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O princípio da segurança jurídica e a aplicação de sanções políticas no âmbito do Direito Tributário: possibilidades e consequências

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Agenda 15/02/2017 às 11:59

8  Meios Coercitivos Indiretos de Cobrança de Tributos e a violação ao princípio da segurança jurídica 

De tudo que se expôs até aqui é possível extrair as balizas e as premissas necessárias para as conclusões relativas ao objetivo específico do presente trabalho: responder à pergunta sobre se determinadas medidas impostas pelo Poder Público estatal, enquanto entidade tributante, atingem a esfera das liberdades (direitos fundamentais) dos contribuintes e se a atividade da administração pública, neste particular aspecto, atinge estas esferas de liberdades individuais para além do seu núcleo irredutível. E, o mais importante, se as medidas estabelecidas pelo Estado em matéria tributária são inconstitucionais por violarem o princípio da segurança jurídica.

É possível afirmar até aqui que:

a) a segurança jurídica é um princípio. Ou um sobreprincípio como prefere parte da doutrina e a (tímida) jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sobre o tema;

b) a segurança jurídica é um princípio não explícito no ordenamento jurídico brasileiro, mas que pode facilmente ser aclarada, encontrando os seus fundamentos tanto na superestrutura, como na estrutura da CF/88.

c) a segurança jurídica está protegida total ou parcialmente por uma enorme gama de princípios e regras dispostos ao longo da CF/88, por meio dos quais se realiza e se manifesta;

d) o princípio da segurança jurídica tem aplicação em matéria de direito tributário, encontrando seu fundamentos em inúmeros princípios e regras que especificamente compõem aquele microordenamento; 

8.1 Das sanções políticas em matéria tributária

O ordenamento jurídico brasileiro acha-se permeado de leis infraconstitucionais, produzidas pelos mais diversos entes federativos, União, Estados, Municípios e Distrito Federal, instituidoras de mecanismos indiretos de cobrança de toda sorte de tributos, em especial impostos e taxas.

Esses mecanismos, denominados meios coercitivos indiretos de cobrança ou, como preferem alguns, de sanções políticas, manifestam-se sob as mais distintas roupagens, todas elas, no entanto, limitadoras de direitos fundamentais do contribuinte, quer direitos individuais, quer direitos sociais.

A guisa de ilustração, pode-se citar como exemplos de sanções políticas costumeiramente instituídas pelas entidades tributantes:

a) proibição de obtenção de autorização para confecção de blocos de notas fiscais;

b) interdição de estabelecimento comercial;

c) apreensão de mercadorias;

d) proibição de exercício profissional;

e) proibição de despacho de mercadoria nas alfândegas;

f) proibição de concessão de benefícios federais;

g) inscrição do nome do devedor no cadastro informativo de créditos não quitados;

h)imposição de restrições tributárias e creditícias;

i) exigência de quitação tributária para obtenção de recuperação judicial;

j) proibição de participação em licitações públicas;

l) exigência de prova de quitação tributária para o exercício dos mais elementares direitos fundamentais;

m) proibição de figurar como sócio em pessoa jurídica;

Todos esses mecanimos e tantos outros semelhantes impostos pelas entidades tributantes unicamente como forma de indiretamente forçar o contribuinte inadimplente a promover a quitação de seus débitos tributários junto ao Estado, violam inegavelmente, os postulados da razoabilidade e da proporcionalidade. Inviabilizam a livre iniciativa do trabalho e da profissão, inibem direitos fundamentais consagrados constitucionalmente, impedindo o exercício das liberdades individuais mais elementares do cidadão/contribuinte, malversam o princípio constitucional do due process of law.

Não resta margem de discussão sobre a eventual validade dos atos estatatais que consubstanciem ditas sanções políticas, portanto, ainda que sejam elas estatuídas formalmente por meio de lei em seu sentido mais puro, uma vez que restringem nitidamente direitos fundamentais para além de seu núcleo irredutível. (ALEXANDRINO, PAULO, 2014).

Resta indagar, no entanto, se a invalidade de sanções indiretas como aquelas elencadas alhures ferem o princípio da segurança jurídica.

