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Reflexões sobre a atuação do Ministério Público na proteção do direito fundamental à probidade administrativa

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09/03/2017 às 10:13
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É o Ministério Público a instituição mais ativa e direcionada à proteção da probidade. Sua atuação é responsável por garantir não só a boa Administração Pública, mas também a preservação da própria dignidade à pessoa humana. Os instrumentos que materializam essa batalha estão todos plasmados na Lei nº 8.429/1992.

A ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA PROTEÇÃO DO DIREITO FUNDAMENTAL À PROBIDADE ADMINISTRATIVA

Como atua a instituição e os membros do Ministério Público na proteção do direito fundamental do invidívuo à probidade administrativa? Ou, ainda: com quais expedientes censura e investe contra a improbidade na Administração Pública?

A diretriz é dada pela Lei 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa), que, em nove dispositivos diferentes, prevê as maneiras possíveis de atuação do Ministério Público.

Contudo, há também de ser analisada a possibilidade de interferência de outras normas infraconstitucionais que auxiliem o desempenho da atividade em questão, bem como afirmar as bases constitucionais que sustentam a performance em defesa da tão fundamental honestidade administrativa.

Antes disso, a premissa da qual se deve partir é que o Ministério Público jamais pode desistir de proteger a coletividade de uma doença social exponencialmente degradante, como o é a improbidade administrativa.

Nos dizeres de Élcio Felix D´angelo e Suzi D`angelo:

[...] ao que buscamos, hodiernamente, qual seja, um Ministério Público social, com vistas, não somente às normas objetivas, mas também, aos problemas sociais que afligem toda a sociedade brasileira. O Ministério Público exerce seu labor sob a égide de leis e pelas virtudes éticas, o que não o torna uma pessoa invisível, pelo contrário, é autêntico e real, tendo como um de seus inimigos os agentes públicos ímprobos.[1]

Os autores continuam acertando:

[...] entendemos que o Ministério Público pode buscar um objetivo maior, superior à simples aplicação da norma positivada, como, por exemplo, exigindo e fiscalizando as condutas e os atos de qualquer agente público [...] é com pesar que vemos, ainda, pessoas levantando a bandeira da probidade administrativa aduzirem nos vários rincóes de nosso país que a instituição do Ministério Público tem dificultado o bom andamento da Administração Pública, porém, olvidam de que o Ministério Público respeita a discricionariedade do administrador, entretanto, não pode vendar os olhos ante os atos de improbidade cometidos por essas mesmas pessoas, que se dizem prejudicadas [...] Assim sendo, infere-se que o Ministério Público não é simplesmente aquela instituição que agia somente quando estimulada pelos processos judiciais ou por reclamações pessoais, mas, sim, aquela que tem uma participação efetiva nas diretrizes a serem adotadas para a condução consentânea de determinadas decisões político-jurídicas [...][2]

Relevante é o destaque de que a instituição do Ministério Público é independente e essencial à Justiça, pois, precisamente, coaduna-se com a aludida necessidade de o órgão ministerial colaborar para o fortalecimento paulatino do valor e da defesa da probidade administrativa.

Evidentemente, o estudo é pautado em disposições positivadas no ordenamento jurídico brasileiro, a fim de tornar assimilável a atuação do Ministério Público frente à improbidade administrativa.

Sem embargo, o breve destaque extrajurídico – ou, ao menos, extraprocessual –  pertinente diz respeito justamente à maneira como a sociedade encara a atuação do membro do Ministério Público no caso concreto, bem como  às críticas, na maioria das vezes infundada, que a instituição recebe.

Independentemente de afeições partidárias, certo é que o sentimento de desgosto, desesperança e exaustão são constantes nos indivíduos que prezam pela lealdade administrativa, especialmente quando o assunto da improbidade, por vezes embutida na corrupção, vem à tona.

Isto ocorre porque, em geral, o cidadão não acredita na própria reversibilidade do quadro atual de improbidade dentro da Administração Pública brasileira. Em outras palavras, sobrevindo mais uma notícia permeada de afrontas à moralidade jurídica, já há parcela da sociedade que permanece indiferente e sequer vislumbra solução.

