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Reflexões sobre a atuação do Ministério Público na proteção do direito fundamental à probidade administrativa

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Agenda 09/03/2017 às 10:13

A ATUAÇÃO JUDICIAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO

Finalizada a colheita dos elementos suficientemente caracterizadores do ato de improbidade administrativa, necessário que o Poder Judiciário, inerte por natureza, seja provocado, para que dê concretude às consequências legais da conduta ímproba.

Como insistido, o fundamento constitucional da tutela à probidade administrativa reside no artigo 37, parágrafo 4º, da Constituição Federal. Por sua vez, o regramento detalhado da norma constitucional é tarefa cumprida pela Lei 8.429/1992.

Diante disso, no que diz respeito à atuação do Ministério Público, o estudo tem se pautado na própria Lei de Improbidade Administrativa. Não há cenário diferente na presente oportunidade.

Em outros termos, a Lei 8.429/1992, detalhando a norma constitucional protetora do direito fundamental à probidade administrativa, também disciplina o processo judicial e, ainda identicamente, traceja a atuação ministerial neste campo.

Inicialmente, cumpre averbar que, por toda a exposição, torna-se compreensível a finalidade elementar do árduo processo de caracterização de um ato de improbidade administrativa: a aplicação das sanções legalmente previstas.

Como explorado, a cada espécie de ato de improbidade administrativa correspondem as sanções específicas. O conjunto de sanções constitui, portanto, as consequências básicas almejadas pela atuação do promotor de justiça.

Diante de tal contexto, a primeira explanação gira em torno da necessidade de provocação do Poder Judiciário quando caracterizado o ato de improbidade administrativa. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal explica aludido cenário:

[...] LIMITES DE ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO [...] Ato de improbidade: a aplicação das penalidades previstas na Lei n. 8.429/92 não incumbe à Administração, eis que privativa do Poder Judiciário. Verificada a prática de atos de improbidade no âmbito administrativo, caberia representação ao Ministério Público para ajuizamento da competente ação [...]. [43]

Assim, admitida a configuração da conduta ímproba por meio de autoconvencimento do próprio membro do ministério público, o mesmo agente ministerial deve ainda, inequivocamente, buscar o respaldo consequencial unicamente do Poder Judiciário.

Precisamente, é a redação do artigo 17, da Lei 8.429/1992, que trata da ação judicial no âmbito da improbidade administrativa: “A ação principal, que terá o rito ordinário, será proposta pelo Ministério Público ou pela pessoa jurídica interessada, dentro de trinta dias da efetivação da medida cautelar".

Em razão disso, imprescindível que seja verdadeiramente apontada e especificada a ação cabível no âmbito da improbidade administrativa, trilha única a ser percorrida pelo promotor de justiça.

Em primeiro, anota-se que “o art. 17, caput, da Lei de Improbidade, alude à ‘ação principal’, e o faz apenas para distingui-la da ação cautelar de arresto, que, por ser normalmente de caráter preparatório, a antecede”[44].

Diante da redação elegida pelo legislador, ou melhor, considerando a real ausência de previsão sobre o nome da ação a ser intentada, surge imbróglio de enorme repercussão doutrinária, consistente na incerteza acerca da natureza da ação prevista na Lei 8.429/92.

Assim, num primeiro momento, o intérprete da lei não encontra segurança para compreender se a ação prevista na Lei 8.429/1992 é, autonomamente, uma Ação de Improbidade Administrativa, com procedimento próprio, ou se é apenas uma Ação Civil Pública - ou outra espécie - com alguns destaques normativos, sendo regida por lei diversa.

Desde logo, o presente trabalho se filia à corrente que trata com desimportância tal controvérsia. Contudo, os argumentos e posições existentes em doutrina e jurisprudência fazem jus à exposição puramente objetiva realizada a seguir.

Há autores que adotam um posicionamento misto, ou seja, afirmam que a ação pela qual se confirma a tutela à probidade administrativa e se assegura a punição aos comportamentos ímprobos segue o nome próprio de ação de improbidade administrativa, porém, “aplicando-se subsidiariamente as regras da Lei de Ação Civil Pública (Lei n. 7.347/85)”[45].