8.2 Desrespeito às diretrizes responsáveis pela realização do princípio da segurança jurídica

Consoante a lição de Paulo de Barros Carvalho (2007) e, de acordo com o que fora exaustivamente exposto nos itens anteriores, a segurança jurídica - princípio superior - se realizaria por meio de diversos outros princípios que operariam para a sua realização numa escala hierárquica. Essa mesma conclusão pode ser extraída da obra de Humberto Ávila (2012), em especial do esquema apresentado pelo renomado autor, que revela, pari passu, como a segurança jurídica pode ser revelada por meio das regras e princípios componentes da superestrutura e da estrutura constitucional.

Todo princípio atua para implantar seus valores. Há, contudo, conjuntos de princípios que operam para realizar, além dos respectivos conteúdos axiológicos, princípios de maior hierarquia, aos quais chamaremos de sobreprincípios. Entre esses está o da segurança jurídica. (CARVALHO, 2007, p. 22)

Os meios coercitivos indiretos de cobrança de tributos, de que são alguns exemplos as medidas elencadas anteriormente, violam princípios responsáveis pela proteção e realização da segurança jurídica, quer de forma parcial ou em sua inteireza.

Tomando-se como exemplo as sanções políticas mais comuns, tem-se que ao proibir que a pessoa jurídica obtenha autorização para confecção de blocos de notas fiscais; ao determinar a interdição de estabelecimento comercial unicamente em razão de sua inadimplência tributária; ao determinar a apreensão de mercadorias de estabelecimento comercial que não está com o pagamento de seus tributos em dia; ao proibir o exercício profissional até que o contribuinte acerte suas dívidas com o Estado; proibir que determinada pessoa jurídica promova o despacho de mercadoria nas alfândegas; exigir do sócio que pretende constituir uma pessoa jurídica que antes ele apresente certidão negativa de débitos junto ao Fisco, o Estado está diretamente violando o postulado constitucional da liberdade de exercício da profissão e de atividade econômica, insertos na Carta Magna da República como direitos fundamentais, consubstanciados respectivamente nos artigos 5°, XIII e 70, parágrafo único.

No mesmo diapasão, quando o Estado exige a prova da quitação de tributos do cidadão comum como condição para o exercício de seus direitos mais elementares, como se inscrever em um concurso público ou participar de uma licitação pública, fere os mais comezinhos direitos e garantias fundamentais insertos na CF/88, em especial nos seus artigos 5° e 6°, por meio de medidas arbitrárias e que violam os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade em seu sentido mais estrito.

Tais inibições, ainda que formalmente legais, agridem, outrossim, o postulado da dignidade da pessoa humana, que se encontra no epicentro axiológico do sistema jurídico brasileiro, a irradiar os seus efeitos por todo o ordenamento jurídico.

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Não bastasse, mais diretamente as inibições e restrições abusivas de direito por parte das entidades tributantes, de que são apenas alguns exemplos aquelas elencadas no rol encartado no presente trabalho, ferem o princípio do devido processo legal administrativo e judicial.

Com efeito, como explicitado alhures quando da análise do princípio em evidência, há previsão legal e constitucional de procedimento próprio para a cobrança do tributo por parte do ente credor, tanto na seara administrativa, como na judicial. Como regra, apenas após o lançamento do tributo - por meio do procedimento administrativo adequado - e de sua inscrição na dívida ativa, é que nasce para o ente estatal o direito de exigi-lo do contribuinte. Exigência esta que não pode ser feita senão por meio do devido processo legal administrativo. Frustradas as tentativas de arrecadação do tributo pela via legal administrativa, é colocada à disposição do credor a via judicial, que com muito maior razão, não pode avançar sem seguir estritamente o caminho posto do due process of law, que se inicia com a deflagração da ação executiva.  

Ao instituir todo um microssistema de Direito Tributário, que prevê, em regras e princípios clarividentes, quais os tributos poderão ser instituídos, quem poderá instituí-los, sobre quais hipóteses eles poderão incidir, qual o percentual mínimo e máximo de suas alíquotas, a CF/88 outra coisa não faz senão realizar, proteger, garantir a segurança jurídica.

De igual forma, ao exigir a estatuição de procedimento próprio, dotado da mais ampla garantia de plena defesa e do contraditório, a partir de um rito procedimental previamente regrado, para que o contribuinte inadimplente possa ser cobrado tanto na via administrativa, como na judicial, a CF/88 e as regras que a complementaram a partir de comandos autorizativos extraídos da própria Lei Maior, estão assegurando a segurança jurídica.