Contudo, até mesmo a fração descrente cria dentro de si uma ponta de esperança quando o Ministério Público penetra o campo invadido pela improbidade administrativa. Ou seja, nota-se – ainda que mínima – expectativa no sentido de que os agentes públicos ímprobos recebam a punição e o tratamento que lhes é adequado.

 Daí, precipuamente, a imprescindibilidade absoluta de que a instituição ministerial jamais olvide esforços para combater a improbidade administrativa.

Como se perceberá, é o Ministério Público a instituição mais ativa e direcionada à proteção da probidade. Sem a atuação da instituição, seguramente haveria aumento no nível de insegurança por parte da sociedade brasileira no que tange à boa administração pública, além de, claro, elevada depreciação da própria dignidade à pessoa humana.

O agente ministerial, a todo tempo, precisa ter em mente que toda a sociedade honesta, sem exceção, deposita a ínfima confiança que possui na instituição. Também por isso, percebe-se que há, sim, sofrimento direto do cidadão, enquanto indivíduo, quando a improbidade é detectada.

Em razão disso, quando o combate à improbidade se revela satisfatório, a instituição é alvo de muitos elogios, seja por meio da imprensa, seja por meio da voz da própria sociedade organizada.

Por outro lado, considerando que o raio da improbidade engloba agentes públicos detentores das mais poderosas atribuições, o Ministério Público é também centro de ataques, concretizados de diversas maneiras.

Nesta análise, são deixadas de lado as merecidas críticas específicas e relativas à eventual atuação imperita de algum membro do Ministério Público, situação infeliz que, francamente, pode ocorrer em qualquer instituição.

O que está em exame é a retaliação injusta sofrida pelo Ministério Público, como instituição, em razão de seus membros apenas cumprirem o mandamento constitucional e legal.

As agressões ao Ministério Público formam espécie de resposta dos agentes ímprobos, os quais buscam avisar a instituição que, caso continuem agindo em respeito ao que manda a Constituição Federal, receberão alguma espécie de tratamento prejudicial, o que denota o paradoxo em que se encaixa a atuação do Ministério Público no combate à improbidade administrativa.

Tais ofensivas podem ser exemplificadas com alterações legislativas propositadamente voltadas a, de alguma forma, depreciar o Ministério Público, ou, ainda, na escancarada divulgação de informações manifestamente inverídicas e que, por invencionismo, culpam a instituição pela existência do ato ímprobo.

 Seja qual for a espécie de investida, são manifestas as tentativas de reduzir e embaraçar a atuação do Ministério Público no campo da improbidade administrativa.

Tal situação revela grande incoerência objetiva, já que o Ministério Público representa componente do remédio da improbidade, mas, ao mesmo tempo, traduz enorme coerência subjetiva, pois somente ao ímprobo interessa que o Ministério Público se furte da defesa da probidade.

De todo modo, trata-se de mero comentário introdutório ao tema, que exigiria estudo ainda mais aprofundado em outra direção. Por isso, torna-se essencial fixar novamente a importância de ter o Ministério Público sua independência consagrada, assim como veja protegida a maneira como atua na proteção da probidade, sem quaisquer reduções, já que o ordenamento jurídico assim impõe.

Assim, passa-se a alinhavar o modelo atual de atuação do Ministério Público na tutela do direito fundamental à probidade administrativa.


A POSSIBILIDADE DE REQUERIMENTO DE MEDIDAS CAUTELARES

Nessa oportunidade, investiga-se sobre a possibilidade de haver requerimento pelo Ministério Público de medidas cautelares, no âmbito da proteção do direito à probidade administrativa, assim como quais delas efetivamente seriam admissíveis e os requisitos que exigiriam.

Para tanto, ainda antes, é necessário evocar alguma noção de medida cautelar.

A tutela cautelar representa uma medida que é insuficiente à pretensão do autor, pois não possibilita que o juiz antecipe a decisão final. Contudo, a medida cautelar torna praticáveis pelo magistrado algumas “providências de resguardo, proteção e preservação dos direitos em litígio”[3].

É sabido que o Poder Judiciário brasileiro, em qualquer espécie de ação e processo, sofre com a morosidade em obter um provimento judicial definitivo. Neste intervalo, é bastante possível que o objeto da ação se perca, por ato intencional do agente ou não.