Nessa linha, é o entendimento de Marcelo Figueiredo:

Diante do ato de improbidade, os legitimados devem propor a presente ação, e não outras, ainda que em defesa do patrimônio público. De outra parte, nada impede a propositura daquelas ações (ação civil, ação popular) a título subsidiário (art. 17, parágrafo 2º, da Lei).[46]

De mesma forma, é o que sugere José Antonio Lisbôa Neiva:

A ação de improbidade administrativa, como modalidade de ação coletiva, serve para tutelar o interesse de um número indeterminado de pessoas, que não se encontram aptas a vir a juízo protegê-lo, sendo-lhe aplicável supletivamente os instrumentos e a disciplina previstos na Lei n°. 7.347/1985 e, por força de seu art. 21, no título III da Lei n° 8.078/1998, até mesmo em virtude da lacônica regulamentação realizada pela Lei n° 8.429/1992, no que se refere ao aspecto processual.[47]

Este último doutrinador, como se nota, além de conceber como aplicável a Lei de Ação Civil Pública à Ação de Improbidade Administrativa, adiciona também o Código de Defesa do Consumidor, em razão de sua semelhante proteção a direitos coletivos, como fonte processual subsidiária idônea.

Por sua vez, parte da doutrina considera que a ação prevista na Lei 8.429/1992 é nomeadamente uma Ação de Improbidade, espécie do gênero ações coletivas, possuindo procedimento diverso e incompatível com o rito da Ação Civil Pública, também espécie do gênero ações coletivas[48].

Esta última linha doutrinária entende não haver relevância prática no estabelecimento de ideal nomenclatura à ação da Lei 8.429/1992. É o que, pelo mesmo raciocínio, explica Marino Pazzaglini Filho:

Parece-me menos adequada a denominação ação civil pública, pois tradicionalmente designa a ação disciplinada pela Lei n° 7.347/85, [...] enquanto a tutela do interesse difuso da probidade administrativa é regida pela LIA, que apresenta procedimento especial e objeto diverso daquela. [...] Entretanto, sua denominação não tem relevância jurídica maior, pois o direito de ação independe da titulação para sua existência e formulação.[49]

Tal orientação é baseada, principalmente, na circunstância de que a Lei 8.429/1992 foi desenhada para englobar conflitos estritamente no campo da improbidade administrativa e, ainda, muito embora tenha pregado algum rito ordinário, trouxe consigo características demasiadamente particulares.[50]

Por fim, a maioria da doutrina entende que a ação que tem por finalidade alcançar as sanções resultantes da prática do ato de improbidade administrativa é, essencialmente, uma ação civil pública.

Aludido raciocínio se estriba no inciso III, do artigo 129, da Constituição Federal, que conferiu maior abrangência à ação civil pública e, especialmente, ensejou alteração da Lei 7.347/85, culminando na possibilidade de utilização da ação civil pública para proteção de todos os interesses difusos e coletivos[51].

 Em razão disso, ensina Alexandre de Moraes:

[...] a Lei de Ação Civil Pública é a lei processual, pelo que a hipótese motivadora da ação e possibilitadora da condenação por ato de improbidade administrativa se baseia nas disposições da Lei n° 8.429/92, norma substantiva, de direito material, que foi editada para regulamentar as sanções previstas constitucionalmente no art. 37, parágrafo 4º, da Constituição Federal.[52]

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Desde logo, fixa-se, este último apontamento constitui, precisamente, o cerne do entendimento pacificado pelo Superior Tribunal de Justiça:

PROCESSO CIVIL E ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. PROPOSITURA DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CABIMENTO. PRECEDENTES. [...] A jurisprudência desta Corte firmou entendimento no sentido de que "é cabível a propositura de ação civil pública que tenha como fundamento a prática de ato de improbidade administrativa, tendo em vista a natureza difusa do interesse tutelado. Também mostra-se lícita a cumulação de pedidos de natureza condenatória, declaratória e constitutiva nesta ação, porque sustentada nas disposições da Lei n. 8.429/92" (REsp 757.595/MG, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA). Precedente. [...] [53]

Assim, doutrina majoritária e jurisprudência refutam os argumentos utilizados pelos que não admitem a ação civil pública na tutela do direito fundamental à probidade administrativa.

