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A industrialização no mercado imobiliário: aspectos práticos de um crescimento sem precedentes

Agenda 21/07/2016 às 18:31

O mercado imobiliário em crise e sua industrialização com o passar dos anos.

A sensibilidade deste tema ainda afeta a muitos participantes deste segmento. De uma forma ou de outra somos atingidos pelo mercado imobiliário, afinal de contas a moradia é princípio elementar da atual sociedade.

Apostando neste conceito o Brasil viveu uma fase mágica no setor imobiliário, especialmente entre 2008 a 2011.

Fontes especializadas na estatística deste segmento apontam que nos tempos áureos a valorização anual atingia a incrível marca de 20% ao ano de valorização.

Diante deste quadro tão festivo não era raro o grande aporte de capital estrangeiro nas companhias brasileiras, abertura de capital à bolsa de valores, festas e lançamentos sem medida, acreditando que o plano Brasil de sucesso perduraria por longos anos.

Entretanto, devido a uma infinidade de circunstâncias econômicas e sociais o mercado apontou dificuldade na manutenção das marcas outrora atingidas, gerando retração sem precedentes e prejuízo milionários as companhias do setor.

Nos anos de 2014 e 2015 os pedidos de distratos e as ações judiciais saltaram de históricos 5% para a casa de 15% sobre o volume de ações judiciais, tendo como principal alvo o eixo Rio-São Paulo.

Em primeira análise os operadores do mercado atribuíram ao cenário político e dificuldade econômica brasileira a responsabilidade pela queda acentuada das vendas e dos reclames pelas vendas já realizadas.

Este texto tem como principal objetivo discutir o formato de atuação dos problemas oriundos das vendas e uma análise vinda das ações judiciais para a alma do negócio imobiliário: o produto.

Em primeiro lugar é necessário traçar um paralelo com outros mercados.

Nas décadas de 80 e 90 o pool de bancos brasileiros era extenso e em razão da constante alteração dos planos econômicos e moedas o brasileiro ficou receoso na aplicação de seus recursos financeiros em cadernetas de poupança ou fundos de renda fixa.

O aumento da operação bancária foi majorado em razão da alta taxa de juros que por sua vez atingia o brasileiro inflacionado, cuja primeira necessidade valia-se infelizmente do crédito de cheque especial, cartões de crédito e empréstimos pessoais.

Com o aumento do poder de compra através do plano real os brasileiros ajustaram a forma de adquirir bens e serviços. Em razão da calmaria dos juros e da valorização do real frente ao dólar, observamos outro tipo de comportamento de concessão de empréstimos pelos bancos ao consumidor, o que gerou aquecimento na economia, atualização do pátio industrial brasileiro e uma incrível sensação de “poder ter” jamais sentida pelos brasileiros.

Todo plano econômico capitalista tem em seu bojo a priorização do aquecimento, movimentação e estímulo do produto interno, e isso leva a engenhosa solicitação de crédito através de instituições financeiras, juntos atuando como  forte mecanismo de manutenção do ciclo econômico proposto.

Como toda imperfeição sistêmica, derivações naturais ocorrem nas relações jurídicas estabelecidas.

É permitido administrar as derivações naturais (problemas das relações), mas a instalação da epidemia de problemas gera um fator muito conhecido: a superlotação no judiciário, que sem armas, ao recente “milagre econômico” viu-se em verdadeira trincheira entre partes adversárias.

Se de um lado vimos uma população estimulada a adquirir bens e serviços com o auxílio das instituições financeiras, de outro lado observamos que o lucro crescente da rede bancária brasileira não era tão bem visto aos próprios utilizadores.

Todavia a relação de consumo bancário neste novo cenário estava inaugurada e assim, os reclamos dos clientes frente aos contratos bancários tornou-se prática comum perante o Judiciário.

No início as instituições financeiras tão acostumadas a discernir seus riscos, probabilidades e estatísticas se acautelaram em apenas designar ao seu Departamento Jurídico à época não terceirizado, as defesas frente aos pedidos dos clientes.

Todavia com o aumento constante e progressivo das demandas jurídicas decidiu pela instalação de estratégias de negócios com a consequente terceirização dos serviços de advogado tornando o Departamento Jurídico interno como gestor de carteira e conselheiro fundamental na avaliação direito e risco financeiro.

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Mesmo assim, em meados da década passada, alguns bancos em razão do alto volume de processos (massificado), em conjunto com as boas práticas do então recente Conselho Nacional de Justiça buscou alternativas para a solução de conflitos, vez que o ato contratual e disposições clausulares polêmicas permaneceriam sem alterações.

Ante a decisão pela manutenção do teor contratual e na evidente impossibilidade de sanar as causas raiz dos conflitos no judiciário, adotou-se nova forma de conversar com a clientela desgostosa.

E foram além. No começo desta década decidiram pela instalação de centros de conciliação próprios (chamados de Tribunais Extrajudiciais de Conciliação) que conferiram celeridade na resolução de conflitos, melhoria da imagem institucional e redução de custos.

Este cenário foi refletido em sua grande parte pelas indústrias de modo geral, algumas mais conservadoras outras nem tanto, mas com modelo semelhante visando composição amigável da discussão judicial.

Em alguns cenários mais delicados, por óbvio a mediação sequer é alternativa, mas em sua grande maioria de discussões o resultado demonstrou-se satisfatório.