Especificamente no âmbito da improbidade administrativa, a Lei 8.429/1992 traz, como resultado final, diversas sanções, das mais variadas naturezas e de importâncias valorosas, tudo conforme estudado.

Assim, considerando possível a medida cautelar no campo da improbidade, assegurar-se-ia a proteção do maior e final direito fundamental, qual seja, a probidade administrativa, que não se perderia com o decurso do tempo.

A dúvida pertinente à possibilidade ou não de se utilizar medidas cautelares que assegurem o resultado decorrente da prática de um ato ímprobo é encerrada pela própria Lei de Improbidade Administrativa, que, de fato, prevê expressamente medidas cautelares.

As medidas cautelares previstas pela Lei 8.429/1992 estão discriminadas nos artigos 7º, 16 (caput e parágrafo 2º) e 20, parágrafo único, sendo: a indisponibilidade dos bens do indiciado; o sequestro de bens do agente ou terceiro; a investigação, o exame e o bloqueio de bens, contas bancárias e aplicações financeiras; e, por fim, o afastamento do agente público.

Cada uma das possíveis providências cautelares merece análise separada.

Antes, porém, convém ressaltar que ter o legislador previsto expressamente medidas cautelares na Lei 8.429/92 não impede que, no âmbito da improbidade administrativa, “outras possam ser adotadas, tanto inominadas como previstas no estatuto processual, uma vez evidenciada sua urgência”[4].

Desta forma, percebe-se, de imediato, a incidência direta do Código de Processo Civil no que tange ao regramento das medidas cautelares, que poderão, sim, sofrer utilização no campo da improbidade. Assim, qualquer medida cautelar que efetivamente assegure o provimento final poderá ser utilizada, especialmente, claro, as destacadas pela Lei de Improbidade Administrativa.

Com relação às regras do Código de Processo Civil e sua ligação com as cautelares previstas pela Lei de Improbidade Administrativa, preciso o ensinamento de Wallace Paiva Martins Júnior:

Não obstante possua a lei instrumentos cautelares próprios para assegurar o cumprimento da perda dos bens adquiridos com recursos derivados de enriquecimento ilícito do agente ou para o ressarcimento do dano ao patrimônio público (sequestro e indisponibilidade dos bens), bem como para a garantia da instrução do processo (afastamento provisório), são admissíveis a concessão de liminar na própria ação civil pública ou em cautelar dependente ou preparatória ou a aplicação da tutela antecipatória genérica (art. 273, na hipótese de seu inciso I, do CPC) [...] [5]

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De toda forma, imprescindível destacar aquelas medidas cautelares expressamente trazidas pela Lei 8.429/1992, as quais deverão ser requeridas pelo membro do Ministério Público, que, por sua vez, obrigatoriamente deve se atentar ao momento em que cada uma delas se mostra adequada e necessária, a fim de resguardar aquilo que a demanda protetora da probidade pretende.

Prefere-se, por didático, discriminar a existência de cada uma das medidas cautelares, sem, contudo, antecipar a explicação acerca da participação do Ministério Público no procedimento administrativo de improbidade e no processo judicial (ação de improbidade propriamente dita), institutos que merecem desenvolvimento em itens apartados.

Como salientado, a primeira medida cautelar prevista na Lei de Improbidade Administrativa é a indisponibilidade de bens do indiciado. O artigo 7º, caput, e o seu parágrafo único possuem a seguinte redação:

Art. 7° Quando o ato de improbidade causar lesão ao patrimônio público ou ensejar enriquecimento ilícito, caberá a autoridade administrativa responsável pelo inquérito representar ao Ministério Público, para a indisponibilidade dos bens do indiciado.

Parágrafo único. A indisponibilidade a que se refere o caput deste artigo recairá sobre bens que assegurem o integral ressarcimento do dano, ou sobre o acréscimo patrimonial resultante do enriquecimento ilícito. [6]

A indisponibilidade de bens, como mencionado, foi abordada como uma das sanções do ato de improbidade administrativa, prevista tanto na Lei 8.429/1992, como também no parágrafo 4º, do artigo 37, da Constituição Federal.

No entanto, o artigo 7º, da lei em questão, trata de uma “providência cautelar obrigatória, cujo desiderato é assegurar a eficácia dos provimentos condenatórios patrimoniais, evitando-se práticas ostensivas, fraudulentas ou simuladas de dissipação patrimonial”[7].