Isto é, sinteticamente: censuram a argumentação de que a Fazenda Pública é a única interessada, já que também há preocupação com a coletividade, que merece vislumbrar a probidade administrativa; repelem a incompatibilidade de ritos entre as ações previstas na Lei de Improbidade e na Lei de Ação Civil Pública; e, por fim, reafirmam o ente lesado como o beneficiário do resultado da ação[54].

Utilizando-se de raciocínio lógico, é também a conclusão de Waldo Fazzio Júnior:

Se o Ministério Público tem legitimidade para ajuizar ação civil pública, em defesa de quaisquer interesses difusos ou coletivos, especificamente do patrimônio público; se, também, tem legitimação concorrente à ação cabível no âmbito da improbidade administrativa (art. 17 da LIA); se a Lei n° 8.429/92 não especifica a natureza da ação que regula, limitando-se a definir-lhe o rito (ordinário), inexiste razão, de matriz jurídica, a desaconselhar o entendimento que eleva a ação civil de improbidade administrativa ao nível de ação civil pública. [55]

Como salientado, a jurisprudência caminha no mesmo sentido, de modo que o Superior Tribunal de Justiça, inclusive, editou a Súmula número 329, com o seguinte enunciado: “O Ministério Público tem legitimidade para propor ação civil pública em defesa do patrimônio público”.

Nada obstante a exposta evolução doutrinária, assim como o mencionado – e até mesmo elogiável – entendimento atual, o corrente estudo considera desnecessário o esforço científico na eleição da via adequada para proteção do direito fundamental à probidade administrativa.

É que, na visão do presente trabalho, assemelha-se de exagerada simplicidade a compreensão no sentido de que, tendo a Lei 8.429/1992 regulamentado o artigo 37, parágrafo 4º, da Constituição Federal de 1988, é referida norma legal a que deve precipuamente embasar a ação judicial a ser proposta.

Assim, muito embora a Lei de Improbidade Administrativa não tenha definido o nomen iuris do instrumento procedimental que concretiza o direito à ação pela tutela da probidade, é certo que, ao menos, trouxe mínimas diretrizes à maneira como a propositura da ação deveria ocorrer.

 Dessa forma, constata-se a existência de previsão especialmente dirigida à criação de uma nova ação que visa proteger a probidade administrativa e concretizar as sanções decorrentes da lei.

Entretanto, irrelevante a atribuição de um nome próprio à ação prevista pela Lei 8.429/1992. Isto é, não há repercussão prática em defini-la como ação de improbidade, ação civil pública, ação popular, ou qualquer outra imaginável.

O essencial, no entender do trabalho, é que a ação que busque materializar as consequências decorrentes da prática de ato ímprobo respeite, primeiramente, as diretrizes estabelecidas pela Lei 8.429/1992.

De outro lado, não há impedimento algum em apoiar os contornos da ação nas regras de demais legislações, tais como a Lei de Ação Civil Pública, o Código de Processo Civil, a Lei de Ação Popular, o Código de Defesa do Consumidor, enfim, desde que tais normas não contrariem o mínimo estabelecido pela Lei de Improbidade Administrativa.

Aparentemente, o que enseja a confusão doutrinária é a visão de que as normas de caráter coletivo, isto é, aquelas que visam a proteção de bens que transcendem o indivíduo singular, por estarem insertas no mesmo ambiente, inevitavelmente e a todo tempo entrariam em choque.

Referido discurso não pode prevalecer, pois o que o ordenamento jurídico pretende é conferir o maior grau de proteção àquilo que pertence a uma coletividade, especialmente quando o bem jurídico é entendido como um direito fundamental de todos.

Mostra-se primordial a existência de uma noção antecedente, pela qual a eficácia dos direitos fundamentais tão somente se amplie. Partir de raciocínios que reduzam o alcance dos valores mais naturais do homem constitui, possivelmente, a mais oposta das direções inicialmente desejadas pela justiça gravada na Constituição Federal de 1988.

Furtando-se de argumentação filosófica e abstrata, a conclusão não poderia ser mais simples: o promotor de justiça, exercendo o direito de postular pelas consequências legalmente previstas, não deve se prender a formalismos infundados.

