Espinhoso tema esse tratado neste projeto. Objeto de discussões e posicionamentos diversos, de início pode-se concluir que não haverá conciliação em questões de opiniões, pois, a ciência, a política, a lei e os dogmas não andam de parelha.
Para adentrar no assunto em tela, necessário se faz compreender que as sociedades humanas subsistem desde o alvorecer da vida. O ser humano, como todos os animais não andróginos pactuam sua vida aos pares, ou seja, não vivem isolados. Esta é em realidade, a origem de família, um macho, uma fêmea e sua prole.
Nas primeiras famílias, de acordo com Engels (1891):
(...) todos os avôs e avós, nos limites da família, são maridos e mulheres entre si; o mesmo sucede com seus filhos, quer dizer, com os pais e mães; os filhos destes, por sua vez, constituem o terceiro círculo de cônjuges comuns; e os seus filhos, isto é, os bisnetos dos primeiros, o quarto círculo. Nesta forma de família, os ascendentes e descendentes, os pais e os filhos, são os únicos que, reciprocamente, estão excluídos dos direitos e deveres (poderíamos dizer) do matrimônio. Irmãos e irmãs, primos e primas, em primeiro, segundo e restantes graus, são todos, entre si, irmãos e irmãs, e por isso mesmo maridos e mulheres uns dos outros. O vínculo de irmão e irmã pressupõe, por si, nesse período, a relação carnal mútua.
Percebe-se, pelas pesquisas de Engels, que não havia, na idade antiga, consanguinidade, difícil classificar a entidade familiar.
Ainda de acordo com Engels, a tribo americana Iroquesa, que para manter os gens familiares, realizavam o matrimônio e:
Fazia-se a adoção por proposta individual de algum membro da gens, algum homem que tomava o estrangeiro por irmão ou irmã, ou alguma mulher que o tomava como filho. A admissão solene era necessária para confirmação. Frequentemente, reforçavam-se as gens reduzidas em número por causas excepcionais, adotando em massa membros de outra gens, com o consentimento desta última. Entre os iroqueses, a admissão solene na gens fazia-se em sessão pública do conselho da tribo, o que tornava esta solenidade praticamente uma cerimônia religiosa.
Os estudos desse pesquisador registram esse período (sem data definida), como primeiros registros de adoção, no entanto, o primeiro código escrito conhecido (Hamurabi, por volta de 1780 a.C.), já disciplinava o instituto da adoção, nos seguintes termos:
Art. 185. Se um homem adotar uma criança e der seu nome a ela como filho, criando-o, este filho crescido não poderá ser reclamado por outrem.
Art. 186. Se um homem adotar uma criança e esta criança ferir seu pai ou mãe adotivos, então esta criança adotada deverá ser devolvida à casa de seu pai.
(...)
Art. 190. Se um homem não sustentar a criança que adotou como filho e criá-lo com outras crianças, então o filho adotivo pode retornar à casa de seu pai.
Art. 191. Se um homem, que tenha adotado um filho, fundado um lar e tido filhos, desejar desistir de seu filho adotivo, este filho não deve simplesmente desistir de seus direitos. Seu pai adotivo deve dar-lhe parte da legítima, e só então o filho adotivo poderá partir, se quiser. Ele não deve dar, porém, campo, jardim ou casa a este filho.
Há ainda aqueles que remetem a origem da adoção à religião, mencionando o capítulo 16:2 da gênesis, fato ocorrido por volta de 2000 a.C. “E disse Sarai a Abrão: Eis que o Senhor me tem impedido de dar à luz; toma, pois, a minha serva; porventura terei filhos dela”.
Após essa digressão sobre a discussão da origem da adoção, sem atingir qualquer ponto definido, necessário se faz, sobrevoar, mesmo que a “voo de pássaro”, pela legislação brasileira, em busca dos registros legais desse instituto. O Código Civil Brasileiro de 1916, em seu Título V, reservava o Capítulo V para tratar da adoção e seus requisitos (Arts. 368/378). Hodiernamente, a adoção é tratada na Constituição Federal de 1988 (artigo 227, VII §§ 5º e 6º), no Código Civil de 2002 (Capítulo IV – quase totalmente revogado), na Lei 12.010/2009), no Estatuto da Criança e do Adolescente (Seção III, entre outras).
A luta dos casais homoafetivos, em busca da dignidade à pessoa humana, reconhecimento de união estável e adoção, entre outros, é antiga e global. Alguns países, como a Dinamarca, Noruega, Suécia, Canadá, Israel, Buenos Aires, Argentina entre tantos, reconhecem a união entre iguais, porém, a adoção está em processo de regulamentação em alguns países. Entre os mencionados países, a Noruega permite adoção desde 1993, o Canadá, em 1996 reconheceu esse direito aos homossexuais, Nos EUA, apenas na Flórida ainda não é permitida adoção homoafetiva, em 2008, Israel reconheceu pela primeira vez a adoção de uma criança por um casal homossexual.