Toda e qualquer medida, assim, tendente a obrigar ao pagamento do tributo, pelo contribuinte, de forma a ignorar os postulados do devido processo legal judicial e administrativo, ferem de morte o princípio da segurança jurídica.

Ainda que eventualmente algumas dessas medidas estatais possam, em alguns casos, manter incólumes alguns dos princípios que se entrelaçam para realizar a segurança juridica ou até mesmo confirmar alguns destes postulados, o simples fato de atingir um ou outro dos pilares do sobreprincípio objeto do presente trabalho, importa no reconhecimento de sua inconstitucionalidade.

Ocorre que em algumas hipóteses o Estado labora tendo em mente apenas um ou outro postulado constitucional que afirma realizar por meio da medida restritiva de direitos, como sói acontecer não raro com o princípio da igualdade, invocado na fundamentação de motivos das leis que buscam inibir direitos dos inadimplentes. Não é suficiente, todavia, para garantir a segurança jurídica imposta constitucionalmente, observar um ou outro princípio que a fundamente, quando o ato estatal viola outras normas de maior ou igual peso. Garantir a igualdade entre os contribuintes, mas ferir de morte o due process of law, a livre iniciativa do trabalho, dentre outros importantes postulados, acarreta em amplo sentido a insegurança jurídica tributária.

De tal forma que o Estado, ao atuar como entidade tributante, ao violar concretamente diretrizes responsáveis pela realização da segurança jurídica - devido processo legal, livre iniciativa do trabalho ou da profissão, dignidade da pessoa humana, proporcionalidade, razoabilidade - outra coisa não está senão violando o próprio postulado da segurança jurídica, ainda que o faça por meio de lei formal e sob a justificativa de reafirmação de um ou outro princípio constitucional tomado isoladamente.

Não haverá respeito ao sobreprincípio da segurança jurídica sempre que as diretrizes que o realizam venham a ser concretamente desrespeitadas e tais situações infringentes se perpetuem no tempo, consolidando-se. (CARVALHO, 2007, p. 22).

Malgrado não existam em nosso ordenamento jurídico direitos absolutos, nem mesmo aqueles direitos insertos no rol dos Direitos e Garantias Fundamentais, há, em matéria de direitos humanos, um núcleo tido como irredutível, inviolável, que representa um mínimo existencial, barreira esta que jamais poderá ser transposta, especialmente se por atitudes abusivas da Administração Pública que, em sua sanha arrecadatória, atropela o substantive due process of law e postulados como os da proporcionalidade, da razoabilidade, da dignidade da pessoa humana, da livre inciativa do trabalho e da profissão, dentre outros.

8.3  A posição do Supremo Tribunal Federal

Relativamente às medidas mais invasivas praticadas pelo Estado em detrimento do contribuinte, a título de cobrança indireta de tributos, não há maiores divergências sobre a sua inconstitucionalidade. É, com efeito, praticamente pacífico o entendimento, por exemplo, de que é inconstitucional a lei que possibilita a interdição de estabelecimento como meio coercitivo para cobrança de tributos, ou autoriza a apreensão de mercadorias ou proíbe o despacho aduaneiro de bens, com a mesma finalidade. Todavia, a fundamentação das decisões judiciais que, em favor do contribuinte, reconhece como inconstitucionais as leis que veiculam arbitrariedades de tal ordem, adota, a cada caso concreto analisado, como ponto de partida, princípios e regras constitucionais isolados, sem atentar para o fato de que o postulado invocado como fundamento principal do decisum nada mais é do que a manifestação do princípio maior da segurança jurídica.

Em outras palavras, a jurisprudência de nossos tribunais, no que é seguida por considerável parte da doutrina, reconhece que a intervenção estatal, em tais hipóteses, é inconstitucional, mas peca ao não analisar a inconstitucionalidade sob a ótica da segurança juridica. A postura adotada, antes de preservar e reafirmar o princípio da segurança jurídica, acarreta total insegurança, na medida em que o reconhecimento da invalidade da lei sob a ótica constitucional, fica à mercê da conclusão do tribunal sobre se a regra infraconstitucional violou ou não um determinado princípio escolhido como a premissa maior do processo de dedução. Quando o correto seria analisar todo um leque de princípios informadores da segurança jurídica - vista como um sobreprincípio - para só então concluir se esse valor maior está ou não preservado, ainda que, em determinadas hipóteses, como dito alhures, um ou outro dos postulados constitucionais tenha sido preservado ou até mesmo reafirmado pela lei inconstitucional.