Em resumo, as partes atuantes no processo judicial sobre a improbidade devem observar, primeiramente, as disposições previstas na própria Lei 8.429/1992, com a aplicação secundária de toda e qualquer fonte legal que apoie o crescimento da proteção do direito fundamental à probidade administrativa.

Dessa maneira, não se nega à preservação do princípio do devido processo legal, consubstanciado no artigo 5º, inciso LIV, da Constituição Federal, e, ao mesmo tempo, protege-se o direito fundamental à probidade administrativa.

Concluindo a discussão, é importante ressaltar que, apesar de óbvia no entender do trabalho, a controvérsia aberta pela doutrina e jurisprudência é de grande valia, pois assenta, de vez por todas, a maneira como o promotor de justiça eficiente inicia judicialmente o combate à improbidade administrativa.

Superado este ponto, passa-se à análise de demais questões fundamentais acerca da ação judicial de improbidade administrativa.

Como se percebe, o trabalho trata da interposição de ação de improbidade realizada pelo membro do Ministério Público. Contudo, como mencionado, a parte interessada – já definida – também poderá fazê-lo.

Assim, no caso de ajuizamento de ação de improbidade administrativa feito por pessoa estranha à instituição do Ministério Público, interessa a disposição do parágrafo 4º, do artigo 17, da Lei 8.429/1992, que prevê que, quando não se encontrar na condição de parte, o parquet necessariamente intervirá no processo como fiscal da lei.

Disto decorre que o Ministério Público, de maneira ou outra, sempre atuará perante a ação judicial de improbidade administrativa. É o que reforça José dos Santos Carvalho Filho:

A atuação do Ministério Público tem inegável importância na ação em tela. Além da condição de parte na demanda, tem intervenção obrigatória como custos legis, se outra for a parte. Semelhante atuação – diga-se de passagem – é a mesma prevista na Lei nº 7.347/85 para a ação civil pública. Estando na qualidade de parte, desnecessária será a presença de outro representante do Parquet no processo; a despeito de figurar como parte, o Ministério Público não defende qualquer interesse privado, sendo imparcial na fiscalização da Constituição e das leis. Portanto, mesmo como parte lhe caberá exercer a custódia do direito positivo.[56]

Em razão disso, torna-se imprescindível destacar a origem de aludida legitimação ativa por parte do Ministério Público, que, em especial, autoriza o membro da instituição a ajuizar a ação judicial com vistas à tutela do direito fundamental à probidade administrativa.

Cumprindo com tal tarefa, cita-se novamente o artigo 129, da Constituição Federal de 1988, que estipula o rol das funções institucionais do Ministério Público, elencadas neste estudo em tópico pertinente.

É por meio do mencionado dispositivo constitucional que se viabiliza a compreensão acerca da razão pela qual o Ministério Público tem a atribuição de cuidar do direito fundamental à probidade administrativa, pela via judicial.

Não é árduo o processo cognitivo que conclui pela constatação de que o Ministério Público, efetivamente, recebeu do ordenamento jurídico a missão de batalhar judicialmente pela aplicação das consequências albergadas pela Lei de Improbidade Administrativa.

Isto porque o inciso III do mencionado texto constitucional, dentre outras disposições, atribuiu ao Ministério Público a função institucional de promover a ação para a proteção do patrimônio público e de outros interesses difusos e coletivos.

Assim, é possível afirmar que, desde o advento da Constituição Federal de 1988, a legitimação ativa do Ministério Público para a propostura da ação restou consolidada, tendo a Lei de Improbidade Administrativa apenas a reforçado, com pequenas nuances processuais.[57]

Nesse contexto, há doutrina que sublinha que, muito embora legítima a postulação em juízo pelo Ministério Público, este não é obrigado a fazê-lo, a não ser que haja interesse público e social na aplicação das consequências do ato de improbidade administrativa.[58]

Contudo, há de se confessar a dificuldade em reconhecer ao ato de improbidade administrativa eventual desinteresse da coletividade, tendo em vista ser da essência do comportamento ímprobo a afronta àquilo que é público.