O Brasil, no mês de janeiro de 2002, a Justiça concedeu a guarda provisória do filho da cantora Cassia Eller, Francisco, de 8 anos, a sua companheira, Maria Eugênia Vieira Martins, com quem conviveu por catorze anos. Porém, foi apenas em abril/2010 que o Superior Tribunal de Justiça, reconheceu o direito de um casal homossexual recorrer à adoção, quando manteve decisão do TJ-RS, que autorizou duas mulheres que vivem em união homoafetiva a serem as responsáveis legais por duas crianças.
A propósito, segue a decisão proferida pela corte, que gerou precedência jurisprudencial:
DIREITO CIVIL. FAMÍLIA. ADOÇÃO DE MENORES POR CASAL HOMOSSEXUAL. SITUAÇÃO JÁ CONSOLIDADA. ESTABILIDADE DA FAMÍLIA. PRESENÇA DE FORTES VÍNCULOS AFETIVOS ENTRE OS MENORES E A REQUERENTE. IMPRESCINDIBILIDADE DA PREVALÊNCIA DOS INTERESSES DOS MENORES. RELATÓRIO DA ASSISTENTE SOCIAL FAVORÁVEL AO PEDIDO. REAIS VANTAGENS PARA OS ADOTANDOS. ARTIGOS 1º DA LEI 12.010/09 E 43 DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. DEFERIMENTO DA MEDIDA. 1. A questão diz respeito à possibilidade de adoção de crianças por parte de requerente que vive em união homoafetiva com companheira que antes já adotara os mesmos filhos, circunstância a particularizar o caso em julgamento. 2. Em um mundo pós-moderno de velocidade instantânea da informação, sem fronteiras ou barreiras, sobretudo as culturais e as relativas aos costumes, onde a sociedade transforma-se velozmente, a interpretação da lei deve levar em conta, sempre que possível, os postulados maiores do direito universal. 3. O artigo 1º da Lei 12.010/09 prevê a "garantia do direito à convivência familiar a todas e crianças e adolescentes". Por sua vez, o artigo 43 do ECA estabelece que "a adoção será deferida quando apresentar reais vantagens para o adotando e fundar-se em motivos legítimos". 4. Mister observar a imprescindibilidade da prevalência dos interesses dos menores sobre quaisquer outros, até porque está em jogo o próprio direito de filiação, do qual decorrem as mais diversas consequências que refletem por toda a vida de qualquer indivíduo. 5. A matéria relativa à possibilidade de adoção de menores por casais homossexuais vincula-se obrigatoriamente à necessidade de verificar qual é a melhor solução a ser dada para a proteção dos direitos das crianças, pois são questões indissociáveis entre si. 6. Os diversos e respeitados estudos especializados sobre o tema, fundados em fortes bases científicas (realizados na Universidade de Virgínia, na Universidade de Valência, na Academia Americana de Pediatria), "não indicam qualquer inconveniente em que crianças sejam adotadas por casais homossexuais, mais importando a qualidade do vínculo e do afeto que permeia o meio familiar em que serão inseridas e que as liga a seus cuidadores". 7. Existência de consistente relatório social elaborado por assistente social favorável ao pedido da requerente, ante a constatação da estabilidade da família. Acórdão que se posiciona a favor do pedido, bem como parecer do Ministério Público Federal pelo acolhimento da tese autoral. 8. É incontroverso que existem fortes vínculos afetivos entre a recorrida e os menores – sendo a afetividade o aspecto preponderante a ser sopesado numa situação como a que ora se coloca em julgamento. 9. Se os estudos científicos não sinalizam qualquer prejuízo de qualquer natureza para as crianças, se elas vêm sendo criadas com amor e se cabe ao Estado, ao mesmo tempo, assegurar seus direitos, o deferimento da adoção é medida que se impõe. 10. O Judiciário não pode fechar os olhos para a realidade fenomênica. Vale dizer, no plano da “realidade”, são ambas, a requerente e sua companheira, responsáveis pela criação e educação dos dois infantes, de modo que a elas, solidariamente, compete a responsabilidade. 11. Não se pode olvidar que se trata de situação fática consolidada, pois as crianças já chamam as duas mulheres de mães e são cuidadas por ambas como filhos. Existe dupla maternidade desde o nascimento das crianças, e não houve qualquer prejuízo em suas criações. 12. Com o deferimento da adoção, fica preservado o direito de convívio dos filhos com a requerente no caso de separação ou falecimento de sua companheira. Asseguram-se os direitos relativos a alimentos e sucessão, viabilizando-se, ainda, a inclusão dos adotandos em convênios de saúde da requerente e no ensino básico e superior, por ela ser professora universitária. 13. A adoção, antes de mais nada, representa um ato de amor, desprendimento. Quando efetivada com o objetivo de atender aos interesses do menor, é um gesto de humanidade. Hipótese em que ainda se foi além, pretendendo-se a adoção de dois menores, irmãos biológicos, quando, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça, que criou, em 29 de abril de 2008, o Cadastro Nacional de Adoção, 86% das pessoas que desejavam adotar limitavam sua intenção a apenas uma criança. 14. Por qualquer ângulo que se analise a questão, seja em relação à situação fática consolidada, seja no tocante à expressa previsão legal de primazia à proteção integral das crianças, chega-se à conclusão de que, no caso dos autos, há mais do que reais vantagens para os adotandos, conforme preceitua o artigo 43 do ECA. Na verdade, ocorrerá verdadeiro prejuízo aos menores caso não deferida a medida. 15. Recurso especial improvido. (REsp 889852/RS, Relator: Ministro Luis Felipe Salomão, T4 – Quarta Turma, Julgado em 27/04/2010, Publicado DJE 10/08/2010, RT vol. 903 p. 146).