Não é suficiente, por exemplo, que a regra produzida pela entidade tributante e que importe em meio indireto de cobrança de tributos preserve a igualdade entre os contribuintes, quando malversa outros importantes e relevantes princípios constitucionais, erigidos como forma de proteção da segurança jurídica, como o do devido processo legal e o da livre iniciativa do trabalho e da atividade econômica.

É que de fato a previsibilidade, a cognoscibilidade, a confiabilidade e a calculabilidade, como atributos da segurança jurídica, não se consideram suficientemente preservados com a simples violação (e da perpetuação dessa violação no tempo) de um ou outro dos princípios que se entrelaçam para a realização do valor maior.

O Supremo Tribunal Federal enfrentou em inúmeras oportunidades a questão sobre a inconstitucionalidade das sanções políticas, chegando mesmo a editar pelo menos três súmulas, no bojo das quais reconhece como inconstitucional a lei que veicula medidas desta ordem:

Súmula 70 - É inadmissível a interdição de estabelecimento como meio coercitivo para cobrança de tributo.

Súmula 323 - É inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos.

Súmula 547 - Ao contribuinte em débito, não é lícito à autoridade proibir que adquira estampilhas, despache mercadorias nas alfândegas e exerça suas atividades profissionais.

Como muito bem observa a doutrina:

Nossa Corte Constitucional, reiteradamente, e com marcada contundência, rechaça essa prática, mesmo que esteja prevista em lei, considerando-a forma oblíquoa de cobrança do tributo, assim, execução política, que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sempre repeliu, afirmando, ademais, que tais meios configuram cobrança sem o devido processo legal, com grave violação do direito de defesa do contribuinte. (ALEXANDRINO, PAULO, 2014)

Não obstante ter sumulado a matéria e rechaçá-la até com certa contundência nas mais diversas decisões proferidas pelo Tribunal, como se dessume dos textos das súmulas e da jurisprudência, o Supremo Tribunal Federal, ao reconhecer a inconstituconalidade não fundamenta as suas decisões tendo como norte o princípio da segurança jurídica, sequer a ele, no mais das vezes, faz referência como epicentro axiológico do sistema tributário, como deveria.

Apenas para ilustrar, segue trecho da decisão proferida no Recurso Especial 374.981, de 28.03.2005, tendo como relator o Min. Celso de Mello (ALEXANDRINO, PAULO, 2014):

Sanções políticas no Direito Tributário. Inadmissibilidade de utilização, pelo Poder Público, de meios gravosos e indiretos de coerção estatal destinados a compelir o contribuinte inadimplente a pagar o tributo (Súmulas 70, 323 e 547, do STF). Restrições estatais, que, fundadas em exigências que transgridem os postulados da razoabilidade e da proporcionalidade em sentido estrito, culminam por inviabilizar, sem justo fundamento, o exercício, pelo sujeito passivo da obrigação tributária, de atividade econômica ou profissional lícita. Limitações arbitrárias que não podem ser impostas pelo Estado ao contribuinte em débito, sob pena de ofensa ao substantive due process of law. [...] Tais medidas, pela gravidade das limitações que impõem à livre iniciativa econômica, conduzem à completa impossibilidade do exercício desta liberdade, negligenciam, por completo, o verdadeiro papel e ignoram o entendimento já consolidado do Supremo Tribunal Federal acerca das sanções indiretas em matéria tributária.

Dessume-se da decisão supra que o Supremo Tribunal Federal chega a reconhecer a violação de princípios como o due process of law e da livre iniciativa econômica. Mas olvida que os princípios citados, neste particular aspecto, nada mais representam senão que manifestações de um princípio maior, o da segurança jurídica.         

