Com um universo amplo de empresas familiares operando no Brasil (cerca de 90% em funcionamento nos dias atuais) é evidente que as relações particulares das famílias empresárias e os vários conflitos jurídicos que podem decorrer dessas relações são capazes de afetar negativamente a vida das sociedades das quais participam.
Nesse contexto, separações e divórcios vivenciados por sócios de empresas, além de terem se tornado bastante frequentes nos últimos anos, também já são considerados um dos grandes problemas enfrentados no ambiente empresarial. Segundo estudos do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), os divórcios, no país, aumentaram em cinco vezes desde a década de 1980.
Considerando que não raro os casais optam também por serem sócios nas empresas, quando o amor acaba, a disputa judicial por bens ou pela direção dos negócios pode fazer com que as empresas percam a credibilidade conquistada durante anos de trabalho.
Sabe-se que são muitos os problemas que podem afetar a ‘vida’ de uma empresa, como a ausência de regras claras, a falta de organização, a interferência de terceiros nos negócios, as disputas por cargos entre familiares sem a devida capacitação profissional, a ausência de profissionalização da estrutura empresarial, que acabam gerando prejuízos, quando acontece algum evento inesperado, tais como: separações, divórcios e litígios familiares.
Deste modo, a falta de um planejamento adequado, principalmente em relação ao patrimônio das empresas, é um exemplo de atitude que pode ser devastadora para o negócio. Isso acontece muitas vezes pela ausência de cautela por parte do casal que está empreendendo junto, pois quando a relação pessoal não vai bem e os ânimos estão acalorados numa eventual crise conjugal, seguida de divórcio, pode ocorrer o engessamento da empresa operacional em razão de brigas, colocando em risco a confiança depositada por clientes, fornecedores, funcionários, investidores e os demais envolvidos, direta ou indiretamente com essa sociedade empresária.
Isso se dá porque, no início da formação da sociedade empresarial com o cônjuge, não existe aquela preocupação especial em já elaborarem documentos societários bem alinhados com a anuência de ambos os sócios, tais como: contrato social, estatuto social e acordo de sócios prevendo soluções legais quando da ocorrência de algum tipo de problema.
Portanto, sendo os cônjuges sócios da mesma empresa e dependendo do que está disposto no contrato social, pode o juiz determinar na ação de divórcio, o pagamento imediato da quota-parte pertencente ao cônjuge retirante da sociedade, sem nenhum tipo de parcelamento, descapitalizando por completo a sociedade empresarial.
E de outra forma, mesmo quando o cônjuge não participa da sociedade, mas foi casado no regime de comunhão universal de bens ou parcial, tendo direito à metade das ações ou quotas sociais do(a) sócio(a) mediante partilha de bens ao fim de um divórcio, podem ocorrer 2 (duas) situações.
No caso de uma sociedade de caráter intuito pecuniae (sociedade anônima) esse cônjuge retirante da sociedade conjugal poderá participar da sociedade empresarial com suas ações adquiridas, passando a fazer parte da vida societária daquela companhia e em certos casos, podendo essa participação ensejar a desestabilização do controle das decisões da sociedade por falta de preparo profissional do novo acionista ou até mesmo por ressentimento pessoal em relação ao ex-cônjuge, votando em sentido contrário ao mesmo, prejudicando muitas vezes a empresa.
A segunda situação diz respeito a uma sociedade de caráter intuito personae (sociedades contratuais, como exemplo, a sociedade limitada) em que geralmente essa partilha das quotas não implicará na aceitação imediata desse ex-cônjuge como sócio da empresa, o que irá depender do que se encontra estipulado no contrato social, eis que na maioria das vezes essa entrada necessita da aprovação dos sócios pertencentes à sociedade. Contudo, caberá a esse ex-cônjuge não sócio, o recebimento de lucros e dividendos auferidos mensalmente pelo sócio, nos termos do art. 1.027 do Código Civil, até que ocorra a liquidação integral da sociedade ou das quotas pertencentes ao sócio, podendo nesse ínterim solicitar judicialmente o acesso às informações sobre essa sociedade empresária, procedendo ao levantamento do valor patrimonial efetivo das quotas partilhadas e titularizadas pelo ex-cônjuge não sócio da sociedade, pois inegavelmente compete a este o direito de apurar o quantum correspondente aos direitos que adquiriu. Nessa situação, muitas vezes, vale mais a pena resolver a situação do que continuar em litígio, pois os “holofotes” dessa confusão acabam atingindo diretamente a empresa.
Por tudo isso, uma demanda judicial de divórcio além de trazer muita exposição aos cônjuges, pode acarretar em uma sentença que pode não agradar e, nem atender as necessidades dos envolvidos, visto que a decisão é dada por um terceiro, no caso o magistrado, que apenas terá acesso aos documentos e fatos levados pelas partes ao processo, de modo que o impacto de uma sentença sobre o funcionamento da empresa pode ser prejudicial às suas atividades.
Neste panorama, recomenda-se que alguns cuidados prévios sejam tomados pelo casal empreendedor a fim de preservar o equilíbrio principalmente nas empresas de controle familiar e evitar potenciais problemas em razão de separações e divórcios, em especial, a desestabilização financeira da empresa quando da apuração e pagamento dos haveres do sócio retirante ou do cônjuge de sócio pertencente à sociedade.
Por isso, na empresa familiar é essencial que se tenha planejado, organizado e regulado assuntos relacionados não só ao patrimônio, como também à família e gestão empresarial, pois apesar de serem temas independentes, acabam se sobrepondo e causando conflitos dentro da sociedade.
Muitas vezes, dependendo do tempo e da complexidade do litígio conforme já comentado, as separações e os divórcios podem desestruturar financeiramente as empresas e engessar suas operações diárias, bem como desvalorizar seu valor de mercado, gerar descrédito perante terceiros e, consequentemente, dificuldades para pagamento dos haveres apurados em favor do cônjuge que está deixando a relação conjugal ou a sociedade.
Desta forma, separar bens pessoais dos empresariais, preservando sempre os direitos pertencentes aos sócios e seus cônjuges, deixando toda a estrutura preparada para os mais variados eventos que porventura um dia possam acontecer é um excelente caminho.
Para isso, há alguns instrumentos que ganham relevância no momento desse planejamento, como por exemplo, o pacto antenupcial, contrato de convivência, testamento, acordo de sócios, contrato social, entre outros que se elaborados, por profissional capacitado, observando as peculiaridades da empresa, da família e do casal, se tornam grandes aliados para a construção de um negócio perene e de sucesso.
Nota-se assim, que eventuais entraves ao longo da relação conjugal podem acabar ultrapassando os limites da vida pessoal e atingindo a empresa gerida pelo casal podendo levá-la à ruína.
Portanto, é essencial que os cônjuges acertem as nuances desta parceria previamente, pensando nos problemas e nas formas de resolução dos conflitos, para que, mesmo em um momento de animosidade que possa inviabilizar a continuidade da sociedade, seja ao menos possível preservar a continuidade e a perenidade empresarial.