Em outro momento, publicado neste ano de 2013, o STJ pronunciou-se mais uma vez, negando Recurso Especial de julgado do Tribunal de Justiça de São Paulo, que concedeu a guarda de menor, a companheira de mãe biológica, que requereu o reconhecimento sob o argumento de planejamento do casal, conforme julgado abaixo:
CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. UNIÃO HOMOAFETIVA. PEDIDO DE ADOÇÃO UNILATERAL. POSSIBILIDADE. ANÁLISE SOBRE A EXISTÊNCIA DE VANTAGENS PARA A ADOTANDA. I. Recurso especial calcado em pedido de adoção unilateral de menor, deduzido pela companheira da mãe biológica da adotanda, no qual se afirma que a criança é fruto de planejamento do casal, que já vivia em união estável, e acordaram na inseminação artificial heteróloga, por doador desconhecido, em C.C.V. II. Debate que tem raiz em pedido de adoção unilateral - que ocorre dentro de uma relação familiar qualquer, onde preexista um vínculo biológico, e o adotante queira se somar ao ascendente biológico nos cuidados com a criança -, mas que se aplica também à adoção conjunta - onde não existe nenhum vínculo biológico entre os adotantes e o adotado. III. A plena equiparação das uniões estáveis homoafetivas, às uniões estáveis heteroafetivas, afirmada pelo STF (ADI 4277/DF, Rel. Min. Ayres Britto), trouxe como corolário, a extensão automática àquelas, das prerrogativas já outorgadas aos companheiros dentro de uma união estável tradicional, o que torna o pedido de adoção por casal homoafetivo, legalmente viável. IV. Se determinada situação é possível ao extrato heterossexual da população brasileira, também o é à fração homossexual, assexual ou transexual, e todos os demais grupos representativos de minorias de qualquer natureza que são abraçados, em igualdade de condições, pelos mesmos direitos e se submetem, de igual forma, às restrições ou exigências da mesma lei, que deve, em homenagem ao princípio da igualdade, resguardar-se de quaisquer conteúdos discriminatórios. V. Apesar de evidente a possibilidade jurídica do pedido, o pedido de adoção ainda se submete à norma-princípio fixada no art. 43 do ECA, segundo a qual "a adoção será deferida quando apresentar reais vantagens para o adotando". VI. Estudos feitos no âmbito da Psicologia afirmam que pesquisas "(...) têm demonstrado que os filhos de pais ou mães homossexuais não apresentam comprometimento e problemas em seu desenvolvimento psicossocial quando comparados com filhos de pais e mães heterossexuais. O ambiente familiar sustentado pelas famílias homo e heterossexuais para o bom desenvolvimento psicossocial das crianças parece ser o mesmo". (FARIAS, Mariana de Oliveira e MAIA, Ana Cláudia Bortolozzi in: Adoção por homossexuais: a família homoparental sob o olhar da Psicologia jurídica. Curitiba: Juruá, 2009, pp.75/76). VII. O avanço na percepção e alcance dos direitos da personalidade, em linha inclusiva, que equipara, em status jurídico, grupos minoritários como os de orientação homoafetiva - ou aqueles que têm disforia de gênero - aos heterossexuais, traz como corolário necessário a adequação de todo o ordenamento infraconstitucional para possibilitar, de um lado, o mais amplo sistema de proteção ao menor - aqui traduzido pela ampliação do leque de possibilidades à adoção - e, de outro, a extirpação dos últimos resquícios de preconceito jurídico - tirado da conclusão de que casais homoafetivos gozam dos mesmos direitos e deveres daqueles heteroafetivos. VII. A confluência de elementos técnicos e fáticos, tirados da i) óbvia cidadania integral dos adotantes; ii) da ausência de prejuízo comprovado para os adotados e; iii) da evidente necessidade de se aumentar, e não restringir, a base daqueles que desejam adotar, em virtude da existência de milhares de crianças que longe de quererem discutir a orientação sexual de seus pais, anseiam apenas por um lar, reafirmam o posicionamento adotado pelo Tribunal de origem, quanto à possibilidade jurídica e conveniência do deferimento do pleito de adoção unilateral. Recurso especial NÃO PROVIDO. (REsp 1281093/SP, Relator(a) Ministra NACY ANDRIGHI, T3 – TERCEIRA TURMA, julgado aos 18/12/2012, publicado DJe 04/02/2013, RSTJ vol. 229 p.349). |
Observa-se que o julgado em comento abre novo precedente para adoção, não só por casais homoafetivos, como por singulares, neste caso, a adotanda foi fruto de inseminação artificial, produto de planejamento do casal.