De maneira a pacificar qualquer fortuita discórdia sobre a legitimação do Ministério Público, frisa Waldo Fazzio Júnior:

Por disposições constitucionais, o Ministério Público se apresenta como canal de expressão dos interesses difusos e individuais homogêneos, entre os quais os ligados à proteção do patrimônio público econômico e da probidade administrativa. [...] Nada obsta, portanto, que se atribua ao dispositivo da Lei Maior a elasticidade necessária para se abranger o direito difuso à proteção do erário e da probidade administrativa.[59]

Por fim, cumpre acentuar que o Ministério Público pode ser considerado o “autor ideológico” da ação de improbidade administrativa, já que está autorizado a acionar o Poder Judiciário para tutelar a probidade, quando, na verdade, foi criado para proteger a coletividade.[60]

Contudo, como dito, o presente trabalho prefere não adotar referida posição doutrinária, já que entende impossível a dissossiação entre as preocupações coletivas e a tutela do direito fundamental à probidade administrativa.

Sem demora, passa-se ao exame de questões essenciais decorrentes do ajuizamento da ação civil de improbidade pelo membro do Ministério Público.

A primeira atenção exigida do promotor de justiça, com atribuições para buscar resposta do Poder Judiciário, é referente à competência da ação judicial a ser proposta. Por óbvio, trata-se de questão preliminar a ser considerada pelo parquet.

Não há menção pela Lei de Improbidade Administrativa do foro competente para o ajuizamento da ação. Assim, na generalidade, com embasamento na Lei de Ação Civil Pública, entende-se que a ação deve ser proposta na vara cível ou na vara da Fazenda Pública do lugar em que se deu o dano ou ocorreu a conduta ímproba.[61]

Em tal contexto, importante frisar que, também em regra, não prevalecerá a extensão de foro por prerrogativa de função na ação de improbidade, de maneira que a jurisprudência já excepcionou tal paradigma em alguns casos de sujeitos específicos que pratiquem a conduta ímproba, tais como: juiz que integra tribunal; ministros do Supremo Tribunal Federal; e Chefe do Poder Executivo Estadual.[62]

De mesma forma, há de se observar a categoria do agente público ímprobo, pois “cuidando-se de agentes públicos federais ou de lesão a interesse da União, de autarquias e empresas públicas federais, sobre a norma reguladora da competência no plano infraconstitucional incide a regra do art. 109, I, da CF”[63].

De tal modo, sendo preenchida a característica mencionada, a competência para o recebimento, processamento e julgamento da ação de improbidade será da Justiça Federal, nos termos do que dispõe a própria Constituição Federal.

Em razão da fixação de competência, norte elementar a ser observado pelo promotor de justiça, o parágrafo 5º, do artigo 17, da Lei 8.429/1992, dispõe que “a propositura da ação prevenirá a jurisdição do juízo para todas as ações posteriormente intentadas que possuam a mesma causa de pedir ou o mesmo objeto”.

Sendo assim, convém a interpretação de Marcelo Figueiredo:

Não raro ocorre a propositura de ações civis públicas e de improbidade envolvendo o mesmo fato e, no tempo, diversos réus. O dispositivo, nesse aspecto, atribui ao Ministério Público maior responsabilidade para efetivamente verificar com cuidado o pedido e apresentá-lo perante a jurisdição de forma definitiva. A norma tem claro efeito pragmático.[64]

Antes da análise dos elementos da ação de improbidade a ser intentada pelo membro do Ministério Público, há de serem evidenciadas outras importantes disposições previstas pela Lei de Improbidade Administrativa.

O parágrafo 1º, do artigo 17, da Lei 8.429/1992 impede expressamente a realização de transação, acordo ou conciliação nas ações intentadas pelo Ministério Público que visem à proteção da probidade administrativa.

Na visão da doutrina, eventual autorização do ordenamento jurídico que possibilitasse a existência de tais institutos, especialmente na espécie de ação em estudo, “abortaria a persecução civil e, em consequência, frustraria a aplicação das demais sanções previstas na LIA”[65].

Inclusive, considera-se desnecessária a própria existência da aludida norma, já que tais institutos são vedados justamente em razão de o membro do Ministério Público não ter autoridade para se livrar do fundamental interesse à probidade, pertencente à sociedade em geral.[66]

Assim, o promotor de justiça jamais poderá pactuar estipulações com o autor da conduta ímproba, sendo impossível evitar, por tal via, o prosseguimento da ação judicial.