E aqui entra talvez o ponto de inflexão entre inúmeros operadores do direito, alguns de extremo conservadorismo ao estudo quase sacro da lei de incorporação imobiliária e a teoria geral das obrigações civilista romano, e de outro lado, os estudiosos de visão moderna de negócio jurídico aplicado as necessidades econômico-financeiras de cada companhia.

É fundamental esclarecer que na lei e doutrina há fonte de inenarrável sabedoria.

É ponto de partida para qualquer rascunho econômico sobre a solução do negócio jurídico aplicado.

No tocante a prática, observa-se o judiciário seduzido pela resolução do conflito pelas vias harmoniosas o que leva ao pensamento de que é necessário o aculturamento de que tradição e modernidade poderão unir forças rumo ao melhor cenário para as companhias.

Se de um lado a falta de recurso financeiro “legitima” o comprador a desistir do negócio entabulado, de outro lado existem as companhias comprometidas com o resultado geral da incorporação imobiliária, que a cada desistência torna difícil ou extremamente onerosa, a manutenção do negócio perante os outros adquirentes do empreendimento.

Em outras palavras é como um quebra-cabeça que não ficará completo se faltar uma peça.

Em defesa dos clientes, alguns advogados inflamados discursam sobre a lucratividade das companhias quase que com um tom “criminoso” e que o distrato frente a um contrato irrevogável e irretratável é legitimamente justo a considerar a hipossuficiência do cliente frente ao grande incorporador.

Com certa malícia e jogo de palavras na administração do direito de seu cliente, os advogados com beligerância acentuada tem absorvido precedentes dos tribunais e fatos fora do mundo jurídico como arma de guerra quando o discurso das novas codificações pretende paz.

Do ponto de vista teórico e estritamente técnico é certo que a incorporação imobiliária sofre diluição com a desistência de clientes e majorando os persistentes na contratação. Ainda que tal unidade devolvida seja revendida a outro cliente, todos os custos operacionais geram certa inflamação ao negócio entabulado entre todos.

Sem qualquer pretensão de teorizar o assunto já brilhantemente demonstrado por doutrinadores e professores respeitados, o fato é que as ações judiciais de rescisão contratual, devolução da comissão de corretagem, indenizações pelo atraso de obra, ressarcimento taxa de ligações definitivas e taxas condominiais saturam os departamentos jurídicos, que outrora viveram dias onde a preocupação principal era de cunho societário e confecção contratual.

Não me iludo que a recessão atual trará brandura aos consumidores deste tipo de produto.

Pelo contrário, com um novo aquecimento (afinal, tudo é cíclico), o fator histórico de sucesso obtido pelos consumidores pioneiros neste tipo de reclamação só estimulará o ingresso de ações judiciais sobre os temas citados no parágrafo acima.

E as discussões não serão limitadas aos eventuais erros das companhias, mas a direitos outrora não visualizados no ato contratual e que surgirão, natural da evolução jurídica sobre o negócio imobiliário.

É recomendada a reflexão sobre o crescimento do setor, vida e atitude de consumo de cada brasileiro.

E se em algum ponto, tal como os bancos, tornar-se impossível a flexibilização no ato contratual, que ao menos, discuta-se estratégicas de negócio visando a imagem institucional, aceleração do resultado final e redução dos custos com os processos judiciais ou impedimento de novos contra as companhias.

Não existe mágica no aquecimento da economia. Fatalmente o que tratávamos como artesanal precisará receber roupagem industrializada, procedimental e com definição clara de riscos inclusive sobre potenciais problemas de consumo.

Deve preponderar na mente do gestor um profundo sentimento de revalidação do seu negócio com a identificação de que o judiciário não deve ser o único solucionador das discussões de média e baixa complexidade.

Em alguns momentos as discussões relevantes serão foreiras, contudo a velha máxima diz que regra deve ser tratada como regra e exceção tal como está escrito.

O verdadeiro trânsito no judiciário não significa a costumeira utilização de advogados renomados e seu acesso aos membros do Superior Tribunal de Justiça ou Tribunais Estaduais, mas em manter diálogo (pessoalizar) com os membros do Judiciário na busca em demonstrar o direito de maneira dinâmica, desvencilhando do estatizante contencioso, infelizmente ainda muito louvado neste tipo de relação.

Novamente justifico que o contencioso existirá e deve ser louvado à medida de sua brilhante atuação.

Entretanto, alguns outros métodos, inovadores ou emprestados de outros segmentos, devem ser alvos para uma redução de passivo contencioso e dos custos desta operação ainda que por algum tempo o contencioso seja utilizado como meio de resolução de conflitos.

Em linhas finais os indicadores de processos judiciais trarão poderosa ferramenta na gestão e administração do negócio, desde que seus diagnósticos sejam revestidos de atitude e empenho na obtenção de resultados financeiros.

Ao final de todo o dia, grandes e pequenos ao redor do território nacional serão questionados: - Qual será o meu desembolso por este assunto? Estou aqui para fazer negócio e não processos.

Este é o dilema, esta é a ordem do dia. Não há fórmulas ou conceitos pré-preparados. A existência da eficiência jurídica sobre os assuntos deve permear entre o que é discutível e o que é apenas redução de custos.

Sobre o autor
Felipe Oliveira Castro Rodriguez Alvarez

Advogado | Gestor | para estratégia Jurídica, Litígios Multidisciplinares e Consultivo. Mestrando em Direito CivilMBA em Gestão de Departamentos Jurídicos e Escritórios de Advocacia. Pós graduado em Processo Civil e Direito do Trabalho. Facilitador entre as Áreas Corporativas. Orientador de negócios utilizando indicadores de Contencioso e Jurimetria.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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