Dessa maneira, entende-se que o dispositivo traz uma perspectiva assecuratória à indisponibilidade de bens, isto é, servirá para, como a própria letra da lei afirma, assegurar o integral ressarcimento do dano ou para garantir a devolução do montante havido a título de enriquecimento ilícito, que naturalmente aconteceriam no final de uma demanda.

Para tanto, a indisponibilidade de bens proíbe e congela qualquer possibilidade de o agente público alienar (em sentido amplo) os bens havidos por meio do ato ímprobo. O caput do artigo 7º aparentemente deixa claro que a medida cautelar de indisponibilidade de bens só é cabível quando o ato ímprobo causar lesão ao patrimônio público ou importar enriquecimento ilícito, ou seja, quando realizar a subsunção aos artigos 9º e 10 da Lei 8.429/1992.

Por consequência, seguindo este raciocínio, restaria excluída a hipótese de indisponibilidade de bens quando o ato de improbidade administrativa atentasse contra os princípios da administração pública (artigo 11, da Lei 8.429/1992).

Contudo, há entendimento doutrinário que afirma que esta é uma visão incorreta, pois, havendo ato de improbidade administrativa que fira princípio da administração e, ao mesmo tempo, cause lesão ao erário, também é cabível a indisponibilidade de bens na hipótese do artigo 11, da Lei 8.429/1992[8].

Em relação aos requisitos necessários à concessão da indisponibilidade de bens, já houve alguma discussão doutrinária e jurisprudencial. Hoje, a questão está pacificada pelo Superior Tribunal de Justiça.

Em resumo, muito embora parcela da doutrina entenda que tanto o fumus boni iuris quanto o periculum in mora careçam de demonstração[9] - assim como já entendeu o STJ -, o Superior Tribunal de Justiça tem atualmente entendimento consagrado no sentido de que apenas o primeiro necessita ser evidenciado.

É a atual posição do Superior Tribunal de Justiça:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. MEDIDA CAUTELAR DE INDISPONIBILIDADE DE BENS. PREVISÃO CONSTITUCIONAL (ART. 37, §  4º) PERICULUM IN MORA PRESUMIDO. FUMUS BONI IURIS: INDISPENSABILIDADE.

1. A indisponibilidade de bens é medida que, por força do art. 37, § 4º da Constituição, decorre automaticamente do ato de improbidade.

Daí o acertado entendimento do STJ no sentido de que, para a decretação de tal medida, nos termos do art. 7º da Lei 8.429/92, dispensa-se a demonstração do risco de dano (periculum in mora), que é presumido pela norma, bastando ao demandante deixar evidenciada a relevância do direito (fumus boni iuris) relativamente à configuração do ato de improbidade e à sua autoria [...]. [10]

Assim, o membro do Ministério Público não pode, e nem deve, aguardar que o agente público ímprobo desapareça – ou esteja em situação próxima de desaparecer – com os bens que serviriam para assegurar o ressarcimento aos cofres públicos.

Em outras palavras, para que promotor requeira a medida cautelar de indisponibilidade de bens, com base na compreensão do STJ, basta que demonstre alguns indícios de que o agente público tenha cometido o ato de improbidade, o que será suficiente para impedir que este aliene seus bens.

Em continuidade, o artigo 16, caput e parágrafos 1º e 2º, da Lei 8.429/1992, prevêem as medidas cautelares de sequestro de bens do agente ou terceiro, e a investigação, o exame e o bloqueio de bens, contas bancárias e aplicações financeiras. É a redação do dispositivo:

Art. 16. Havendo fundados indícios de responsabilidade, a comissão representará ao Ministério Público ou à procuradoria do órgão para que requeira ao juízo competente a decretação do seqüestro dos bens do agente ou terceiro que tenha enriquecido ilicitamente ou causado dano ao patrimônio público.

§ 1º O pedido de seqüestro será processado de acordo com o disposto nos arts. 822 e 825 do Código de Processo Civil.

§ 2° Quando for o caso, o pedido incluirá a investigação, o exame e o bloqueio de bens, contas bancárias e aplicações financeiras mantidas pelo indiciado no exterior, nos termos da lei e dos tratados internacionais.[11]

Em relação ao sequestro, este pode ser conceituado como “medida cautelar de constrição de bens determinados e específicos, discutidos em processo judicial, que correm o risco de perecer ou de danificar-se”[12].