Em continuidade, ligeiramente, vale apenas mencionar o parágrafo 3º, do artigo 17, da Lei de Improbidade Administrativa, que autoriza que o promotor de justiça, autor da ação de improbidade, perceba-se acompanhado, no polo ativo da demanda, pelo próprio sujeito passivo do ato de improbidade.

Por derradeiro, essencial que sejam delineados os elementos da ação a ser proposta pelo promotor de justiça, já que, além de merecerem observância obrigatória pelo parquet, identificarão a ação de improbidade e vincularão a atuação do juiz.

Sem mergulho no campo do processo civil, é sabido que os elementos da ação são: as partes, a causa de pedir e o pedido.

Considerando que as partes da ação de improbidade administrativa já foram determinadas e, principalmente, que o presente estudo centraliza a análise à atuação do Ministério Público, resta somente a tarefa de definir os pedidos e as causas de pedir da ação civil de improbidade administrativa.

Em resumo, trata-se da verificação acerca daquilo em que o promotor de justiça poderá embasar a ação judicial e dos possíveis requerimentos a serem postulados, tudo com a pretensão de defender o capital direito à probidade administrativa.

Em relação ao pedido, José dos Santos Carvalho Filho admite duas vertentes de requerimento possíveis:

Primeiramente, o pedido de que o juiz reconheça a conduta de improbidade (pedido originário, de natureza declaratória); depois, o pedido de que, sendo procedente a ação, sejam aplicadas ao réu as respectivas sanções (pedido subsequente, de natureza condenatória).[67]

Assim, depreende-se que também na ação de improbidade administrativa existe um objeto imediato e um objeto mediato, conforme os dizeres de José Antonio Lisbôa Neiva:

[...] objeto imediato, qual seja, o provimento jurisdicional desejado pela parte (declaratório, constitutitivo, condenatório ou mandamental). [...] o objeto mediato da postulação envolveria, com base no parágrafo 4º do art. 37 da Constituição Federal, a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, o ressarcimento do ente público ou privado lesado, inclusive envolvendo danos morais e a perda dos bens obtidos ilicitamente.[68]

Por óbvio, no referido objeto mediato, incluem-se as sanções trazidas pela Lei 8.429/1992, que, como salientado, alargou o rol de sanções de ato de improbidade administratriva.

Assim, o promotor de justiça necessariamente adequará o caso concreto às consequências estipuladas pelo ordenamento jurídico, para, por meio de tal subsunção, elaborar claramente ao juiz os requerimentos pertinentes.

Por fim, importante elucidar que o pedido pode sofrer: a) cumulação subjetiva, na qual o promotor requer ao juiz a fixação de consequências legais a mais de um agente ímprobo; b) cumulação objetiva, na qual o promotor requer ao juiz a estipulação de mais de uma consequência legal a um só agente ímprobo; c) alternatividade, na qual o promotor formula pedido subsidiário ao principal[69].

Em relação à causa de pedir na ação de improbidade administrativa, sinteticamente, o promotor de justiça narrará os fatos que permearam o ato ímprobo, bem como os fundamentos jurídicos do pedido a ser realizado.

Em razão da máxima iura novit curia (“o juiz conhece o direito”), o membro do ministério público terá que se ater principalmente à descrição pormenorizada dos fatos, que, correspondendo às previsões da Lei 8.428/1992, ensejará as devidas consequências ao agente ímprobo.