A postura adotada reiteradamente pelo Supremo Tribunal não preserva a segurança jurídica, antes cria um Estado de total insegurança, tanto no que diz com os rumos de sua própria decisão final que, ancorada em um ou outro princípio tomados isoladamente, corre sério risco de considerar como válida lei flagrantemente inconstitucional, como no que se refere às futuras relações entre Estado e contribuinte, permitindo que a entidade tributante continue a editar medidas abusivas de cobrança indireta de tributos, simplesmente driblando os princípios nos quais se fundamenta o STF para o reconhecimento da inconstitucionalidade.  

O estado de insegurança jurídica - não obstante o posicionamento do Supremo Trubunal Federal - é patente, tanto que as entidades tributantes, no plano federal, estadual ou municipal, continuam a legislar livremente sobre a matéria, apenas buscando, em cada hipótese, lastrear as mais diversas espécies normativas sobre o assunto em princípios diversos daqueles apontados pelo STF como postulados que devem ser preservados sob pena de nulidade:

Não obstante essa jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a verdade é que existem em nosso ordenamento jurídico muitas normas legais que estabelecem medidas ou exigências cujo escopo é induzir o sujeito passivo em débito com o fisco à quitação dos tributos inadimplidos. Não são propriamente sanções, isto é, o sujeito passivo não é submetido, diretamente, a uma penalidade ou a um impedimento ao exercício de suas atividades, mas, em regra, tem restingida a possibilidade de enquadrar-se em situações que seriam de seu interesse. (ALEXANDRINO, PAULO, p. 126)

Ao Poder Judiciário cabe, consoante lição de Humberto Ávila (2012) papel importante, senão decisivo, na preservação do estado de segurança imposto pelas normas constitucionais:

[...] também a jurisdição tem causado problemas de cognoscibilidade, de confiabilidade e de calculabilidade: de cognoscibilidade, em virtude da falta de fundamentação adequada das decisões ou, mesmo, da exigência de divergências entre decisões, órgãos ou tribunais; de confiabilidade, em razão da modificação jurisprudencial de entendimentos anteriormente consolidados com eficácia retroativa para aqueles que, com base no entendimento abandonado, praticaram atos de disposição dos seus direitos fundamentais; de calculabidade, pela falta de suavidade das alterações do entendimento ou, mesmo, pela ausência de coerência na interpretação do ordenamento jurídico - grifamos- (ÀVILA, 2012, p. 166)

O Supremo Tribunal Federal nitidamente, ao deixar de fundamentar suficientemente as suas decisões no princípio da segurança jurídica, oscilando entre os mais diversos princípios ao proferir as decisões de invalidação de normas veiculadoras de sanções políticas, causa sérios problemas de cognoscibilidade, possibilitando o estado de insegurança supra referido.

De igual sorte, a postura da corte superior viola os estados de confiabilidade e de calculabilidade, ao possibilitar modificações bruscas de entendimento sobre o tema. Isso pode ser facilmente constatado em recente decisão, de relatoria do Min. Dias Toffoli, proferida em sede de Repercussão Geral do RE 627.543, do estado do Rio Grande Do Sul. Apesar de cristalizado o entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre a inconstitucionalidade da instituição de meios coercitivos indiretos de cobrança de tributos, o pretório excelso admitiu, na citada decisão, a possibilidade de exigência da prova de quitação de tributos como pressuposto para o exercício de direito por empresário de pequeno porte.

A decisão padece de visível equívoco, ocasionado pelo fato de ter o Pretório Excelso, uma vez mais, olvidado o loque de princípios informadores da segurança jurídica para se apegar em apenas um deles, o princípio da igualdade. Da fundamentação inadequada da decisão - problema de cognoscibilidade - decorreram problemas incontornáveis de confiabilidade e de calculabidade, com a mudança brusca de posicionamento. 

8.4 Exigência de prova de quitação de tributos para o exercício de direitos - violação da segurança jurídica assim como as demais sanções políticas

A decisão do Supremo Tribunal Federal, referenciada no item anterior, revela uma contradição: ao mesmo tempo em que o Supremo Trubunal Federal é firme no sentido de que padece do vício da inconstitucionalidade as leis que estabelecem meios coercitivos indiretos de cobrança de tributos, admite como válidos um desses meios, a exigência de prova de quitação de tributos.

A exigência da prova de quitação de tributos para o exercício de direitos fundamentais da pessoa jurídica, em nada difere em sua essência, de outros meios coercitivos indiretos de cobrança tributária, como a interdição de empresas, a probição de confecção de blocos de notas fiscais ou o impedimento para participar de licitações.

