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A democracia e seus inimigos

Agenda 11/08/2016 às 09:44

Aqueles que conspiraram contra a soberania popular não foram perdoados pelos atenienses e merecem ser tratados com o mesmo rigor pelos brasileiros.

Ao comentar o resultado da votação no Senado o advogado de Dilma Rousseff afirmou:

"Nenhum governo se estabiliza ou estabilizará o País com um ruptura democrática como esta. Poder na democracia vem das urnas, não vem de uma fratura constitucional como está sendo feita. Não há base para afastar a presidenta Dilma Rousseff"

Cardozo está rigorosamente certo. A democracia é um regime político que tem duas características essenciais: soberania popular e igualdade jurídica entre os cidadãos. Ambos são prescritos na CF/88: art. 1o., parágrafo único “Todo o poder emana do povo...”; art. 5o., caput“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza…”.

O afastamento da presidenta com base num artifício (Dilma Rousseff não praticou pedaladas fiscais como demonstraram os peritos) durante um julgamento do qual participam dezenas de senadores corruptos (e que tem motivos pessoais para odiá-la em razão dela ter apoiado as investigações da Lava Jato) configura um duplo rompimento do princípio democrático. Uma violação evidente dos citados art. 1o., parágrafo único, e do art. 5o, caput, da CF/88.

Além de estabelecer uma distinção ilegal entre Dilma Rousseff (uma mulher honesta que não foi acusada de receber propina como Aécio Neves, José Serra, Aloysio Nunes, Michel Temer e outros) e seus algozes (bandidos que deveriam estar presos e não julgando a presidenta do país), a farsa do Impedimento está rasgando mais 54 milhões de votos. O poder originário dos cidadãos, a soberania popular, não poderia ser ignorada pelos senadores, nem pelo Poder Judiciário. O Estado não é propriedade do Senado, a presidência da república não é um cargo que pode ser atribuído a quem quer que seja sem o voto popular.

Nossa democracia está sob grande ameaça. Como em 1964, um punhado de marginais está se apropriando do poder político sem dar satisfação ao povo brasileiro. As origens remotas desta crise, porém, não decorrem apenas da Lava Jato e do esforço que os corruptos liderados por Michel Temer estão fazendo para ficar impunes.

Aqui mesmo no GGN já sustentei e demonstrei que nossa democracia é imperfeita, pois a soberania popular nunca penetrou no Poder Judiciário. Sobre o assunto vide http://jornalggn.com.br/blog/fabio-de-oliveira-ribeiro/o-poder-dos-juizes-por-fabio-de-oliveira-ribeiro. É por esta razão, aliás, que costumo dizer que nossa democracia é na verdade um liberalismo oligárquico http://jornalggn.com.br/blog/fabio-de-oliveira-ribeiro/democracia-ou-liberalismo-oligarquico.

O princípio oligárquico aflorou com força durante a crise em curso. Isto explica porque, em troca de aumento salarial, os Juízes preferiram ajudar um bando de senadores aloprados e marginais a rasgar a Constituição Federal. O fenômeno, contudo, não é inteiramente novo.

Desde que foi criado em Atenas, o regime democrático se viu obrigado a enfrentar inimigos externos e internos. O primeiro inimigo externo enfrentado pela democracia ateniense foi Xerxes (II Guerra Médica). Após a derrotar os persas com ajuda de seus aliados, Atenas viu suas relações com Esparta se deteriorarem. As duas principais cidades gregas acabaram entrando em guerra. Sobre este conflito diz Tulcídides:

“A causa mais verdadeira, embora menos declarada, é penso eu, que os atenienses, tornando-se poderosos, inspiraram temor aos lacedemônios e os forçaram a lutar.” (História da Guerra do Peloponeso, Livro I - Edição bilingue, Tulcídides, editora Martins Fontes, São Paulo, 2013, p. 33)

Derrotada na Guerra do Peloponeso, Atenas se viu sob administração militar espartana. Com ajuda dos vitoriosos, os aristocratas atenienses voltaram ao poder e instituíram um regime tirânico. Alijados do poder, os democratas recomeçaram a luta interna quando os espartanos retornaram à sua cidade. Em pouco tempo Atenas conseguiu se livrar da tirania. Todavia, o novo regime democrático não conseguiu recuperar o poder e o prestígio da cidade. E algumas décadas depois da restauração democrática, como várias outras cidades, Atenas também acabou sendo conquistada por Filipe, rei caolho da Macedônia.