Assim, o Ministério Público também possui legitimidade para requerer o sequestro dos bens do próprio agente ímprobo ou até mesmo de um terceiro, desde que tenham enriquecido de maneira indevida ou tenham lesionado os cofres públicos.

Ainda, o dispostivo é claro ao exigir a constatação de fundados indícios de responsabilidade do agente público. Isto é, “a lei exige indícios sérios, fundados, de responsabilidade, afastando de pronto vagas presunções sem concatenação lógica”[13].

Para a Lei de Improbidade Administrativa, portanto, o Ministério Público pode pleitear a separação de alguns bens singulares do agente ímprobo, com o fito de conservá-los até o final da demanda, para que sejam reintegrados ao patrimônio da Administração Pública.

Entretanto, há de reconhecer algum problema em manejar o sequestro propriamente dito, pois este só restaria cabível quando o bem em discussão fosse indevidamente transferido da propriedade da Administração para a propriedade do agente ímprobo.

Por isso, parte da doutrina entende que o termo correto deveria ser arresto, o qual serviria para apreender qualquer espécie de bem do agente ímprobo, com o escopo de garantir o futuro ressarcimento à Administração Pública, situação que, por sua vez, não configura prejuízo, já que o Código de Processo Civil é inteiramente aplicável[14], como destacado.

Aliás, até mesmo para o próprio sequestro é clara a disposição do parágrafo 1º, que manda aplicar as regras contidas no Código de Processo Civil, submetendo, assim, o instituto à carta processual.

A orientação jurisprudencial segue o raciocínio elaborado para a medida cautelar de indisponibilidade de bens, sendo certo que, no caso do sequestro, também é “inexigível comprovação do estado de perigo de dano irreparável ou de difícil reparação”[15].

Assim, o promotor que atua no caso concreto deve permanecer em constante vigia, já que, configurado aquilo que a própria lei denomina de “fundados indícios de responsabilidade”, já há elementos suficientes para o requerimento da medida de sequestro.

Como se vê, a preocupação da lei é justamente que o Ministério Público aja rapidamente e provoque o Poder Judiciário, alertando-o sobre a urgência da tutela, no sentido de que merece ser decretada o mais rápido possível, tudo com a finalidade elementar de assegurar que a Administração Pública retorne, posteriormente, ao estado anterior à prática do ato ímprobo.

Para assegurar tal resultado, inclusive, o parágrafo 2º, do dispositivo em tela, adiciona possíveis pedidos no requerimento de sequestro, como a investigação, exame e bloqueio de bens, contas bancárias e aplicações financeiras.

Em relação a estes pedidos, compactua-se com o ensinamento de José Antonio Lisbôa Neiva:

Entendemos, porém, que o bloqueio de bens é obtido na tutela de indisponibilidade, razão pela qual o dispositivo seria aplicável à ação cautelar prevista no art. 7º da LIA e, no que se refere à investigação e exame de bens, tais providências estariam inseridas na demanda cautelar de sequestro, como instrumento para a localização e verificação dos bens que poderiam ser apreendidos, ou em demanda cautelar preparatória (não de sequestro), apta a assegurar adequada investigação da situação econômico-financeira do agente público e partícipe, para uma futura e eventual ação, que poderia ter por finalidade o sequestro ou a indisponibilidade de bens.[16]

De toda maneira, são também instrumentos idôneos à atuação do Ministério Público e que deverão reger o comportamento do membro da instituição, o qual necessita de elevado grau técnico e manifesta perícia para desempenhar requerimentos eficientes à proteção do patrimônio da Administração Pública que esteja em mãos ímprobas.

Por fim, como última medida cautelar prevista pela Lei 8.429/1992, o artigo 20, parágrafo único, prevê o afastamento do agente público, dispondo ser determinável pelo juiz ou administrador o “afastamento do agente público do exercício do cargo, emprego ou função, sem prejuízo da remuneração, quando a medida se fizer necessária à instrução processual”.

Em relação ao afastamento do agente público, destacável a sua excepcionalidade como medida cautelar, notadamente porque o caput do mesmo dispositivo exige a coisa julgada para que o agente público efetivamente perca suas funções.