O que leva o Supremo Tribunal Federal à mudança brusca de posicionamento e à grave contradição, é simplesmente a fundamentação inadequada de suas decisões acerca da matéria enfocada no presente trabalho. Ao eleger um único princípio a partir do qual, por dedução, chegar-se-á à conclusão sobre a constitucionalidade ou inconstitucionalidade da lei, o Supremo Tribunal Federal ignora o fato de que a segurança jurídica é, na verdade, consoante estudado nos capítulos anteriores, um sobreprincípio, aliás, conforme já reconhecido pelo próprio Tribunal. E como sobreprincípio, a segurança jurídica não se concretriza por meio de uma única norma protetiva, mas por meio de toda uma gama de princípios e regras que se entrelaçam para realizá-la. Ainda que, eventualmente, não reste malversado pela lei infraconstitucional um destes princípios, é mister que se analise e pondere outros tantos, para, só então, concluir-se pela violação ou não do princípio maior.

Na hipótese da exigência da prova da quitação dos tributos, o STF, tendo à sua disposição amplo leque de princípios e regras que deveriam ser observados, considerou como fundamento de sua decisão, apenas o princípio da igualdade. Para declarar constitucional a lei estadual que exigia como pressuposto inarredável para o exercício de direito vital para o microempreendor, o STF asseverou que a referida norma, ao estatuir gravame para o inadimplente, diverso das exigências para o empresário que estava em dia com os seus débitos fiscais, não só não violaria o princípio da igualdade, como o confirmaria, uma vez que “não seria razoável favorecer aqueles em débito com o fisco, que participam do mercado com vantagem competitiva em relação aos adimplentes“. (ALEXANDRINO, PAULO, 2014).

Não resta dúvida de que, no caso analisado, o princípio da igualdade, pode mesmo ter sido preservado. Todavia, a lei, sob o fundamento de preservar a igualdade, violou princípios ainda mais caros à segurança jurídica, como o princípio do devido processo legal administrativo e judicial, inolvidáveis em matéria de cobrança de tributos, além do princípio da liberdade de exercício da profissão e da atividade econômica.

Não é razoável admitir que o mesmo Tribunal declare como inconstitucional a lei que exige a quitação de tributos para a emissão de autorização para a confecção de blocos de notas fiscais, a guisa de exemplo, e reconheça a constitucionalidade de lei que exija como pressuposto para o exercício de direitos empresariais de igual envergadura, a prova da quitação tributária. Em ambas as hipóteses, restaram violados diversos princípios nos quais a constituiçao federal fundamenta a segurança jurídica, dentre eles o do devido processo legal, base da segurança no âmbito do Direito Tributário.

Claro está, portanto, que assim como as demais sanções políticas, também a exigência de prova da quitação de tributos para o exercício de direitos fundamentais é inconstitucional, ainda que estatuída por meio de lei e ainda que tenha como fundamento a confirmação do princípio da igualdade.

A aporia seria facilmente dissolvida se o Supremo Tribunal Federal, quando da apreciação da constitiucionalidade ou da inconstitucionalidade de leis que versam sobre os meios coercitivos de cobrança de tributos, fundamentasse adequadamente as suas decisões, sempre tendo como ponto de partida - premissa maior - o princípio da segurança jurídica e não um ou outro de seus subprincípios informadores escolhidos de forma nada ortodoxa.

Sobre o autor
Paulo Cesar de Freitas

O autor é Promotor de Justiça em Minas Gerais. Mestre em Direito Público pela Universidade Federal de Uberlândia. Especialista em Direito pela Universidad de Salamanca, na Espanha. Especialista em Direito Constitucional. Especialista em Direito Processual Penal. Professor em cursos de pós-graduação. Publicou, recentemente, o livro "Criminologia Midiática e Tribunal do Júri: a influência da mídia e da opinião pública na decisão dos jurados", da editora Lumen Júris.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FREITAS, Paulo Cesar. O princípio da segurança jurídica e a aplicação de sanções políticas no âmbito do Direito Tributário: possibilidades e consequências. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 4977, 15 fev. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/55835. Acesso em: 5 nov. 2024.

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