Em pesquisas nos diversos tribunais do país, é possível encontrar julgados que seguem o mesmo norte dos julgados pelo STJ. Não se trata mais de julgar de acordo com o direito jusnaturalista, que analisa a moral tradicional. O Estado tem o dever de resolver as questões sociais, apresentando respostas à evolução. Nesse contexto, entende-se que a paternidade biológica não mais é a única a prevalecer, reconhece-se a paternidade afetiva.
Em realidade, não há, no ordenamento pátrio distinção a quem pode adotar, no sentido de opção sexual, mas, no sentido social, na suposta capacidade de oferecer ao adotando um lar onde possa ter uma vida digna. As designações “pai”, “filho”, “irmão”, “irmã”, não são simples títulos honoríficos, mas ao contrário, implicam sérios deveres recíprocos, da mesma forma, não está atrelada à consanguinidade. De acordo com o art. 42 do ECA, “Podem adotar os maiores de 18 (dezoito) anos, independentemente do estado civil.”. Em nenhum Estatuto, dispõe sobre ser homem, mulher ou homossexual.A interpretação das leis e da Constituição deve ser a mais ampla possível, capaz de oferecer segurança jurídica a cada ente.
A adoção é considerada uma intervenção do órgão jurisdicional na ordem pública, substitui o papel do Estado, potencializando sua função protetiva em face da infância abandonada.
Não só o STJ tem se pronunciado acerca do tema, como o STF, que em julgado de agosto/2010 infere que independe de sexo o adotado por casais homoafetivos, conforme abaixo:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO -RAZÕES - DESCOMPASSO COM O ACÓRDÃO IMPUGNADO -NEGATIVA DE SEGUIMENTO.1. Contra a sentença proferida pelo Juízo, houve a interposição de recurso somente pelos autores. Pleitearam a reforma do decidido a fim de que fosse afastada a limitação imposta quanto ao sexo e à idade das crianças a serem adotadas. A apelação foi provida, declarando-se terem os recorrentes direito a adotarem crianças de ambos os sexos e menores de 10 anos. Eis o teor da emenda contida à folha 257:[...]2. Delimitar o sexo e a idade da criança a ser adotada por casal homoafetivo é transformar a sublime relação de filiação, sem vínculo biológicos, em ato de caridade provido de obrigações sociais e totalmente desprovido de amor e comprometimento.2. Há flagrante descompasso entre o que foi decidido pela Corte de origem e as razões do recurso interposto pelo Ministério Público do Estado do Paraná. O Tribunal local limitou-se a apreciar a questão relativa à idade e ao sexo das crianças a serem adotadas. No extraordinário, o recorrente aponta violado o artigo 226 da Constituição Federal, alegando a impossibilidade de configuração de união estável entre pessoas do mesmo sexo, questão não debatida pela Corte de origem.3. Nego seguimento ao extraordinário.4. Publiquem. Brasília, 16 de agosto de 2010.Ministro MARÇO AURÉLIO Relator. (RE 615261 PR, Relator: Ministro MARCO AURÉLIO, julgamento em 24/08/2010, publicado em 25/08/2010, DJe-157).
Pode-se perceber que não há mais regresso, o entendimento judicial segue o norte de conceder permissão às adoções, sejam hetero ou homoafetivas. As resistências são em geral, apresentadas pelas igrejas e alguns ramos de psicólogos.
Concluindo, entende-se os órgãos jurisdicionais que deve-se ter por base, quando tratar-se de adoção, O BEM ESTAR DA CRIANÇA. A adoção por parte de pares homoafetivos ainda é vista com preconceito, no entanto, não há base legal para refutá-la, bem como, não há estudo convincente sobre a problemática que causa na personalidade do infante.