V- Da viabilidade de responsabilização estatal frente aos danos decorrentes de atos delituoso no âmbito residencial
Frente aos argumentos apresentados até aqui, diante da postura constitucional e da relação entre cidadão e o Estado, pressupondo este como um Estado Democrático de Direito da maneira como é determinado (vide art.1º da CF/88), considerando a existência do juízo de discricionariedade da autoridade avaliadora da declaração de necessidade de aquisição da arma de fogo (e também a existência dessa mesma declaração de necessidade), somando-se à prática disseminada de indeferimentos com base na insuficiência argumentativa de necessidade, pode-se concluir que se está diante de verdadeira vedação ao cidadão de seu direito de defesa.
Portanto, quando o Estado passa a adotar esta prática costumeira de inviabilizar os meios necessários para proteção residencial, e na medida em que é incapaz de fornecer uma segurança pública de qualidade, nos moldes em que é preconizada no art. 5º c/c art. 6º da CF/88, aliado à impossibilidade fática para proteção simultânea de todos os bens jurídicos, deve o Estado ser passível de responsabilização quando da ocorrência de atos ilícitos criminosos que poderiam ter sido elididos caso a vítima da violação possuísse à sua disposição uma arma de fogo, elemento idôneo tanto para sua proteção quanto de sua família.
Exige-se, portanto, a aceitação da realidade e o desprendimento do idealismo da CF/88, constatada a inexistência de estrutura e efetivo policial suficiente para a proteção eficaz dos bens jurídicos, mostra-se incoerente, senão sádico, impedir que o cidadão tenha a sua disposição meios próprios para efetivação de sua defesa, e, na medida em que estes meios lhes são tolhidos por uma conduta culpável de negação por parte da autoridade pública, está presente o nexo de causalidade entre ela e o dano produzido, ainda que por terceiros.
Acerca da responsabilidade de atos legislativos Cavalieri leciona que a responsabilidade não exsurge da lei em si, abstrata (CAVALIERI, 2014), mas sim dos seus efeitos lesivos a um direito subjetivo. Portanto não seria o mero indeferimento da autoridade a ensejar indenização para o particular, mas sim a ocorrência do evento delituoso somado à impossibilidade de defesa em decorrência dessa negação, até mesmo pelo fato de que o direito a segurança apresenta aquela previsão constitucional dupla a qual se referiu acima, se situando tanto como garantia individual quanto como garantia social.
Não se questiona apenas o acerto ou o desacerto da legislação Desarmamentista, mas as consequências da Responsabilidade pelos atos do Estado com base em suas próprias imposições.
V-Conclusões
Conforme sábio brocardo traz ao nosso conhecimento: Summus ius, summa injuria, ou seja, o rigorismo jurídico pode se mostrar extremamente contraproducente, mormente quando diz respeito a um dos instintos mais compreensíveis do ser humano, que é a autodefesa. Negar-se o Estado uma culpa que lhe é imputada em casos como o abordado no presente estudo pode ser considerado um dos resquícios da teoria da irresponsabilidade estatal, ressuscitando a situação da infalibilidade real.
Outrossim, conforme palavras de Benjamin Franklin: “Aqueles que abrem mão de uma liberdade essencial por uma segurança temporária não merecem nem liberdade e nem segurança”. No entanto, percebe-se que sequer houve segurança decorrente da política de desarmamento, motivo pelo qual se aponta o seu fracasso, o qual não pode servir para elidir a responsabilidade estatal.
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Notas
[1] KATES, Don B. MAUSER, Gary. Would Banning firearms reduce Murder and suicide? Disponível em http://www.law.harvard.edu/students/orgs/jlpp/Vol30_No2_KatesMauseronline.pdf Acessado em 15 de abril de 2016. P. 671(tradução livre)
[2] WALTER, Williams. PAUL, Ron. MOLYNEUX, Stefan. SNYDER, Michael. Direito da posse de armas reduz a criminalidade, diz Harvard. Disponível em https://www.epochtimes.com.br/direito-posse-de-arma-reduz-criminalidade-afirma-harvard/#.VxF463ErLIU Acessado em 15 de abril de 2016