Assim, deve existir alguma circunstância que realmente demonstre a imprescindibilidade de que determinado agente, que acaba de praticar o ato ímprobo, seja sumariamente afastado das funções que exercia dentro da Administração Pública.

Tal pretexto é trazido pela própria letra da lei, que exige, para o afastamento cautelar, que o agente ímprobo tenha alguma espécie de comportamento visando deteriorar a instrução processual do caso em que é investigado ou réu.

Por isso, valiosa a admoestação de Marino Pazzaglini Filho:

[...] a medida cautelar de afastamento provisório do agente público, que está sendo investigado ou processado por ato de improbidade administrativa, do seu cargo, emprego ou função pública, por ser medida das mais severas, inclusive com a amplitude de suspensão do mandato eletivo, esmorecendo-se a vontade popular expressa nas urnas, reveste-se de excepcionalidade e só é lícita a sua concessão quando existam, nos autos, provas incontroversas de que sua permanência (no cargo, emprego ou função pública) poderá causar (ou está causando) dano efetivo à instrução processual (apuração do ato de improbidade adminsitrativa que lhe foi imputado).[17]

De tal forma, o promotor de justiça combatente, também nesta hipótese, deve conservar algum estado de alerta, para que, verificando que o agente público ímprobo dê início a algum tipo de alvoraçamento dirigido à instrução processual, como ato que atente contra documentos, perícias, inspeções, testemunhas, depoimentos, desde logo, requeira ao juiz o seu afastamento.

A justificativa aparente da norma é vislumbrada pela constatação de que o agente público, quando remanescente no munus público e dotado de prerrogativas em razão disso, consegue facilmente influenciar em questões probatórias referentes ao ato de improbidade que ele próprio cometeu.

Assim, surge a necessidade de afastá-lo e retirá-lo de dentro da Administração Pública, para que a verdade real, tão almejada pelo processo que instrumentaliza eventual ação de improbidade ou procedimento administrativo, efetivamente seja alcançada, punindo o ímprobo ou não, conforme o resultado final.

A doutrina entende que os únicos requisitos para requerer tal medida de afastamento são o aparente cometimento de improbidade pelo agente e a constatação de que este esteja praticando ato contra a instrução processual, não englobando-se como fundamento a “reincidência em novos atos de improbidade administrativa”[18].

Inclusive, é a posição pacificada pelo Superior Tribunal de Justiça, nos seguintes termos:

[...] A espécie comporta aludida exceção, pois a jurisprudência deste Superior Tribunal é taxativa no sentido de admitir o afastamento cautelar do agente público somente quando este, no exercício de suas funções, puser em risco a instrução processual, não sendo lícito invocar a relevância ou posição do cargo para a imposição da medida. [...] [19]

Para concluir, como salientado, os institutos analisados foram previstos expressamente pela Lei de Improbidade Administrativa, dividindo-se cada um deles de acordo com a sua própria peculiaridade.

O realce fundamental é que referidas previsões obrigam o promotor de justiça a agir com maior celeridade e destreza de percepção, ante o caráter cautelar das medidas, sem prejuízo de que o membro da instituição possa também se valer de quaisquer das medidas cautelares previstas pelo ordenamento jurídico, quando necessárias e adequadas no caso concreto.

Em resumo, no mesmo instante que o promotor de justiça percebe que os rumos de uma investigação administrativa ou de um procedimento judicial referente à improbidade possam ser desviados, por alguma razão, deverá enquadrar alguma das medidas analisadas ao caso concreto, requerendo a sua aplicação urgentemente.

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Sobre o autor
Hugo Campitelli Zuan Esteves

Advogado. Graduado em Direito pela Universidade Norte do Paraná. Pós-Graduado em Direito do Estado pela Universidade Estadual de Londrina: especialista em Direito Constitucional. Pós-graduado pela Escola da Magistratura do Estado do Paraná. Docente em Kroton Educacional. Docente em Anhanguera.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ESTEVES, Hugo Campitelli Zuan. Reflexões sobre a atuação do Ministério Público na proteção do direito fundamental à probidade administrativa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 4999, 9 mar. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/56337. Acesso em: 25 abr. 2024.

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