O combate contra os inimigos internos e externos da democracia brasileiro também está ocorrendo neste momento. Os internos são bem conhecidos (Michel Temer, José Serra e o bando de senadores aloprados e marginais que eles lideram). Os inimigos externos da democracia brasileira são o “mercado” (expressão vaga através da qual são designados os investidores que querem impor seus interesses acima dos interesses dos brasileiros) e a Embaixada dos EUA (que, sem dúvida alguma, ajudou a coordenar as ações que minaram a soberania popular e o poder legítimo atribuído a Dilma Rousseff).

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A guerra contra a tirania de Michel Temer já começou nas ruas e nas redes sociais. Ela tende a aumentar e a se aprofundar se a farsa do Impedimento prevalecer. O rompimento da legalidade imposto ao país pelos inimigos da democracia certamente provocará um trauma doloroso e violento. Mas o povo conseguirá recuperar seu poder de uma maneira ou de outra. E quando isto ocorrer será necessário aprovar Leis que defendam o regime dos ataques internos e externos.

Quando restauraram sua democracia, os atenienses aprovaram uma Lei que bem pode servir de inspiração aos brasileiros. O Decreto de Demofante contra a tirania data de 410 aC e tem o seguinte conteúdo:

“O Conselho e a assembléia decidiram; Éantis era a tribo que presidia; Clígenes era secretário; Boétos era presidente; Demofante propôs o seguinte: A data desse decreto é o Conselho dos Quinhentos, escolhido por sorteio, sendo Clígenes o primeiro-secretário. Qualquer pessoa que supria a democracia em Atenas ou sirva em qualquer cargo público, enquanto a democracia estiver suspensa, será inimigo dos atenienses e deverá ser morto sem punição para quem o matar; e seus bens deverão ser confiscados e um décimo deverá ser destinado às deusas; aquele que o tiver matado ou tiver conspirado contra ele, deverá ficar livre de profanação; todos os atenienses têm de jurar sacrifícios ilibados pelas tribos (phylaí) e demos que vão matá-lo. E o juramento deverá ser este: “Vou matar por palavra e ação e por minhas próprias mãos, se isso estiver ao meu alcance, todo aquele que subverter a democracia em Atenas, ocupar qualquer cargo público enquanto a democracia estiver suspensa, tentar se tornar um tirano ou ajudar a estabelecer a tirania. E se alguém matar tal pessoa, vou considerá-lo puro aos olhos dos deuses e deusas, porque terá matado um inimigo dos atenienses e venderei todos os bens da pessoa assassinada e darei metade dessa renda a seu assassino, sem privá-lo de nada; e se alguém morrer ou matar ou tentar matar essa pessoa, vou cuidar dele e de seus filhos da mesma maneira que Harmódio e Aristogíton e seus descendentes. E declaro nulos todos os juramentos feitos contra a democracia ateniense, em Atenas ou em qualquer outro local”. Todos atenienses devem prestar seu juramento de sacrifícios ilibados antes do festival das Dionísias. E devem rezar para que aqueles que observem o juramento sejam abençoados, enquanto aqueles que o quebrem, pereçam, eles e seus descendentes.” (Leis da Grécia Antiga, Ilias Arnaoutoglou, editora Odysseus, São Paulo, 2003, p. 85/86)

Os aspectos religiosos desta lei certamente cairam em desuso. Mas no essencial, uma tal Lei certamente ajudará a preservar nossa democracia contra senadores e juízes canalhas que atentam contra a soberania popular porque não tem medo de morrer. Quando alguns deles começarem a ser mortos a normalidade política retornará ao país? Esta, meus caros, é uma boa pergunta.

Sobre o autor
Fábio de Oliveira Ribeiro

Advogado em Osasco (SP)

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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