notícia no chamado sensacionalismo jornalístico.

Quando da visibilidade do mensalão, a cobertura da mídia proporcionou uma avalanche de informações, pré-julgamentos e opiniões que ocupavam diariamente as manchetes de jornais e programas de TV, em uma disseminação de informação que não privilegiava a imparcialidade e levou os expectadores a pressionar o Poder Judiciário brasileiro no sentido de que o mesmo punisse de maneira adequada os envolvidos no caso.

A pressão foi exercida de maneira mais ferrenha sobre o Ministro Celso de Mello, o qual ficou com o encargo de prolatar o voto de minerva quanto ao cabimento dos embargos infringentes.

O voto do Ministro Celso de Mello[33] destacou a importância de julgamentos imparciais e, sobretudo, de maneira indiferente à pressões externas, sob pena de ferir o atual regime de direitos e garantias instituídos pela Constituição Federal brasileira.

Assim, sustentou o ilustre jurista:

O dever de proteção das liberdades fundamentais dos réus, de qualquer réu, representa encargo constitucional de que este Supremo Tribunal Federal não pode demitir-se, mesmo que o clamor popular se manifeste contrariamente, sob pena de frustração de conquistas históricas que culminaram, após séculos de lutas e reivindicações do próprio povo, na consagração de que o processo penal traduz instrumento garantidor que a reação do Estado à prática criminosa jamais poderá constituir reação instintiva, arbitrária, injusta ou irracional.

O ponto primordial a ser analisado no voto do decano diz respeito à atuação imune do Poder Judiciário, o qual defendeu, durante todo seu discurso, que a atuação da justiça deve ocorrer de maneira racional e ligada aos princípios constitucionais e regras legais estabelecidas no país, e não conforme o ponto de vista da coletividade. Dessa forma, Celso de Mello[34] criticou, de maneira veemente, a interferência do clamor público nos processos. Assim se expressa o decano:

Os julgamentos do Poder Judiciário, proferidos em ambiente de serenidade, não podem deixar-se contaminar, qualquer que seja o sentido pretendido, por juízos paralelos resultantes de manifestações de opinião pública que objetivem condicionar o pronunciamento de magistrados e Tribunais, pois, se tal pudesse ocorrer, estar-se-ia a negar, a qualquer acusado em processos criminais, o direito fundamental a um julgamento justo.

Assim, percebe-se que o julgamento acerca da admissibilidade dos embargos infringentes interpostos pelos acusados no escândalo do mensalão mostra-se como um exemplo de atuação do Poder Judiciário, haja vista ter privilegiado a independência do Poder Judiciário e, sobretudo, a presunção de inocência dos envolvidos. Afinal, a legislação, sobretudo a Constituição Federal, existe, acima de qualquer coisa, para defender qualquer cidadão, mesmo que seja contra o interesse de toda uma sociedade.

Sobre os autores
Leonardo Barreto Ferraz Gominho

Graduado em Direito pela Faculdade de Alagoas (2007); Pós-Graduado em Direito Processual Civil pela Universidade do Sul de Santa Catarina (2010); Especialista e Mestre em Psicanálise Aplicada à Educação e a Saúde pela UNIDERC/Anchieta (2013); Mestre em Ciências da Educação pela Universidad de Desarrollo Sustentable (2017); Foi Assessor de Juiz da Vara Cível / Sucessões da Comarca de Maceió/AL - Tribunal de Justiça de Alagoas, por sete anos, de 2009 até janeiro de 2015; Foi Assessor do Juiz da Vara Agrária de Alagoas - Tribunal de Justiça de Alagoas, por sete anos, de 2009 até janeiro de 2015; Conciliador do Tribunal de Justiça de Alagoas. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito das Obrigações, das Famílias, das Sucessões, além de dominar Conciliações e Mediações. Advogado. Professor da Faculdade de Ciências Humanas e Exatas do Sertão do São Francisco - FACESF -, desde agosto de 2014. Professor e Orientador do Núcleo de Prática Jurídica da Faculdade de Ciências Humanas e Exatas do Sertão do São Francisco - FACESF -, desde agosto de 2014. Responsável pelo quadro de estagiários vinculados ao Núcleo de Prática Jurídica da Faculdade de Ciências Humanas e Exatas do Sertão do São Francisco - FACESF - CCMA/FACESF, em Floresta/PE, nos anos de 2015 e 2016. Responsável pelo Projeto de Extensão Cine Jurídico da Faculdade de Ciências Humanas e Exatas do Sertão do São Francisco - FACESF, desde 2015. Chefe da Assessoria Jurídica do Município de Floresta/PE. Coautor do livro "Direito das Sucessões e Conciliação: teoria e prática da sucessão hereditária a partir do princípio da pluralidade das famílias". Maceió: EDUFAL, 2010. Coordenador e Coautor do livro “Cine Jurídico I: discutindo o direito por meio do cinema”. São Paulo: Editora Lexia, 2017. ISBN: 9788581821832; Coordenador e Coautor do livro “Coletânea de artigos relevantes ao estudo jurídico: direito civil e direito processual civil”. Volume 01. São Paulo: Editora Lexia, 2017. ISBN: 9788581821749; Coordenador e Coautor do livro “Coletânea de artigos relevantes ao estudo jurídico: direito das famílias e direito das sucessões”. Volume 01. São Paulo: Editora Lexia, 2017. ISBN: 9788581821856. Coordenador e Coautor do livro “Coletânea de artigos relevantes ao estudo jurídico: direito das famílias e direito das sucessões”. Volume 02. Belém do São Francisco: Editora FACESF, 2018. ISBN: 9788545558019. Coordenador e Coautor do livro “Cine Jurídico II: discutindo o direito por meio do cinema”. Belém do São Francisco: Editora FACESF, 2018. ISBN: 9788545558002.

Renan Soares Torres de Sá

Graduado em Direito pela Facesf. Técnico Judiciário do Poder Judiciário de Pernambuco.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOMINHO, Leonardo Barreto Ferraz; SÁ, Renan Soares Torres. Black Mirror: 'The National Anthem' e a influência da mídia nas decisões judiciais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4818, 9 set. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/50769. Acesso em: 21 nov. 2024.

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