Neste sentido, ensina José Antonio Lisbôa Neiva:

Sem dúvida, esta é a parte mais importante da petição inicial da demanda de improbidade, pois se mostra indispensável a precisa narração da situação fática que ensejaria a adequação típica pertinente, com a sanção apropriada ao caso concreto. Causas de pedir com descrições concisas, ambíguas, obscuras e imprecisas obstaculizam o direito de defesa do demandado, haja vista a dificuldade de mensurar as consequências decorrentes do acolhimento da pretensão.[70]

Ainda, importante advertir que é essencial que o agente ministerial descreva o dolo ou a culpa do agente público no caso concreto, já que, como analisado em item pertinente, as espécies de atos de improbidade previstas na Lei 8.429/1992 exigem um ou outro para sua configuração.[71]

Neste ponto, a Lei de Improbidade Administrativa, reforçando a necessidade que o promotor de justiça apresente, em sede de inicial, a narração dos fatos relacionados ao ato ímprobo, expressamente prevê, no parágrafo 6º, do artigo 17, que "a ação será instruída com documentos ou justificação que contenham indícios suficientes da existência do ato de improbidade ou com razões fundamentadas da impossibilidade de apresentação de qualquer dessas provas, observada a legislação vigente, inclusive as disposições inscritas nos arts. 16 a 18 do Código de Processo Civil".

Assim, a Lei 8.429/1992 obriga que o promotor de justiça, desde a exordial, acoste possíveis demonstrações de que o ato de improbidade ocorreu ou, ao menos, justifique a razão de não ser possível fazê-lo.

Tal exigência inevitavelmente colabora para que o agente ministerial seja mais cauteloso e detalhista na exposição ao juiz de todas as notícias de improbidade que até então se acumularam.

Precisamente, pontifica Marino Pazzaglini Filho:

A petição inicial, por isso, além de conter os requisitos gerais estabelecidos no art. 282 do CPC, deve ser mais densa e consistente do que as das ações que não são submetidas à fase preambular, sob o crivo do contraditório, de sua admissibilidade. Significa, pois, que dela há de constar, com maior precisão, a descrição da improbidade imputada ao agente público, com seus fundamentos fáticos, probatórios e jurídicos. Não basta o mero protesto do autor por provas. É necessário que ele instrua a inicial com elementos probatórios, p. ex., perícias, documentos, dados, informações, testemunhos idôneos e aptos a demonstrar os fatos constitutivos de seu direito (art. 333 do CPC).[72]

Conclui-se, portanto, que o membro do Ministério Público necessariamente deve apresentar todo o material probatório havido por ocasião da fase de investigação e qualquer outro que tenha recebido à título de denúncia ou representação, com o escopo de dar à pretensão inicial o caráter de justa causa.[73]

A exigência é justificada pela impossibilidade de se afastar o parágrafo 8º, do artigo 17, da Lei de Improbidade Administrativa, que permite que o juiz rejeite a ação logo após a manifestação do ofendido, caso entenda, dentre outros, que o ato ímprobo não ocorreu.

Como enfatizado neste estudo, também em âmbito judicial, havendo necessidade, cumpre ao promotor de justiça requerer ao juiz, a qualquer tempo, a aplicação das medidas cautelares adequadas, a fim de se assegurar a integralidade do vindouro provimento judicial.

O promotor de justiça, em sequência, acompanhará os atos processuais a serem desenvolvidos, todos em decorrência do ajuizamento da ação de improbidade.

Para tanto, como assinalado, o agente ministerial observará as regras definidoras da sequência de atos processuais da ação ajuizada, sendo que, “pelas particularidades que apresenta, o procedimento é especial de jurisdição contensiosa”.[74]

Por último, vale a recordação de que, não se conformando com a sentença proferida, o Ministério Público não pode se aquietar, sendo dever do promotor de justiça apresentar a devida apelação ou o recurso competente aos Tribunais Superiores, a fim de que a probidade administrativa reste protegida em sua integralidade.

Pela presente exposição, é a condensação dos atos mais relevantes a serem praticados em âmbito judicial, de atribuição do membro do Ministério Público, especificamente no que diz respeito à proteção do direito fundamental à probidade administrativa.

Sobre o autor
Hugo Campitelli Zuan Esteves

Advogado. Graduado em Direito pela Universidade Norte do Paraná. Pós-Graduado em Direito do Estado pela Universidade Estadual de Londrina: especialista em Direito Constitucional. Pós-graduado pela Escola da Magistratura do Estado do Paraná. Docente em Kroton Educacional. Docente em Anhanguera.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ESTEVES, Hugo Campitelli Zuan. Reflexões sobre a atuação do Ministério Público na proteção do direito fundamental à probidade administrativa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 4999, 9 mar. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/56337. Acesso em: 23 nov. 2024.

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